Capuz Vermelho - 2ª Temporada escrita por L R Rodrigues


Capítulo 18
Último desafio (Parte 3)


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Dois mundos se confrontavam em silêncio. Duas faces, uma diante da outra, diferentes e divergentes. Os punhos fortemente cerrados de Hector denunciavam sua ascendente preocupação. Josh já havia demorado tempo demais apenas para trazer um homem decadente. "Não. Eu estou sonhando... É um pesadelo, só pode ser! O esperado era que Mollock viesse logo após Loub...", fez uma pausa nos pensamentos para avaliar as possibilidades. De fato, não lhe era muito fácil dar-se conta dos inevitáveis fracassos que cada plano idealizado tendia a sofrer. Naquela situação específica, Hector jamais admitiria uma falha sequer. "Tudo bem... vou tentar manter a calma na medida do possível. Na esperança de que Josh virá em pouco tempo ... mas as implicações... Não, não quero nem imaginar! Só a presença de Mollock aqui já derruba mais da metade da eficácia que eu previa para o plano.", pensou o caçador, claramente desanimado.

Ambos ficaram trocaram olhares distintos e mantinham uma certa distância. Hector e sua raiva irreprimível. Mollock e seu sorriso de prematura vitória. Ambos esperavam que um deles fosse quebrar o silêncio.

— Diga-me. - disse Mollock, calmamente. - O que realmente está esperando?

Hector fizera esforço para tentar responder algo que soasse convincente para aquela mente em desenfreado progresso. Instantes depois, a resposta mais cabível estava na ponta da língua.

— Espero que me revele o que fez com Eleonor! - exclamou o caçador, ríspido. - Apenas me diga onde ela está!

— Como um rei em evidente ascensão, eu peço que me trate com mais respeito. - exigiu Mollock. - Você é um intruso e não faz ideia do quanto eu estou segurando minha vontade de estripa-lo até a morte, sem deixar nenhum pedaço de carne solto. - disse ele, com firmeza. - Foi fácil demais captura-la. No exato momento em que vocês estavam sendo levados pelo exército que mandei, um deles dirigiu-se à um atalho em um corredor alternativo. Este atalho levava até a minha sala. Sendo assim, fui informado dos caráteres dos intrusos. Dois caçadores e uma bruxa.

— E como procedeu para rapta-la? - perguntou Hector, baixando o tom de voz.

— Simples demais. Muito antes de vocês alcançarem a metade do corredor, eu havia enviado um soldado para que ficasse "preso" ao teto e, assim, realizasse um ataque-surpresa, muito eficaz e silencioso que só os meus soldados são capazes de fazê-lo. Técnicas precisas de perda temporária de consciência. - revelou, exalando uma soberba sem igual.

— Para onde a levaram? - indagou Hector, retomando o tom severo.

— Um lugar especialmente secreto, nada muito relevante. Afinal, seria muito fácil para você se presumisse que ela estaria na minha sala, mas, a princípio, não me passou pela cabeça leva-la para meu recinto. - contou, andando tranquilamente para um lado. - Ela foi muito abusada para meu gosto, se quer saber. Se não suporto ofensas gratuitas, eu revido com o dobro do peso da palavras.

Hector sentiu o sangue ferver e subir à cabeça.

— "Eu revido"? Você a violentou? O que esperava obter com isso?

Mollock fez um gesto com o indicador, exigindo paciência por parte do caçador ansioso e desesperado.

— Repito: Uma pergunta de cada vez. - disse ele, categórico. - Vamos à primeira: Sim, e com muito prazer, ressalto. - fechou os olhos, sorrindo. - A segunda: Eu apenas necessitava de um último elemento para que eu pudesse concluir minha missão. Ao que parece, uma bruxa entre nós foi muito conveniente para nós dois. Não acha. Hector? - soltou uma baixa risada.

Hector continuava a fulmina-lo com os olhos, espantado com audácia daquele monstro de pelagem marrom escuro e de quase 1,90m.

— E do que se trata a sua missão, afinal?

— Eu li sobre a magia negra utilizada pelas antigas bruxas. É fascinante. E percebi, logo de imediato, que aquilo era exatamente o que eu precisava para ter acesso ao lugar de minha ascensão. Irei me tornar um Deus, e apenas um feitiço me separa desta conquista.

"Um feitiço!? Não... se for o que estou pensando...". Hector paralisou, em transe, imaginando o pior.

— Talvez ela tenha lhe dito uma lista específica dos que usaria quando se aliou a você. Estou certo? - perguntou Mollock, desafiando a paciência de Hector.

— Não desvie do assunto! Sei muito bem o que está objetivando. Que tipo de feitiço ela revelou à você? - o caçador deu alguns passos à frente, quase que como ganhando coragem para enfrentar o algoz sem hesitação.

Mollock deu uma risada de escárnio, como se estivesse bêbado ou comemorando alguma façanha.

— Você é insistente, como eu esperava. - olhou para Hector analiticamente. - Mas sendo direto... Eu recorri a métodos radicais para obter uma resposta. Em alguns livros que li, os humanos possuem uma espécie de força de elite protetora chamada Polícia, designada a lutar contra aqueles que praticam atos que vão contra as leis humanas. Eu utilizei um método especial deles quando queriam conseguir uma confissão. - fez uma pausa. - Tortura... a melhor forma de fazer alguém falar. Impor o medo da morte lenta e dolorosa é a chave para que seu cativo revele tudo o que você precisa saber...

                                                                                ***

Uma cusparada de sangue cintilou em meio à luz branca e fluorescente daquele recinto imundo e quadrado. No chão haviam gotas e manchas de sangue. Sobre ele, uma mulher... amarrada com os braços para cima com cordas presas ao teto. Seus pés mal tocavam o chão, balançando enquanto tentava se libertar. 

Eleonor voltou seus olhos para o ser ignóbil à sua frente. Fitou-o furiosamente, desejando que através de seus olhos dois raios disparassem e pulverizassem aquela monstruosa figura. Seus lisos cabelos castanhos estavam meio bagunçados e seu rosto estava deveras machucado, os hematomas inchados. 

Mollock a olhava sério, ansiando apressadamente por respostas. Três soldados estavam atrás dele, de reserva para no caso dela tentar alguma artimanha. Lera sobre bruxas atentamente e sabia que as feiticeiras mais temidas e perigosas da história sempre possuíam cartas na manga. "Uma pena que não tiveram tanta sorte nos tempos da Inquisição.", pensou Mollock, relembrando os bons e velhos livros de história que devorara. 

— Eu vou repetir: Eu preciso da magia de teleporte. O Goétia! - vociferou ele contra Eleonor, impaciente. - Não me pergunte para quê, apenas me responda! 

— O Goétia possui um exemplar único e de valor incalculável, praticamente invendável. - disse Eleonor, arfando e falando muito depressa. - O que quer que você tenha lido ou quem quer que tenha trazido este livro para o museu, talvez seja uma cópia falsa muito barata e alguém sem nenhum conhecimento de verdadeira e pura magia negra. Além do mais, por que um livro de bruxaria como este faria parte da biblioteca? Até onde eu sei, a Biblioteca do museu é um dos pontos mais visitados em todas as épocas do ano. Alguém que tenho encontrado o Goétia por acaso já teria dito à direção do museu e teria causado alguma polêmica. 

— Então argumenta que o exemplar que li dias atrás não passa de um falso livro de bruxaria!? Impossível! - exclamou Mollock, nada convencido. 

— Você mesmo disse! A parte dos rituais e feitiços de defesa e ataque não constavam nesse livro! Eu posso jurar pra você, seu "lobisomem-demônio": Ainda não faz muito tempo que faço parte do Coven, embora eu já tenha certo aprendizado de nível mais alto e a última parte do Goétia está além do meu alcance. Em outras palavras: Eu não posso dar o que você quer! - a bruxa dera um sorriso de canto de boca. 

Mollock, impulsivo, bofeteou o rosto da moça, castigando-a pela atitude e postura. 

Eleonor, cansada, cuspiu mais um bocado de sangue. 

— Está perdendo o seu tempo, se acha que me fazer de saco de pancadas vai ajudar você a se tornar um rei digno. - provocou ela. - Talvez eu me lembre... mas já não encontro forças para continuar vivendo... 

— Bruxas são mentirosas patológicas. - afirmou Mollock, com desdém. - Então admite que mentiu esse tempo todo. Você sabe como se faz... - aproximou o rosto do dela, seu focinho expelindo uma respiração gélida. - Sabe, as vidas de seus amigos caçadores vão estar por um fio em pouco tempo. A menos que me fale as palavras mágicas. É só o que preciso. - a fitou mais penetrantemente. 

— Você quer as palavras? - disse Eleonor, olhando-o fixamente. - Aqui vai três: Vai se ferrar! 

Mais uma bofetada violenta. Sangue espirrou para um lado, as garras de Mollock conseguiam trazer seriedade aos ferimentos de Eleonor. Agarrou o seu pescoço e aproximou-a ainda mais de seu rosto. 

— A ascensão de um futuro Deus não pode esperar. - disse ele, quase sussurrando. - O que é a dignidade de um rei comparada à magnificência de um Deus? Hein? - sacudiu de leve o pescoço da moça. - Algo está à minha espera. Algo foi reservado à mim e eu não posso ficar um minuto a mais sem saber como conseguir este tesouro. Eu vou enlouquecer se não me disser! 

— Então enlouqueça... como naquela vez... - Eleonor mal conseguia falar, quase sem fôlego, o pescoço sendo fortemente apertado. - ... quando você enfrentou Belial. 

— De quem está falando? 

— O demônio... - tossiu de leve. - ... o enviei para que distraísse você... para que você se convencesse de que o poder não é uma conquista, mas sim uma ilusão. E isso é verdade. Você não tem poder nenhum. Apenas uma ambição cega e... 

— Cale-se! - vociferou Mollock, soltando o pescoço de Eleonor. - Eu vou pedir pela última vez! Quais são as palavras para se fazer a magia de teleporte? - rangera os dentes, no limite da explosão de ódio. - Se negue mais uma vez e diga adeus aos seus companheiros! 

Eleonor baixara a cabeça por uns instantes, parecendo reflexiva quanto à ameaça. Queria chorar naquele momento, mas estava intimidada demais para deixar cair alguma lágrima. Respirava com dificuldade naquele ambiente infestado dos piores odores que o olfato humano pode rejeitar. "Hector... Josh... me perdoem.", pensou ela, corajosamente decidida. "Principalmente você, Hector. Se minha voz mental pudesse te alcançar... eu faria mil pedidos de perdão... pelo erro que vou cometer agora.". Uma lágrima escorrera finalmente... e caiu cintilante no chão sujo. 

Levantou lentamente a cabeça. Olhou para Mollock com ar melancólico e taciturno. 

— Muito bem. - disse ela, preparando-se. - Você deve desenhar um símbolo... que só poderá conseguir se me libertar e eu desenho para você. - fez uma pausa, fechando os olhos para fazer escorrer mais uma lágrima. - Mas antes... vou falar o dialeto do ritual... Você só precisa dizer... 

                                                                             ***

— E foi assim que consegui o meu maior trunfo. - disse Mollock, orgulhoso de si. - Embora eu não entendesse aquela palavras, elas soaram como uma música sinfônica... Isto me lembra um humano chamado Beethoven, cujas criações sonoras são belas. Talvez eu não odeie tanto a raça humana por existir esse incrível invento chamado música. - revelou ele, honestamente.

Hector deu mais um passo à frente, olhando para o relógio. 16:20. Um suspiro vagaroso e desesperançado foi o máximo que o caçador poderia fazer a fim de aliviar o desespero. Voltou-se para Mollock.

— Daqui a 4 horas o Exército virá para desfazer seus planos. E não pense que o que fez à Eleonor ficará impune.

— O que vai fazer? - desafiou Mollock, também dando passos à frente. - Pelo que pude constatar em minhas leituras mais profundas, a justiça humana é genuinamente falha. Não vai cometer o erro de usa-la a seu favor. E quanto a estes humanos com seus poderios militares... eles vão sentir o calor das suas bombas bem de perto. - deu um sorriso malicioso.

Hector logo percebera uma ponta de ameaça analisando a expressão do pupilo de Abamanu.

— Planejou algo para barrar a ação do Exército?

— Medidas preventivas, nada mais. - respondeu, secamente. - E quando meu reinado como um Deus se constituir, este lugar não será nada além de cinzas... se é que me entende, caçador.

"O que ele quer dizer com tudo isso? Espere... cinzas... medidas preventivas...." , pensava Hector, com cuidado. Um lampejo súbito quase fez seu queixo cair. "Será que... Não, não pode ser! Mollock realmente considera explodir o museu!?".

— Chegou a hora de sanar as minhas dúvidas: Onde está o meu pai? - perguntou Mollock, rosnando.

As portas duplas que fazem a entrada principal da Ala II das armas se abrira repentinamente. Surgiram duas figuras exaustas e arquejando intensamente, entrando em disparada... mas parando logo no mesmo instante. Josh carregava Loub segurando seu braço sobre sua nuca. O cientista desistira facilmente da corrida desenfreada se queixando da dor lancinante nas pernas e joelhos. Ambos esbugalharam os olhos simultaneamente ao depararem-se com Mollock, parado bem diante de Hector e com as garras crescendo, provavelmente querendo tentar um ataque inesperado.

— Ah! Não pode ser! Maldição! - praguejou Loub em voz alta.

— Ai, meu deus... - disse Josh, sentindo as pernas ficarem bambas. - Chegamos tarde demais.

Mollock fixou seu olhar diretamente em Loub, assombrado com o que via. "Papai!".

— Largue-o! - exclamou ele para Josh. - Agora!

O caçador de aluguel virou-se para Hector. "O que eu faço agora? Ficamos perdidos por horas e agora me meto em mais uma encrenca de novo! Se eu joga-lo para Hector, talvez... não, não, isso seria estupidez e das grandes! Pense, Josh, pense em algo!".

Loub discretamente olhou para a figura de Hector no centro da sala. O enxergou como a faceta de um herói persistente e esbanjando uma bravura única. "É o meu garoto prodígio", pensou ele, relembrando os tempos em que visitava seu velho amigo e colega de universidade John, pai de Hector... assassinado a sangue frio pela primeira quimera licantrópica criada por Loub. "Se ele soubesse o quanto me arrependo... todo esse rancor... todo esse ódio sumiria de seu coração pra sempre.".

— Eu mandei larga-lo! - exigiu Mollock, sua voz reverberando por todo o espaço.

Josh tremera. Sabia exatamente o que devia fazer se quisesse sair daquela enrascada. Loub voltou-se à ele e deu uma piscadela seguida de um aceno com a cabeça. Josh retribuiu e decidiu-se.

— Vai! - soltou Loub na direção de Hector com um leve empurrão.

O ex-Red Wolf correra mancando até o caçador-detetive. Mollock, por instinto, endoidecera de raiva. Lançou um urro rápido no ar e um rosnado logo em seguida, correndo a toda a velocidade na direção de Josh, intencionando ataca-lo, as garras prontas para uma investida. O caçador de aluguel sacara uma pistola calibre 45 e correu para o outro lado disparando incessantemente.

— Josh, não! - gritou Hector.

As balas ricocheteavam quando atingiam o corpo de Mollock indo direto para as paredes ou para o chão. Uma delas atingiu o ombro esquerdo de Josh em uma fração de segundos. O caçador rapidamente caiu, abatido, largando a arma. Ouviu um rápido gemido de dor por parte dele logo ao cair. Rolou pelo chão umas duas vezes, contorcido, o sangue jorrando em abundância. Tentou pressionar a ferida, mas, antes que tivesse a chance, Mollock já se via próximo o bastante para lançar um golpe mortal. O rei erguera uma mão com as garras reluzindo à luz dos candelabros no teto.

— Não vou deixar! - berrou Hector, sacando um revólver e apontando para Mollock. Loub ficara aturdido assistindo á cena, sem ação.

As garras de Mollock desceram contra o corpo de Josh quase que imperceptivelmente. Um som baixo de pele sendo esfaqueada foi ouvido. Josh sentiu as garras atravessarem a lateral de seu corpo como inúmeras facas cirúrgicas entrando de uma só vez. A pior dor que temia estava sentindo naquele exato momento. Vomitou uma certa quantidade de sangue no chão.

Hector, rápido como um foguete, atirou na cabeça de Mollock, que logo rolou pelo chão, mas quase não sentindo nada do disparo. Já estava se levantando quando pequenas gotículas de sangue escorriam pela sua testa para sua boca. Lambeu uma gota, sorrindo. "Armas humanas...", pensou ele.

O corpo de Josh gemia e tremia, quase agonizante. Hector foi se aproximando lentamente dele... com enorme pesar nos olhos marejados. Agachou-se ao lado do amigo gravemente ferido.

— Seu tolo. - disse ele. - Deveria ter escapado enquanto teve a oportunidade.

Josh o olhou, forçando um sorriso, os brancos dentes sujos de sangue.

— Hector... você é um cara de muita sorte, sabia?

— Por que diz isso?

— Tá brincando? Essa é a criatura mais poderosa que já vi um caçador enfrentar. - fez uma pausa, tossindo fortemente. - O Mestre ficaria muito orgulhoso. Se lembra que no acampamento você era minha maior inspiração? Você era o melhor do grupo de seleção, vencia todos os testes.

— Sim, eu lembro... como se fosse o dia de ontem. - disse Hector, os olhos lacrimejando.

— Pois é... eu posso estar sentindo essa dor insuportável aqui, mas eu me sinto feliz.

— Pelo quê? - a voz de Hector estava trêmula.

— Por ter dado o meu melhor... e principalmente por ter sido o seu parceiro... isso é um mérito que jamais vou me esquecer. - Josh já estava ofegando de modo dramático, a ferida expelindo um sangramento constante. - A gente sobrevive com um só rim, não é? Diz que é verdade...

Hector baixara a cabeça, fechando os olhos, as lágrimas tomando seu curso pelo rosto.

— Ahn... Hector. Bruxas conseguem se comunicar com espíritos? - perguntou, os lábios ressecando.

— Eu não sei. - disse o caçador, balançando levemente a cabeça. - Talvez, quem sabe.

— Eu espero que sim, porque... diga para Eleonor que ainda vamos nos encontrar... no lado de lá.

— Eu também desejo que isso aconteça, Josh. - disse Hector, não resistindo ao choro.

— Por favor, não ponha a culpa nela por ter me chamado... ela não sabia... ela não quis me pôr neste cerco para que eu morresse. - seu olhos já estavam adquirindo um tom cinzento. - Minha família não vai saber que morri... você dará a notícia à eles, Hector, faça isso por mim. Diga que morri fazendo o que gosta e com orgulho. Orgulho de um caçador. Me prometa, Hector, me prometa.

— Sim, sim, eu prometo, Josh, seus pais ficarão sabendo. - barrou as lágrimas que viriam. - Eu juro, pela honra da Legião, que sua morte não terá sido em vão. Iremos vinga-lo. Todos juntos.

— Isso. - forçou novamente um sorriso. - Acaba com todos eles, amigo. Esse merda que tá aí atrás de você... ele tem que morrer. Depois que mata-lo, tira a pele e vende para um bom taxidermista... por um preço justo. - tossiu mais sangue, sem forças restantes para falar. - Eu queria ir pra casa... mas acho que tá na hora de me mudar... Adeus.

Os olhos de Josh pararam de mover-se. Permaneceram abertos. O último suspiro mal foi dado. Hector, engolindo em seco aquele terrível fato, pôs a mão sobre os olhos do companheiro de caçada e os fechou. Levantou-se, cabisbaixo. Foi andando em direção à Loub com um olhar vago e tristonho. Um aperto no coração o sufocava. Loub estava de pé, olhando triste para o corpo de Josh.

— Garoto teimoso. - disse o cientista, lamentando. - Aconselhei a não atirar se caso visse Mollock e que fugisse quando fosse atacar. - voltou-se para Hector, hesitante. - Eu sinto muito, Hector.

O caçador-detetive, em câmera lenta, virou seus olhos para Loub, convertendo-os de tristeza e dor para ódio e desprezo. Não tardou para que se visse engatilhando seu revólver... e apontando-o diretamente para Loub.

O cientista recuou vários passos, espantado. Os olhos de Hector fervilhavam novamente em fúria.

— Ei, ei, muita calma nesta hora, rapaz. - disse Loub, mostrando a palma da mão, em um gesto para pedir que pare. - Meus conflitos com você acabaram há um bom tempo. Não me culpe pela morte do seu amigo.

— Mas é claro que devo culpa-lo. - disse Hector, frio como um iceberg. - Você criou estas malditas quimeras, dando início à profecia que traria de volta Abamanu. Você sente muito... e vai sentir... vai sentir uma dor tão forte quanto a que estou sentindo agora.

— Espere, Hector, não está entendendo. Mollock... Ele é o verdadeiro inimigo! - exclamou Loub. - Estou amargamente arrependido por tudo que fiz! Faria de tudo para voltar atrás...

— Mas isto não é possível! - disparou Hector, chegando mais perto, o revólver em riste. - É óbvio que está dizendo isto porque está nesta foça que Mollock o colocou! Onde está aquela sua postura arrogante e maquiavélica de outrora? Hein? Onde está? - balançou levemente a arma. - Mollock conseguiu transformar você em um carro velho e sem combustível quando antes era um trem desgovernado. Você está com esta pose deplorável porque perdeu tudo que tinha para sua própria criação!

— Eu não o criei! - defendeu-se Loub.

— Metade dele sim! - retrucou Hector. - Suas defesas caem por terra só com a menção do fato de você ser o precursor de todo esse caos que gerou esta guerra. Os Red Wolfs deveriam escolher pela opção mais prudente: Abandonar a crença cega e seguir com suas vidas. Você enxerga algum significado em toda a loucura que você e seus antigos colegas tanto sustentavam?

— Não. Honestamente, não. - disse Loub, olhando de relance para o cano do revólver de Hector. - Deve estar pensando que tive que passar por tudo isso para perceber o erro terrível que cometi. E está certo. Estou pensando nisso agora. - olhou para um canto do chão. - O horror que causei... se eu tiver que sobreviver a este erro será me redimindo... e se eu tiver que me redimir vai ser me aliando à você, Hector.

— Isto é bem ridículo da sua parte, Loub. - redarguiu Hector, nada convencido. - Já é tarde demais para se lamentar... para se martirizar mediante aos erros... sobretudo para pedir perdão! - esticou o braço, aproximando a arma para o cientista.

— Não! Não, por favor, não acho bom que se precipite. - disse Loub, em tom tranquilizador. - Você precisa abrir sua mente para novas possibilidades, Hector. Admita que agora você me vê como uma vítima e não mais como o vilão. Admita que podemos ser aliados... talvez, quem sabe, amigos. - o olhar de Loub aparentava ser mais de carência do que de arrependimento.

— Diz o homem que criou o monstro que matou o meu pai! - continuou Hector, irredutível. - Eu cheguei até aqui por uma razão... Eu vou saber aproveitar esta oportunidade como jamais pensei no início. Não faz ideia das noites e dias que passei sonhando com este momento. - seus passos eram sorrateiros e lentos. - Se lembra de Rosie? Por sua causa houve uma quebra de confiança entre nós... por uma chantagem sua, uma ameaça... como você acha que vou olhar para ela e saber como me portar? Olhando para ela e lembrando daquela noite horrenda. A pior que já vivenciei em toda a minha vida. - Hector destravara a arma, os projeteis prontos para serem disparados.

Loub assentiu rapidamente com a cabeça, compreendendo o verdeiro sentido da raiva do caçador.

— Agora consigo entender. - mordeu os lábios, olhando para baixo. - Eis o motivo da sua vinda a este belo museu e da sua vingança: 50% de Mollock e, principalmente, eu. Dois monstros.

— Finalmente admitiu, meu pai! - uma voz macabra ressoou pelo recinto. Mollock se levantara por completo. Estava todo aquele tempo quase agachado, ouvindo, em silêncio, a discussão entre Loub e Hector.

— Eu adoraria confirmar que estivesse morto ao invés deste jovem que você assassinou a sangue frio. - disse Loub, voltando-se para Mollock, o olhar duro e sério.

— Tão a sangue frio quanto as pessoas inocentes que você sequestrou e usou como cobaias. - atacou Hector, novamente.

— Hector, há duas soluções prudentes para você: Abaixar esta arma e deixar o passado no seu devido lugar: no passado. - afirmou Loub, categórico. - Além disso, tenho algumas coisas que preciso contar... Mas não interprete como segredos obscuros, não planejei nada para esta situação em que estamos!

— Hum, isso é interessante e instigante. - disse Mollock, irônico. - Que tal começar pelo mistério do senhor não ter se transformado em um dos meus soldados!

— Quer mesmo saber? - Loub voltou-se para Mollock exibindo um sorriso enigmático. - Pois bem... - tirou algo do bolso de sua surrada e suja calça comprida preta. - Isto aqui foi a chave para a minha salvação. - mostrara uma seringa vazia e sem agulha.

Mollock e Hector o fitaram igualmente desconfiados. O caçador não desvencilhava-se da decisão de manter a arma apontada para o ex-Red Wolf. Mollock, por sua vez, excitava-se de ansiedade.

— O que significa isso? - perguntou Hector, o tom de voz inalterável.

— Eu é quem pergunto! - vociferou Mollock. - O que significa isso? Meu pai, o que esteve fazendo durante todo o tempo que passamos juntos?

— Durante todo o inferno que passei ao seu lado, Mollock, eu estive injetando em mim o "líquido da salvação". - balançou de leve a seringa, como se estivesse provocando seu "filho". - Sendo mais claro... este líquido impediu que o efeito da mordida contagiosa chegasse à minha corrente. Em outras palavras, ele foi "acionado" no exato momento em que aquela quimera estava com suas presas cravadas no meu pescoço.

— Impossível! - esbravejou Mollock, inconformado. - Você foi mordido! Eu vi!

— Eu pude sentir meus olhos se alterando... depois apaguei. Quando acordei, me vi em uma cela imunda, preso como um animal selvagem enjaulado neste zoológico de horrores. - encarou Mollock com uma avidez agressiva. - Para minha felicidade, não senti nada de anormal no meu organismo. No silêncio quase absoluto daquela sala eu ouvia meu sangue circular... estava como deveria estar. Normal. Limpo.

Mollock cambaleara enquanto andava para um lado, apoiando-se em um tampo de vidro no qual exibia-se uma espada da Era Colonial. Sentia uma náusea invadir sua garganta. Precisava de um instante para conseguir digerir aquelas verdades até então secretas.

— Criou um antídoto secretamente e fez questão de esconde-lo para que usasse a seu favor em uma ocasião conveniente. - acusou Hector, deduzindo.

— Não! - exclamara Loub, irritado. - É bem verdade que, na época, não me passava pela cabeça a ideia de produzir mais desse antídoto quando eu fosse capturado. Eu seria encaminhado a um interrogatório e ainda teria direito à um advogado. Neste interrogatório eu revelaria a existência do antídoto, porém, as circunstâncias não conspiravam a meu favor. - fez uma pausa, recuperando o fôlego. -Se esta besta infernal não estivesse no meu caminho, o antídoto seria produzido em abundância, mesmo que eu temesse ser preso em pouco tempo depois. Mas vendo a realidade como ela é... posso ver que fiz bem em criar somente poucas quantidades. Eu não tinha tempo suficiente.

— Porque, meu pai, porque!? - disse Mollock, em voz alta, amargurado. - Por que fazer isso comigo?

— Você merece isso e muito mais, seu monstro asqueroso. - disse Loub, humilhando-o. - E para sua informação, uma dose não foi suficiente. Eu senti recaídas. Por isso, guardei comigo, antes de ser preso, mais quatro frascos no meu bolso. Quatro doses foram o bastante. Matou o vírus por completo. Dias depois me senti somente um homem encarcerado e arrependido de seus atos.

— Como isto seria possível sem antes passar por uma revista policial? - indagou Hector, ainda apontando o revólver para Loub.

— Me prenderam cedo demais e com pressa demais. - respondeu ele, seco. - O que veio depois? Cela. Eles já consideravam meus laboratórios como provas incriminatórias suficientes. Revistar seria pura perda de tempo.

Hector pensara um pouco a respeito. Loub tentara uma medida desesperada e potencialmente arriscada. Antes que a polícia arrombasse as portas do seu pequeno-médio castelo no meio da floresta, o cientista estava recolhendo as primeiras amostras do composto líquido que barraria qualquer ação virulenta de caráter infeccioso e degenerativo em um organismo vivo. Tudo para guardar a surpresa para o  grand finale. Após este feito, escondeu-se em uma sala, aguardando a chegada de polícia com uma arma em punho...

— E não foi só isso. - disse ele, prestes a acrescentar mais um detalhe importante. - Havia um elemento crucial... que apenas eu, como inimigo de Mollock, possuía. Eu tinha a arma secreta o tempo todo... somente esperei o momento certo para agir com ela. - olhou para Hector por um instante e, em seguida, sacou um revólver de mesmo calibre que o do caçador... mas acabou por apontar para Mollock.

O rei franziu o cenho, confuso. Um sorriso de escárnio foi se formando em sua larga boca, logo evoluindo para uma histérica risada, deixando mostrar as longas presas. A crise de risos de cunho quase psicótico cessou após cerca de dois minutos.

Mollock já sentia sua barriga doer de tanto rir.

— Sabe, papai, agora que o senhor declarou-se um inimigo meu, tenho que admitir que, depois do discurso honesto, esperava que o senhor me surpreendesse. Mas vejo que estou enganado! - seu tom logo alterou-se, indo do cômico ao ríspido.

— Pode me dizer o que espera conseguir com uma simples pistola? - sussurrou Hector. - Matar Mollock? Com isso?

Loub dera uma piscadela discreta para ele, escondendo o jogo por mais uns instantes.

Depois, finalmente, obrigou-se a falar.

— Apresento a vocês o Coringa do meu baralho. - afirmou Loub, balançando a arma de leve, mirando no coração de Mollock.

— Uma mera arma humana que meu próprio pai está apontando para mim!? E com a intenção de me matar!? - perguntara Mollock, demasiadamente incrédulo.

— Não exatamente a arma, mas o que está dentro dela. - salientou Loub, um pouco mais calmo. - Hector, devo dizer que, na época em que eu era professor na universidade, John, o seu pai, me foi de grande ajuda. Ele me emprestou seus livros de caçada e havia um tópico... que jamais imaginei que seria tão adequado para este momento. - disse ele, rememorando sua falsa amizade com o pai de Hector. - Eu estava curioso para saber do que se tratava o manual para um caçador e ele me emprestou gentilmente aquele livro. Li sobre como se matava um vampiro. Eles tornavam-se pó após serem mortos com uma estaca de bronze no coração. - fez uma pausa, olhando de relance para Hector, sorrindo. - Cinzas de vampiro. Um veneno mortal para qualquer licantropo, seja um dos meus, criados em laboratório, ou um dos puros, como os Lycans.

"Ele está certo.", pensou Hector, surpreso. "Antigos caçadores recorriam a esta forma alternativa de se matar um licantropo quando a estaca de prata se tornava inútil durante uma luta. Era bastante eficaz, de acordo com o livro".

Mollock percebia a autenticidade da ameaça tornar-se mais evidente. Retesou os músculos, pois, havendo o que houvesse, deveria estar preparado para absolutamente tudo.

— E então, Mollock? O que acha de experimentar? - Loub deu alguns passos para frente, sem escapar da mira insistente de Hector. - Só aviso que apenas uma parte sua será afetada. Uma vez espalhadas na corrente sanguínea diretamente por uma artéria do coração, as cinzas, automaticamente, tornam o sangue impuro e tóxico. O seu "eu" quimera será liquidado. - fez uma pausa, respirando fundo. - Pode-se dizer que, dentre os efeitos posteriores, sua parte demônio sofra um severo coma do qual, provavelmente, não poderá sair tão cedo. De qualquer forma, você será completamente neutralizado.

Uma onda de pânico atingira Mollock como a poderosa carga elétrica de um raio. Sua respiração ficava pesada a cada minuto. Ao recuar alguns passos, Loub dera uma rápida risada.

— Ha-ha! Aí está! Ele sentiu a noção do perigo! - disse ele, satisfeito com a reação. - Viu isso, Hector? Agora pode abaixar esta arma. Agora somos nós dois contra ele!

O caçador não saberia como decidir. "Loub... você me provou que sabe muito bem esconder suas segundas intenções. Se o que estiver dentro da única bala desta sua arma não for nada de cinzas, terei mais um motivo para me vingar. Portanto, eu não vou baixar esta arma até você me convencer.".

— Eu me recuso. - disse Hector, friamente. - Neste jogo perigoso sou eu que decido quem vive e quem morre. Ainda mantenho minha decisão, Loub. Não pense que com esse trunfo vai deixar de ser um alvo. Mesmo que meu braço passe a ficar dormente, irei aguentar até o fim... até me convencer de que está falando a verdade.

— Mas... mas... - gaguejou Loub, preocupado. - Ainda desconfia que eu possa estar armando contra você!? Conspirando com esse monstro!? Eis a prova, Hector, bem aqui nesta arma que seguro! - balançou o revólver freneticamente. - Não tenho mais nada a esconder! Eu só não posso tirar a bala para provar á você, pois ela já está carregada e pronta para disparar. Além do mais, estou com pressa para acabar com esse monstro de uma vez por todas! Portanto, à esta altura, eu mereço um único voto de confiança. E quem melhor para fazer isso, senão você, Hector? - alterara o tom de voz desesperado para um mais amigável.

O caçador pensara profundamente sobre a árdua questão. Decidir o destino do mandante do assassinato de seu pai era teoricamente fácil. Na prática, o inverso se mostrava cruel. Foi baixando o cano da arma lentamente, à medida que seus pensamentos fluíam de modo menos caótico. "Eu não posso contrariar meus princípios! O meu propósito de estar aqui... Loub pode estar sendo sincero, no entanto, não posso baixar a guarda e abrir brechas para um possível contra-ataque dele. E se ele estiver realmente querendo matar Mollock para em seguida assumir o controle?", pensou Hector, com o máximo de cuidado.

— E então, Hector? Você está comigo ou não? - perguntou Loub, dando ao caçador uma última chance para decidir. - Não é uma bala de prata, mas de aço inoxidável. Havia um buraco debaixo dela e aproveitei para pôr um pouco das cinzas. É pouco mas é o suficiente, eu lhe garanto. - foi acompanhando o revólver baixar.

Hector ergueu um olhar cansado para Loub.

— Os ideias da fraternidade... Como ficam?

— Eu não me importo mais. Eu só quero matar Mollock e recomeçar minha vida. - garantiu Loub.

— Sabe que seu filho faz parte do novo clã e que assassinos estão participando das seitas.

— Sim. Josh me contou enquanto estávamos perdidos. Michael transformou a irmandade em algo similar a uma facção criminosa.

— E não lamenta por isso? - as perguntas de Hector foram ficando mais incisivas. - Seu filho pode morrer, sabia?

— Digamos que me dei conta de que ele consegue viver sem mim. Talvez não esteja sentindo minha falta. Mas eu o amo. - olhou para um lado da sala, pensativo, a arma permanecendo apontada para Mollock. - Vou sentir pela perda dele, se caso ele vier a falecer. Por favor, não me entenda mal, não quero parecer insensível.

— Mas você é insensível. Por isso mandou seu primeiro monstro matar meu pai. - Hector aproximava-se dele ameaçadoramente.

— Hector, por favor, não voltemos ao epicentro deste terremoto. Eu já provei que estou arrependido, droga! - exclamou, já impaciente por tudo aquilo e mantendo distância de Hector. - Eu imploro, Hector. Me dê só mais uma chance. Tudo o que passei naquela jaula me mostrou que eu devo repensar sobre meu conceito de vida.

— Você até poderia matar Mollock... mas jamais eu o queria como aliado. - Hector parara bruscamente. - As cinzas estão aí, pois posso sentir o cheiro forte delas, mesmo que em pouquíssima quantidade. - engatilhou novamente a arma e erguendo a coluna. - Mas não vai ser você quem matará Mollock...

— Então tome. - disse Loub, entregando o revólver à Hector educadamente. - Faça-o por mim. Pelo seu amigo.

— Sim... farei algo por Josh... - manteve um ar de mistério em seu semblante. - ... mas antes farei algo por você.

Loub inclinou-se para ouvir, esperançoso.

— Diga-me, por favor.

— Isto.

Um tiro ecoou por todo o espaço, a onda sonora assustadora atravessando as paredes.


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