Capuz Vermelho - 2ª Temporada escrita por L R Rodrigues


Capítulo 10
Mollock vs. Mollock (Parte 2)




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A vários quilômetros dali, em Kéup, Rufus via-se paralisado e pouco à vontade em uma cadeira, na sala de estar da cabana, estando atrás da janela, sentindo-se rendido por um sequestrador ardiloso. A camisa verde-escuro que sempre usava estava praticamente ensopada de suor juntamente com suas grossas mãos juntas devido à pressão.

Na parede oposta, uma figura sombria, completamente ocultada, mostrava-se intimidadora ao robusto assistente de Alexia. Apenas pequenas ondulações na sua túnica preta podiam ser fracamente vistas.

— Senhor... - gaguejou Rufus, a voz trêmula. - Me perdoe por não ter dado informações úteis nos últimos dias... eu meio que estava ocupado demais...

— Ocupado demais se apegando amigavelmente à eles? - indagou a voz do indivíduo misterioso.

— Não! - exclamou, afligindo-se. - Quero dizer... um pouco, mas não tanto quanto pensa. Eles nem sequer desconfiam, posso lhe garantir.

— Hum. - suspirou o homem, desconfiado. - Muito bem. Como já sabe o propósito de minha visita, quero que me fale tudo o que coletou recentemente. Foi apropriado ter me ligado agora, aproveitando que está sozinho, afinal esta é uma das questões que você me responderá.

— Está bem... - disse ele, hesitante. - Sabe a sua profecia, aquela coisa toda que o senhor me falou... Então... eles estão determinados a impedi-la.

— Por favor, senhor Rufus, seja mais específico, mas sem mencionar o óbvio. - exigiu o homem, tomando um tom severo.

— Err... eles foram até a casa de alguém... alguém que Alexia, desde muito tempo, conhece. - fechou os olhos e suspirou pesadamente, lembrando do doce rosto da vidente. - Seu nome é Charlie e ele é um mago do tempo. Não me pergunte o que ele faz, senhor, eu não saberei responder....

— Está ótimo. - disse o homem, interrompendo-o. - Alexia, a profetisa, certo? Interessante. Meu pai havia me contado sobre esses tais magos do tempo, ele tomou conhecimento dessa informação em conversas com outros membros da fraternidade, os quais se infiltravam nos grupos de estudiosos, onde um deles, supostamente o líder, era um mago do tempo. - prosseguiu - É praticamente óbvio que esse Charlie é filho do único mago do tempo vivo daquela época.

— Pode ser. - disse Rufus, em baixo tom. - Eles querem salvar Rosie... ela está desaparecida em um lugar que eles acham ser um universo paralelo. Dizem que Abamanu a mandou para lá e retirou suas memórias. - revelou ele, temeroso.

— Nós geralmente nunca costumamos saber dos planos de nosso deus, mas ouvir isso foi como a 8ª sinfonia de Beethoven criada novamente. - alegrou-se o indivíduo, andando para um lado. - Estou muito contente com essa informação, senhor Rufus. A filha do herege está fora do nosso caminho, e seus aliados focam-se no seu resgate, abrindo passagem para que a profecia se desenrole sem problemas. Agora entendi tudo.

— Irei ligar para o senhor assim que puder. - disse Rufus, apressadamente levantando-se da cadeira. - Até mais.

— Espere. - disse ele, frio. - E quanto à Hector? Você sabe onde ele está, não sabe? Presumo que ele tenha ligado para o senhor.

Rufus sentiu a saliva evaporar-se de sua garganta logo quando estava prestes a alcançar a porta para ir ao seu quarto. Virou-se para o visitante sombrio, quase encolhido de medo. Entremeou um denso pavor com uma massacrante incerteza. Nunca depois de sair de sua casa para trabalhar com Alexia sentira tanta falta de sua família como naquele momento. Era tudo ou nada. Mentir só o manteria temporariamente como um informante bem articulado. Dizer verdade resultaria no mesmo. Como a prioridade de Hector, para ele, era o declínio dos Red Wolfs, Rufus sentiu seu instinto paterno aflorar dentro de si, vendo o caçador como um filho que jamais pensava em ter. Aquele bravo grupo lhe era sua terceira família. E quando o assunto é família o prezo pela segurança da mesma é fundamental para aquele homem rude de coração mole. Abrir mão disso era como uma traição ainda pior para ele.

— Não, senhor. - disse ele, optando pela crua mentira. - Ele não me ligou recentemente. Parece estar desaparecido também.

— Não, não está. - afirmou o vulto, caminhando para a porta - Um de meus subordinados me informou que ele o abordou durante seu trabalho para lhe exigir explicações. Portanto, Hector está na ativa. Provavelmente, neste exato momento, de acordo com o que meu companheiro disse, ele está no Museu de História de Londres.

"Hector está em Londres?", pensou Rufus, intrigado.

— Está perdendo o tempo dele. Espero que morra pelas mãos do pupilo de nosso deus. - disse o homem, girando a maçaneta da porta. - Foi um imenso prazer ter sido tão bem recebido pelo senhor. Por favor, tente me ligar mais vezes se caso ainda descobrir mais sobre o mago do tempo e o que ele almeja para salvar a filha do herege. De preferência, mantenha contato regular com a profetisa, assim repassando as informações obtidas com ela diretamente para mim.

— Sim, senhor. - gaguejou novamente, os olhos dilatados de tensão. - Prometo não falhar.

"Burro, burro, burro. Por que se deixa levar por esse medo infantil?!", pensou Rufus, brigando consigo mesmo.

Sem despedida, o homem fechara a porta e, por fim, fora embora.

Rufus correra para o seu quarto, imaginando como a Legião estaria se saindo na missão.

— Minha nossa... Preciso avisar Alexia e os outros. Apenas eu sei o que os Red Wolfs planejam contra eles. - disse, trancando a porta.

                                                                        ***

Tateando um macio chão de pedra ao seu redor, a visão turvada como quando alguém leva uma coronhada na cabeça e perde rapidamente a consciência, Rosie se via deitada, próxima à uma porta de madeira renovada. Jurou a si mesma ver com mais nitidez o lugar onde estava apenas quando se levantasse. Ficando de pé, a jovem olhou em torno, deixando a cabeça livre do capuz. Duas paredes pintadas de um amarelo fraco e quase morto, sendo, em grande parte, preenchidas com fileiras desordenadas de relógios dos mais diversos modelos e tipos, em tique-taques que interceptavam uns e outros.

No centro da quase estreita sala, via-se uma larga mesa de madeira na qual um velho de cabelos alvos e vestindo uma camisa xadrez vermelha estava sentado, trabalhando no conserto de vários relógios velhos. O homem de idade avançada era caucasiano, possuindo um rosto redondo e enrugado no qual destacavam-se um par de olhos azul claro, dando-lhe um aspecto amigável.

Rosie se aproximava dele, a passos lentos, olhando para os dois lados a infinidade de relógios.

— Ah, eu sabia. - murmurou o velho, largando a pequena chave de fenda. Voltou-se para Rosie, já esperando que chegasse mais perto. - Vou adivinhar: Veio aqui por mero acidente, não foi?

— Como eu vim parar aqui? - perguntou Rosie, direta e séria.

— Confesso que fingi não notar sua chegada... - disse ele, fazendo pouco caso da presença da jovem. - Mas é bem verdade que é raro eu receber visitas e, acredite, elas me irritam.

— Não respondeu minha pergunta. - disse Rosie, fazendo cara de confusa. - Como eu cheguei aqui? - perguntou rispidamente batendo sua mão na mesa.

O velho, assustado com o comportamento de Rosie, teve de replicar.

— Mais respeito comigo, menina. - exigiu, chateado. - Você simplesmente chegou. Estava ali deitada... Não se lembra do que aconteceu antes de vir até aqui?

— Para falar a verdade... - fitou um canto da sala, tentando recordar-se dos fatos anteriores. - Estou quase me lembrando... Eu estava em um armazém... de repente uma senhora estranha me atendeu, ela tinha os olhos completamente negros e... a voz de meu orientador ecoava na minha mente...

— O quê mais? - perguntou ele, inclinando-se e dando um sorriso misterioso.

— Bem... Sim, lembrei agora! - disse ela, estalando os dedos. - Eu estava á procura de uma chave que me permitiria abrir uma porta... mas acho que acabei fazendo tudo errado.

                                                                     ***

— Rosie! Tome cuidado! Encontre a porta! - pedia o Guia, a voz demasiadamente amplificada. 

A jovem se esgueirava por entre prateleiras empoeiradas, sem saber qual rumo tomar, mas alerta a um ataque iminente, mantendo os olhos mais abertos do que nunca. 

— Qual porta, droga? - questionou, estressada, enquanto segurava firmemente a chave misteriosa e corria para encontrar um lugar seguro. 

A jovem se encostara em uma prateleira maior, mas não menos cheia de teias de aranhas, porém. Apenas escutava barulhos ameaçadores, embora distantes. Ofegava ao olhar para os lados sem virar a cabeça, seu pescoço doía em demasia em decorrência das situações passadas. 

— Siga seu instinto. - aconselhou a voz calma do Guia em sua mente. - Lembre-se da mansão... o assassino do baile. 

— Aquilo foi diferente. - salientou ela, em voz baixa. - Acho que agora eu mereço um pouco da sua vontade de facilitar as coisas para mim. 

— Bem... acho que agora é pouco diferente. - disse o Guia, deixando-a irritada por completo. 

Pegando-a de surpresa, um som arrebatador de garras cravando na madeira velha da prateleira a fez sobressaltar de modo trêmulo. As afiadas garras soavam como espadas sendo desembainhadas, desta vez mais alongadas e um pouco mais grossas. 

Recuar vários passos apenas a atraiu para o próximo golpe. Garras da mão direita da senhora surgiram avançando, destroçando alguns potes da prateleira e seus conteúdos desconhecidos. De relance, Rosie vira um corte em seu braço direito, elevando um sangue fresco. 

Ignorando a ferida, a jovem se viu sem saída, a qualquer momento as armas daquela mulher idosa poderiam perfurar todos os pontos de seu voluptuoso corpo. Mais uma investida. As garras vieram em alta velocidade, passando por vários pontos da prateleira, buscando incansavelmente atingir seu alvo, bem como as da direita. 

Por um breve momento, Rosie sentira-se prestes a ser esmagada por uma prisão constituída por finas grades laminadas. Olhava rapidamente para os dois lados, para frente e para trás, no limite do desespero, as dez garras quase alcançando-a à medida em que a madeira da prateleira ia sendo quebrantada fortemente.

"É o meu fim!", imaginou ela. 

Em um último segundo, jogou-se contra uma prateleira à sua frente, em um pulo que soou selvagem de tão abrupto. Por sorte, o móvel estava cerca de 3 metros de distância, tendo as garras não alcançado o corpo de Rosie no exato momento. 

A jovem inclinou-se junto à prateleira, que caía naturalmente indo de encontro ao chão. Agarrou-se, segurando-se firme. Ao fim da queda, um nuvem de poeira maciça e cegante invadiu seu campo de visão, além de um barulho considerável para atrair a atenção do inimigo. 

Tossindo e espantando a densa poeira, Rosie se levantava tentando se orientar novamente. 

— Atrás de você, Rosie! Você está parcialmente visível para ela! Fuja daí rápido e encontre a porta! - insistia o Guia, o som da voz beirando ao ensurdecedor. 

A jovem virara-se para trás e deparou-se com a figura da velha vindo em sua direção, com as mãos estendidas e as garras balançando em uma dança macabra e repulsiva, além dos olhos inteiramente negros e o sorriso comprido com os pontudos dentes à mostra. 

Rosie sentia o ar tornar-se mais gélido quanto mais olhava atônita para a face pálida daquele monstro transvestido de uma senhora idosa mal-humorada. 

— Chega de esperar. - disse a si mesma, encarando a velha. - Se estou aqui para assumir riscos, então é exatamente isso que farei! - e voltou seu olhar furioso para a primeira porta que avistou... e selecionou aleatoriamente. 

Correra até ela, já ouvindo o sibilante ruído das garras vindo em sua direção. Estava á sua esquerda, próxima à prateleiras menores enfileiradas uma atrás da outra. 

As garras da mão esquerda penetraram fundo na parede. Rosie estendeu o braço para agarrar a maçaneta redonda... ao passo em que a última garra - do mindinho direito precisamente - quase irrompeu contra suas costas, embora rasgasse o tecido da capa do capuz. 

Um pequeno urro ojerizante fora dado pela monstruosidade devido ao insucesso. Rosie enfiara a chave na fechadura da porta de modo nervoso, mas rápido. 

— Não! Rosie! - exclamava a voz do Guia, preocupada. - Esta não é a por... 

A porta abrira-se antes que o ser esquelético telepático concluísse o apelo. Uma ofuscante luz branca engoliu Rosie, praticamente sugando-a para dentro de um compartimento secreto... 

                                                                    ***

— E foi assim... - disse ela. - Que eu, inexplicavelmente, cheguei aqui.

— E, pelo que vejo, ainda possui a chave. - disse o senhor, inclinando seu rosto para um lado, observando algo na mão esquerda de Rosie.

— Hã? - indagou ela. - Espera... Como isso pode ser possível? - perguntou-se ela, olhando para a chave dourada de dois dentes em sua mão.

— O objeto que segura é um dos mais antigos já criados em toda a história. - contou ele, erguendo a postura. - Denominada de "O Caminho do Viajante". Quem quer que a tenha lhe feito encontra-la, obviamente queria lhe por em sérios problemas.

A figura de uma certa criatura magérrima e com a face coberta de cicatrizes costuradas surgiu involuntariamente na sua cabeça, como uma foto mostrada diante de si mesma. A desconfiança relacionada ao Guia era algo que, àquela altura, já a deixava nervosamente insegura. Desde o início, intrigara-se profundamente com o propósito do cumprimento dos desafios, além de que as tarefas extras lhe pareciam ainda mais estranhas, sendo a tal ideia facilmente processada como uma enrolação, um adiamento para um acontecimento importante. De fato, indubitavelmente, o ser escondia segredos em um fundo buraco. Rosie apenas desejava cavar esse buraco, pois lá, talvez, suas memórias ainda residiam intactas. Voltou a olhar para o homem, a expressão de alguém com fome por explicações.

— Quem é você? Preciso que me conte tudo o que sabe, principalmente onde estou. Você sabe o que houve à mim, não adianta tentar esconder.

O velho homem suspirou de leve, mantendo o olhar fixo nela.

— A quem estou querendo enganar, não é? Me parece ser bem mais esperta do que vi. - disse, sorrindo levemente. - Você não vê o mesmo que eu. O que você vê?

Mesmo denotando confusão em sua expressão, Rosie respondera mesmo assim, esperando qualquer resposta que soasse menos normal possível.

— Bem... Uma sala meio longa... um pouco estreita até... - disse, analisando cada ponto que visualizava. - Paredes com vários relógios pendurados... e um senhor de idade muito enigmático na minha frente. - respondeu ela, lançando um olhar estranho à ele.

— Uma perspectiva genuinamente humana. - disse o homem, empolgando-se. - Rosie Campbell, você está no lugar conhecido como "A Central".

— Espera aí. - ela franziu o cenho instantaneamente. - Como sabe meu nome? E me explica melhor que lugar é esse.

— Sou aquele que tudo sabe sobre todos os tempos... todas as épocas... todas as vidas. - dizia ele, constituindo uma aura ainda mais misteriosa. - Também conhecido como "O Relojoeiro", pelos mais humanos. Não me ache injusto por não dizer o que vejo... Acontece que faço isso pelo bem de sua mente. O que está vendo, estes relógios funcionando ao mesmo tempo, nada mais é do que uma perspectiva advinda de uma predisposição sua para aceitar o que vê, baseado em suas vivências e lembranças.

A jovem, estando fixamente focada no homem, tentava, de todo modo, processar a informação, palavra por palavra, em um misto de descrença e loucura.

— Tudo bem... acho que entendi. - assentiu levemente com a cabeça, meio desconcertada. - Então, esta chave permite acesso à apenas este lugar, certo?

— Precisamente. - respondeu ele, cruzando as mãos na mesa. - Os relógios que vê representam os tempos de todos os países, mundos e universos. Esta chave já passou por inúmeras mãos diferentes, seres que entravam aqui por acidente e se perdiam nas suas viagens.

— Olha, toda essa conversa criou várias perguntas na minha cabeça, e como estou apressada quero que me fale como sair daqui...

Rosie sentira um lampejo de urgência, como um estampido de uma bomba. Apenas juntou forças para correr até a porta por onde entrara. Quando a abriu, deparou-se com a visão mais magnífica e assustadora ao mesmo tempo que já testemunhou. Um leve vento gelado ressoou por entre seus pretos cabelos. Mas aquilo era ignorável, pois o que via hipnotizava até os seres menos impressionáveis que existiam.

Do lado de fora da sala, Rosie assistia um espetáculo onde relâmpagos, trovoadas e raios dançavam em um céu púrpuro sombrio. Montanhas flutuantes eram avistadas, em variados tamanhos e formas. Andou em passos vagarosos, voltando seu olhar atordoado para baixo. A sala fixava-se à um imenso bloco de pedra flutuando naquele estranho espaço. Por fim, vira o que estava abaixo. Relâmpagos roxos iluminaram seu rosto cada vez mais pálido.

A vários metros abaixo, via-se uma espécie de "esfera elétrica", rodeada por raios intermitentes e uma profunda nebulosidade. Uma verdadeira tempestade sem chuva ocorria naquele mundo desconhecido e caótico.

"Estou no espaço sideral?", pensou Rosie, logo questionando de onde vinha seu conhecimento pelo que estava além de um planeta, ligeiramente fazendo-a pensar em sua amnésia.

— Não, não está. - dizia a voz do Relojoeiro, ressoante.

Rosie, estupefata, correra de volta para a sala. Batera a porta fortemente ao fecha-la, em seguida caminhando a passos largos na direção do homem. Sua expressão fulminava-o, carente por mais explicações.

— O que foi aquilo? Você lê mentes? - parou próxima à mesa, cerrando os punhos.

— Você fez uma pergunta, eu apenas respondi. - disse ele, calmamente. - A Central é o lugar mais inóspito já explorado. Não é um universo... é a mãe deles. O que viu abaixo de si foi um portal... o mais ativo dentre todos os outros que existem aqui.

— Já chega, estou no meu limite. - disse a jovem, enveredando-se para um ponto além da mesa, onde encontrava-se uma porta, facilmente entendida como uma saída.

— O que vai fazer? - perguntou o Relojoeiro, fingindo não saber.

Calada, Rosie enfiou a chave na porta. Vislumbrou, acima dela, uma pequena placa dourada com os dizeres: "Saída de Emergência". "Que estranho. Tenho a sensação de isso não estava aqui antes. É como se minha visão, aliás, minha aceitação pelo que vejo, estivesse me guiando juntamente com meus instintos e criando coisas que não existem. Ou eu estou realmente perdida ou estou completamente louca", pensava ela, tremendamente aflita, enquanto a chave girava na fechadura.

— Hum, todos fazem isso. - disse o homem, virando-se novamente para seu trabalho, passando a ignorar um certo risco que Rosie, de uma forma ou de outra, teria.

Abrindo a porta finalmente, a jovem fora abordada por um agressivo cheiro de carne podre. Meio zonza devido ao odor, pôde enxergar um recinto com ar pesado e incômodo. Aparentava ser um tipo de frigorífico. No entanto, o que se via eram mesas de metal onde homens pálidos, sem boca e com os olhos que pareciam ter sido arrancados, fatiavam pedaços de carne... carne humana! Os trabalhadores bizarros vestiam roupas brancas com aventais sujos de sangue, cortando braços, pernas, dedos, pés e até órgãos internos. Não tardou para que a vissem.

Ficaram parados, encarando-a por vários segundos, até que ergueram suas lâminas de fatiar. Rosie sentiu tomada pela apreensão, suando frio. Sua visão periférica denunciou algo extremamente curioso. Virou seu olhar para a direita, logo se arrependendo do que vira.

Um balde enferrujado de tamanho grande posto em um balcão, guardando uma pilha de globos oculares. Rosie quase regurgitou tamanha era sua repulsa, mas apenas um grito de horror conseguiu expressar.

Fechou a porta em uma batida ecoante. Encostou-se nela, com o intenso desejo de tirar aquelas imagens de sua cabeça.

— Eu iria dizer que era uma péssima ideia. - comentou o Relojoeiro, voltando-se para ela. - Adivinhe só qual a saída correta. - sorriu de modo canalha, logo virando seu olhar para a porta de entrada.

Rosie semi-cerrou os olhos, acompanhando uma expressão furiosa como um míssil lançado diretamente para aquele senhor idoso e folgado.

                                                                         ***

Aquelas visões tornavam-se a cada segundo gravações de um filme de terror, onde cada frame se fixava na mente pouco à pouco. Êmina, Lester e Adam, aproximavam-se de Hector segurando seus facões em uma clara intenção mortífera, suas imagens vibrando como espíritos vingativos. Sob a alcunha de "traidor", o caçador se viu a mercê de um pesadelo sem fim. Eleonor afastava seus lisos cabelos da testa, molhados de suor, tocando em seu rosto e insistindo para que ele voltasse a si. Era inútil, decerto.

"O que foi que eu fiz? Se eu soubesse que iria ser assim, eu teria pedido para que ele tomasse distância.", pensou, sentindo-se culpada pelo erro.

— Hector! - chamava ela, sem sucesso.

— Vão embora! - esbravejou o caçador, encolhendo-se ainda mais no chão. - Por favor, me perdoem!

Vendo que qualquer tentativa seria em vão, Eleonor se levantou, desesperando-se com o estado do companheiro. Pôs as mãos na cabeça em sinal de extrema preocupação.

— Droga, ele nem consegue me ouvir! E o pior é que não lembro a reversão do feiti...

Interrompeu-se após pensar no demônio que libertara. "É isso!", imaginou ela, adquirindo um semblante mais esperançoso.

— Aquele demônio não é forte o suficiente para matar Mollock, portanto ele será morto. - disse consigo mesma. - Assim que Mollock vencer a luta, o feitiço já terá desaparecido em Hector, já que ele também foi afetado. Logo não vai ser preciso ir até lá para quebrar o selo do demônio.

Agachou-se novamente para amparar o caçador, cada vez mais aterrorizado com o que via.

— Aguente firme, Hector. Vai acabar... Mesmo que minha voz não alcance você, eu estou aqui, do seu lado. - apoiou ela, quase abraçada á ele. - Aguente só mais um pouco. Seja forte... - deixou uma lágrima de emoção escorrer em seu rosto e um medo de que tudo aquilo durasse mais do que ela esperava crescer.

"Josh, onde quer que esteja, encontre Robert Loub e o liberte. Que merda, como eu queria ser uma telepata!", pensou ela, enquanto abraçava-se ao corpo de Hector, que, quase aos prantos, mantinha o olhar fixo na infame ilusão de seus três grandes amigos prestes a tentar "mata-lo".

Todavia, a pior de todas as visões inesperadamente fez sumir as anteriores assim que surgiu.

Rosie, em uma fração de segundo, aparecera diante do caçador. Os olhos fervilhando de ódio, brilhando aquela luz vermelha intrigante da cor de seu capuz... a luz que exibira na fatídica noite da lua sangrenta.

— Você me traiu, Hector. Como punição você irá morrer. - dizia a ilusão, em um tom de voz distorcido e cavernoso.

— Não!!! - berrava o caçador, esbugalhando os olhos marejados, enquanto Eleonor mantinha-se presa a seu corpo para faze-lo permanecer parado.

                                                                        ***

10 minutos depois.

Um estridente som de pedra maciça quebrando ecoou por toda aquela ala. Uma parede fora destroçada após um forte impacto de dois corpos cujos punhos se entrelaçavam em uma dança violenta. Pedaços de pedra voaram pelo recinto, o som fazendo tremer alguns candelabros.

Para qualquer espectador de uma luta livre que, com um olhar desinteressado, pudesse vislumbrar em rápidos segundos, aquilo parecia uma espécie de esfera de carne bolando no chão de modo extremamente selvagem.

Mollock retribuía socos em uma sequência quase interminável, cada golpe gerando uma vibração pulsante na face do demônio que se dizia ser ele. Suas garras sujaram-se de baba viscosa, que exalava um odor fétido. O feitiço nos olhos denotado pela íris vermelha, substituindo o amarelo ameaçador.

— Não sei de onde você veio, mas farei com que se arrependa amargamente por tamanhas mentiras! - vociferava Mollock, a face mais macabra do que de costume, socando o seu clone até fazer rachar vertiginosamente o chão de pedra lisa acinzentado.

Em uma tentativa de para-lo, o imitador lançou sua cauda peluda a fim de enrola-la no pescoço de Mollock. O movimento dera a deixa para o oponente se expressar, enquanto concentrava toda a sua força na cauda para estrangular o atordoado rei daquele palácio.

— Você não pode me matar tão facilmente. - argumentou o clone. - Eu sou você! Juntos fracassamos e juntos iremos cair!

Jogou-o, em um rápido lance, em direção à uma parede à frente. Em uma forte colisão, Mollock teve seu pesado corpo lançado de cabeça para baixo contra o concreto, estraçalhando-o em uma determinada parte.

Levantando-se rapidamente, o pupilo de Abamanu voltou seus ardentes olhos, encarando intensa e insanamente o adversário. O sangue em suas veias reenergizava-o em uma crescente ebulição, rangendo as presas e evidenciando as garras.

— Eu vou descobrir quem foi o responsável por esta brincadeira de péssimo gosto... - proferiu, raivosamente, ao mesmo tempo em que uma aura de selvageria crescia em torno de si. - Eu tenho meu reino... meus soldados... meu palácio... minha sabedoria... Eu tenho o poder! E não vai ser uma imitação fajuta como você que me convencerá do contrário! Nunca! - esbravejou, as palavras atiradas junto com gotículas de saliva.

— Isso... Enlouqueça! Desprenda-se dessa ilusão! - incitava o igual, se levantando. - O poder corrompe! Ele é vazio! Você não o possui!

— Conhecimento é poder! - berrou Mollock, avançando, com os braços para trás, em velocidade feroz, contra seu oponente.

Tentara golpeá-lo na cabeça com as mãos cruzadas após dar um pulo. Previsivelmente, o alvo se desviara, dando a impressão de ter sumido em um passe de mágica por tamanha rapidez e reflexo.

As mãos pesadas de Mollock acabaram por golpear o chão, em um estrondo arrebatador fazendo-o rachar-se em pequeníssimos pedaços, além de uma extensa nuvem de poeira que o ocultou por certo período.

O rei dera-se conta de sua força enormemente elevada quando este submetia-se ao descontrole quase absoluto. Ofegava, liberando um ar abafado de seus pulmões. Em nenhum momento esperava passar por uma experiência doentia como aquela. Teria mesmo sido a ânsia por poder - que subira à sua cabeça como água enchendo um balde até vazar pelas bordas - que lhe tirara a sanidade mental? Não bastou uma breve reflexão sobre o problema. Enlouquecer para matar a ilusão ou se entregar à ilusão para enlouquecer? Eis a questão excruciante.

— Não faz ideia do quão patético está ao insistir nessa sede desnecessária. - dissera-lhe a imitação, o par de olhos brilhando um vivo vermelho em meio a cortina de poeira que dissipava-se lentamente.

"Eu teria lidado melhor com essa situação... ", pensou Mollock, "... se eu soubesse explicar que sacrifícios foram precisos para que eu evoluísse mais."

Erguera a coluna, logo em seguida fitando o seu clone ainda persistente. Cresceu suas garras furtivamente, almejando um ataque certeiro de surpresa.

                                                                          ***

Em um corredor subterrâneo, Josh rasgava o denso breu do local com a luz de sua lanterna, concentrado. O aposento exalava um cheiro predominante de terra úmida.

Encontrando uma porta metálica, com a ferrugem já alastrada por todas as extremidades, Josh pôs a lanterna em outra mão para tocar a maçaneta.

Seriamente cauteloso, abrira a porta... parecia estar escancarada, a maçaneta tinha um certo calor... alguém a abriu pouco tempo antes!

Empurrando-a com mais liberdade, Josh presenciou uma cena revelada como uma verdadeira surpresa desagradável.

"Oh, meu Deus!", pensou, pondo rapidamente a mão no nariz.

Dentro da pequena sala jaziam, empilhados um acima do outro, corpos retalhados de quimeras, restando apenas pele e ossos... o sangue havia sido inteiramente sugado.


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