O espelho do banheiro estava embaçado devido ao banho quente que Sadie havia tomado antes de ir para a cama. Antes disso, depois de Anúbis ter feito a parede sumir, ela havia sugerido que eles juntassem as camas para então, no dia seguinte decidir o resto da decoração do novo quarto ampliado. Anúbis, no entanto, insistiu para que ela fosse tomar banho, que relaxasse, que ele daria um jeito na cama. Assim, quando ela saiu com os cabelos loiros de mechas coloridas presos num coque desleixado mas que deixava seu rosto muito bonito, ela notou que ele havia juntado as duas camas de solteiro para que os dois pudessem dormir juntos e também havia fechado uma das portas já que, como antes aquele quarto eram dois quartos, ele havia ficado com duas portas.

Quando ela saiu do banheiro, Anúbis a olhou e ficou paralisado. A primeira coisa que pensou era em como ela estava linda com aquela camisola lilás de alças. Seus olhos foram atraídos como imãs para a jovem. Não era a primeira vez que a via de pijamas, mas, por algum motivo, algumas vezes ela conseguia fazer o coração dele bater mais forte.

— Vai dar um trabalho redecorar esse quarto… - disse ela se sentando na cama.

— Daremos um jeito - disse ele sentando-se ao seu lado e passando a mão delicadamente pela nuca e pelas costas expostas de Sadie.

Os dedos de Anúbis tocaram a pele de Sadie fazendo ela ficar arrepiada com o toque. Ela corou enquanto os dedos do noivo percorriam a tatuagem que havia feito na região logo embaixo da nuca no ano passado. Era uma tatuagem pequena, meio palmo de comprimento, era uma ank, a cruz egípcia. Sendo que essa tinha asas bonitas, como se estivesse pronta para decolar. Uma homenagem à falecida mãe.

— N-Não vai tomar banho também? - perguntou Sadie toda vermelha.

— Já me expulsando daqui? - disse ele fazendo os dedos correrem pela nuca dela e então se aproximando do ombro dela até lhe dar um suave beijo no ombro desnudo.

— Estou sim - disse Sadie o empurrando para fora da cama - Aproveitamos bastante na Grécia e ambos temos trabalho amanhã. Vai tomar um banho, vou mandando mensagem para o pessoal para tentar achar um dia para irmos comer fora e comemorar.

— Pode tentar pegar um dia que Will e Nico estejam aqui - disse ele enquanto pegava a toalha - Eles chegam na semana que vem né?

— É. - disse ela pegando o celular e se deitando na cama apoiando os cotovelos no colchão extremamente confortável - Vou tentar. Topa comida mexicana?

— Pode ser - respondeu ele ao entrar no banheiro.

Ela rapidamente teclou para as pessoas que queria. Primeiramente, Liz e Emma, suas amigas de longa data. Avisou também dos planos para Will e Nico. Os quatro eram os únicos que sabiam de tudo isso de deuses, semi-deuses e magia. Claro, Will e Nico eram semi-deuses. Contudo, Liz e Emma eram simples humanas. Sempre abria um sorriso no rosto de Sadie quando ela pensava em como era sortuda por ter conseguido manter a amizade com as duas depois de tudo que acontecera e depois de tantos segredos que revelou.

Além deles, ela chamou também os amigos de faculdade que ambos haviam feito, como Clare, e seu namorado Peter. Afinal, era difícil passar tanto tempo em um lugar sem conhecer pessoas novas. Sadie nunca disse, mas se orgulhava de Anúbis por ele ter realmente conseguido fazer amigos. Ainda lembrava do quão solitário ele aparentava quando o conheceu pela primeira vez. E, ainda por cima, era legal o fato de ele ter conhecido Peter durante o curso de direito e Peter ter virado namorado de Clare.

Enquanto ele não saía do banho, ela conversou um pouco com as amigas e depois largou o celular sobre o colchão. Sua imaginação seguia o caminho traçado pelos seus olhos enquanto ela admirava o quarto dos dois e se perguntava como o decoraria. Vários pensamentos passeavam pela mente da garota enquanto Anúbis tomava banho.

Terminado o banho, Anúbis fechou o chuveiro e se enrolou na toalha. Ele foi até o espelho e passou a mão em sua superfície embaçada pelo calor para poder olhar para a própria imagem. Ainda achava um pouco estranho. Ficou tantos anos, décadas, séculos, milênios, olhando para aquela mesma cara de adolescente de 17 anos. Todavia, o que o encarava de volta no espelho agora era um homem. A ideia ainda o assustava um pouco. Não, ele não se arrependia da decisão que tinha tomado, só temia constantemente pelo futuro. Ele olhou para si, e bufou ao notar que precisaria de novo fazer a barba logo pois ela começava a crescer novamente. Não gostava de barba.

Ao terminar seus assuntos no banheiro, Anúbis saiu. Sadie desviou o olhar do celular que estava de novo em suas mãos para o olhar mas voltou a fitar o aparelho toda corada pois o noivo estava sem camiseta. Ela sempre se perguntou como ele parecia ser tão magro com roupas mas sem elas… bem… ela começava a se perguntar se ele tinha ido para alguma academia.

— Hey. Você alguma vez foi pra uma academia? - disse ela ao se lembrar desse pensamento que teve pela primeira vez aos 13 anos.

— Academia? - perguntou ele deitando-se ao lado dela na cama e estranhando a pergunta.

— É. - disse ela com o rosto corando - Porque… sabe…

Ele abriu um sorriso ao entender do que ela falava. No entanto, a voz que respondeu não foi dele visto que não se parecia com a voz dele e ele tão pouco tinha mexido a boca.

— Ah não. Não academia propriamente dita. Mas o que seria de um homem naquelas épocas sangrentas se não soubesse lutar? - disse uma voz masculina que eles conheciam bem.

O casal se virou para dar de cara com Seth que estava do outro lado do quarto analisando a metade que era de Anúbis. O deus do caos olhava a coleção de CDs de rock que rapidamente se formara desde que Anúbis, seu filho, desistira da vida divina. De braços musculosos, cabeça raspada, rosto sério e cruel e pele cinza, Set desviou sua atenção dos CDs e virou se para Sadie e Anúbis.

— O que está fazendo aqui? - disse Anúbis levantando da cama rapidamente, assim como Sadie.

— Já ouviu falar em bater antes de entrar? - perguntou Sadie pegando a sua própria varinha magicamente enquanto Anúbis pegava, também magicamente, seu cetro.

— Vejo que apesar de ter desistido de seus deveres, não desistiu de seu querido cetro? - perguntou Seth.

— O que quer aqui? - insistiu Anúbis de forma firme - Você não estava com os outros?

    Seth entendia bem o que o filho queria dizer. Todos os outros deuses egípcios tinham partido da Terra alguns anos antes, apenas Anúbis ficou para trás. E, até onde Anúbis sabia, apenas Hórus, primo de Anúbis, podia decidir quando os deuses voltavam.

— Acho que vai ficar feliz em saber que seu querido primo decidiu que era hora de voltar. - disse Seth.

— “Querido primo” seria a última definição que eu usaria - disse Anúbis.

— Não deixe ele ouvir isso… - continuou Seth.

— Tenho certeza de que ele sabe e compartilha do sentimento. Dispenso sua preocupação comigo - respondeu Anúbis.

— Ainda não disse o que veio fazer aqui - disse Sadie já pensando que, se Hórus tinha liberado a volta dos deuses, provavelmente seus queridos amigos e seu pai tenham voltado também.

— Não posso mais dar parabéns ao meu filho pelo noivado? - disse Set abrindo os braços.

Anúbis bufou e revirou os olhos.

— Obrigado mas dispenso seus parabéns. - disse Anúbis.

— Aceita então meus avisos? - perguntou.

— Se forem bons, quem sabe - disse Sadie.

— Não vá atrás de seu pai e amigos por enquanto, garota. - disse Set - Hórus liberou nossa volta por um motivo e esse motivo é o anel que está em seu dedo. Vai piorar tudo se for atrás deles. Deixe que venham até vocês.

Anúbis e Sadie se entreolharam rapidamente.

— Mortalidade é uma coisa. - disse Seth dando de ombros - Imortalidade é algo relativamente fácil de se readquirir. Agora… casar com uma mortal? Com juras de filhos? Nos desonra. Eu não aprovo. Mas fazer o quê? Por mim você não tinha nem nascido. Hórus odiou a ideia embora eu fosse o que deveria ficar mais preocupado com o que você vai fazer de meu sangue, filho.

— Não me chame de “filho” - rosnou Anúbis.

— Recado dado então. É só isso? - perguntou Sadie.

— Só - disse Set abrindo um sorriso malicioso - Considere um presente de casamento adiantado.

E assim, tão sutilmente como apareceu, Set desapareceu desintegrando-se em poeira que logo também sumiu sem deixar um grão de sujeira no chão do quarto.

— Bem que tava demorando para termos alguns problemas divinos - disse Sadie se jogando na cama e então, ainda sentada, enterrando o rosto nas mãos.

— Vai dar tudo certo - disse Anúbis se sentando também.

Seu braço direito passou ao redor de Sadie abraçado-a. Ela chegou perto dele e, lentamente os dois se deitaram e Sadie apoiou a cabeça no peitoral dele usando-o como travesseiro.

— Droga. Ele cortou todo o meu barato - disse a garota bufando - Estava já pensando em conversar com você sobre coisas do quarto e do casamento.

— Deixe ele pra lá. Sobre o que queria falar?

— Coisas bobas. Coisas sérias. Quanto tempo esperamos pra casar? Como vai ficar o lance do sobrenome? O que fazemos com esse quarto? Vamos ficar aqui ou vamos arrumar uma casa para nós? Você prefere menino ou menina? Casar na igreja ou na praia? Quem chamaremos para o casamento? O que acha de eu fazer uma nova tatuagem?

— Muitas perguntas de uma vez. Que tal escolher uma?

— Como vai ficar o lance do sobrenome?

— Achei que era meio óbvio. Não? - perguntou ele confuso olhando para ela embora, pela posição, só pudesse ver o topo da cabeça.

— Eu pegar o seu?

— Não… isso não.

— Humm… achei que fosse isso que chamava de óbvio. A tradição sem graça não diz que a mulher fica com o sobrenome do marido?

— Verdade. Mas… achei que teria mais sentido se for o contrário. Quer dizer…. meu sobrenome nem é exatamente meu sobrenome. Foi completamente inventado só para que eu pudesse ter os papéis humanos. Eu não tenho um sobrenome mesmo. Seria injustiça com o seu sobrenome uma vez que ele carrega história com ele.

— Você quer virar “Anúbis Kane” então? - disse ela erguendo a cabeça para que o pudesse olhar nos olhos.

— Posso? - perguntou ele aparentando realmente estar preocupado com a resposta.

— Claro que pode - ela riu antes de responder e deu-lhe um beijo no topo da testa.

Eles continuaram falando sobre outras coisas. Principalmente sobre o quarto. Apesar de não terem certeza se iam continuar morando ali, queriam reformar o quarto. A reforma do quarto foi justamente o que eles foram fazendo nos dias seguintes quando voltavam do trabalho ou quando tinham tempo. Sob o som de uma trilha sonora estranha que misturava Adele, Beetles, Celine Dion, Iron Maiden, Apocalyptica e Avenged Sevenfold, eles reformaram o quarto à seu bel prazer. A parede de estrelas voltou e mais elaborada com direito à constelações reais (graças à Hector, o artista da casa). A cama, ou melhor, as camas de solteiro que foram juntadas para formar uma de casal, foi para outro quarto alimentar a esperança de algum aprendiz que queria dividir o quarto com os amigos. Tiveram que garantir à Zia, que estava presente no dia, que eles não tinham aprontado nada com as camas. O mesmo, contudo, não podia ser dito sobre a nova cama de casal que foi comprada e devidamente inaugurada.

Não era sempre que Carter vinha com Zia dos Estados Unidos passar um tempo, mas, quando ele o fez no dia da troca da cama, pode ver que os pertences dos dois já estavam organizados no único quarto de forma harmoniosa. Uma estante com livros, filmes e CDs de diversos gêneros estava ao lado de uma guitarra preta, dele, e um violão vinho, dela. Ao lado dos instrumentos musicais, estava o amplificador da guitarra que no momento estava soterrado com um sutiã que se perdera no meio de uma aventura pelas paredes. Ao notar a peça perdida e deslocada sendo fitada pelo olhar julgador de Carter, Sadie corou como um tomate, pegou a peça e jogou com raiva no guarda roupa que continha as roupas de ambos desejando que a peça fosse para Nárnia por tê-la feito passar vergonha.

— Espero que também tenha jogado aquela magia que impedia o som de sair dos cômodos nesse quarto. E eu achando que ela só seria útil pra sua música alta. - disse Carter.

— Cala a boca - respondeu Sadie se jogando no puf rosa que tinha de frente para a televisão e ficava ao lado de outro puf rosa. Ambos anteriormente dela.

— A culpa não é minha se estava ali dando sopa… - disse Carter suspirando - espero que esteja tomando as devidas precauções.

— Se está tão curioso assim com detalhes de minha vida pessoal, irmão, vou começar a perguntar da sua - disse Sadie que começou à usar aquilo como meio de afugentar o irmão.

Apesar de pegar no pé de Carter por causa disso, ela queria saber o porquê de ele e Zia não darem o próximo passo. Teria uma conversa com ele sobre isso. De preferência depois que ele superasse o fato de que ela não era mais virgem. E também foi por esse motivo que ela não contou à Carter que não estava tomando nenhum anticoncepcional. Não que estivessem com pressa de fazer um novo ser como aqueles casais que ficam tentando e tentando desesperadamente. Apenas se divertiam e se por acaso acontecesse, seria muito bem vindo.

Nos dias que se passaram, Set não apareceu mais e eles também não tiveram notícias dos outros deuses. Sadie contou para Carter sobre o acontecimento deixando de fora a parte de “juras de filhos”. Ainda era cedo para Carter saber disso.

Apesar de nenhuma notícia dos deuses chegar, chegou o dia em que Will e Nico chegaram ao Reino Unido. O casal estava numa viagem pela Europa tentando fazer com que ela fosse o mais normal possível. Tinham passado um bom tempo na Itália para que Nico pudesse matar as saudades de suas raízes italianas. Depois, foram subindo através da França usando os trens e parando em cidades interessantes como Paris e agora Londres.

Sadie e Anúbis foram até a estação King Cross receber o casal que chegou no final do dia, logo depois do expediente. E foi exatamente por isso que ainda estavam vestidos como no trabalho ao esperar pelos dois. Ela, com sapato elegante com salto de dois dedos, saia branca esbelta que ia até à meio palmo acima do joelho e uma blusa soltinha cor salmão. Ele, terno e gravata. Simples mas elegante.

— Ainda não me acostumo com você de terno e gravata - disse ela enquanto vasculhava a multidão à procura dos amigos.

— Vou comprar um novinho para o grande dia então - disse ele de volta enquanto uma pessoa, turista claramente já que estava com o cachecol da Corvinal e ia tirar foto com a réplica do carrinho atravessando a parede entre as plataformas 9 e 10, esbarrava levemente nele e pedia desculpas.

— Uma pergunta, se você disse que no Antigo Egito as pessoas pra se casar bastava começar a morar juntar. Como estamos no mesmo quarto, então, para padrões egípcios, estamos casados?

Ele olhou para ela e um brilho de divertimento cruzou seu olhar e chegou até seus olhos na forma de um sorriso.

— Parece-me bem válido.

— Ainda bem que marcamos essa saída amanhã, podemos aproveitar para comemorar. - disse ela - Mas ainda quero casar também de todas as outras formas possíveis.

— Não esperaria o contrário.

Uns minutos depois, eles viram duas pessoas se aproximando, exatamente quem eles queriam. Nico era a cara de Anúbis, era um fato. Desde antes. Mas agora seu cabelo estava um pouco maior, tanto que uma pequena parte dele estava amarrado em um pequeno rabo de cavalo que não deveria ter mais do que quatro dedos de comprimento. O resto do cabelo, no entanto, caía pela nuca do filho de Hades. Will era o que mais tinha mudado. Isso devia-se ao fato de que deixava parte da barba crescer. Nada à ponto de fazer uma barba de lenhador, apenas o suficiente para deixar o filho de Apolo com charme e atraindo olhares de admiração.

— Faz tempo eim?- disse Will dando tapinhas animados no ombro de Sadie e também no de Anúbis - Como vão?

— Vamos bem - disse Sadie olhando para Anúbis e então olhando para Will e Nico. - Vocês?

— Aliviado de poder sair da França. - disse Nico - Não aguentava mais o tanto de gente com cara de que cheirou bosta.

—  Quando foi a última vez que nos vimos? O casamento do Frank e da Hazel? - disse Will tentando lembrar-se.

— Foi - disse Anúbis.

— Sim. E preparem os ternos de novo, porque temos outro para ir - disse Sadie mostrando com orgulho a aliança que estava em seu dedo. Ela também pegou a mão de Anúbis que, embora mais tímido para exibir daquele jeito, abriu um sorriso quando ela juntou a sua mão com aliança da dela.

— NÃO ACREDITO - exclamou Will arregalando os olhos diante da aliança - Não teria dado tão certo se tivéssemos combinado.

— Como assim? - perguntou Anúbis e, assim como Sadie e Anúbis, Will e Nico exibiram as alianças de noivado recém adquiridas.