Two Shades Of Blue escrita por Mileh Diamond


Capítulo 16
Mamãe


Notas iniciais do capítulo

Heyy, pessoinhas, olha a primeira atualização de 2019 o//
E foi a mais trabalhosa, também, porque eu tive que corrigir um monte de plothole antes de postar o cap :'vv Long short story, a autora cometeu algumas gafes no início da fic em relação à linha temporal que agora foram corrigidas. Acho que a mais gritante foi que eu coloquei a adoção do Yuri como um evento de 2015, logo depois da aposentadoria do Victor. Aquilo não só deixaria o Yuri mais velho do que deveria, como também impossibilitaria o capítulo "Selfie" entre outras coisas na fic. Então, eu corrigi isso no primeiro capítulo e agora tudo vai correr bem. Estou até com orgulho da timeline que eu fiz no meu bloco de notas, a qual eu só não mostro pra vocês porque tem altos spoilers :B
Sei que a maioria nem repara nessas coisas, mas eu tava com medo de algum leitor ficar tipo "?????????" se fosse analisar as coisas com cuidado. Agora todo mundo fica feliz o/
E aqui nesse capítulo respondemos, parcialmente, a pergunta: Victor vai descobrir mais sobre a mãe do Yuuri?

Sem mais delongas, boa leitura!



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O último laço de Yuri com sua família de sangue era seu avô. E Nikolai Plisetsky estava bem o suficiente para não dispensar qualquer visita do neto.

 

Já era janeiro e Victor concordou em visitá-lo com os meninos para o Natal gregoriano. Ele também tomou o cuidado de perguntar se receber duas crianças não seria estressante demais para o aposentado agricultor. Kolya se sentiu ofendido e afirmou que seria ridículo ele não conhecer o irmão adotivo do próprio neto.

Nikolai, aliás, foi uma das poucas pessoas que disse um genuíno "Que bom!" sobre Victor ter adotado mais uma criança. Talvez tenha algo a ver com ele próprio ter sido pai solteiro por muito tempo, além de ter uma filha que foi mãe solteira.

 

Incluindo a viagem extensa de São Petersburgo a Moscou de avião (Victor descobriu da melhor maneira possível que Yuuri não se estressava em voos), ainda havia o pequeno percurso até a vila de Gzhel, onde a casa dos Plisetsky ficava. Era uma localidade rural conhecida mundialmente pelas peças de argila branca e com desenhos azuis. A própria sala de Nikolai tinha potes e vasos muito quebráveis que eram o pesadelo de qualquer pai com crianças pequenas, mas eles já sabiam lidar com isso. Yuri iria ensinar as regras para seu irmão.

— Eu quero mostrar pro Yuuri como faz um boneco de neve! - Yuri disse animado no caminho para a vila.

 

— Neve! - Yuuri concordou de seu lugar na cadeirinha. - Pinguim!

 

— Nós não temos pinguins aqui, Yurachka. E vocês só vão sair se tiverem, pelo menos, três casacos e um gorro. - Victor respondeu olhando-os pelo espelho retrovisor.

— Yuuri parece uma bolinha quando tá cheio de roupa. - Yuri comentou com um ar contemplativo. Será que seu irmão cairia rolando a descida que levava até a casa de seu avô?


— Você também parecia quando era menor, solnyshko. - Victor disse com um sorriso. - Lembrem-se de se comportar na casa do vovô Kolya. Yura, você é o mais velho e, por isso, é responsável por manter o nível de bagunça a índices baixos.

 

— O que é índice? - ele perguntou franzindo o cenho.

— É tipo um ponteiro de gasolina. E eu quero que o ponteiro da bagunça esteja bem baixo. - Victor explicou. - Entendeu?

— Tá. - Yuri concordou. - A gente não vai quebrar nada.

Não era a melhor garantia de todas, mas dava pro gasto.

 

A casa dos Plisetsky ficava num pequeno terreno que, no momento, estava coberto por neve. Nikolai dissera uma vez que a propriedade era centenária e costumava ser bem maior antes da queda do czarismo. Mas a reforma agrária aconteceu e as terras se tornaram comunais. O regime caiu e ele continuou ali, na mesma terra em que cresceu e criou a filha. Era uma história bonita.

 

A antiga datcha já vira dias melhores, mas continuava firme com seus dois andares de madeira rústica e vidraças polidas quase diariamente. Se estivessem na primavera, provavelmente estaria cheia de flores.

 

Victor ainda demorou, pelo menos, mais dez minutos dentro do carro alugado arrumando gorros e cachecóis infantis para que os dois meninos parecessem apresentáveis. Era um hábito que nunca morreu desde a primeira visita ao avô de Yuri. Victor ainda tinha o inconsciente medo de não parecer um pai adequado na visão dos outros, principalmente os que teoricamente são a verdadeira família de seus filhos.

 

Estando as crianças encasacadas e penteadas, já não tinha mais o que esperar. Yuri foi o primeiro a correr para a entrada e apertar a campainha umas cinco vezes a mais do que o necessário. Não demorou para ele ser atendido por um senhor de barba acinzentada e olhos azuis esverdeados sorridentes iguais aos de Yuri.


Dedushka! - o loiro exclamou radiante com os braços erguidos.

 

— Yura! - Nikolai disse com igual animação enquanto carregava o garoto no colo. Talvez suas costas reclamassem um pouco, mas ele tinha um bom plano de saúde.

 

— Bom dia, Kolya. - Victor cumprimentou com um sorriso e outro Yuuri no colo. - Você pode segurar todo esse peso?

— Ora, já carreguei sacas de grãos bem maiores que esse tigre aqui. - ele balançou a mão em descaso. - E quem é esse mocinho? Me apresente seu irmão, Yura.

 

— Esse é o Yuuri. - Yuri disse ainda no colo do avô. - O nome dele tem dois u's pra ficar diferente do meu. Ele é chato, mas é legal.

— Yuri... - Victor usou um leve tom de repreensão.

 

Nikolai apenas riu.

 

— Já entendi. Dá pra ver que você gosta muito dele. - ele disse colocando Yuri novamente no chão. - Entrem logo e saiam desse frio. Ksenia está me ajudando a fazer pirozhkis.

— Já tá pronto? - Yuri perguntou já com a imagem de uma bandeja repleta de pirozhkis prontos para apreciação.

 

— Não, mas não vai demorar.

 

— Oh. - não era a resposta que ele queria, mas ele também tinha outros planos em mente. - Papai, deixa eu mostrar meu quarto pro Yuuri!

— Ah, sim. - Victor disse colocando um talvez um pouco receoso Yuuri no chão. O ambiente novo trazia aquela reação. - Está tudo bem, Yurachka.

 

— Vem, eu quero te mostrar as fotos da mamãe! - o mais velho dos Yuris disse enquanto puxava a mão do outro com o usual cuidado salpicado de afobação.

 

Em um segundo, não havia mais nenhuma criança na sala, sendo os murmurinhos escada acima os únicos sinais de sua existência. Nikolai riu baixo enquanto caminhava até sua poltrona.

 

— Houve um tempo em que Yuri só me soltaria depois de meia hora falando sobre as novidades. Não sei se deveria estar com ciúmes ou não.

— Ele estava muito ansioso por mostrar as coisas daqui para Yuuri. - Victor admitiu enquanto encontrava um lugar para se sentar no sofá. A sala cheirava a uma mistura única de canela e madeira. - Ver os dois se dando tão bem... Penso até que é sonho, de vez em quando.

— Foi um início difícil, não? - Nikolai sabia que era uma pergunta retórica. Ele se lembrava do quão descontente Yuri parecera nas ligações que se seguiram logo após a adoção de Yuuri.

— Foi. Várias vezes pensei que não daria certo. - Victor disse com um suspiro cansado. - E com tanta gente falando que era uma ideia horrível ter dois filhos sendo solteiro... Eu começava a questionar as minhas decisões.

— O povo adora criticar. Mas quando é pra ajudar? Bah, aí não fica nem a sombra! - o velho resmungou em claro descontentamento. Odiava gente cuja única função no mundo parecia ser julgar o esforço alheio. - Você tem bom coração, Victor Mikhailovich. É movido mais pelas emoções do que pela razão e isso não é necessariamente ruim. Fico feliz que sua família esteja crescendo.

Victor ainda teve tempo de murmurar um "Obrigado" antes de Ksenia, a enfermeira e empregada contratada pelo próprio Victor, aparecer com uma bandeja com xícaras de chá e biscoitos para as visitas. Ela não se demorou muito com eles, mais preocupada com os pirozhkis no forno, o que logo deixou os dois homens sozinhos novamente.

 

— Fale sobre o pequeno Yuuri. - Nikolai insistiu enquanto colocava uma colher de geléia em sua xícara. - Ele tem algum parente vivo como o Yura?

— Não que eu saiba. - o mais jovem respondeu com um dar de ombros, lembrando-se das conversas com a assistente social responsável por Yuuri. - Os pais dele morreram num acidente e não encontraram ninguém próximo para assumí-lo.

— Hum. - ele assentiu com pesar. Era uma história bem trágica para alguém tão jovem. - Você já deu seu sobrenome a ele?

— Não. - Victor balançou a cabeça. Já tinha tido aquela conversa algumas vezes. - Sei que ele é muito novo para entender e talvez nem se importe quando for mais velho, mas eu ainda queria dar a ele o poder de escolha que Yuri teve. Se ele quiser se chamar "Yuuri  Nikiforov" quando crescer, ótimo. Por enquanto, eu não me importo de ser pai de um Yuuri Katsuki.


Nikolai assentiu em entendimento, mas então franziu o cenho para o nome estrangeiro. Não era a melhor hora para virar um velho preconceituoso, mas aquele sobrenome não era idêntico ao da amiga japonesa de Nina? Ou pelo menos, igual ao do marido?


Os dois já estavam casados quando sua filha faleceu em São Petersburgo e inclusive se ofereceram para ajudar com as despesas do funeral e enterro. Arina inclusive estava grávida. Plisetsky era muito orgulhoso para aceitar algo do tipo, mas agradeceu a preocupação mesmo assim.


— Katsuki? - ele repetiu o nome com curiosidade. - Ele é russo?


— Sim, de São Petersburgo. Acho que só o pai era realmente japonês. - Victor respondeu com naturalidade, já esperando uma pergunta como aquela.


São Petersburgo, justamente? Algo ali soava estranhamente familiar. Seria aquilo uma coincidência tremenda ou Nikolai estava imaginando coisas que não existiam?


— Nina tinha uma amiga que se casou com um homem japonês com esse nome. Boa menina, ficou muito transtornada quando minha filha morreu. Mas não ouço sobre ela há um tempo e eles já deveriam ter um filho pequeno, a essa altura. - ele se explicou, endireitando-se no sofá como se isso o ajudasse a ouvir melhor. - Você sabe os nomes dos pais de Yuuri?

Foi a vez de Victor franzir o cenho. Sabia que aquilo deveria ser algo importante de se lembrar, mas ele não deu a devida atenção.

— Pra ser sincero, não. Estão nos documentos, mas não sei de cabeça. - ele disse soando um tanto culpado. - Lembro que os dois tinham um sobrenome japonês e a mãe tinha um primeiro nome russo. Karina ou Alina...


— Arina? - o mais velho arriscou sem perder tempo.


— Acho que sim. - Victor confirmou incerto. Agora o senhor parecia entretido em pensamentos, os olhos em frestas de quem tentava resolver um quebra-cabeças complexo. - O que houve, Nikolai?

 

Plisetsky levantou o olhar, parecendo ter descoberto uma grande teoria da conspiração.

 

— Quais são as chances desse Yuuri ser filho da amiga de Nina?

 

Victor arregalou os olhos para a ideia. Era algo... inesperado? Ele não se lembrava de mais informações sobre os pais de Yuuri. As poucas conversas envolvendo a assistência social e seu advogado falavam sobre posses que eram de Yuuri por direito e que Victor seria responsável para administrar. Era algo pequeno, um estúdio de dança nos subúrbios da cidade porque o casal sequer tinha casa própria.


...Estúdio de dança?

 

A última memória fez Victor sentir um frio na barriga. Nina Plisetskaya era bailarina do Mikhailovsky. Seria possível que ela e a mãe de Yuuri se conheceram?

 

— ...Eu não sei. - Victor disse parecendo perdido nas próprias conclusões. - Se elas eram amigas, seria uma grande coincidência.

 

— Ou coisa do destino. - Nikolai sugeriu, parecendo mais animado com a ideia do que nunca. - Elas eram ótimas amigas. Arina era bem mais velha do que Nina, o que a fazia uma espécie de irmã. Ela foi uma das poucas que não a abandonou quando Nina ficou grávida. E eu não me espantaria se aquelas duas escolhessem o mesmo nome para o filho!


Nikiforov estava sem palavras. Já não bastava o surto de emoções que a visita ao seu pai proporcionaria naquela semana, tinha mais essa agora. Será mesmo que havia algo a mais que unia seus dois filhos, além de terem o mesmo nome e pai adotivo?


— Se o que eu estiver pensando for verdade, é um jeito muito trágico de saber que a jovem Arina morreu. - Nikolai disse se levantando da poltrona com um pouco de dificuldade, mas sem menos determinação. - Mas é simplesmente incrível que os filhos das duas tenham acabado na mesma família!

 

— O que o senhor vai fazer? - Victor perguntou confuso vendo Nikolai revirar a gaveta de uma cômoda cheia de cadernetas e papeis rasgados.

 

— Vou ligar para a jovem Arina. Essa curiosidade vai me matar desse jeito! - ele resmungou procurando o número anotado em meio a todos aqueles papeis.  Ele deveria ter guardado o contato no celular, mas a teimosia de velho tinha que falar mais alto. - Eu espero que eu esteja errado. Descobrir que eles morreram de um jeito tão trágico é realmente muito triste depois de tudo que eles fizeram pela nossa família.

 

Victor sinceramente não sabia o que dizer sobre aquilo, então ficou ali, em silêncio e sem fazer nada como um idiota. Havia muita coisa em sua cabeça para pensar.

 

As mães de Yuri e Yuuri se conheceram. Mais do que isso, elas foram amigas. Isso significa que, em outra realidade mais feliz para os meninos, eles ainda teriam se conhecido. Talvez crescessem juntos, de uma forma ligeiramente diferente.

 

Era algo estranho de se pensar. Victor nunca parou para refletir sobre o que seria melhor para seus filhos num cenário sem ele. Se ele tivesse o poder de reescrever a história de Yuri e Yuuri, a partir do momento em que eles perderam seus pais, ele tentaria consertar as coisas? Ou ele seria egoísta demais para se permitir uma vida sem eles?

 

Sua família nunca foi muito religiosa, mas ele tinha uma vaga memória de histórias bíblicas que sua avó contava, não mais temendo a repressão do regime soviético. Ele se lembrava da parábola em que duas mulheres reinvindicavam a maternidade de uma criança, apenas para a verdadeira abrir mão de seu bebê com medo de que ele fosse partido em dois.


Victor não conseguia se imaginar voltando à vida que tinha antes de ser pai. Se antes havia um vazio, um cenário sem eles abriria uma ferida à força. Mas se eles pudessem escolher, se tivessem a chance de voltar para suas antigas famílias e a agarrassem... O que ele podia fazer?

 

Por conta de seus devaneios inúteis, ele nem percebeu o semblante sério de Nikolai que já discara o número três vezes.

 

— Fala que o telefone não existe. - o homem murmurou deixando celular e caderno sobre a mesa, enquanto suspirava pesadamente. - Oh, Deus. O que será que aconteceu com a pequena Arina?


Nenhum dos dois ofereceu uma resposta para a pergunta. Podia muito bem ser mentira e eles estarem imaginando coisas.

 

Mas agora Victor não podia evitar um silencioso e desconsertante "E se?" em sua mente.










Yuri gostava muito da casa de seu avô. E pela primeira vez desde que conhecera Yuuri, ele não se importaria se o mais novo gostasse também, pois ele entendia perfeitamente o porquê.

 

Casas de pessoas velhas eram cheias de coisas interessantes. E o vovô era até mais velho que a tia Lilia e o tio Yakov (!), então o número de coisas legais era maior.

A maioria das coisas ali o lembrava de sua mãe. E isso era um legal diferente, mas não menos relevante.


Yuri não teve mais dificuldade em girar a maçaneta da porta, o que significava que ele estava crescendo. Houve um tempo em que ele precisava de ajuda para entrar no seu recinto favorito.



— Esse é o meu quarto! - ele proclamou empurrando a porta. Pra ser sincero, aquele quarto sempre foi de Nina, mas ninguém nunca colocou objeções sobre ser o "quarto do Yuri". - Aqui tem um monte de coisa da minha mãe e de quando eu era bebê.


Era um cômodo pequeno, mas grande o suficiente para os dois pequenos explorarem à vontade. A cama encostada à parede esquerda, a janela com cortinas floridas, um armário velho de madeira e a pequena estante cheias de livros, discos e outras quinquilharias que fizeram a adolescência da mãe de Yuri.

 

Quando Nina ficou grávida, ela estava trabalhando no teatro Mikhailovsky. A direção do balé teve o mínimo de empatia humana e garantiu que ela ainda teria um lugar na trupe assim que voltasse da licença, algo raro na indústria. Foi assim que ela engoliu seu orgulho e passou uma grande parte da gestação em Moscou, perto do pai e da melhor amiga que ainda estava no Bolshoi.

 

 

Yuri passara os primeiros meses de vida naquela casinha rústica. Ele podia não ter memórias claras daquele período, mas era uma parte importante de sua história. E revivê-la através de imagens era um de seus passatempos favoritos.

 

Enquanto ele procurava o que queria na "caixa de trecos" debaixo da cama, Yuuri explorava o quarto com olhos e mãos curiosas de bebê. Tinha poucas coisas interessantes ao seu alcance, numa decoração que colocava todas as coisas coloridas e brilhantes a pelo menos um metro e meio do chão (Mal ele sabia que a razão disso era seu irmão mais velho).

 

Havia uma, porém, que ele gostara bastante e parecia com um brinquedo o suficiente para conseguir seu interesse. Era uma estatueta branca e azul que devia caber em sua mão. Seguia a mesma estética de suas companheiras na estante, mas as outras eram os clássicos potes e xícaras. A que Yuuri queria era muito mais legal porque tinha quatro patas, uma crina pintada e com certeza um botão escondido para fazer barulho.

 

Só que era muito alto para ele alcançar sozinho. E é para isso que servem irmãos mais velhos que sobem em cadeiras.

 

— Cavalinho! - ele apontou a figura de porcelana enquanto olhava para Yuri -  Eu quero!


Yuri ainda estava tentando arrastar a caixa que talvez fosse um pouco pesada demais pra ele, apesar dele não admitir. Uma olhada para Yuuri e o objeto de seu interesse, ele balançou a cabeça.

 

— Não pode. - foi a resposta calma e séria do mais velho. - Eles quebram.

 

Yuuri só ouviu a primeira frase, já conhecida dele, e fechou a cara. Era o único brinquedo novo ali e não podia pegar?

 

— Yura! - Yuuri estufou as bochechas, um hábito que ele tinha quando ficava bravo. - Eu quero o cavalinho! É "banco" e azul!

 

Porque, obviamente, citar as cores do cavalo era um argumento pertinente para convencer Yuri.

 

— Eu sei, mas ele quebra. - Yuri explicou revirando os olhos. Já tinha tido a mesma conversa com os adultos. - É brinquedo de gente grande. Não é pra bebê.

 

Se Yuuri ouviu seu irmão e ficou quieto como um menino obediente?

 

Nah.

 

O mais novo virou de costas para Yuri e olhou ao redor pensando em como ele conseguiria aquele cavalo. Seus olhos pararam num velho banco de madeira em um canto. Bancos eram quase a mesma coisa que cadeiras, então serviria.


Determinado, ele andou até o banco e começou a empurrar para perto da estante, como Yuri fazia quando queria pegar algo num lugar muito alto. Não só ele não conseguiu mover o banco como queria, mas sua força mal calculada fez o banco cair no chão. Yuuri era tão bobo que se assustou com o barulho e começou a chorar.

 

— Aí, viu? Você não me ouve! - Yuri resmungou enquanto largava sua tarefa inicial para levantar o banco do chão. Era pesado até para ele, então ele deixou no chão mesmo. - Ei, não chora. O papai vai achar que eu briguei com você.

 

— Cavalinho! - Yuuri continuou pedindo entre soluços. Até chorando ele era um bebê mimado.

 

— Não pode! Ele vai quebrar e vai morrer! - Às vezes, parecia que Yuuri se fazia de surdo. - A mamãe tinha uma boneca branca e azul também. Ela era muito legal e eu queria brincar com ela. Mas aí eu deixei ela cair e a mamãe ficou muito triste, porque a boneca dela quebrou a cabeça. Você quer que o cavalinho quebre a cabeça? Vai doer muito.

 

Yuuri não entendia como aquilo seria um problema. Ele não ia fazer dodói no cavalo! Ele só queria brincar!

 

— Eu... Eu vou cuidar! - ele disse batendo o pé, como se aquilo lhe desse mais credibilidade. - Yuuri vai cuidar o cavalinho...


Era o tipo de explicação que derreteria Victor e qualquer outro adulto sem noção. Mas Yuri não cairia naquela. Mesmo que Yuuri estivesse com um vocabulário muito melhor do que a época em que eles se conheceram, ele ainda era um bebê e ainda era burro. Aquele cavalo não iria sobreviver.


— Não. Você vai brincar com coisa de bebê. - ele disse puxando Yuuri para perto da caixa.


Era um punhado de coisas velhas de todos os tipos, mas eram as coisas favoritas de Nina. Brinquedos dos anos 90, cartinhas de amor, fotografias... Yuri estava particularmente interessado no álbum de fotos bem no fundo da caixa.


— Toma esse bicho aqui. É pra você. - Yuri disse entregando o boneco peludo que ele nunca gostou para Yuuri. Ele tinha um nome, mas o menino nunca se importou em aprender. Fuppy? Furby? Tanto faz.

 

— É feio. - Yuuri reclamou ainda choroso, mas aceitou o Furby mesmo assim. Que criatura bizarra. Parecia um gato, mas tinha um bico de passarinho...? Ele preferia o cavalo.


Yuri até ouviu, mas não falou nada. Finalmente ele achara o álbum que ele queria. Era um livro grande, com capa de couro e cheio de fotos. Ele nunca se cansava de olhá-las toda vez que vinham a Moscou.

— Aqui, olha. - ele chamou a atenção do mais novo enquanto abria o álbum. - São fotos de quando eu era bebê, que nem você. - ele apontou a primeira com Nina. - E essa é a minha mamãe.


— Mamam? - Yuuri largou momentaneamente seu novo brinquedo para olhar as tais fotos.


— É. O nome dela era Nina. Ela era muito, muito legal. Eu amava ela demais. Mas aí ela morreu e eu fiquei com o papai. - ele contou a história normalmente, virando as páginas do álbum. - Você também é assim, Yuuri. Mas você não lembra da sua mamãe, né?


Yuuri não respondeu, apesar de na sua cabeça ele ter uma resposta mais ou menos formulada para aquilo. Ele se lembrava da mamãe. E, às vezes, sentia muita saudade dela. Mas, por algum motivo, ela nunca mais voltou, igual ao papai. Só havia Victor, a quem ele aprendera a se referir como "papai" também, e Yuri agora. Ele não sabia o porquê, mas aceitava mesmo assim.


— A minha mãe era bailarina igual à Barbie. E ela dançava muito bem. - Yuri apontou animado algumas fotos em que Nina aparecia com fantasias brilhantes e bonitas do balé.- Ela até dançou no Bolshoi e é muito difícil dançar lá.

— Barbie do cisne! - Yuuri concordou animado tocando com as duas mãos abertas a página plastificada. A mãe de Yuri realmente parecia a Barbie.

Os dois continuaram olhando fotos da família Plisetsky. Yuri também sentia falta de sua mãe, de vez em quando. Mas ele entendia que Nina nunca mais voltaria e não havia nada que pudesse fazer para mudar isso. Por isso, ver fotos antigas ajudava.


Justo quando Yuri ia virar mais uma página, Yuuri apontou uma foto qualquer, parecendo muito interessado nela.

 

 

— Mamam. - o menor disse parecendo muito certo, e surpreso, com o que via.  - A Mamam!


Era mais uma foto de Nina, mas dessa vez ela estava acompanhada de outra mulher. As duas estavam com fantasias e segurando buquês de flores, sorrindo para a câmera.

 

— É, eu já falei que essa é a minha mamãe. - Yuri revirou os olhos. Mais uma prova de que Yuuri era muito bobo para ter acesso àquele cavalo. - Essa é uma amiga dela. Eu não lembro o nome dela, mas ela era bailarina também.

 

Yuri tinha uma memória muito vaga da melhor amiga de Nina. Ele se lembra de sorrisos e as duas tomando chá enquanto ele brincava no tapete da sala. Então, houve uma época em que a tal tia Arya tinha sumido por um tempão e Nina só falava com ela por telefone, mesmo que as duas morassem em São Petersburgo.


Lembrando melhor agora, ela tinha olhos iguais aos de Yuuri.


— Mamam! - o menor insistiu, parecendo muito contrariado por não ter sido entendido. - Kaa-san!

 

Yuuri podia não usar aquela palavra há muito tempo, mas era o outro nome que a mamãe tinha. Por que Yuri tinha uma foto dela? Ele tinha certeza de que já vira sua mãe maquiada e vestida daquele jeito alguma vez na vida.

— O que é "Kaa-san"? - Yuri perguntou franzindo o cenho. Aquela palavra era nova e não parecia com nenhuma coisa que ele já ouvira.

 

— É a Mamam! - Yuuri continuou. - Minha Mamam!

 

—  Mas a mãe é minha, Yuuri!



Yuuri colocou a mão no rosto como Victor fazia quando ficava bravo. Yuri não entendeu nada. Irmãos mais velhos eram muito burros, de vez em quando.


Antes que ele pudesse explicar em detalhes o que queria dizer, Ksenia chamou lá da cozinha para comer os recém-assados pirozhkis. Yuri estava com fome, então tratou de finalizar a sessão de ver fotos mesmo que o mais novo não fosse muito a favor.


Yuuri não entenderia naquele dia por que eles tinham uma foto de sua mãe. Mas ele ficou feliz por poder vê-la de novo após tanto tempo.


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Notas finais do capítulo

[[misericórdia, esse capítulo saiu muito mais longo do que eu esperava, socorro ヽ(`д´;)/]]

Nikolai resolveu em cinco minutos o que a fanfic tá enrolando há quase um ano. Nikiforovs são lerdos por natureza, eu devo ser uma :'v
E admito que esse último momento meio batata do Yuri foi a hora em que eu mais tive certeza que ele é filho do Victor, porque né.


Hora de uma trívia básica~~
— A vila de Gzhel é uma região especializada em cerâmicas centenárias e é conhecida mundialmente. Elas têm a cor branca e azul e podem adquirir muitas formas, desde artigos de cozinha até animais.
É a minha homenagem russa às peçinhas de vidro (tinham forma de cisnes!!) da minha avó que eu e minhas primas quebramos ao longo dos anos TT
— Yuuri está magicamente falando um pouco mais como uma criança normal porque eu esqueci de fazer essa transição/crescimento ao longo dos capítulos e só agora me toquei que ele tem dois anos. Pra mim, ele sempre será um bebê /cry
— Eu não gosto de Furbys. São esquisitos.

E é isso por hoje, gente! As perguntas sobre a história dessa família vão, lentamente, sendo respondidas. Espero que vocês estejam aproveitando essa jornada ;)

Até a próxima!

XOXO



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