Colorado escrita por LizAAguiar


Capítulo 6
Capítulo 05




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Aquela noite tinha começado como qualquer outra: mais tranquila que meditar ao som em looping infinito de um riacho qualquer, todavia a filha de Afrodite deveria saber que não acabaria assim.

E que obviamente o problema pularia em seu colo.

— Nico. — Reconheceu ao chamado mesmo concentrada nos pratos na pia, seja lá quem tivesse inventado as torneiras de água quente, Piper o agradeceria para sempre.

— Oi. — O garoto respondeu distraído, pegou a louça de sua mão para seca-la e terminarem logo de serem encarados pela pretora entediada.

— Por que você gosta do Will? — Parou de esfregar os talheres, olhando para a janela a sua frente como se ela pudesse lhe esclarecer o que pelos deuses Reyna estava querendo.

A falta de qualquer movimento ou som vindo do grego deu a Piper a certeza de que ele também não esperava por isso.

— É que eu estava pensando... — Continuou, calma como se cogitasse a neve na madrugada. — Você me disse que sua paixão pelo Jackson começou com a visão heroica que tinha dele, o Solace não se encaixa na...

— Reyna! — Nico a cortou obviamente constrangido, dispôs os talheres limpos no escorredor e passou para os copos, brincando com a própria consciência.

"Você não ajudou ele hoje cedo."

Embora tenha sido escolha dele provocar a romana.

— O que? — Piper conteve o suspiro decepcionado: a dúvida era verdadeira. — E com ele foi tão rápido, eu mal voltei para o Acampamento Júpiter depois da guerra e vocês já estavam juntos.

Enxaguou os três copos.

"Eles são praticamente irmãos, vão se resolver."

— É que... — Ele gaguejou parando ao seu lado, era claro que tentava se distrair da pergunta e do nervosismo enxugando qualquer coisa no escorredor. — Bem...

"Será que não foi por esse tipo de situação que o Nico resolveu me trazer a tira colo."

— E eles não totalmente diferentes. — Agora a pretora parecia apenas divagar, sem esperar uma resposta de verdade: seu trabalho estava feito sem que tivesse que fazer nada! — Mas voltando a minha questão...

"Droga, Reyna!"

— Não tem motivo. — Jogou no ar, ainda de costas para ambos. — Só acontece.

O silencio dos companheiros a suas costas se seguiu por mais tempo do que o esperado a princípio, o único som no ambiente foi a água quente jorrando, sua atenção se desviou para o vapor suave e quase invisível, aproveitando a volta da tranquilidade para aquela casa.

Não que ela fosse durar por muito tempo.

— Como assim? — Obviamente a pretora se negou a aceitar uma resposta tão simples.

— Nossos sentimentos não são exatos. — Balançou uma colher na frente de Nico, para que voltasse ao seu trabalho. — O Nico não é mais o mesmo de quando se apaixonou pelo Percy, o que ele buscava antes não é o que busca agora, não é? — Indagou fechando a torneira e secando as mãos no avental de oncinha que Reyna lhe obrigou a vestir.

— É... — O filho de Hades tratou de baixar os olhos para a louça, ainda tímido com a conversa, Piper sentou-se à frente da romana, que a olhava fixamente com a tez franzida, sabia que era uma dúvida, porém o frio na espinha e o nervosismo se instauraram sem que pudesse evitar.

Gaguejar seria o fim.

— Os gostos podem mudar radicalmente ao longo dos anos. — Por que pelos deuses ela estava falando baixo e com a voz macia daquele jeito? — Mas não é um motivo.

— Não tem motivo. — Como poderia explicar? — Gostar de alguém não é o mesmo de amar. — Ela cruzou os braços e arqueou a sobrancelha, quase como se pedisse uma prova.

"Se eu não te conhecesse diria que está irritada de verdade."

De certa forma não a conhecia, não aquela Reyna.

— Você conhece uma pessoa, se sente bem ao lado dela e começa a pensar que seria legal se algo mais acontecesse. — Passou os olhos pela cozinha sem muito interesse enquanto desamarrava o avental, negando-se a parecer nervosa, o som dos armários e o andar de Nico deram a conversa outra música ambiente. — É isso, não existe mistério, não é diferente de gostar de chocolate.

Retirou aquela peça estranha de oncinha ao som do riso contido dos outros dois presentes no cômodo, sorriu resignada.

"Acho que o senso de humor do Leo está grudando em mim."

— E por que o amor é diferente? — O tom mais ameno lhe deu pistas de que poderia voltar a encara-la sem dar para trás.

— Amor não nasce do nada. — Deu de ombros, buscando alguma forma de explicar. — Se você perguntar para o Percy porque ele gosta da Annabeth, claro que ele vai responder algo melhor do que porque sim.

Reyna continuou a fita-la, como se absorvesse as informações, por fim Nico se tornou o alvo de seu olhar, Piper conteve o suspiro, fez o que pode.

"Boa sorte, cara."

— Nico. — O tom da voz na pretora era o mesmo do início de toda a conversa, embora fosse bem óbvio que a pergunta não seria banal.

— Oi? — Já o filho de Hades parecia tenso ou irritado, fechou o armário e jogou o pano de prato e a encarou, como se desafiasse a romana a continuar.

Ou como se não tivesse levado uma surra de bolas de neve mais cedo.

— Segundo a Piper você não ama o Will. — A grega passou a frase repetidas vezes em sua cabeça antes de arfar de surpresa, Nico não se mexeu. — Obviamente a reciproca é verdadeira, então não precisa se preocupar com...

— Por que resolveu me usar de cobaia para a sua teoria?! — As orelhas de Nico estavam vermelhas, talvez conseguisse até fazer um misto quente ali.

A cena toda parecia com a de uma mãe perguntando sobre a vida amorosa de seu tímido filho adolescente. Piper virou o rosto para o lado, tentando rir da forma mais discreta possível.

— Que saco... — Ele saiu da cozinha olhando para o chão como se quisesse que ele se abrisse sob seus pés.

Reyna o seguiu logo em seguia dizendo algo sobre como Nico não deveria ficar triste, que gostar também era bom e seja o que fosse. As vozes se distanciaram escada acima, deixando-a ainda sentada no branco da cozinha, repassou a conversa do começo ao fim, deixando que o riso fluísse sem impedimento algum.

O que pelos deuses tinha sido aquilo tudo?

"Aconteceu o que você precisava que acontecesse."

Se Nico e Reyna teriam uma conversa, — possivelmente traumatizante, — Piper também precisava ter uma: consigo mesma.

 

***

 

Por mais que Piper tentasse saboreá-los sem pressa, os bombons derretendo nos dedos eram um desestimulo tremendo.

Deu a última mordia no que tinha em mãos, fechou a caixa e a colocou no braço da poltrona, incerta se fora uma boa escolha traze-la para o quarto. Limpou os dedos levemente cobertos de chocolate com a boca.

Os olhos vagaram pelo quarto mal iluminado pelo abajur no canto, o barulho suave dos pingos fracos de chuva na janela personificava a leveza de seu ser.

Como era bom respirar com alívio novamente.

A memória voltou para o ónibus voltou a sua cabeça como se fosse um sonho logicou, os meses antes que a névoa colocara em sua cabeça, se fechasse os olhos poderia ver a chuva de meteoros, os momentos engraçados com Leo dizendo claramente que era o Super Vela, ou os momentos em que tentara de todas as formas fazer com que Jason a notasse.

Mesmo sendo apenas furto da névoa as lembranças eram importantes, eram suas, não importava o que Hera dissesse, foram elas que proporcionaram os melhores amigos que alguém poderia ter, lhe deram uma casa, um propósito, foram o estopim de seu crescimento como pessoa, as memórias falsas eram as mais importantes de sua vida.

Mas eram isso, apenas memórias.

"Você deveria saber que nem todo mundo encontra o amor da vida no ensino médio."

Um dos males de ser parte de uma história épica eram os clichês que elas possuíam também se tornavam reais.

Respirou fundo, saboreando o ar enchendo devagar os pulmões, para depois enxota-lo.

— Eu nunca amei o Jason. — Abraçou os joelhos, dispondo o queixo sobre eles, os olhos pairaram sobre a janela novamente, a chuva parecia ter se transformado em neve.

Por mais que o filho de Júpiter nunca fosse deixar de ser importante em sua vida, tivesse a apoiado em seus momentos difíceis, não apenas como namorado, mas como amigo também. Aquele garoto com que lutou, salvou e fora salva também, dividiram todas as alegrias e tristezas da guerra, vitórias e derrotas. O admirava como meio-sangue e amigo antes de qualquer coisa.

Porém, a intimidade que via crescente em seus amigos não se perpetuou nos dois.

Com a profecia cumprida e a paz restaurada Piper tivera tempo para pensar e observar, torcia para que Nico e Will parassem de fingir que nada estava acontecendo e que Frank e Hazel deixassem um pouco da timidez de lado. Assistiu, — mesmo sem querer, — a intimidade deles caminhando pouco a pouco, a troca de olhares significativos, os sorrisos para as piadas cúmplices.

Algo que não conseguia sentir no próprio relacionamento.

A filha de Afrodite sequer havia pensando nos detalhes conscientemente, mas seu incômodo passou a irritação, expandindo até resultar em um monte de gritos, — não se lembrava nem da metade, — e o fim de seu namoro.

O rosto irritado e duvidoso de Jason ainda continuava bem nítido em seu rosto, aliás, lhe dava raiva até no presente momento.

"Nem fez duas semanas ainda, ele também deve estar com raiva."

Teriam uma conversa assim que voltasse.

"Tipo daqui a dois dias ou um mês."

Tinha a impressão de que Nico não tinha ideia do que estava fazendo.

Fitou a lareira a sua frente.

Apagada.

— Você bem que poderia ser mágica e acender sem precisar de madeira. — Murmurou com um bico pairando de forma espontânea.

E para a maior surpresa da noite um crepitar discreto começou a soar no cômodo, assoviou baixinho, perplexa para fazer qualquer outra coisa.

"Por que ninguém me contou?!"

Amazonas e seus mistérios.

Reyna iria lhe pagar por não ter lhe dito nada.

Pescou outro bombom da caixa, merecia um depois de tamanha descoberta.

E não estava falando apenas do fogo a sua frente.

Um ranger alto saltou para seus ouvidos antes que pudesse colocá-lo na boca.

— Você acendeu a lareira. — O sussurro feliz de Reyna em meio ao breu quase a fez rir e esquecer do pensamento de segundos trás.

— Foi pura sorte, já que ninguém me disse como funcionava. — Murmurou com um falso tom ranzinza, a pretora a indagou com os olhos e fechou a porta.

— Achei que todo mundo sabia como acender uma lareira. — Ela lhe deu um sorriso sem graça e sentou-se no chão próxima ao fogo.

Piper precisou de alguns segundos a mais para fazer o mesmo, a repentina vontade de esconder a cara em um buraco no chão a impediria de raciocinar.

— É mágica. — Sussurrou com pontadas de ofensa. — Como o Nico está? — Achou melhor mudar de assunto.

— Irritado. — Reyna soltou um suspiro de preocupação. — Ele me disse que se não mudássemos de assunto iria dormir no porão. — Não pode evitar rir da situação. — Não sabia o quão sensível ele era a esse tipo de assunto.

— Claro. — Respirou fundo para afastar a graça: a pretora falava sério. — Só deixe isso de lado, Nico vai ficar bem.

"Vai precisar de um tempinho para superar o trauma."

— Amanhã vai ser a festa do aniversário da cidade em que fomos abastecer. — Reyna esticou as mãos para mais próximo do fogo, já totalmente acesso. — Gostaria de ir? — Piper crispou os lábios.

— Não sei, já falou com o Nico? — Se ele tivesse dito não poderia convencer a pretora a ficar.

Já tivera muito de boréadas por uma vida toda.

— Ele disse sim, depois me empurrou para fora do quarto. — A filha de Afrodite teria rido novamente, mas dar um cascudo na cabeça do outro a faria se sentir melhor.

"Droga, Nico!"

— Então vamos. — Murmurou, pondo-se a esquentar as mãos também.

Desde que não ficasse sozinha não haveriam muitos problemas, talvez o irmão mais velho já tivesse contado ao outro que nenhuma cantada no mundo funcionária.

Era o mais óbvio.

"Ou ele pode ter ficado quieto por orgulho."

Deuses, por que?

O charme seria seu maior aliado.

Tateou a poltrona atrás da caixa de bombons, virou-se para oferece-las a garota ao seu lado: que a encarava fixamente sem se mexer.

"Que não tenha uma aranha gigante na minha cabeça."

— Tem algo incomodando você. — O murmúrio sério e concentrado fez seu coração começar a palpitar, negou com a cabeça, com medo que sua voz saísse falhada.

Odiava quando Reyna a encarava assim.

A pretora desviou sua atenção para a caixa, levando-a até seu colo.

— Não foi uma pergunta. — Voltou-se para o fogo, abrindo um bombom sem pressa alguma.

Também odiava quando cada ato corriqueiro dela parecia ser uma ameaça.

— Não é grande coisa. — Era chato, não traumático.

— Não foi isso que eu perguntei. — Disse de forma pausada e baixa, Piper decidiu que era mais saudável fitar os próprios pés.

— Você não me perguntou nada. — Não era mentira.

— Tem razão. — O olhar de Reyna arrepiou sua pele, mesmo que se negasse a correspondê-lo, a voz macia não ocultava a raiva crescente. — É uma ordem.

Engoliu em seco, seu orgulho não seria suficiente para sobrepujar o frio na espinha.

— Um dos donos da Jun me cantou. — Deu de ombros, feliz por não ter gaguejado, mesmo que a fala fosse baixa.

Ouvir o exalar pesado próximo lhe deu a dica necessária para crer que ainda não tinha acabado.

— Por que não disse nada? — A indignação e ofensa na voz dela fizeram com que Piper se encolhesse minimamente.

— Porque não era nada, ok? — Deuses. — Não precisa exagerar.

Algum tempo se seguiu ao murmúrio, continuou a fitar os pés sem ideia do que se passava pela mente da romana.

— Vou dar um jeito nisso. — Virou-se de imediato, a garota ao seu lado olhava o fogo enquanto mastigava o bombom, todas as emoções negativas pareciam ter escorrido pelas frestas da porta ou ido para outra dimensão.

— Dar um jeito como? — Indagou devagar, imaginando todo tipo de cenário possível.

Não queria que os dentes de alguém fossem arrancados com um alicate por sua causa.

— Posso ser bem ameaçadora quando quero. — Reyna jogou a embalagem na caixa e pegou outro, sua intuição lhe dizia que o assunto tinha acabado e mais perguntas não seriam bem-vindas.

— Se você parar de bancar a pretora mandona eu nem me importo. — Murmurou para si, porém não seria uma missão impossível que ela escutasse, recebeu eu ok baixo e banal em resposta e ambas se puseram a observar o fogo em silêncio.

E de alguma forma a situação foi surpreendente.

Venceram uma das maiores guerras de todos os tempos, Reyna havia lhe segregados seus temores em relação a Afrodite, — as vezes sua mãe era uma grande vaca, — eram amigas.

E só.

Claro que a via nas vezes em que visitara o Acampamento Júpiter, tinham conversas triviais sobre como tudo andava, mas nunca mais entraram em assuntos particulares ou profundos, era exatamente o oposto do que experimentou nos últimos dias.

Aquele silêncio íntimo e confortável seria impossível a uma semana.

Entrelaçou os dedos para não cair na tentação de torcer as mãos.

"O que você vai pensar disso tudo depois que acabar?"

Nunca fora um problema para sua cabeça a ideia de que a Reyna que estava ali não existia realmente, era como um estado de embriaguez constante sem a voz enrolada. A Reyna de verdade não insistira em cozinhar, — jamais esqueceria a surpresa de saber do talento oculto, — ou perguntaria a diferença entre amor e paixão, muito menos a arrastaria no meio da noite para assistir filmes, não dormiria com ela por acidente um par de vezes.

Não a abraçaria de surpresa ou diria o que precisava ouvir.

Mordeu o lábio inferior por pura frustração.

Depois da guerra pouco pensara nela, uma verdade de difícil manipulação, continuara a viver a vida como antes, a pretora vinha a sua cabeça como alguém distante não apenas fisicamente, entretanto...

Já não era mais assim.

Deixou que seu olhar flutuasse até ela: a romana encarava a chama sem atenção, perdida nos próprios pensamentos que apenas os deuses poderiam dizer quais eram. As pernas cruzadas e as costas retas faziam parecer que meditava de olhos abertos, exceto pelas mãos disposta de forma displicente em seu colo.

Não importava o quão relaxada estava de fato, jamais era por inteiro, Piper se perguntava se era por causa da descendência ou pelo passado nebuloso.

Era impossível que falasse tão pouco de si mesma por pura timidez.

"Nem eu odiava meu sobrenome."

Com uma calma que não tivera em dias procurou uma das mãos dela com a sua, entrelaçou seus dedos sem qualquer manifestação contrária ou a favor da romana.

— Piper. — A pretora lhe puxou levemente em um pedido claro para que se aproximasse mais, encostou em seu ombro, dado a margem para que ela repousasse a cabeça no topo da sua. — Você não explicou como o amo funciona.

— Por que quer tanto saber sobre isso? — Até para ela, do jeito que estava, era estranho.

"Tinha certeza que era só tédio."

— Curiosidade. — Claro que não era mentira, todavia não parecia ser toda a verdade. — Disse que Percy e Annabeth têm motivos para amar um ao outro, amar é isso? Gostar de alguém com motivos?

— Você faz parecer imbecil. — Resmungou, parte pela ofensa, parte porque não queria conversar.

— Eu só quero entender. — O tom de pedido foi algo que nunca pensou ouvir de Reyna.

Principalmente depois do que havia acontecido minutos atrás.

— Ok. — Expulsou a palavra em um suspiro, porém permaneceu quieta, a romana não disse nada, apenas passou a desenhar círculos no dorso de sua mão com o polegar.

O segundo que se seguiu ao ato foi maior do que Piper julgava ser possível.

"Onde está Cronos quando precisamos dele?!"

Obviamente no Tártaro.

— Acho que me apaixonei pelo Jason à primeira vista. — Começou, sem ideia do que poderia sair de sua boca. — Não existiu de verdade, mas foi real para mim. — Encarou o fogo crepitando com entusiasmo, imponente e acolhedor, tão parecido com a fogueira do Acampamento Meio-Sangue. — Quando nos conhecemos na missão não tive decepções, ele era exatamente como a névoa me mostrou: corajoso, bonito, divertido e um bom amigo, alguém em que você pode confiar.

Pausou por alguns segundos mais, estimulando comentários, porém nada veio, por um milagre o veneno havia deixado Reyna entender que sua história era um exemplo.

— Não tivemos tempo para muita coisa durante as missões, nem mesmo nos meses em que o Argos II foi construído, era estresse demais, nos acertamos antes e era isso o que importava, Jason era meu. — A filha de Afrodite não soube dizer se a fala lhe fez bem, por estar colocando sua parte mais mesquinha para fora, ou mal por comprovar a existência dela fora dos próprios pensamentos, mais uma vez sua ouvinte continuou como tal.

O leve aperto em sua mão foi o impulso que precisava para continuar.

— E então fomos até vocês. — Engoliu em seco, as vezes ainda sonhava com a visita trágica. — Eu estava morrendo de medo, de sermos atacados, de meus poderes falharem e mais um monte de coisas que me embrulharam o estômago, mas o que me deixava mais nervosa era ideia de perder o Jason. — As palavras ardiam na garganta, como a primeira vez que tomou o Whisky 18 anos do pai só para irritá-lo, talvez um pouco mais amargo. — As lembranças dele tinham voltado, era romano, não importava o que alguns meses com os gregos tinham feito, ninguém pode negar a própria natureza.

Ouviu-a respirar fundo, ato que a fez crispar os lábios, em sua cabeça uma voz dizia que deveria calar a maldita boca, tinha se desviado do que Reyna queria saber, o certo ali era pedir que se retirasse e prometer explicar na manhã seguinte, todavia, era incapaz de cumprir com a ideia.

Aqueles sentimentos se negavam a continuar presos.

— Eu tinha ciúme de você. — A confissão saiu falhada, sua garganta seca pouco era de ajuda. — Ele nunca dizia nada quando perguntava e qual é, você era incrível. — Sorriu sem humor, ainda se lembrava da visão dela, toda em púrpura e dourado, os recebendo como uma imperatriz, executando as melhores decisões com a habilidade e perfeição que faltava a 90% dos líderes mundiais.

Como poderia competir com isso?

— Eu sei que é idiota, que vocês nunca tiveram nada, mas não conseguia deixar de me sentir inferior, Jason era... — Se obrigou a parar, a voz embargada era muito para seu orgulho aguentar.

— Seu príncipe encantado? — Afastou-se para poder encara-la, pasma pelo tom calmo e gentil de sua voz, em seus olhos não havia sequer um único brilho de julgamento ou reprovação, continuava a ser uma ouvinte interessada, querendo um final para a história contada. Confirmou com um aceno, desviando o olhar para as mãos ainda unidas no colo dela.

Respirou fundo para prosseguir, de todos os erros que colecionou na vida, esse era sem dúvida o que mais lhe causava remorso, culpa e vergonha.

— Naquela noite, eu não queria estar lá, não queria que precisássemos de vocês. — Murmurou, sentindo a enxurrada de emoções conflitantes e muito bem escondidas ganharem vazão. — Eu não me esforcei, não o bastante para tentar parar a... — O soluço escapou, as lagrimas rolavam sem controle e Piper se via refém, imponente contra os próprios sentimentos.

Reyna soltou sua mão, apenas para envolve-la em um abraço em seguida, a grega deixou-se tragar, apertando-lhe pela cintura e escondendo o rosto em seu peito.

Foram incontáveis segundos, minutos ou horas, — que não fizera questão alguma de contar, — até que a crise mais aguda se fosse e a filha de Afrodite conseguisse ver algo com mais nitidez, a lareira continuava acesa, queimando o nada como se fosse o melhor combustível do mundo, aquecendo e espantando o frio, a pretora mergulhou os dedos em seu cabelo, acalentando levemente, quase como uma lembrança de que não estava sozinha.

Teve que engolir o obrigada, lhe deveria outra coisa antes disso.

— Eu gostava do Jason, mas amava a ideia que ele representava na minha vida. — Sussurrou contra o tecido do pijama de flanela, calma como o céu depois de uma tempestade. — É tentador ter algo parecido com o e viveram felizes para sempre, achei que merecia essa recompensa. — Sorriu para si mesma, aquilo era tão infantil. — Mas amor não é um prêmio, é construído dia após dia, vem em forma de amizade, companheirismo, cumplicidade, admiração e um monte de outras coisas. — Respirou fundo antes de se afastar devagar, limpou o restante das lágrimas antes de encarar a romana. — Por isso que temos motivos para amar alguém, nada pode ser tão profundo sem um motivo.

Reyna continuou quieta, absorvendo a resposta para a questão, ela fitou o fogo por um momento, como se divagasse a respeito.

— Obrigada. — Dessa vez não se viu capaz de conter, a surpresa no rosto da romana lhe deixou intrigada: maldito veneno! — Por me ouvir, não me julgar e... — Desviou o olhar para o chão, notando só então o quão vergonhosa a situação era. — V-você sabe, por perdoar e...

— Se abriu comigo. — Voltou-se para ela de imediato, mesmo em murmúrios a voz dela ressoou pelo quarto, era impressionante como Reyna tomava fácil as rédeas da situação, sua autoridade não tinha nada a ver com a pretoria. — Me confessou seus piores medos, me deu o privilegio de escuta-los e de ver o que fizeram com você. — Ela levou o polegar a tocar sua bochecha, acentuando a humidade ainda presente e seu ponto. — Esse tipo de confiança é uma honra para mim, eu é que deveria agradecer.

A romana lhe presentou com um sorriso suave enquanto a Piper só sobrou a surpresa beirando a descrença.

— Do que está falando? — Era absurdo em demasia para que ficasse quieta. — Acabei de confessar que não fiz nada para evitar aquele bombardeio, justo você que mais sofreu com ele, teve sua reputação manchada e quase perdeu o cargo por nos ajudar, você... — A raiva na voz cessou, mas não o choque, como ela podia ser tão perfeita? — Levou uma flechada que poderia ter te matado e fosse mais funda. — O maxilar dela tensionou, não parecia nada contente com essa lembrança. — Fez uma viagem sozinha entre continentes só porque Annabeth mandou um recado, atravessou outra vez e praticamente matou um Gigante sozi...

— Chega. — O sussurro saiu seco e em tom de ordem, ela soltou o ar como se precisasse nivelar a pressão, os olhos se fecharam. — Não me coloque no pedestal outra vez, não agora. — A fala saiu tão baixa que Piper teve dificuldades para entende-la, porém, a mágoa era de fácil compreensão.

Fácil o bastante para que até seu coração a sentisse.

Com uma dose de hesitação que empurrou para algum lugar distante da cabeça, levou a mão até o rosto da pretora, acariciando levemente, pedindo seu olhar outra vez.

— Desculpe, não foi isso que quis dizer. — Suas palavras funcionaram melhor que o toque, embora se negasse a desistir dele, a desconfiança nos olhos dela fez seu coração apertar. — Eu só admiro muito você, saber que não se importa com o que aconteceu foi um pouco demais para mim. — Não era mentira, mesmo que tivesse sorrido com divertimento, respirou fundo para que o humor saísse de vez e a seriedade surgisse. — Sei que não foi fácil, que nunca é fácil.

Pela primeira vez em tempos Piper não foi capaz de dizer o que Reyna estava pensando, o brilho amarelado da lareira parecia acentuar ainda mais a profundidade dos olhos talhados em obsidiana, era como se pensassem em algo que não queriam mostrar, algo intenso e doloroso. Ela cobriu sua mão com a própria e fechou os olhos outra vez.

— Eu não gosto de falar sobre isso. — O pedido na fala lhe deu a dica que precisava para entender de que não fazia ideia do que era isso.

Mas não era importante.

— Tudo bem. — Murmurou da forma mais gentil que pode. — Eu vou estar aqui para ouvir quando precisar, assim como você fez comigo. — Reyna apertou sua mão e sorriu para si mesma, quando voltou a abrir os olhos não havia mais rastro do que quer que fosse, ela apenas lhe agradecia com o olhar.

Era tudo que precisava.

Deixou que sua mão fosse caiando aos poucos, a dela foi a acompanhando até o carpete, brincou com seus dedos até que as mãos estivessem entrelaçadas outra vez. Respondera à pergunta dela, desabafou e de brinde uma promessa de retorno, a filha de Afrodite não sabia mais o que dizer além de um boa-noite.

Entretanto não queria que ela fosse embora, que o momento fosse desfeito.

— Dorme aqui. — Era para ser uma afirmação, porém o timbre hesitante o mesclou com uma pergunta, continuou a olhar as mãos unidas, ouvindo o retumbar agitado do coração.

— Claro. — A resposta veio rápida, mas o puxão para que se levantasse foi mais chocante. — Dormir com o fogo aceso me lembra os treinamentos com Lupa. — Por algum motivo a fala feliz arrepiou sua espinha. A pretora a arrastou até a cama ser pudor algum.

Talvez aquele veneno não fosse tão maldito assim.

Deitada e devidamente coberta, Piper olhou para o teto branco, — agora amarelado por causa do fogo, — toda a conversa passou novamente por sua cabeça, tinha certeza que o sono demoraria a chegar.

— Ei, Piper. — Ao fita-la pode constatar que Reyna também olhava para o teto, contemplando algo invisível nas sombras da chama. — Acha que só podemos amar alguém depois de anos?

Semicerrou os olhos, por que ela só sabia fazer perguntas difíceis?!

— Porque eu tenho certeza que amo o Nico. — Reyna a encarou, esperando uma resposta que não viria, a romana parecia tem desenvolvido a habilidade de deixa-la sem fôlego apenas com palavras. — E com tudo que você disse hoje: acho que te amo também.

Ou provocar um ataque cardíaco.

— Quer saber... — Disse, ainda meio sem ar, mas certa sobre suas palavras. — Acho que também amo você. — Reyna lhe deu um sorriso satisfeito antes de dizer boa-noite e se virar para o outro lado. Piper sorriu divertida e deitou-se de costas novamente, tentando normalizar a respiração.

Definitivamente: naquela noite o sono não chegaria.


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