Keep me and I'll be okay escrita por Ryoko_chan


Capítulo 1
One-Shot




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Durante as longas horas que ficou naquela sala de espera, as únicas coisas que lhe passavam pela cabeça eram o tédio, a liquidação de congelados que estava perdendo, e que deveria ter trazido o videogame portátil que King havia lhe emprestado. Em momento algum lhe ponderou a possibilidade de que Genos não poderia ser reparado dessa vez. E era exatamente por esse motivo que ele não estava conseguindo sequer compreender o que o velho cientista estava lhe falando naquele exato momento.

— Não, espera. Você está dizendo que não tem como consertar o Genos?

— Sim, é o que estava lhe explicando, o dano...

— Mas... Mas deve haver um jeito! Ele já ficou desse jeito antes! Ele ficou todo quebrado, mas foi só trocar umas peças e ficou tudo bem! – A voz do herói saia alta e errática, incrédula acima de tudo.

— Saitama, não é mais uma questão mecânica. É uma questão biológica. O cérebro dele foi danificado. A ligação entre o corpo dele e o cérebro foi atingida, e qualquer tentativa de transferi-lo apenas aumentaria o dano. Ele jamais sobreviveria.

— Não... – Ele não estava entendendo aquilo. Toda aquela conversa, aquele bando de bobagens. Nada fazia sentido.

— A verdade é que ele não tem mais muito tempo. Eu retirei as drogas que o induziam ao coma e ele acordou. Ainda está lúcido, mas sem o aporte do software dele, o sangue não circula direito e os neurotransmissores não funcionam adequadamente. O dano do cérebro vai se espalhar gradualmente.

— Não... – Ele não queria entender. Ele só queria levar o Genos de volta para casa, são e salvo, e então eles fariam udon e assistiriam filme antes de dormir.

— O cérebro dele deve parar de funcionar em questão de horas, na melhor das hipóteses. Pode ser bem menos, minutos. Não há nada que possa ser feito, Saitama. Eu sinto muito.

— Não... – Ele só tinha que pegar Genos e leva-lo de volta. Genos já estava bem, com certeza.

Só entrar naquela sala e pegar o seu discípulo e eles iriam juntos para casa.

Ele deu alguns passos na direção da porta, e o médico falou alguma coisa. Tentou segurá-lo, talvez. Saitama não ouviu nem sentiu nada. Apenas girou a maçaneta, abriu a porta e adentrou o ambiente branco, estéril e desagradavelmente iluminado. No meio da enorme sala, uma série de equipamentos eletrônicos e uma maca.

E o que ele viu sobre a maca o fez se sentir a criatura mais fraca e inútil sobre a face da terra.

Lá estava o cyborb, apenas sua cabeça e parte do torso totalmente aberto, cheio de cabos ligando-o àquelas telas repletas de gráficos e números que Saitama não compreendia. O rosto dele ainda estava parte sem pele, um dos olhos apagados, semelhante a quando o encontra no campo de batalha: quebrado, destruído, mero escombro jogado no chão.

A culpa começava a corroer seu coração. Ele deveria estar com Genos. Por que não foi quando Genos recebeu aquela ligação da Associação dos Heróis? Parecia ser coisa séria, não? Era algo mais importante que o mangá que estava lendo na hora, certamente. “Vai lá, detona ele, Genos.”, dissera-lhe com tédio, sem prestar muita atenção nas informações que lhe eram passadas pelo jovem. Era sua obrigação enquanto mentor, enquanto adulto responsável, enquanto amigo. Bastaria um soco seu, e Genos estaria são e salvo, não naquela mesa fria.

— Sensei...? – O único olho aceso olhava em todas as direções, procurando-lhe. Genos pareceu tentar, mas não conseguia virar a cabeça. Não tinha mais o suporte do pescoço, e por isso Saitama deu mais alguns passos incertos a fim de se colocar no campo de visão do jovem.

— Oi, Genos. – Tentou sorrir para o rapaz, passar-lhe um pouco de confiança. Provavelmente falhou. Não havia como sorrir vendo o loiro naquele estado. – Hum... Como você está se sentido?

— Eu me sinto fraco... faltando partes... erros no sistema... – Ele respondeu vagarosamente, com alguma dificuldade. Sua voz soava estranha, com ruídos, como um rádio mal sintonizado. – Minhas pernas doem.  – Saitama olhou para o torso metálico aberto sobre a maca. Não havia pernas conectadas nele. O peito do herói sofreu um grande aperto. Sua garganta também, era difícil até respirar. – Sensei... Por que o senhor está chorando? – Saitama não conseguiu responder, apenas levou as mãos até a própria face, querendo esconder as lágrimas que surgiram sem que ele notasse. Qual foi a última vez que ele chorou? Ele nem se lembrava. – Eu estou morrendo, não estou? – Genos perguntou diante da falta de resposta do mais velho. Havia um sorriso pequeno e triste em sua face, quase resignado. – O doutor Kuseno não quis me falar nada, mas eu estava desconfiando. Eu não deveria sentir dor, e o meu software não responde a nenhum dos meus comandos. Devo ter tido dando cerebral, não?

— Não! Não! Não! Você vai ficar bem, Genos! – Saitama dizia desesperado, gesticulando e balançando a cabeça. Ele queria agarrar o cyborg pelos ombros e chacoalha-lo até tirar da cabeça dele aquelas ideias bobas, mas Genos não tinha mais ombros. – Eles vão trocar suas peças e você vai ficar bem!

— Eu sito muito, sensei. Eu falhei com o senhor.

— Seu idiota! Você não vai morrer! Eu te proíbo de morrer! É uma ordem do seu mestre!

— Será que o senhor poderia me fazer um último favor, sensei? – Ao escutar aquele pedido baixo e falho, Saitama entendeu que sua negação não era capaz de mudar a realidade.

Permitindo que mais lágrimas rolassem livremente, tocou a face do seu pupilo, passando com cuidado seus dedos pelo pedaço de pele artificial ainda intacto, o homem fez que sim com a cabeça. O jovem chegou a fechar momentaneamente o único olho funcional, parecendo apreciar aquela sutil carícia, sorrindo a despeito da dor que sentia. Seu mestre nunca tinha lhe tocado daquele jeito antes. Adoraria poder retribuir aquele toque, mas mesmo assim estava feliz. Tão feliz que que estaria chorando também, se tivesse capacidade.

— Sabe, sensei... Eu sou muito grato por tê-lo conhecido. Por ter sido o seu discípulo. O senhor é um homem incrível, e por isso eu estou feliz. Minha única tristeza é imaginar que não estarei mais com o senhor, então...  Sensei... –A voz do jovem ia ficando mais falha, e suas palavras mais espaçadas a cada minuto. – Eu sei que seu apartamento é pequeno, mas... se você puder me manter lá.... nem que seja só uma peça minha... eu não vou mais poder pagar aluguel... nem ajudar com as tarefas domésticas, mas... se você puder me guardar, um pedaço de mim..... Eu juro, sensei... eu nunca vou te deixar, então, não deixe eles me jogarem fora... Fique comigo e eu ficarei bem. – Ele terminou seu pedido com um sorriso sincero. Não queria morrer, não queria deixar seu amado mestre sozinho. Queria estar para sempre com ele.

Saitama fechou os olhos, ainda chorando, e novamente acenou com a cabeça, incapaz de responder com palavras.

— Sensei... tem mais uma coisa que eu queria te dizer... – O cyborg fez uma longa pausa. Talvez estivesse com dificuldades para falar, talvez estivesse pensando em uma maneira como dizer. Saitama o olhava atentamente, temendo que a qualquer instante Genos se fosse para sempre.  – Mas eu, mesmo agora, tenho vergonha. É patético, não?

— Não! Você nunca foi patético! Você é incrível, Genos! Você é forte e disciplinado, e você...

— Eu te amo, sensei. – O jovem cortou a fala de seu mestre. Sua voz agora saia como um mero ruído. Perguntou-se se era inteligível o que ele dizia, mas pela cara de surpresa que seu mestre fez, ele havia entendido sim. – Há muito tempo, sensei... Eu...

Saitama esperou pela continuação da frase, mas ela não veio.

O olho de Genos havia se apagado, assim como a fraca luz do seu núcleo.

Ele havia partido, e Saitama não teve tempo nem dizer que também sentia o mesmo. Que sua vida havia mudado graças a Genos. Que o rapaz havia trazido cor e felicidade para os seus dias. Que não queria mais voltar para aquele apartamento sabendo que as luzes estariam sempre apagadas, e que o jovem nunca mais lhe daria boas vindas.

Não pode beijá-lo, não pode garantir que sempre teria Genos consigo, que cumpria pessoalmente cada um de seus desejos manifestados ainda em vida.

Saitama apenas pode gritar de dor, permitindo-se abraçar os restos metálicos sobre a mesa enquanto suas lágrimas banhavam o rosto sereno do cyborg.

 


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Notas finais do capítulo

Foi a primeira vez na vida que eu chorei escrevendo algo.
Inspirada pela música Throw Me Away, Korn. Não foi betada.
Comentários seriam muito apreciados para me tirar da fossa que foi escrever isso....



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