Eu não precisava ver as cores para sentir escrita por Rossetti


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Olá, gentes!
Essa one foi escrita usando em sua fórmula: Muito amor e entusiasmo. Entããão... Pode ser que eu tenha deixado passar um errinho ou outro (porque ninguém é perfeito, né?). Minha amiga se ofereceu para revisar, mas eu sou uma louca apressada querendo postar logo no calor da emoção. Então, por favor, casos você detecte algum errinho, poderia me avisar por favor? Vou ficar muito grata. ♥

Dedico essa one a todas as pessoas maravilhosas que gostam de alma-gêmeas como tema.
Espero que tenham uma boa leitura!



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Existem quatro tipos de pessoas.

Um: As que já encontraram sua alma-gêmea e estão tranquilas quanta a isso.

Dois: As que passam a vida pensando como, quando e se vão encontrar sua metade da laranja, desesperadas por cores e romance.

Três: As que batem o pé dizendo que não serão controladas pelo destino e que as cores não são importantes, então que não querem jamais encontrar sua alma-gêmea.

E quatro: As que não estão nem aí se a água corre para baixo ou para cima.

 

 

Eu me encaixei na quarta categoria desde que posso me lembrar. Olha, eu sempre fui uma guria comum, até um tanto azarada. Não tinha razão para criar expectativas. Mas também não era o tipo que se revolta. Eu ficava na minha, sabe?

Na maioria dos dias comuns, não pensava nas cores ou encontrar alguém perfeito para mim. Poderia passar semanas sem lembrar disso. Se essas questões vinham rondando minha cabeça aquela semana, era tudo por culpa de Lorena.

Lorena era minha nova companheira de quarto no alojamento. E ela era amável, organizada, divertida, tudo que se poderia esperar de uma colega de quarto. Exceto o fato de que era completamente maluca. Ela passava o dia todo falando sobre como queria encontrar seu príncipe, sobre qual cor seria a pele dele, de como contaria para os futuros filhos o momento do encontro, das cores que os objetos poderiam ter… Ela até mesmo fez uma tatuagem (em cores!) no braço, dizendo que quando seu amor a encontrasse, poderia ver todas as cores do mundo bem ali em sua frente. Pura obsessão.

Eu tinha medo por ela. Já tinha conhecido alguns jovens que acabaram se desesperando por poder enxergar completamente, tanto que chegaram a recorrer para um tipo de droga, viciante, corrosiva e destrutiva, que imitava a sensação de ver as cores. Geralmente não tinha volta depois de um tempo e o que viam nem era real, apenas euforia simulada em suas cabeças pela química. Perder um amigo para isso é uma tristeza sem consolo.

Por isso eu estava pensando nessas coisas, quando deveria estar atenta à aula. Eu girava minha caneta entre os dedos com tanta agitação que meus colegas ao lado se afastaram um pouco, temendo a possibilidade de que o objeto escapasse de minha mão e voasse em suas cabeças. Talvez tivesse voado, se eu tivesse continuado naquilo por mais tempo. Felizmente, meu professor falou comigo.

— Maya? – Ele chamou. Eu levantei minha cabeça devagar, pronta para receber um convite para me retirar da sala por estar incomodando os outros. Mas o professor não parecia prestes a arrancar minha cabeça, então tudo estava bem. – Por que você não para de procrastinar e encontra uma dupla para fazer o relatório que pedi?

Olhei ao meu redor. Percebi então que o motivo dos outros terem puxado suas mesas para longe de mim não era por temerem uma caneta, afinal. O resto da sala tinha se juntado em pares.

— Ah. Sim. – Aquele constrangimento de ser a garota que nunca tinha um parceiro caiu sobre mim. Eu tinha amigos, sabe, porém não em minha sala. No fim, eu fazia os trabalhos sempre sozinha. O problema atual é que eu não tinha ideia do que deveria fazer.

Com uma dose moderada de desespero interno, me virei para trás, esperando que acontecesse o milagre de alguém estar sem seu parceiro habitual.

Meu estômago formigou violentamente quando percebi que a única sozinha era Jô.

Seu nome era Josie e ela era a última pessoa da turma com quem eu gostaria de me sentar. Motivo? Ela era minha crush suprema.

Como uma pessoa desapegada da obrigação de viver esperando uma alma-gêmea cair do céu, eu sempre me dei permissão à pequenas paixões. Aqui ou ali, eu acabava ficando afim de alguém, às vezes até virava um pequeno caso. Nunca um namoro assumido, namorar alguém que não te faz ver cores é como um pedido para que o universo parta seu coração, de acordo com a maioria das pessoas. Tudo bem, até porque eu nunca me apeguei tanto a ponto de sentir muito quando alguém se afastava de mim.

Mas Jô vinha sendo um caminho perigoso. Eu nunca tinha falado com ela, mas já me sentia mais apegada do que a qualquer outra pessoa que já gostei. Da minha mesa eu podia ouvir sua voz, sua risada, as coisas que contava a seu amigo Denis, sendo que cada frase sua derretia meu coração. Além de ser bonita, ela era encantadora em qualquer pequeno gesto. Muitas vezes eu me peguei olhando para trás, quando Denis não estava presente, para admirá-la. Até o jeito que ela colocava o cabelo atrás da orelha ou arrumava o óculos me faziam suspirar.

Eu estava me apaixonando. Se apaixonar é ruim, se apaixonar dá errado. Eu não queria me aproximar mais. Não podia me permitir.

Onde estava Denis, quando se precisava dele?

O melhor amigo de Jô nunca tinha faltado até então. Ele estava ao lado dela todos os dias, ajudando no que ela precisasse e contando piadinhas que a faziam rir alto. Ela sempre ria das coisas que ele contava, a ponto que um dia um professor pediu para que ela saísse da sala, porque sua gargalhada estava atrapalhando a aula. No começo, eu sentia um certo enjoo de presenciar isso, acreditando que ela ria das piadas de Denis para agradá-lo, minha paranóia me fazendo crer que era uma forma dela flertar com ele. Com o tempo percebi que ela tinha mesmo o riso fácil e que os dois eram só amigos.

Mas justo na ocasião em que eu não tinha ideia do que fazer e precisava de uma dupla, ela estava só.

Eu também não podia nem cogitar a possibilidade de deixar ela fazer sozinha. Eu não sabia se ela tinha como fazer o trabalho sem um parceiro (onde é que estava sua máquina de braile?). Além disso, ela estava acostumada a ter companhia e, agora que eu tinha deixado minhas preocupações de lado para reparar nela, Jô parecia solitária com a cadeira ao lado vazia.

Me levantei e lancei um olhar meio desesperado para o professor, que me respondeu com uma expressão de desgosto. Bem, eu devia parecer uma completa babaca que estava relutante em fazer um trabalho em dupla com a aluna cega, não podia julgá-lo por me olhar feio. Até porque eu não podia simplesmente dizer a ele que não queria sentar do lado da minha paixonite para evitar que meu sentimental decidisse definitivamente que eu deveria me apaixonar por ela.  

Então, com meu coração gritando “Sim! Isso!” e meu cérebro implorando “Por favor, não faça isso!”, fui até sua mesa e parei em sua frente. Abri a boca umas três vezes, sem conseguir falar uma palavra, como um peixe fora d’água. Ou talvez tenha emitido algum som, como uma galinha sonolenta ou um pombo rouco (por que eu estava pensando em animais?)

Ela levantou as sobrancelhas.

— Sim? – Perguntou. E sua voz era tão bonita. Ela toda era tão bonita. De perto era quase assustador, irreal.

— Podemos fazer o trabalho juntas? – Soltei. Ela fez uma expressão que eu não podia ler. Era difícil imaginar o que ela pensava, talvez pelos óculos escuros. – Eu estava distraída, não faço ideia do que o professor pediu para fazer. Hã… Socorro.

Então ela sorriu. Oh, deus.

— Pegue suas coisas. – Ela mandou. – Você quem vai escrever.

 

 

Ao fim daquela aula, eu estava ao seu lado, tentando não morrer a cada momento. O trabalho estava feito e Jô parecia feliz. Aquele seu sorriso solto. Eu só precisava olhá-la de canto para ver.

— Por um momento, quando o professor falou com você, achei que você fugiria ou escolheria fazer o trabalho sozinha. – Ela falou, sem pesar algum. Na verdade, até riu um pouco no final da frase. Eu não tinha como responder a isso, então afundei um pouco na cadeira e esfreguei as unhas na mesa. – Foi legal ter vindo falar comigo.

— Eu… Hã…

— Acho que isso é uma grande coisa. Vencer a timidez, sabe?

Me perguntei como ela sabia que eu era tímida. Eu achava que ela nunca tinha reparado em mim.

— Obrigada. – Murmurei. E então tentei encontrar algo a dizer, qualquer coisa, qualquer coisa, só para não deixar o assunto morrer. Mas ela foi mais rápida.

— Você gosta de música, Maya? – Ela perguntou.

— Eu amo música. – Suspirei e sentei mais reta na cadeira. Pelo que eu ouvia de suas conversas, Maya tinha um gosto musical maravilhoso. Eu sonhava em poder falar disso com ela. – Você gosta de The Sekorts, não gosta?

— Sim! São meus preferidos! – Ela arrumou a postura e sorriu, triunfante em tirar de mim uma frase animada.

Logo mais estávamos conversando sobre um monte de coisas.

A aula acabou e eu continuei ali. Outras aulas passaram e nós nem mesmo prestamos atenção. O intervalo passou e nós não percebemos seu começo, nem seu fim. Ela ria tanto, até mesmo quando eu começava a gaguejar de vergonha de alguma coisa. Levei muitos minutos para perceber o quão era surreal estar daquela forma com ela. E bom, tão bom.

Quando o fim da última aula da noite estava chegando, meu coração começou a afundar no peito. Eu não queria falar tchau. Não queria quebrar o encanto, porque sabia que no dia seguinte seria difícil me aproximar de novo. Aliás, eu nem deveria. Mas pensar nisso doía.

Tirei um momento para pensar na sorte que teria a pessoa reservada apenas para Jô e meu coração se contorceu um pouco mais. Eu andava pensando demais naquilo, aqueles dias. Não era saudável.

Mas então me ocorreu… Como Jô saberia? Ela não veria as cores. Mesmo se encontrasse sua alma-gêmea, Jô nunca enxergaria.

Isso era… Triste?

Ou será que não era? Talvez não ter que carregar o peso da eterna curiosidade por uma mudança tão grande que dependia de alguém trouxesse um alívio. Quem sabe essa espera constante à qual as pessoas se prendiam não tivesse efeito em Jô. Nada mudaria, ela não estava presa à necessidade da procura. Se sua alma-gêmea não aparecesse, okay, se aparecesse, tudo bem, tudo ainda seria o mesmo. Talvez fosse por isso que Jô conseguia rir tão livremente. Ela estava mais livre de amarras do que o resto, muito mais do que eu.

— Maya? – Ela chamou, quando fiquei quieta demais.

— Estou aqui. – Respondi, acordando para a realidade.

— Eu sei que está. – Ela riu. – Ta tudo bem? Sua cota de interação social diária foi excedida?

Eu sorri um pouco e esfreguei o rosto com a mão.

— Me perdi nos pensamentos. Eu só… – A frase morreu no caminho.

— Beleza. Só me avise se eu estiver incomodando, okay?

Ela nunca me incomodaria.

E então percebi, era besteira evitá-la. Só iria adiar minha percepção.

Fosse por todas as semanas que a observei ou por aquela única noite que passamos conversando, eu já estava inegavelmente apaixonada por ela.

Respirei fundo.

Eu estava com um problema enorme.

— Pode deixar. – Era uma resposta idiota. Comecei a arranhar a mesa, inquieta pelo nervosismo. – Mas você tem bom gosto, então…

Jô riu.

— Você vai me matar com esse barulho. – Ela disse, tateando brevemente a mesa até encontrar minha mão, para me fazer parar.

E quando eu pisquei, foi como ver uma explosão na frente de meus olhos. Eu puxei minha mão depressa e cobri o rosto por um momento. Minha pele parecia estar em chamas e meus órgãos internos congelaram. Então destampei os olhos e descobri um mundo novo.

Tudo tinha uma cor. Tudo! O mundo ao meu redor era lindo e rico.

E Jô! Eu olhei para ela e a vi ainda mais linda, se é que era possível. Então fez sentido, claro que fez, era para ser assim. Meu coração pulava em meu peito. Eu queria saber o nome das cores dela, para descrever e segurar aquele momento em minha memória para sempre. Josie era mesmo perfeita, isso porque era perfeita pra mim, o universo a fez assim, da mesma forma que me fez para… Oh, deus, eu estava tão grata que mal podia respirar.

— Maya? – Ela chamou de novo, dessa vez um pouco alarmada. – O que foi?

Foi um pequeno choque perceber que ela não tinha como saber.

Eu tinha pensado nisso momentos antes, não?

Apenas se eu contasse, ela saberia.

— Eu… To um pouco enjoada. Preciso… Banheiro. – Sussurrei. E antes que ela tivesse tempo para falar qualquer coisa, levantei e saí da sala.

Entrei tropeçando no banheiro. As cores eram vibrantes e me deixavam zonza. Me olhei no espelho e pela primeira vez vi como eu era de verdade. Notei até que as minhas roupas eram de muitas cores diferentes e que ficavam ridículas todas juntas.

Sorri de lado por um momento e fui lavar o rosto.

Quando terminei, já sentia falta dela. Olhei para meu reflexo de novo e realmente gostei da cor dos meus olhos. Então caí no choro, sem nenhuma razão definida.

 

 

Minutos depois, o mais recomposta possível, voltei para a sala e me sentei ao lado de Jô.

— Melhor? – Ela perguntou.

— Um pouco. – Eu fechei os olhos e escorreguei na cadeira, ficando na minha tradicional forma folgada de sentar. – Não precisa se preocupar.

— Claro que preciso. Você parecia que estava com falta de ar, então…

— Josie. – Interrompi. Eu estava pronta para falar, mas ela virou o rosto um pouco mais na minha direção e eu me perdi no meu objetivo original. – Posso sentar com você sempre que Denis não vier?

— Claro! – Ela ficou obviamente feliz. – Na verdade, pode se juntar a nós mesmo quando ele estiver aqui. Vocês vão se dar bem.

Senti mais um pouco de gratidão para com o universo. Em outro momento eu teria recusado e me sentido mal com a ideia de me intrometer entre amigos, mas tudo que eu queria era ficar perto dela.

Por isso me senti devastada quando a aula chegou ao fim e todos se levantaram de repente para ir embora.

— Você precisa de ajuda? – Perguntei, observando Jô colocar a mochila nas costas e pegar sua bengala dobrável.

— Não realmente. – Ela respondeu. – Mas gostaria. – E me estendeu o braço.

Eu andei com ela rumo a saída do bloco, nervosa, com medo que Jô batesse em alguma coisa e se machucasse. Ela só ria da minha preocupação excessiva.

E a cada passo, eu me sentia mais sob pressão. Eu precisava falar para ela.

Como você chega em alguém e avisa que ela é sua alma-gêmea? Não existia um manual de instruções para isso.

Por fim chegamos na saída e paramos na calçada, fora do fluxo de passagem dos outros alunos. Percebi que não fazia ideia de como Jô iria embora.

— Hã… – Comecei a perguntar. Mas um homem chegou até nós e só poderia ser um parente de Jô. Além das feições, eles tinham o mesmo cor de pele e cabelos.

— Boa noite. – Ele disse, me olhando com curiosidade.

— Oh, Maya, esse é meu pai. – Jô apresentou, sorrindo. – Pai, essa é Maya, estamos na mesma turma.

— Uma nova amiga? – Ele sorriu, como se fosse a melhor notícia do mundo, e estendeu a mão para mim. Minha primeira impressão sobre ele foi que deveria ser o pai mais superprotetor de todos. – Me deixa feliz que os colegas estejam acolhendo Jô e sendo bons com ela.

Josie balançou a cabeça, com uma expressão de desaprovação a seu pai falando como se ela fosse uma menina pequena no primeiro dia de aula, mas não disse nada sobre isso.

— Acho que foi Jô quem me acolheu. – Respondi, em voz baixa. – Ela me salvou hoje. Foi o meu melhor dia aqui.

Ela arrumou o óculos e o cabelo, então deu uma risada que parecia nervosa. Me lembrei subitamente de como, poucas horas antes, eu estava tendo dificuldades em ler sua expressão.

— Bom, hm… Vamos, pai?

— Vamos. – Ele respondeu. Então me cumprimentou de novo. – Foi um prazer, Maya.

— O prazer foi meu.

— Nos vemos amanhã. – Jô disse. E quando eu achei que ela fosse se afastar, ela esticou a mão direita, devagar, e pegou a minha esquerda com firmeza. – Não ouse fugir, beleza?

— Eu não vou. – Prometi. Então fiz a coisa mais a coisa mais corajosa e impulsiva de toda a minha vida: Levantei sua mão e dei um beijo suave em seus dedos.

No momento seguinte achei que nós duas poderíamos entrar em combustão espontânea. Ela recuou, mas eu acho que podia sentir o calor vindo dela. Além disso seu rosto mudou um pouco de cor. Eu senti vontade de sair correndo ou de dar uma gargalhada louca.

— Até amanhã. – Ela disse, se virando para ir embora com seu pai. O homem me encarou por cima do ombro, intrigado, e eu agradeci aos céus por não ter dito nada.

Eu observei eles irem embora e fiquei travada na calçada por pelo menos uns vinte minutos, até perceber que se eu não fossem embora logo, acabaria sendo perigoso ficar na rua.

 

No meu quarto, a primeira coisa que fiz foi entrar na internet e pesquisar o nome das cores. A cada cor que eu via no site, ficava caçando objetos aleatórios aos quais relacionar. Descobri que a cor dos meus olhos era âmbar e que a pele de Jô era marrom. O óculos dela era vermelho. Fechei os olhos e suspirei. Eu precisava falar com ela.

— Cheguei. – Lorena anunciou, invadindo o quarto. Fechei rapidamente minha pesquisa sobre cores e comecei a mexer na primeira rede social que encontrei uma aba aberta.

— Oi. – Cumprimentei. Eu não tinha a menor intenção de falar com Lorena sobre as cores naquele momento, ou ela me levaria à loucura.

Ela saiu de novo do quarto, talvez para tomar banho, e eu me distraí com a internet de novo, dessa vez stalkeando o perfil de Jô.

Olhando para suas fotos, jurei para mim mesma que não deixaria passar do dia seguinte. Eu contaria a ela.

 

 

E no dia seguinte… Bem, eu não contei.

Não era fácil começar essa conversa, não me julguem.

Quando cheguei, Jô estava ao lado de Denis, então deixei minha mochila na mesa de sempre. Mas, apesar da vergonha, me aproximei deles.

— Boa noite. – Falei, em voz baixa.  O sorriso de Jô iluminou. Ela usava batom e, embora eu ainda não tivesse certeza de que cor, achei lindo.

— Senta com a gente, Maya. – Ela pediu.

Pensei se isso não parecia estranho para Denis, mas ele balançou a cabeça, encorajando.

— Senta aqui, vou pegar outra mesa. – Ele falou, se levantando e deixando livre o lugar ao lado de Jô. Uma pequena explosão de alegria ocorreu em meu peito e eu corri pegar minha mochila antes de me arrumar ao lado dela.

Em minutos nós duas tínhamos esquecido do mundo. Felizmente, à minha direita, Denis participava da aula e copiava o que era preciso.

Ele era um cara legal, eu percebi. Me senti feliz que Jô tivesse um amigo assim.

Dessa vez saímos no intervalo e eu paguei uma coxinha de queijo para cada um, porque - vejam que absurdo - eles nunca tinham comido coxinha de queijo. Me sentei ao lado de Jô, num ângulo que eu podia admirá-la destruindo a coxinha. Fiz uma nota mental para registrar que se nada desse certo, eu tentaria conquistá-la pelo estômago.

— Você devia provar com mostarda. – Sugeri, colocando molho na minha própria coxinha e entregando para ela. Eu imaginei que Jô pegaria, mas ela segurou por cima de minha mão, se inclinou para mais perto e mordeu a coxinha. Ela provavelmente fez sem maldade, mas meu coração quase saiu pela boca quando nossas mãos se tocaram. Me senti com 11 anos de idade, à beira de um ataque nervoso só por segurar na mão de quem eu gostava.

— Opa. – Denis disse, de repente. Então se levantou e saiu andando. – Já volto. Acho que vi… – E desapareceu no meio dos outros alunos. Eu não estava prestando atenção nele, realmente. Estava mais ocupada em notar que Jô não soltou mais minha mão.

Quando terminei de comer, enrosquei meus dedos nos dela e deixei nossas mãos sobre a mesa.

Era o momento perfeito para eu contar, mas não consegui dizer uma palavra. Eu estava focada em sentir milhares de coisas. E Jô não disse nada também. Não precisei olhar para ela pra entender que estava feliz também.

Fechei os olhos. As pessoas estavam erradas, todas aquelas pessoas desesperadas para obter as cores em sua visão, estavam todas erradas. As cores não eram importantes. Eu não precisava ver as cores para sentir.

 

 

O intervalo acabou e tristemente tive que soltar a mão de Jô. Ela ficou visivelmente chateada. E eu… Perdi a chance perfeita de termos uma conversa.

Então ficou para o dia seguinte.

 

 

E depois, ficou para o dia seguinte de novo. E de novo.

Até chegar a sexta e eu me ver com um buraco no coração em perceber que eu teria que passar dois dias inteiros sem vê-la.

Estava tão chateada pensando nisso, que enquanto fui buscar a máquina de braile (que por fim estava na biblioteca) nem mesmo ri das bobeiras que Jô fez no caminho para me animar. E olha que ela bateu a bengala sem querer na canela do nosso professor menos preferido, como se não tivesse ouvido a voz irritante dele bem à sua frente.

— Você precisa me dizer porque está tão triste. – Ela sussurrou, assim que voltamos para nosso lugar.

— Eu só…

— Atividade individual. – O professor guinchou, então tive que me afastar.

Pelo canto do olho, olhei para Jô e percebi que eventualmente teria que lidar com um pouco de distância. Mas parecia tão errado.

 

No fim da aula, eu estava saindo com ela, suas mãos segurando em meu braço. Jô estava quieta demais.

Atrás de nós, Denis tinha nos dados uma distância, eu imagino. Eu apostava o que quisesse que ele já tinha percebido o clima desde o primeiro momento.

Perto do portão, ela me soltou.

— Jô? – Parei de andar, confusa.

— O que aconteceu? – Ela perguntou, como já tinha feito outras vezes. Mas agora estava mais séria e chateada. – Você me disse que não é nada pessoal, que não é grande coisa, mas não me conta porque está assim. Logo, imagino que esteja brava comigo.

Franzi a testa.

— Não estou brava. – Respondi com sinceridade.

— Então o que?

Eu abri a boca para responder, mas não consegui dizer nada. Nervosa, esfreguei as mãos na minha calça jeans.

— Se você tiver cansada de andar comigo… Se você acha que eu incômodo… É só me falar, Maya. – Ela suspirou. Meu coração afundou no peito.

— Não, não, não, não. – Me aproximei e segurei suas mãos, as trazendo até meu peito. Ela levantou um pouco a cabeça, com seus óculos refletindo a luz. – Eu amo estar ao seu lado. – Arrumei um pouco o seu cabelo, como se pudesse provar, com toques, o que estava dizendo.

— Você precisa conversar comigo. – Ela me disse. – Como eu vou saber das coisas se você ficar escondendo para si? Como as coisas vão funcionar assim?

Ah, eu era uma egoísta fodida.

— Eu estou chateada… É bobagem, eu só fiquei triste porque vamos passar o fim de semana longe. – Desabafei.

Houve um longo momento de silêncio. Então Jô riu. Bastante. Eu gostaria que ela pudesse ter visto o bico que eu fiz.

— Você quase não falou comigo o dia todo porque estava triste porque não vai falar comigo por dois dias, Maya? – Ela soltou minhas mãos e deslizou as suas até meus ombros. Então me segurou e me balançou um pouco. – Isso não faz sentido, Maya!

— Foi irracional. – Justifiquei, tentando ficar emburrada, mas era difícil enquanto ela me chacoalhava e repetia “isso não tem a menor lógica”. Eu segurei na sua cintura, em resposta a sua aproximação.

— Eu vou estar aqui quando a segunda-feira chegar. – Ela prometeu.

— Eu sei.

— Você é tão fodida de dramática.

— Eu sei.

— Eu vou estar exatamente aqui quando a segunda chegar.

— Eu vou sentir sua falta.

— Dramática!

— Você é minha alma gêmea, o que posso… – Parei de falar imediatamente quando percebi o que tinha dito. Jô também parou.

Ficamos ali, perto demais, durante um longo tempo de silêncio.

Então fechei os olhos e esperei. Eu não sei, fiquei esperando ela explodir, sei lá, estava surtando por dentro. Pensei em me desculpar, mas não sabia pelo que exatamente. Só fiquei ali tremendo, ansiosa.

Até que Jô respirou fundo, devagar. Suas mãos apertaram meus ombros com força o bastante para doer.

— Estava me perguntando quando você ia confirmar isso.

— Eu… Hã? – Gaguejei. Olhei para ela e sua expressão estava mais serena do que eu já tinha visto. Acho que solucei, então percebi que eu estava chorando.

— Você sabia. – Eu disse, sem pensar.

— Eu precisava que você me desse certeza, não é mesmo? Mas... É claro.

Ainda segurando sua cintura, a puxei para perto de mim, devagar, e nos abraçamos. Por um momento, eu estava insegura do toque. Depois tudo era muito certo, seu cheiro e seu calor eram acolhedores.

— Você sabia. – Repeti.

— Eu não precisava ver as cores para sentir. – Josie respondeu. E eu sabia disso. Eu só estava sendo boba, esse tempo todo.

Eu sorri. Ela me apertou com tanta força que perdi o ar.

— Precisamos trabalhar sua comunicação, Maya. – Ela informou.

— Precisamos trabalhar sua noção de força. – Falei, tentando não me sentir com um limão virando limonada. Ela riu e me deu um tapinha nas costas. Talvez ela tenha quebrado uma costela ou outra minha, mas estava okay.

 

Foi difícil me afastar. Doeu mais que seu abraço. Mas nós trocamos números e poderíamos passar todo o fim de semana mandando mensagens uma para outra. E segunda-feira estaríamos juntas. Tudo bem.

Jô me deu um beijo no rosto antes de ir embora e minha bochecha queimou de um jeito bom. Eu acenei para seu pai e ele me olhou como se tentasse ler minhas intenções para com sua filha. Em algum momento eu teria que encará-lo, mas tudo bem. Eu estava feliz e indo para casa com a promessa de que tudo iria bem e um monte de áudios de Jô chegando em meu celular.

 

 


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Notas finais do capítulo

Heey! É isso. Curtinha, né? Mas eu levei muito mais tempo do que imaginei que levaria para acabar haha
Então... Que tal deixar aquele comentário cheiroso? Pode ser bem simples, eu não me importo com tamanho, só precisa ser de coração.
De qualquer forma, estou grata a quem leu.

~ postei e saí correndo, um abreijo pra quem ta lendo



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