A noite engolia agora o que restava dos raios solares que minutos antes tingiam o céu de vermelho, dando agora espaço para que as tochas particulares e as grandes piras de fogo pudessem tingir de vermelho seus arredores tão pequenos, o silêncio parecia voltar a reinar, aliviando a cabeça daqueles que imploravam por minutos de paz, apenas paz. As obras ao longo da cidade não haviam ainda sido terminada, restavam ainda algumas casas a seres restauradas, isso sem contar as inúmeras novas construções que Berk passaria a ter, algumas estavam terminadas, muitas ainda nem haviam começado. Uma pena para aqueles que apenas queriam paz.

Mergulhando todos na mais pura escuridão, o céu invernal encontrava-se totalmente escuro, como se houvesse sido pintado a mão, não havia nuvem alguma no céu, assim como diriam que a chuva se encontraria a milhares de léguas de distância da ilha, diriam que o céu estaria azul, se assim se encontrasse no pico do dia. O que era realmente raro durante os dias de inverno onde o pouco de luz que havia era filtrado pelos dias nublados que se abatiam sobre todos.

As piras eram aos poucos sendo acendidas, uma a uma, não só as piras como as tochas que se encontravam em todos os lugares, um pequeno espetáculo bonito de se ver, pequenas chamas que surgiam aqui e acolá, entrecortando a escuridão reinante. Tão sombrio estava a noite quanto o semblante que se encontrava nas faces dos moradores da ilha, era notável o quanto eles estavam apreensivos sem motivo algum aparente! Haveria alguém dito à eles o que estaria pra mudar, politicamente? Uns diriam que seria porque as portas do Grande Salão não haviam sido abertas esses dias, muitos tinham diversas coisas para se fazer por lá, mas aparentemente, o tinham transformado numa espécie de salão de reuniões, enquanto que as refeições que antes eram realizadas ali, passavam a ser feitas na casa de cada um. Uma pena, pensavam os moradores, que em tão alta estima guardavam o ato de ir até o salão fazer suas refeições junto de todos.

Mas sendo esse o motivo, ou não, o que era inegável era que possível seria sentir no ar que estavam todos apreensivos.

Talvez não todos sentiriam, talvez apenas os mais sensíveis, talvez apenas aqueles que durante a vida inteira se dedicaram a arte de observar os mais pequenos detalhes durante os momentos mais tensos de uma luta.

Mas Astrid definitivamente sentia isso.

Ela não podia negar que enquanto caminhava pela vila, sua expressão não estava muito diferente do que as outras pessoas ao seu redor possuíam, certamente, de noite, havia muito menos pessoas nas ruas, mas o pouco que encontrava, já o percebia. Acabara até de passar por Cabeça-Dura! Um dos vikings mais alegres e brincalhões que já conheceu, estava com sua cara fechada e preocupada enquanto fazia de tudo pra conseguir acender uma pira de iluminação. Astrid não pôde conter um sorriso. Continuou caminhando.

Estava indo em direção a academia de dragões. A velha academia de dragões. E pensar que num passado quase distante era utilizado como arena de matança! Que futuro sombrio seria esse! Mas agora tudo estava diferente, bem, não literalmente agora, mas havia um tempo que tudo estava diferente. O 'agora' estava apenas incerto. Soluço estava no Grande Salão em mais uma reunião que terminaria sabe se lá quando, e ela, como a nova líder dos dragões, iria reabrir a academia.

Ela já estava pensando em aumentar o número de pessoas que ela gostaria de treinar para se tornarem bons guerreiros sobre as mais diferentes espécies de dragões. Obviamente, eles não eram apenas uma peça de guerra, nunca ela pensaria isso sobre Tempestade. Porém, não poderia deixar de lado o fato de que eles eram 'máquinas voadoras de guerra' como diria Melequento, e Berk deveria estar preparada para usá-los dessa forma, se precisassem, é claro.

O caminho até a academia estava escuro, muito escuro, o céu sem lua parecia ter sido mergulhado em tinta preta, ela mal conseguia ver onde pisava. Deveria ter trazido uma tocha, pensou ela, se reprimindo mentalmente pela sua distração, mas finalmente chegava ao portão da academia, que estava iluminada em seus arredores por algumas tochas acendidas por sabe-se lá quem.

Dentro dela, estava Cabeça-Quente, Eret, Melequento, Perna de Peixe, e seus respectivos dragões. Eram eles que possuíam cargos altos agora, depois da reorganização da academia. Astrid era agora 'general', mas ela não gostava muito desse nome, soava oficial demais para ela. Melequento e Perna de Peixe eram os 'capitães', enquanto que aos gêmeos foi dado o cargo de 'auxiliar'. Ela não entendia muito bem qual era o propósito de tudo isso, mas no fundo ela não achou ruim o fato da academia ter se tornado algo mais 'sério'.

Ah! E também tinha Eret, ela teria dado algum cargo à ele também, se o conselho tivesse aprovado, mas eles definitivamente não queriam um estrangeiro no comando de 'maquinas voadoras de guerra'. Ele estava lá mesmo assim, sentia que Eret era um aliado verdadeiro, e poderiam contar com ele, mesmo que não 'oficialmente'.

Astrid se dirigiu ao meio da arena, sendo subitamente surpreendida por Tempestade, que a quase derrubou no chão de tanta felicidade. À todos em volta, uma cena que no mínimo aquecia os seus corações, mesmo que afirmassem que não tinham um, como diria Melequento.

"Muito bem", disse a líder se recompondo. Enquanto acariciava a cabeça da sua Nadder, agora muito mais calma. "Hoje é um dia especial para todos nós, a academia agora não é mais lugar para brincadeiras como antes", disse olhando severamente para o Jorgenson e a Thorston, Cabeça-Dura receberia o olhar severo também, se estivesse lá. "Vamos receber dentro de algumas horas os novos recrutas, ajudar quem quiser treinar um dragão a virar também um guerreiro, acho que, mais do que nunca, a gente precisa de uma defesa forte". O que foi seguido por afirmações de cabeças de todos.

"É, parece bom", disse Cabeça-Quente de repente atraindo todos os olhares, o que não era nada de novo, estavam todos acostumados à essas intervenções aleatórias dos gêmeos. "Se a gente tiver permissão pra explodir as coisas agora, tudo bem".

"Como eu disse", continuou a líder, reforçando o seu olhar severo. "A academia agora é basicamente a linha de defesa principal de Berk, não quero mais saber de brincadeiras, entendido?".

"Como quiser Astrid", respondeu a gêmea, contrariada. "Ditadora", reclamou baixinho enquanto se virava para sua parte do seu Zíper Arrepiante, que agora parecia muito mais interessante do que seja lá o que for que Astrid diria.

Respirando fundo, continuou a chefe consorte. "Amanhã receberemos os novos recrutas, e vamos passar a noite em pé, arrumando tudo, precisamos trazer novos dragões para cá, para que possam criar seus laços com os novos membros. Não quero cerimônia nenhuma, vamos! Temos muito o que fazer". Terminou batendo uma mão contra a outra. O que foi seguido de um suspiro cansado de todos ali.

Distribuiu rapidamente as tarefas à todos. Melequento, Cabeça-Quente, e depois, Cabeça-Dura, quando ele aparecesse, iriam para a floresta treinar alguns dragões selvagens para poder trazê-los à arena. Enquanto que Perna de Peixe e Astrid ficariam para arrumar a academia para receber os novos membros.

Observando o pequeno grupo saindo para sua mais nova missão, vinha a cabeça dela, as velhas missões da 'Academia de Dragões' de Berk, quisera ela que fosse ainda tudo uma brincadeira. Bem, não era bem uma brincadeira, correram risco de vida diversas vezes, com missões difíceis e arriscada, mas hoje parecia tudo diferente, era como se eles deixassem de ser pilotos de dragões para serem 'soldados'. Por mais que Astrid tivesse treinado sua vida inteira para ser uma guerreira, não gostava da ideia de ser oficialmente um corpo militar. Suspirou pesadamente, bufando. "É Perna de Peixe...", disse ela de repente, com seu ar nostálgico. "Tudo mudou agora né?".

"Bem Astrid...," respondeu pensativo o outro viking. "Acho que é a única certeza da vida não é?". Astrid se virou como que surpresa pela resposta. "A mudança sempre vem".

A viking nada respondeu. Apenas assentiu com a cabeça distraidamente, enquanto continuava a observar a rampa, agora vazia, que minutos atrás haviam saído os outros membros da academia.