O Sangue do Mestiço escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 13
Ser


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo mais lento, mas importante para o desenvolvimento de Patwin e eventos futuros :)

Boa leitura!



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Patwin despertou de seu sono e sentiu-se perdido. Era noite e apenas os sons da natureza se faziam audíveis. As árvores balançavam com o vento que viajava cortando o espaço, ao mesmo tempo em que animais produziam seus ruídos repetitivos e as vezes indistinguíveis. O mestiço tinha a intenção de descer da cama. “Espere um pouco”, pensou antes de constatar que não havia cama, de fato. Estava deitado sobre um amontoado de peles de animais. Seu “teto” nada mais era que palha e madeira. Não conseguia também distinguir quem estaria dormindo naquela mesma cabana. “Provavelmente Richard e talvez o Adaky”, imaginou.

Levantando-se lentamente a fim de não acordar mais ninguém, Pat caminhou cautelosamente para fora da cabana. Lá, ele finalmente sentiu o frio que espreitava a noite, além do grande tapete estrelado que era o céu. Era uma visão única e rara para o jornalista. Nunca presenciava algo do tipo enquanto estava nas grandes cidades americanas. “E nem nas pequenas”, refletiu. Passou uns bons minutos admirando. Era lua cheia, e aquele grande círculo claro no céu era como um olho que o encarava. “Está me olhando daí, pai?”, pensou.

Sua cabeça começou a clarear os fatos aos poucos. Sim, estava na tribo secotan. Isso era óbvio. Lembrava-se bem do plano que tivera com Adaky e Richard, da fuga e de toda a agonia que a antecedeu. E aquela flechada! Colocou a mão sobre o ponto de penetração. Estava enfaixado e fedia a ervas. “Se estou vivo, então é sinal que fizeram isso direito”, concluiu. Mesmo sabendo que teve sua vida salva ali na tribo, Pat ainda sentia medo. Não é como se fossem atacá-lo do nada, mas o jornalista simplesmente não fazia ideia sobre como as coisas prosseguiriam a partir dali. Não combinara nada com David, e isso era outro ponto de preocupação. “Deixei muita coisa em aberto”, pensou com desgosto.

O fato era: estava em uma terra desconhecida. Ainda que tivesse sangue indígena, o mestiço nunca vivera como um. Sim, seu pai era um ferrenho defensor da tradição e tentou de todas as maneiras influenciar o filho. “Mas o sangue de mamãe também era forte”, refletiu Patwin. Cresceu como uma criança branca, um jovem comum e um adulto cético. E talvez continuasse assim caso seu pai não tivesse partido. “Por que valorizamos certas coisas apenas após a morte?”, questionou. Aquele pedido dias antes da partida final não era o primeiro que seu pai lhe fizera. Pat lembrava bem: o velho lhe pedia com frequência para se aprofundar mais em suas raízes. “Por que isso importa agora?”, perguntou novamente para si mesmo. Seria peso na consciência? Seria um chamado natural? O fato de não ter respostas para questões que envolviam o seu próprio ser aterrorizavam o jornalista.

Mas e os outros índios? O que achariam dele? O mestiço era tão igual, mas tão diferente ao mesmo tempo. Nem mesmo ele sabia o que acharia. Tinha conhecido Adaky, mas foi em uma situação diferente. Ambos passaram pelos mesmos problemas e isso com certeza foi um fator determinante para a aproximação dos dois. Mas e ao resto da tribo como um todo? O que Patwin poderia dizer? Como iriam enxergá-lo? “Eu nunca deveria ter saído de Nova York”, arrependeu-se parcialmente de estar cumprindo aquela maldita promessa que fizera ao pai.

— Patwin?

O jornalista se assustou com o barulho repentino. Olhando para trás, pôde vislumbrar Adaky e lembrou-se do pesadelo que tivera horas atrás. O jovem índio ainda bocejava quando se aproximou e sentou-se ao seu lado.

— O que faz acordado a essa hora? — O índio questionou.

— Pensando — Patwin não sabia o que responder exatamente. Ideias e medos sem fim viajavam por sua mente. — Isso tudo é novo para mim. Não sei como me comportar, o que esperar. O que eles acharam de mim?

Adaky arregalou os olhos em surpresa. Sim, só agora percebera que os papéis haviam se invertido: se antes Patwin era seu guia numa sociedade branca, agora o índio que deveria assumir essa função dentro da tribo. O pobre jornalista estava perdido e isso era visível em sua face.

— Não vou mentir: eles o estranharam — Adaky se assustou ao perceber como estava falando bem o inglês. — Não mais que o esquisito do Richard. Sinto que o coitado vai sofrer aqui.

— Mais do que sofreria na cidade? Acho difícil — Patwin disse.

— Não. Definitivamente não. Nós não temos um demônio como Edward Muller.

A dupla deu uma breve risada. Mas o riso de Pat não era tão feliz. Ele lembrava bem que seu amigo ainda estava na vila onde jazia o tão falado monstro. “Espero que David esteja bem”, pensou.

— O que devo fazer para ficar bem aqui? Digo, eu imagino que devam existir várias regras, modos de viver, entre outros — falou o jornalista.

— Você está certo quanto a isso — Adaky sentia-se feliz em poder ajudar. — Todos na tribo devem trabalhar em alguma coisa. Não existe nada de “hóspedes” aqui. Você e o Richard estão sendo aceitos porque estão comigo, mas ainda precisam fazer algo de útil.

— E você tem alguma ideia?

— Seu pai lhe ensinou a caçar? Sabe usar um arco e flecha?

Patwin gargalhou com aquela pergunta. Era irônico que tantas coisas que seu pai quis lhe ensinar seriam úteis. Uma pena que o mestiço recusara tantas vezes os ensinamentos do velho.

— Do que está rindo? — Adaky não entendeu a situação.

— É uma história engraçada — Pat ainda ria, mas o desespero tomava conta do seu ser. — Meu pai sempre quis me ensinar a usar um arco. Eu tinha uns 15 anos quando ele disse que me mostraria como manejá-lo. Sabe o que eu respondi? “Pai, não preciso disso. Estamos em Nova York, não no Brasil. Ler Robert Louis Stevenson é mais importante”.

— Robert o quê? E qual a graça nisso?

— É um autor. E a graça é ver que praticamente tudo que eu recusei vindo dele me ajudaria demais aqui onde me encontro. A vida prega peças, hein?

Adaky não respondeu. Sim, a vida pregava peças de mais para o jornalista. “Mas a culpa é toda minha”, assumiu em pensamento.

— Você ainda pode ajudar a plantar, a construir cabanas, a coletar ervas e a cortar árvores — explicou o índio. — Mas afinal, quais seus planos? Pretende ficar aqui por quanto tempo?

Aquela pergunta era exatamente o que o mestiço temia. Ele simplesmente não sabia.

— Eu estou pensando exatamente nisso — tentava demonstrar ter uma confiança que simplesmente se fazia ausente. — David ficou para trás. Edward ainda está por aí e tem a trupe de idiotas dele também. Devem estar me procurando. Eu só sei que quero fugir. Não sei quando, mas cedo ou tarde vou pegar a primeira embarcação que ver pela frente e vou dar o fora desta ilha com o David. Aqui não é lugar para a gente.

Desabafou sem medo de qualquer reprimenda. Pat sabia que o índio entenderia bem aquele sentimento, afinal de contas, o garoto passara pelo mesmo dias atrás. Ainda assim, o mestiço sentia um pingo de contradição dentro de si: estava cumprindo a promessa feita ao pai, mas ao mesmo tempo queria estar longe de tudo aquilo. Era uma situação que o deixava confuso, sem entender a si mesmo.

— Não posso julgá-lo, Patwin — Adaky demonstrou toda sua compreensão. — Saiba que irei ajudá-lo no que puder. Sabe, ainda posso te ensinar a usar o arco. Pode ser útil.

Por que não? O mestiço decidiu que não deveria mais perder as chances de aprender algo.

— É uma excelente ideia — disse com firmeza. — Quem sabe assim não faço meu pai se orgulhar um pouco.

— Ele irá — respondeu Adaky com um sorriso no rosto. — Mas isso terá que esperar. Acho melhor que volte a dormir, ainda estamos longe do nascer do sol. Amanhã será um longo dia.

Patwin assentiu com a cabeça e, pouco depois do índio ter partido para seu descanso, também levantou-se para dormir. “Vai dar tudo certo, vai dar tudo certo”, ficou repetindo para si mesmo até adormecer.

Não só a luz do sol, mas uma cantoria estranha se fez presente quando a noite deu lugar à manhã.

— A Mãe nos saúda! — Uma voz feminina cantava no dialeto secotan, de maneira que Patwin pouco entendia.

Caminhando lentamente para fora da cabana, o mestiço pôde vislumbrar pela primeira vez a tribo em movimento. Homens, mulheres e crianças andavam de um lado para o outro. As pessoas carregavam utensílios, plantas e outros objetos que o jornalista não saberia descrever.

— Patwin — Adaky apareceu. — Finalmente.

O mestiço ia perguntar que horas eram, mas lembrou-se que ninguém ali tinha um relógio. Tudo que faziam era acompanhar a natureza, a luz do sol e o comportamento dos animais. Não era algo totalmente estranho, mas ele teria que se acostumar com aquela nova maneira de enxergar o tempo e a própria vida.

— Lugar movimentado — comentou o jornalista. — Mais movimentado até mesmo que a vila, devo dizer.

— E mais útil — Adaky brincou. — Eu já lhe disse, mas não custa repetir: todos aqui trabalham. As crianças são educadas desde cedo e encontram o seu lugar na tribo. Mas e você? Quer mesmo aprender a usar o arco?

— Estou aqui para isso!

O índio ficou surpreso com a aparente animação de Patwin. O sono havia lhe feito muito bem. Caminharam lentamente pela tribo, passando pela fogueira central e por mulheres que teciam e fabricavam objetos de argila. Chegaram numa cabana maior. Adentrando o ambiente escuro, o jornalista se deparou com lanças, arcos, flechas de vários tipos, entre outras coisas.

— Guardamos nossas armas aqui — Adaky explicou.

O jornalista estava estranhando toda a confiança que o garoto depositava nele. Questionou:

— É seguro eu saber de tudo isso? Quer dizer, a maioria aqui me vê como branco, imagino.

— Você foi tão vítima de Edward Muller quanto eu — o garoto contou. — Além disso, foi o seu amigo que salvou a nossa vida. Eu devo gratidão, Patwin. E confiar é uma das formas de agradecer.

O mestiço sorriu com aquilo. Realmente não esperava aquele tipo de demonstração advinda de Adaky, ainda mais levando em conta tudo que o garoto passou. Ele tinha sido bem fechado até então, mas o mestiço compreendia bem que tudo fazia parte de um contexto. Teve seus pensamentos interrompidos com um susto.

— Adaky! — Uma voz feminina ecoou repentinamente de dentro da cabana.

Saindo das sombras, Eyanosa apareceu pela primeira vez diante de Patwin. Seus olhos sombrios, seus longos cabelos e sua beleza singular logo saltaram diante dos olhos do homem.

— O que faz com esse forasteiro aqui? — Ela questionou em dialeto secotan.

O jornalista chegou a entender algumas palavras, mas preferiu ficar quieto.

— Eu já expliquei, Eyanosa — respondeu Adaky. — Temos um inimigo em comum. Além disso, o aliado de Patwin me ajudou a fugir da maldita prisão dos brancos. Ele é de confiança.

— Fique de olho nele.

— Seu pai já disse isso.

A resposta do jovem índio irritou a moça, que simplesmente pegou seu armamento e saiu.

— Acho que ela adorou minha presença — Patwin ironizou.

— Isso vai passar — o índio acalmou o mestiço. — Eyanosa pode parecer dura no início, mas é questão de tempo para reconhecer o seu valor. Desde que você apresente algum, claro.

Aquelas últimas palavras incomodaram o jornalista. “Reconhecer o seu valor”, ele repetiu para si mesmo. “Que valor ela irá reconhecer? Não sou um caçador, sou um jornalista. Sei escrever, debater, investigar. Ela está querendo que um peixe escale uma árvore”.

— Espero que você me ajude nisso — disse ao índio. — Mas então, o que vamos caçar?

Adaky gostou da pergunta do mestiço. Após pegar dois arcos e mais um conjunto de flechas, ele saiu com Patwin do local enquanto explicava o que seria feito.

— Além das frutas, peixes e ervas que coletamos, também gostamos de carne — dizia com calma enquanto caminhavam. — Obviamente caçamos nosso próprio alimento. Geralmente encontramos veados e javalis. Mas uma coisa importante: devemos infligir o mínimo de sofrimento possível ao animal. É importante matá-lo rápido e causando menos dor possível. Entendido?

O mestiço assentiu com a cabeça. Agradava-lhe aquele tipo de pensamento, apesar de ele ter consciência de que não era a pessoa mais preparada para a atividade. Finalmente afastados das intermediações da tribo, a dupla encontrou-se com Eyanosa.

— É sério que esse branco vai caçar conosco? — Ela perguntou sem delicadeza alguma. — Ele não está machucado ainda?

— Ele irá aprender, Eyanosa. Sem falar que está se recuperando bem rápido — Adaky estava começando a se irritar com o comportamento da moça. — E ele é um mestiço.

Patwin, por outro lado, nada entendia da discussão.

— O que ela disse? — Perguntou.

— Estava preocupada com o seu braço. E acredita que você tem potencial — o índio mentiu.

Sim, o mestiço ainda sentia dor, mas nada que o impedisse de usar o arco. Estava realmente impressionado com a efetividade daquelas ervas. “Melhor que analgésicos”, pensou. Após alguns minutos seguindo rastros e sons, o trio finalmente encontrou um veado distraído. O animal se alimentava de gramíneas sem se dar conta da aproximação dos caçadores.

— Veja e aprenda — Adaky disse para Pat enquanto apontava para Eyanosa.

A hábil caçadora estendeu o arco e puxou levemente sua flecha. Olhando fixamente para seu alvo, ela respirou fundo e prendeu o ar enquanto tensionava sua arma. Foi rápido e sem susto: a flecha viajou e atingiu o tórax de seu alvo, penetrando uns bons centímetros. A índia logo correu, sendo seguida pela dupla de homens. Vendo que o veado ainda se debatia em dor, ela logo puxou sua faca de osso e cortou a jugular. A vida rapidamente se esvaiu daquele corpo ensanguentado.

— E é assim que se faz — Adaky disse ao jornalista.

Eyanosa, por outro lado, não parecia tão contente.

— Ele sofreu mais que o necessário — disse ela. — Vamos me ajude.

Pat ficou parado, sem entender, mas logo foi guiado pelo jovem índio para ajudar a amarrar as pernas do animal.

— Então é isso? Acabamos por hoje? — Questionou o mestiço.

— Na verdade não — o índio explicou. — Ainda falta a minha caça e a sua. Lembre-se do que eu disse: todos trabalham na tribo. É melhor que você não volte de mãos vazias.

Longe das flechas e dos animais, Richard se via completamente deslocado. Longe dos quadros, de sua mãe e da comida que tanto gostava, o garoto branco se sentia alvo dos mais variados olhares. Havia curiosidade das crianças, mas também ódio dos mais velhos. Sim, o discurso de Mahpee havia surtido efeito.

— O maldito branco acha que pode pisar aqui — um dos índios falou em dialeto secotan, estando ele acompanhado de mais dois.

Não precisava ser um perito na linguagem para entender que ali havia uma espécie de ameaça. Richard estremeceu, mas logo foi defendido por Macawi.

— Deixem-no em paz — disse o índio mais velho. — Ele não fez nada de mau para vocês. Vão embora!

Mais uma vez, o artista podia não entender bem as palavras, mas compreendia a entonação e o significado básico. Olhou para os olhos de Macawi e disse:

— Obrigado.

Com alguma dificuldade, o índio falou em inglês:

— Siga-me. Tem trabalho para você. Irão lhe respeitar mais.

Richard não tinha muita fé naquelas palavras, mas seguiu o nativo. Mesmo acompanhado do homem mais velho, o garoto ainda se sentia perseguido de alguma forma. Mulheres, crianças e homens: ninguém lhe deixava em paz. Não eram apenas os olhares que incomodavam. Havia também o cochichar, as risadinhas e o maldito sorriso silencioso de desprezo. “Bando de animais sem qualquer evolução intelectual”, pensou jocosamente o menino.

Finalmente chegando no lugar desejado, Macawi explicou:

— Estamos construindo novas moradas. Entende?

Richard balançou positivamente a cabeça.

— Precisamos de sua força — explicou o nativo.

O artista olhou para suas mãos lisas. Não haviam calos, cicatrizes ou qualquer outra marca de trabalho duro. E agora ele se veria fazendo algo que exigia grande força. “Quero sumir”, pensou na hora.

— Vou lhe mostrar — Macawi estava impressionado pelo fato do artista estar entendendo todos os seus dizeres, apesar do inglês deficitário.

O nativo demonstrou tudo que Richard deveria fazer: erguer as toras de madeira ali dispostas e levá-las para um outro nativo que iria cortá-las para ajudar na construção de mais moradas para a tribo. Ainda assim, o garoto teve extrema dificuldade em realizar suas atividades. As toras eram pesadas e ele tinha dificuldade de carregá-las de maneira apropriada. Não só suas mãos, mas suas costas e pernas também doíam. Havia ainda o fedor da madeira que era carregada. Além disso, um turbilhão de pensamentos vagava por sua cabeça, de maneira que ele não conseguia se concentrar naquela detestável tarefa. Para piorar, teve ainda que aturar o riso dos nativos que por ali passavam e flagravam o jeito desastroso que ele lidava com aquele trabalho.

— Malditos sejam — disse para si mesmo numa voz de baixa intensidade. — Todas representações que os mostravam como animais irracionais estavam certas. Artistas não erram.

Mas Richard não era o único que sofria com sua atividade. Do outro lado da floresta, Patwin se sentia cada vez mais incapaz. Já estava há boas horas caminhando entre as árvores e errando cada uma das flechas que disparava. Já havia deixado uns três javalis e dois veados escaparem.

— Você é muito ruim — Eyanosa disse em inglês para o mestiço.

Patwin olhou para ela com descrença, pois pensava que ela nada sabia de seu idioma. Logo em seguida soltou uma risada e voltou a mirar com o arco.

— O segredo está na respiração, Pat — Adaky tentava ajudá-lo. — Não tenha pressa, não trema. Deixe o arco ser uma extensão de você.

A índia não podia negar: o jornalista era esforçado. Mesmo com tantos erros, ele ainda estava tentando. O próprio Adaky já tinha conseguido a sua caça e já pensava em voltar para a vila da tribo, mas o próprio mestiço decidiu ficar até conseguir a sua caça.

— Agora que comecei, só paro quando conseguir — ele havia dito, tendo Adaky traduzido corretamente para Eyanosa.

Apesar das diferenças de linguagem, aos poucos mestiço e índia iam se entendendo, mesmo que um clima de desprezo e dúvida ainda pairasse entre os dois.

— Meu Deus! — Patwin falou eufórico.

Foi tão de repente! A flecha cortou o ar com perfeição e atingiu em cheio o javali que há uns vinte metros estava. O animal caiu morto no chão, sem haver sofrimento desnecessário. Pat deu uma olhada para Eyanosa e soltou um sorriso zombeteiro.

— Sorte — ela disse.

O trio foi até o animal. Era um javali gordo e Adaky se impressionou em como a flecha atravessou a capa de gordura com facilidade.

— Confesso que não esperava isso — admitiu ao mestiço. — Mas você foi melhor que nós dois.

— Depois de oito flechas perdidas — provocou Eyanosa.

Patwin riu e logo começou a usar a corda para arrastar o animal consigo. Seria uma caminhada lenta e cansativa, mas a sensação de vitória fazia tudo parecer mais leve. “E aí, pai? Fui bem?”, pensou enquanto olhava para os céus.

Chegaram na tribo e foram recebidos com calor pelos nativos em decorrência da boa caça: dois veados e um javali. Até mesmo Patwin foi festejado por ter feito um excelente trabalho.

— Eu tenho que admitir — disse Eyanosa para Adaky. — O seu amigo talvez tenha algum jeito para a coisa. Precisa praticar, mas não está perdido.

Patwin ouviu a conversa, mas não entendeu. Aproximou-se do nativo para ter noção do que foi dito.

— Foi aquilo que te disse antes — Adaky explicou. — Ela vê potencial em você.

— Eu preciso aprender mais desse dialeto. Só assim para confiar em tudo que você “traduz” — Patwin soltou uma gargalhada.

Pela primeira vez, ele festejou com o povo que o seu próprio pai tanto admirava. Mais que isso, na verdade: o povo o qual seu pai pertencia. Entretanto, longe de toda empolgação, Mahpee observava como o mestiço estava sendo comemorado pela sua caça. “Ridículo”, pensou o homem. Parecia que suas palavras não haviam surtido tanto efeito quanto desejava. Mas não importava: na hora certa toda verdade seria revelada. “Ou o mestiço está conosco, ou está contra nós”, refletiu por fim.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado por ter lido mais este capítulo!
O que achou?

Forte abraço e até o próximo :D



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