As Redfield: O Leão, A Feiticeira e O Guarda-Roupa escrita por LadyAristana


Capítulo 9
Capítulo 9




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— Dê mais um passo, traidor, e eu faço você em pedaços! – ameaçou o Sr. Castor avançando na raposa, Sra. Castor imediatamente tentando contê-lo.

— Relaxe! – riu-se o Sr. Raposa. – Eu sou um dos mocinhos.

— É? – questionou o Sr. Castor ainda tentando sair do aperto que a esposa tinha em seu braço. – Pois se parece muito mais com um dos vilões!

— Ah, uma infeliz semelhança familiar! – Sr. Raposa suspirou dramaticamente e Clarissa decidiu que ele não era nada mau. – Mas falamos de raças depois: agora temos que ir!

Atrás deles, ainda que um pouco baixos, os latidos insistentes da Polícia Secreta já podiam ser ouvidos e os Pevensie e as Redfield se dispuseram a confiar no Sr. Raposa.

— O que você sugere? – Pedro perguntou com urgência em seu tom.

O Sr. Raposa deu o mais próximo possível de um sorriso espertinho e perguntou:

— São bons em escalar?

Os mais velhos se entreolharam antes de olhar as pequenas.

— Acho que sim. – Lúcia assentiu.

— Com uma ajudinha. – Clarissa concordou.

— Vocês duas vão primeiro, eu ajudo elas. – disse Pedro para Sofia e Susana. – Eu faço escadinha pra elas daqui de baixo e vocês puxam lá de cima.

Sem questionar, antes que se pudesse dizer faca, Susana e Sofia já tinham amarrado as bordas dos casacos nos cintos e se empoleiravam na árvore mais alta que havia ao redor e subiam da melhor forma que conseguiam.

— Como subir em uma árvore vai nos ajudar? Não podemos ficar lá em cima pra sempre. – disse Susana olhando brevemente para o Sr. Raposa.

— De fato, Majestade. Mas se subirem, o vento carregará o cheiro de vocês para o Norte, e o acampamento de Aslam fica a Oeste. Não será uma solução permanente, mas terão uma vantagem. – explicou o Sr. Raposa.

— Obrigada por nos ajudar. Deus sabe que quem tentou até agora não teve o melhor dos destinos. – agradeceu Sofia achando um galho firme o suficiente para que pudessem puxar as pequenas para cima. – Elas já podem subir, Pedro.

— É minha honra, milady. – Sr. Raposa curvou a cabeça brevemente enquanto Pedro se posicionava ao pé da árvore com as pequenas.

Lúcia foi primeiro, seguindo os movimentos do irmão como se tivessem feito aquilo várias vezes antes. Ela não teve grande dificuldade em escalar até onde Sofia e Susana estavam lá no alto junto com os castores, que haviam se acomodado em outro galho.

Já Clarissa encarou a subida com um pouco de medo. Era raro que ela tivesse medo de qualquer coisa, mas vendo o quão alto os outros estavam, duvidou que pudesse chegar lá.

— Clarissa, já subiu de escadinha antes? – Pedro perguntou com um pequeno sorriso.

— Não. – ela balançou a cabeça. – Não sei se eu consigo subir tão alto.

— Consegue sim. – Pedro encorajou e cruzou as mãos em uma altura que Clarissa pudesse subir. – É só imitar a Lúcia. Você segura bem firme nos meus ombros e eu te empurro lá pra cima, então você se segura em um galho e vai escalando. Eu vou estar logo atrás de você, certo?

— Certo. – a Redfield concordou encaixando o pé nas mãos de Pedro e firmando as mãozinhas nos ombros do rapaz.

— Pronta? – ele perguntou e a menina assentiu.

Realmente, não foi assustador quanto Clarissa achou que seria. O movimento de Pedro para levantá-la foi rápido e preciso, e felizmente a pequena teve o reflexo rápido de segurar no mesmo galho que Lúcia segurara. Dali não foi muito difícil de escalar, principalmente com Sofia com as mãos estendidas acima murmurando ocasionais “vamos, Clare, você consegue” e com Pedro logo atrás dela assegurando que ele estava lá e ela não iria cair.

Lá embaixo, rapidamente o Sr. Raposa limpava as pegadas com a cauda e assim que estavam todos bem apoiados e absolutamente quietos na árvore os lobos alcançaram a pequena clareira cheia de estátuas de pedra.

— Sudações, primos! – cumprimentou o Sr. Raposa sendo cercado. – Perderam alguma coisa?

— Não tente me enganar! – avisou o lobo alfa, Maugrim, com voz ríspida. – Eu sei de quem você é aliado! Procuramos os humanos.

— Humanos? Aqui em Nárnia? – Sr. Raposa riu, os ombros encolhidos e a posição amedrontada apesar do tom de descaso em sua voz. – Tá aí uma informação valiosa, não acha?

Com um único rosnado de Maugrim, Sr. Raposa foi derrubado e erguido pela pele das costas nos dentes de um dos lobos soltando um ganido alto. Clarissa e Lúcia quase ganiram junto, mas tiveram as bocas tapadas por Susana e Pedro, enquanto Sofia segurava a irmã – que quase caíra com o susto.

— Sua recompensa é viver! – disse Maugrim, que sabia que uma vez que abandonassem o Sr. Raposa, ele provavelmente sangraria até morrer. Soltou uma risada sádica. – Não é muito... Mesmo assim: onde estão os fugitivos?!

Sr. Raposa ganiu e deixou a cabeça pender baixa. Lá de cima, na árvore, todos imediatamente ficaram tensos com o mesmo pensamento: seriam delatados.

— Norte. – balbuciou o Sr. Raposa parecendo incrivelmente derrotado. – Fugiram para o Norte.

— Farejem! – comandou Maugrim correndo na direção que fora apontado, a alcateia o seguindo.

O lobo que tinha os dentes no Sr. Raposa o arremessou longe e foi junto, deixando o pobre canino menor largado de qualquer jeito na neve.

Com um ganido, Sr. Raposa desmaiou. Clarissa e Lúcia imediatamente se moveram para descer e ajudar, mas foram seguradas no lugar.

— Me soltem! – reclamou Clarissa com a irmã e com Susana.

— Shiu! – fez Susana.

— Temos que ajudá-lo! – sussurrou Lúcia com exigente urgência.

— Deixe que se afastem um pouco mais ou nos acharão. – murmurou Sofia.

— E fiquem em silêncio! Lobos escutam melhor que nós. – Pedro completou.

Tensos e com muito frio conforme a noite avançava, encararam o corpo inconsciente do Sr. Raposa lá embaixo, a mancha vermelha crescendo na neve até que não podiam ouvir nada além das respirações uns dos outros, o bater dos próprios corações e o som do vento nos galhos.

Sr. Castor farejou o ar:

— Já vão longe. Podemos descer.

Sra. Castor foi a primeira a chegar no chão e logo assumiu a liderança. Mandou Pedro e o Sr. Castor irem atrás de lenha, mandou Lúcia e Clarissa encherem uma panela com o máximo de neve limpa que conseguissem e chamou Sofia e Susana para testar suas habilidades com linha e agulha.

Logo, Sr. Castor e Pedro tinham a fogueira pronta onde ferviam a neve que as pequenas recolheram. Da sacola maior, Sra. Castor tirou uma garrafa de vidro que continha um líquido âmbar com o qual banhou a agulha e embebeu a linha antes de derramar um tanto nas feridas do Sr. Raposa que acordou com um ganido e logo recebeu ordens de beber um pouco do líquido sob a instrução de que ajudaria com a dor.

A noite já era completa sobre eles com o céu pontilhado de estrelas que pareciam muito grandes, pois as estrelas de Nárnia estão mais próximas que as estrelas do nosso mundo.

Todos estavam reunidos o tão perto quanto podiam da fogueira enquanto Sra. Castor suturava os ferimentos do Sr. Raposa.

— Você sabe o que houve com eles? – perguntou Clarissa com um olhar assombrado para os animaizinhos de pedra e se aninhando mais contra o lado de Sofia.

— Estavam ajudando Tumnus. A Feiticeira chegou aqui antes de mim. – explicou o Sr. Raposa antes de soltar uma alta exclamação de dor.

— Você está bem? – Lúcia perguntou com uma careta preocupada. As meninas estavam todas se apertando em um pequeno banco de madeira enquanto Pedro estava sentado no chão como os castores.

— Adorariam dizer que cães que ladram não mordem. – Sr. Raposa respondeu com um pequeno sorriso antes de ganir novamente.

— Pare de se mexer! – ralhou a Sra. Castor. – Está pior do que o Castor em dia de banho!

— O pior dia do ano! – explicou o Sr. Castor arrancando pequenos sorrisos dos humanos, cada um terminando de comer meio sanduiche.

— Obrigado pela gentileza. – agradeceu o Sr. Raposa levantando-se. – É uma pena, mas não disponho mais de tempo.

— Vai partir? – Lúcia perguntou franzindo as sobrancelhas.

— Foi um grande prazer, minha rainha. E uma honra. – afirmou Sr. Raposa curvando-se.

— Já é tarde, e você perdeu muito sangue. Não seria melhor ao menos ficar a noite? – Sofia sugeriu com evidente preocupação.

— O tempo é curto, milady, e Aslam em pessoa me enviou para reunir mais tropas. – explicou Sr. Raposa inclinando a cabeça com respeito.

Ao ouvir o nome de Aslam, aquela mesma sensação voltou ainda mais concreta e os castores estremeceram em animação e esperança.

— Você viu Aslam? – Sr. Castor perguntou impressionado.

— Como ele é? – questionou a Sra. Castor.

— Ora, como sempre ouvimos dizer. – respondeu o Sr. Raposa com um sorriso largo, como se a simples menção ao nome de Aslam tivesse espantado toda a dor que sentia. Então voltou-se para os humanos. – Será um prazer tê-los ao nosso lado na batalha contra a Feiticeira.

Um clima desconfortável se assentou sobre os Pevensie e as Redfield.

— Mas não pretendemos lutar contra a Feiticeira. – Susana objetou.

— Mas com certeza o rei Pedro... a profecia! – exclamou o Sr. Raposa sem entender.

— Não iremos à guerra sem você. – Sr. Castor falou para o rapaz.

— Só queremos nosso irmão de volta. – disse Pedro após uma troca de olhares com Susana.

— E quanto a miladies? Certamente nos ajudarão? – perguntou o Sr. Raposa com o olhar sobre Sofia e Clarissa.

— Eu adoraria ajudar, mas não somos soldados. – respondeu Sofia apertando o casaco ao redor do próprio corpo.

— Conte que eles mudem de ideia. – Clarissa falou com um sorrisinho de lado. – Ainda temos muita estrada pela frente.

— Entendo. – Sr. Raposa concordou e curvou-se novamente antes de partir noite adentro.

Passaram todos alguns minutos encarando a fogueira sem certeza do que dizer. A verdade é que estavam divididos.

Lúcia e Clarissa tinham seus corações firmados em ajudar os narnianos. A própria Sofia, que não queria de forma alguma ir à guerra, sentia-se mais inclinada em direção a fazer tudo em seu poder para ajudar. Susana estava farta de toda aquela aventura, só queria que tudo voltasse ao normal.

Pedro era o mais confuso. Sua cabeça lhe dizia para apenas pegar Edmundo e voltar para o nosso mundo onde sua família não corria perigo e não se meter num assunto que não lhe dizia respeito como a política de um mundo alheio. Já seu coração, apesar de querer desesperadamente proteger os irmãos, também sentia em si a necessidade de lutar pela liberdade dos narnianos. Ele pensava nos castores, no Sr. Raposa e mesmo no Sr. Tumnus: todos haviam os ajudado com generosidade e coração puro, se metendo nos piores tipos de enrascadas por eles sem pensar duas vezes. Como em sã consciência ele poderia retribuir a bondade dessas pessoas com indiferença?

— Acho melhor irem todos dormir! Ainda temos uma longa jornada pela frente e amanhã acordamos com o sol! – exclamou a Sra. Castor e a garrafa de líquido âmbar fez nova aparição. – Bebam dois goles cada um. Vai espantar o frio.

Todos obedeceram a muito contragosto, pois a bebida era amarga e fazia tossir e engasgar.

Lúcia e Clarissa foram as primeiras a pegar no sono, uma de costas para a outra de forma que uma esquentava a outra. Susana logo adormeceu perto delas. E então os castores caíram em um sono pesado.

Nem Sofia e nem Pedro conseguiram dormir, no entanto.

Ele porque tinha a cabeça cheia e não conseguia parar de pensar no que realmente seria o certo a fazer.

Ela porque não conseguia parar de se lembrar do incêndio e sabia que se dormisse teria pesadelos. Abraçava os próprios joelhos e tremia sob o casaco, o que chamou a atenção de Pedro.

— Ei? Sof? Está tudo bem? – ele chamou baixinho para não acordar os outros.

A moça pareceu tomar um pequeno susto antes de assentir de forma nada convincente. Então Pedro estendeu a mão, chamando-a para sentar-se mais perto dele e mais perto do fogo.

Atender o chamado silencioso de Pedro foi quase uma ação involuntária da parte de Sofia, que assim que chegou lá voltou para a posição em que estava antes.

— Está com frio? – perguntou Pedro pronto para tirar o próprio casaco e oferecê-lo a Sofia.

— Não. – ela sacudiu a cabeça antes de soltar um suspiro pesado.

— Sofia, você está tremendo. – o rapaz objetou.

— Coloque o casaco de volta. Vai acabar ficando doente. Não estou com frio, de verdade. – ralhou Sofia.

Ainda não convencido, apesar de ter colocado o casaco de volta, Pedro passou um braço pelos ombros de Sofia e ficaram alguns minutos em silêncio encarando as chamas.

Pedro precisou de um longo suspiro e um pigarrear para arrumar a coragem de perguntar:

— O quê aconteceu no túnel? Você... Não parecia bem.

— Eu... – Sofia hesitou e respirou fundo em busca de coragem antes de continuar. – Meus pais morreram em um incêndio. Morávamos em uma cidadezinha chamada Bibury em Gloucester Shire e as tubulações de gás eram muito antigas. A nossa casa pegou fogo e meu pai usou um taco de críquete para abrir um buraco na parede. Eles colocaram Clarissa e eu pra fora. Mandaram eu atravessar a rua e pedir pra vizinha ligar para os bombeiros. Eu dei alguns passos e o teto desabou em cima deles.

— Deve ter sido horrível. Sinto muito ter perguntado. – Pedro desculpou-se observando o rosto de Sofia com cuidado. Não queria que ela ficasse magoada com ele.

— Foi há muito tempo. – ela desconsiderou encolhendo os ombros. – Eu sei que um dia vou vê-los de novo, mas não posso dizer que são memórias agradáveis. Agora já passou.

— Existe algo que eu possa fazer? – o Pevensie questionou.

— Talvez possa me contar seu motivo para não conseguir dormir. – disse Sofia com um mínimo sorriso que estava mais para um repuxar de lábios.

— Eu não sei o que fazer. – Pedro suspirou baixando a cabeça, sua postura tornando-se derrotada e cansada.

— Você quer que seus irmãos fiquem seguros, mas quer ajudar Nárnia, não é? – deduziu a moça observando Pedro.

— Tanta gente já se machucou tentando nos proteger porque acreditam que podemos fazer alguma coisa pra mudar essa situação. Eu seria alguém horrível se não ao menos tentasse. – ele suspirou remexendo a fogueira com um graveto. – Mas eu fiz uma promessa de manter Susana, Edmundo e Lúcia seguros e olhe o ótimo trabalho que já estou fazendo.

— Seria mais fácil se dependesse só de você. – disse Sofia alcançando a mão de Pedro e a segurando. – Mas infelizmente ou felizmente, irmãos mais novos têm mente própria.

Pedro deu um meio sorriso soprando uma risada que não tinha exatamente humor nenhum e observou a mão de Sofia na dele. Parecia pequena e era fria. Se perguntou eram sempre assim, como as mãos de Susana – que estavam sempre frias. Em um gesto que os adultos considerariam ousado, o rapaz virou a própria mão, entrelaçando os dedos de ambos.

— O que você acha que devo fazer? – ele questionou enfim.

— Talvez Aslam tenha essa resposta. Eu mesma não tenho certeza do que fazer. – ela murmurou esperando que o fogo escondesse o rubor em suas faces. – A perspectiva de lutar em uma guerra me apavora, mas essa Feiticeira não me parece o tipo de pessoa com quem se faz diplomacia. Acha que os soldados ingleses também se sentem assim?

— Acho que existe a opção segura e existe o certo a ser feito, e os soldados ingleses sabem disso. Eu ouvi histórias do pai de soldados que atiravam na própria perna para voltar pra casa. – Pedro respondeu com os olhos fixos no fogo e inconscientemente trazendo Sofia para mais perto. – Eu não quero ser assim. Não quero ter medo de lutar por quem precisa de mim.

— Eu também não. – Sofia concordou sentindo o sono começar a pesar nas pálpebras. – Mas também ouvi histórias de soldados cujos horrores da guerra nunca saíram de suas mentes. Não sei se tenho coragem para enfrentar algo assim.

— Que tal se fizermos uma promessa? – sugeriu Pedro desviando seus olhos do fogo para Sofia que o encarou de volta com seus olhos de chocolate.  – Se precisarmos ser corajosos, vamos ser corajosos juntos, assim nenhum dos dois vai precisar ser corajoso por completo.

— Eu gosto dessa ideia. – a moça assentiu e enganchou seu dedo mínimo no do rapaz, deitando a cabeça no ombro dele. – Corajosos juntos.

— Corajosos juntos. – ele repetiu apoiando sua cabeça na dela.

Ficaram em silêncio confortável encarando o fogo, menos desanimados e nenhum dos dois percebeu quando pegaram no sono.

Todos acordaram com a primeira luz da manhã, sacudidos por Sr. e Sra. Castor que os apressava a comer.

Susana, Lúcia e Clarissa se levantaram resmungonas, e não haviam acordado de verdade até verem Sofia e Pedro darem um pulo de susto indo cada um para um lado das brasas restantes da fogueira.

Acontecera que haviam adormecido ainda encostados um no outro, e durante a noite acabaram abraçados. Agora, encaravam-se estarrecidos e sem a mínima pista do que fazer além de ficarem da cor de tomates maduros.

— Ah, ser jovem... – riu-se o Sr. Castor jogando neve por cima dos restos da fogueira.

— Dormiram bem, queridos? – perguntou a Sra. Castor em um tom de falsa inocência.

— Evidente que sim, querida. Vê-se por suas caras. – disse o Sr. Castor falhando miseravelmente em conter as risadas.

Pedro engasgou-se com ar diante daquilo e Sofia parecia querer que a terra se abrisse e a engolisse.

— Eu deveria perguntar? – Susana olhou de um para o outro de sobrancelha arqueada.

— Você e Sofia estão namorando Pedro? – Lúcia perguntou com um sorriso enorme se abrindo em seu rostinho.

— Bem que eu vi que vocês são bem bobos perto um do outro desde o começo! – disse Clarissa com um sorriso espertinho.

— N-não é nada disso. – o rapaz gaguejou sentindo as bochechas queimarem antes de ajeitar os ombros e tentar falar com alguma dignidade. – Eu e Sofia não conseguimos dormir, então ficamos conversando e acabamos caindo no sono um ao lado do outro.

— P-provavelmente acabamos nos aproximando durante o sono por conta do frio. Não foi intencional. – Sofia adicionou ainda completamente mortificada. 

— Exatamente. – Pedro concordou um pouco rápido demais. – Sinto muito, Sofia. Não quis ser desrespeitoso de forma alguma.

— Não há nada para desculpar. – a Redfield desconsiderou com um aceno de mão antes de se concentrar na maçã que lhe cabia como café da manhã.

Cada um comeu uma maçã e bebeu alguns goles de água – os cantis haviam sido deixados junto à base da fogueira para que a água não congelasse – antes que seguissem viagem para o Leste onde encontrariam o Grande Rio, que deveriam seguir em direção ao Sudeste para a Mesa de Pedra.

Sr. Castor os conduziu para terreno alto onde pudessem entender a geografia de onde estavam e explicou:

— O acampamento de Aslam é perto da Mesa de Pedra, do outro lado do rio congelado.

Diante deles, léguas e mais léguas de neve branca pintada de dourado pelo sol nascente se espalhava, a névoa típica de manhãs de inverno cobrindo o terreno abaixo e os humanos encararam aquela imensidão embasbacados pelo tamanho, pela beleza e pela jornada a frente.

— Rio? – perguntou Pedro preocupado se teriam que nadar. Sabia que Lúcia não era boa nadadora.

— Ah, o rio está congelado há cem anos! – assegurou a Sra. Castor.

— É lindo. – Sofia murmurou contemplando o vasto horizonte.

— E imenso. – Pedro acrescentou preocupado.

— Igual ao nosso mundo. – concordou a Sra. Castor. – Pensou que fosse pequeno?

— Menor. – respondeu Susana com um olhar azedo para o irmão.

— Parece até o Edmundo falando. – resmungou Clarissa, ganhando um olhar afiado de Susana, um cutucão de Sofia e uma risadinha de Lúcia.

— Se o mundo é imenso, melhor nos apressarmos. – falou Sofia com um sorriso mínimo na tentativa de melhorar os ânimos da amiga. – Afinal, é um longo caminho pela frente, e acho que existem coisas melhores lá do que qualquer coisa que possamos ter deixado para trás.

E assim seguiram caminho, andando, andando e andando. Parecia a Clarissa que nunca mais parariam de andar.

Tinham as pernas doloridas, os dedos gelados, as respirações dificultadas pelo frio e Susana reclamara de uma bolha no pé.

Por volta das onze e meia chegaram a um vasto terreno aberto entre uma faixa floresta e outra, com a neve muito mais espessa na qual afundavam os pés, os sapatos ficavam molhados pela neve e todos tremiam de frio.

— Cruzes! Nunca mais vamos parar? – reclamou Clarissa arrastando os pés.

— Essa atitude não vai ajudar nada. – Sofia retrucou com um sorriso de canto.

Seguiam quase em fila, Susana primeiro logo atrás dos castores, então Pedro, depois Sofia – que estava evitando os comentários que sabia que Susana estava louca para fazer em relação ao que acontecera mais cedo -, então Lúcia e Clarissa por último completamente esbaforida e sentindo que suas pernas haviam sido transformadas em geleia.

Um pouco mais cedo, Pedro dera uma carona para a pequena Redfield em suas costas, então ela descera e ele descansava um pouco antes de ser a vez de Lúcia.

— Venham humanos! Enquanto somos jovens! – chamou o Sr. Castor.

— Se ele nos apressar mais uma vez... – começou Pedro parando para pegar Lúcia em suas costas de forma que a fila se desfez e todos se reuniram. – Eu vou fazer dele um chapéu bem fofo!

— Talvez um par de luvas também? – sugeriu Sofia assoprando nas próprias mãos que tinham as unhas azuis de frio.

— Quem se importa com chapéus e luvas? – perguntou Clarissa. – Queria mesmo era um carro ou trem que nos levasse até lá!

Todos riram antes que fossem apressados novamente:

— Rápido! Venham! – na verdade, Sr. Castor não queria apressá-los para ser chato, e sim porque o preocupava estarem há tanto tempo em terreno aberto.

— Ele está ficando mandão. – comentou Lúcia.

Estavam todos prontos para rir quando veio o aviso desesperado da Sra. Castor:

— Não! Olhem para trás! É ela!

Uma única olhada para trás e antes que se pudesse dizer faca todos preparavam-se para correr, pois levantando uma nuvem branca de neve, vinha atrás deles um trenó com guizos tilintando que poderiam jurar que não estava lá um segundo atrás.

— Corram! – mandou o Sr. Castor.

— Corre! – gritou Pedro colocando Lúcia de volta no chão.

Qualquer que fosse a mágica que transformara as pernas de Clarissa em geleia fora embora, pois a menina demonstrou rapidez atípica em obedecer.

Susana disparou na frente enquanto Pedro e Sofia ficaram para trás por conta de puxarem as pequenas pelas mãos.

— Rápido! – apressou Pedro assim que entraram em uma nova zona coberta por árvores.

De fato, Clarissa já estava farta daquilo tudo! Parecia que tudo o que faziam desde que chegaram era correr!

Os guizos do trenó pareciam cada vez mais altos, parecidíssimos com os passos de D. Marta na casa do professor quando aquela aventura – até agora mais uma desventura – começara.

— Ali dentro! – comandou o Sr. Castor apontando uma pequena caverna que se formava abaixo do terreno onde corriam. – Entrem! Se abaixem!

A rapidez com a qual se espremeram lá foi admirável, assim como a capacidade de todos de não soltar nem um pio por mais amedrontados e ofegantes que estivessem.

O som dos guizos parou logo acima deles, e todos olharam para cima receosos, um amontoado sobre o outro. Passos soaram acima e um pouco de neve caiu da borda da caverna, uma sombra grande sendo projetada num monte de neve à frente deles, que se encolheram ainda mais.

A sombra virou de lado e foi embora, os guizos soaram levemente de novo e por alguns instantes o silêncio reinou.

— Parece que já foi. – murmurou Lúcia.

— É melhor eu ir ver. – sussurrou Pedro pronto para sair.

— De jeito nenhum! – Sofia ralhou baixinho.

— Não! – falou o Sr. Castor por cima. – Não vai servir a Nárnia morto.

— E nem você, meu velho. – retrucou a Sra. Castor vendo o que o marido pretendia.

— Obrigado, querida. – agradeceu o Sr. Castor tomando as mãos da esposa nas suas antes de sair.

Foram mais alguns segundos de enervante silêncio antes que a cara do Sr. Castor aparecesse repentinamente por sobre a borda da pequena caverna arrancando um gritinho assustado de Lúcia:

— Saiam! Saiam! Espero que tenham sido bonzinhos porque vocês têm visita! – e então sumiu novamente parecendo animado.

Os humanos entreolharam-se cansados de tanto levar susto antes de se desemaranharem uns dos outros e saírem para se deparar com a última pessoa que esperavam encontrar.

Com um largo sorriso, barba branca e roupas vermelhas, lá estava bem diante deles ninguém mais, ninguém menos que o próprio Papai Noel.

— Oh! Isso simplesmente está fazendo toda a correria valer a pena! – exclamou Clarissa animada se soltando de Sofia e indo agarrar a mão de Lúcia, ambas tomando a dianteira com risadinhas.

— Feliz Natal, senhor. – Lúcia cumprimentou com um largo sorriso.

— Com certeza, Lúcia. Desde que vocês chegaram. – concordou Papai Noel.

Pedro não sabia o que fazer daquela cena. De fato, não entendia absolutamente nada.

Sofia não estava exatamente surpresa. De fato, se de repente flores roxas tomassem o lugar das nuvens do céu depois de tudo que já haviam visto.

Susana, bem...

— Olha, eu aguentei muita coisa desde que cheguei, mas isso-

— Pensamos que fosse a Feiticeira. – Pedro cortou a irmã antes que ela tivesse a chance de dizer algo rude.

— Eu sei, eu sei... – disse Papai Noel com as mãos na cintura antes de sinalizar o trenó enquanto tirava as luvas. – Desculpe o mau jeito, mas eu devo dizer que dirijo um desses há mais tempo que a Feiticeira.

— Achei que não houvesse natal em Nárnia. – falou Susana se aproximando de cenho franzido.

— Foi o que nos disseram. – completou Sofia. – “Sempre inverno e nunca Natal.”

— Não. Por muito tempo... – confirmou Papai Noel. – Mas a esperança que trouxeram, Majestades e miladies, começa a enfraquecer o poder da Feiticeira.

De alguma forma, aquelas palavras pareceram trazer renovo para os corações de todos, que estavam cansados, doloridos e tristes com tudo o que acontecia.

— Porém ouso dizer que vocês vão precisar disso! – Papai Noel continuou puxando do trenó um grande e pesado saco de couro.

— Presentes! – exclamaram Lúcia e Clarissa em uníssono correndo para o lado do Papai Noel.

***

 


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Notas finais do capítulo

A quarentena vai deixar os Redfield Stans mal acostumados? Sim ou claro?

Eu até ia deixar esse capítulo um pouco maior, mas decidi dividir em dois pra não ficar cansativo.

Segurem os corações shippers, que daqui pra frente a emoção só aumenta!

E eu sei que tô sendo chata batendo na mesma tecla, mas: vão ler Seabound, o spin-off de As Redfield lá no Wattpad de autoria da maravilhosa @__metamorphosis__ que é o amor da minha vida. Eu estou por dentro dos spoilers e só posso dizer que Seabound é uma história absolutamente ÉPICA!

Beijos de luz, Shazi

P. S. Quem se arrisca quanto a quais serão os presentes de Sof e Clare?



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