Alma escrita por Lady Jées


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

:)



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Capítulo Dois

Lá estava ele, mais uma vez, conduzindo os espíritos para o outro plano. Era uma quarta-feira ensolarada de verão e, assim que terminou seu trabalho, pode, enfim, relaxar e tirar o merecido descanso. Caminhava em direção a sua “moradia”, no entanto, alguém lhe tirou a concentração do caminho. Sentada em meio a um campo aberto no parque central, uma jovem aproveitava os raios solares enquanto uma brisa suave acariciava a pele. Ela sorria ao ouvir uma melodia qualquer em seu celular e a brisa em seu cabelo trazia uma visão encantadora para o ceifeiro. Ele jamais imaginou que aquela alma se tornaria uma presença tão marcante para si. Não se contentando em apenas vê-la de longe, o homem se aproximou e a observou melhor. O cabelo castanho-avermelhado, agora mais comprido e rebelde do que antes, estava preso em um rabo de cavalo no alto da cabeça; ela não usava nenhuma maquiagem além de um batom rosado nos lábios e podia se notar os brincos pequenos e discretos nas orelhas. As roupas eram simples, uma regata branca embaixo de uma camisa quadriculada vermelha, shorts jeans e all-star branco. Para humanos comuns, ela parecia uma garota simples, como qualquer outra, mas, para aquele ser em específico, ela brilhava como a chama de mil sóis.

Os olhos cor-de-mel se abriram de repente e a confusão se fez presente. Ela gritou e ele caiu sentado devido a surpresa. Atordoado, não compreendeu o motivo do espanto da moça, muito menos o olhar que ela lhe direcionava. Algumas pessoas se aproximaram e perguntaram se a jovem estava bem e ela, assustada, apontava freneticamente para o ceifador. Isso não poderia ser possível, nenhum ser humano – além daqueles cujos nomes seriam ceifados – poderiam enxergá-lo. Enquanto ela apontava para frente e dizia que havia algo ali, as pessoas ao seu redor começavam a questioná-la e perguntar se tinha bebido, afinal, ninguém além da garota enxergava o que quer que estivesse presente. Um senhor se aproximou e de forma branda aconselhou a garota a procurar ajuda, contudo, ela continuava a afirmar que não estava bêbada, drogada ou louca. Segundo ela, havia uma massa escura e no meio, olhos dourados a encaravam. O ceifador assustou-se, ele tinha certeza que aquilo não era possível. Aquela garota não estava nem perto de morrer, mas podia enxergá-lo - mesmo que de forma disforme -. Com medo pelo sentimento desconhecido, afastou-se da garota permitindo, assim, que ela se acalmasse um pouco, embora ainda continuasse procurando a massa por todos os lados.

Ele precisava saber o motivo de tal acontecimento, então buscou respostas para suas perguntas com seus colegas de trabalho. Explicou o que ocorrera e seus companheiros lhe disseram que, ás vezes, alguns seres humanos eram capazes de vê-los. Eram poucos, mas acabavam sendo perspicazes demais. Os colegas consideravam isso um incômodo. O ceifeiro estranhou, quando a viu pela primeira vez, anos atrás, ela não tinha o visto ou expressado reação a sua presença, então, por que somente agora?

Ela pode ter sofrido um acidente que a deixou as portas da Morte.

Sim, poderia ser isso. Ele se lembrava de uma vez, logo após a morte do pai dela, em que ela estava brincando no quintal do sítio da avó e, por ser uma criança bastante imperativa, subiu em uma das grandes árvores e acabou caindo de uma altura considerável. Ela havia batido fortemente a cabeça, rompido o baço e quebrado uma costela. Foi levada rapidamente para o hospital e ficou internada por vários dias. O ceifador sabia de tudo isso por um simples motivo: seguiu os passos da criança por curiosidade após ouvir as palavras do pai, cheias de orgulho. Ele tinha que admitir, também, que a pequena chamara sua atenção pela espontaneidade e pela forma como lidara com a morte do progenitor. Ela não chorou por muito tempo, mesmo que agora só restasse ela e a avó. Após o enterro, com muita coragem e convicção, disse para a mais velha que cuidaria dela a partir daquele momento. Uma criança precoce, mas que demonstrava uma coragem maior do que muitos adultos. Sua avó a abraçou e chorou e o ceifeiro, intrigado, resolveu seguir a pequena por mais algum tempo.

Logo depois do acidente da garota, ele parou de observá-la constantemente. Precisava se focar no trabalho e isso tirou-lhe muito de sua concentração. Ela era apenas mais uma alma que, um dia, encontraria seu fim. Não precisava, então, dar tanta atenção a uma criança que foi salva pelo pai. Embora estivesse convicto disso, o ceifeiro continuou a vê-la vez ou outra, mas sempre de longe e por breves segundos. Lembrava da última vez que a vira, ela estava prestes a fazer quinze anos e a avó a levaria para um festival que ocorreria na vila perto de sua casa. Elas moravam no interior, por tanto, era comum ver festivais ocorrerem quase que constantemente naquela região. Produzida, o ceifeiro a comparou com uma flor que estava prestes a desabrochar e demonstrar sua beleza enquanto exalava um doce perfume. Ele se lembrava claramente do sorriso estampado na face da adolescente.

A vida dos humanos não deveria ser invejada. Não por seres como ele. Mas naquele dia, almejou poder ser um deles, sentar-se ao lado daquela alma e observar o festival enquanto os fogos eram queimados no céu. Visualizou cada garoto que se aproximou dela convidando-a para sair e sorriu quando ela, delicadamente, mas de maneira irrefutável, recusou todos os convites. Ele estava feliz com isso e foi quando um alerta soou em seu subconsciente. Não deveria sentir essas emoções. Cambaleou até uma ponte que transpassava o rio dividindo o vilarejo. Respirou fundo para se acalmar, mas ao se virar, avistou a garota vindo ao longe com sua avó. Seus olhos se encontraram e o coração do ceifeiro disparou. Como se fosse para lembra-lo do que era, uma dor agonizante tomou-lhe o peito e, sem perder tempo, o jovem ceifador logo fugiu dali. Foi a última vez em que a viu.

*~x~x~*

Ela caminhava apressadamente até seu apartamento. Anos atrás, quando sua avó faleceu, decidiu se mudar para a cidade grande afim de se locomover melhor. Estava sozinha e precisava se manter. Embora fosse uma pessoa de natureza gentil, a jovem não possuía um grande círculo de amigos. Além de duas ou três pessoas, mantinha-se afastada dos demais, tendo apenas relações de trabalho e saindo quando era necessário. Agora, com seus vinte e poucos anos, a morena cursava sua tão sonhada faculdade de biologia e procurava sempre manter o ritmo no trabalho. Era cansativo, mas não reclamava, gostava de toda a experiência que obtinha devido a isso. Todavia, era também uma válvula de escape. Quando se acidentou na infância, a jovem acordara dias depois no hospital e sua avó chorava de felicidade por vê-la falando outra vez. Segundo os médicos, ela sofrera uma fratura na costela, um rompimento e uma forte pancada na cabeça, ficou em coma por dias até, finalmente, abrir os olhos. Eles estavam preocupados, ela poderia ter tido uma grave sequela devido a pancada na cabeça, por isso, todos os minutos em que aguardavam o seu despertar, foi crucial para concluir o diagnóstico. Saiu do hospital poucos dias depois, os médicos disseram que ela se recuperara bem e que só faltava a cicatrização dos machucados. Teve muita sorte, alguém havia cuidado muito bem dela, permitindo que não saísse com resultados mais graves. Ao menos, fora isso o que disseram. A morena, contudo, sabia que algo estava errado.

Desde que voltara para casa, a jovem podia ver o que olhos comuns não podiam. Chegou a indagar sua avó procurando saber se ela também via, mas a idosa negava com um simples aceno de cabeça. Estranhou, mas deixou passar. Conforme os dias seguiam, a garota assustava-se cada vez mais com as presenças que visitavam a casa, claramente não humanas. Eram sempre disformes e desapareciam rapidamente, todavia, era tempo suficiente para calafrios surgirem pelo corpo da moça. Certa vez, próxima a época de seu decimo quinto aniversário, a avó chamou-a dizendo que elas sairiam para comemorar e que ela deveria vestir as roupas que tinha preparado especificamente para ela. A adolescente não compreendeu, mas obedeceu. Quando estava pronta para sair sentiu alguém a observando, porém, quando se virou para procurar aquele que a observava, nada encontrou. Respirou fundo e seguiu com a avó. Não admitia que estava assustada e nunca mais tocou no assunto, só que, ás vezes, as presenças eram tão fortes que duvidava que outros não conseguiam ver.

Aproveitou o festival o máximo possível. Mesmo que, em diversas vezes, recusava os convites que lhe eram feitos. Não se sentia à vontade para sair com outras pessoas, ainda mais quando não tinha certeza se haveria apenas seres humanos. A avó chamou-a para acompanha-la até o templo que havia no lugar e elas seguiram.

Pedirei ao Todo-Poderoso para que cuide de seus olhos e espante os maus espíritos, criança.

Então esse fora o motivo pelo qual pedira para acompanha-la naquela noite. A garota emocionou-se com o ato da avó, chorou e a abraçou fortemente e, quando estavam prontas para voltarem para casa, mais uma vez, a morena assustou-se. Perto da ponte que atravessava o rio uma sombra flutuava. A adolescente parou quando, por breves segundos, olhos dourados a encaravam. Um suspiro de assombro foi ouvido pela avó que, desesperadamente, perguntou qual era o problema enquanto a garota apenas sacudia a cabeça.

Não se lembra de muito mais daquele dia, contudo, tinha a impressão que a mesma sombra que vira quando tinha quinze anos, aparecera para ela naquela tarde. Faltava poucos metros para chegar a porta de seu apartamento e quando finalmente adentrou, sentou-se no chão lamentando-se pelo ocorrido durante a tarde. Tinha se esquecido completamente de que nem todos podiam ver o que ela conseguia e, por um momento, pensou o contrário. Quando se deu por si, apenas levantou-se do lugar e correu para casa para colocar sua cabeça em ordem. Fazia tempo que não via espíritos como aquele, eram mais frequentes quando morava no interior. Quando se mudou, achou que se livraria da sensação e que não teria mais esses sustos, todavia, perceber que ainda não tinha se livrado deles a deixou exasperada.

Decidiu se banhar para tentar relaxar e logo após um longo banho, preparou sua refeição. A mente estava aturdida, porém, um pensamento fez com que parasse a colher a caminho da boca. Quando abriu os olhos naquela tarde, ficou tão assustada que nem notou o brilho que os olhos dourados traziam. Foi por poucos instantes, mas teve a sensação que o espirito estava tão assustado quanto ela e que não faria mal a garota. Nesse momento, uma vaga lembrança surgiu e nela, aqueles mesmo olhos a olhavam com certa agonia. Algo dentro dela se aquietou e, no lugar do assombro, uma pequena curiosidade sobressaltou-se. Aquele espirito era realmente um ser ruim?

E com esse pensamento em mente, a jovem saiu de seu apartamento, decidida a encontrar aquela sombra outra vez.

*~x~x~*


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Notas finais do capítulo

(:



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