Reviravoltas escrita por Goth-Lady


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Esta fanfic é um presente de amigo secreto para a Shiori. Espero que goste e boa leitura. ^^



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/750443/chapter/1

O fundo do mar, um lugar cheio de mistérios e aventuras. Era nesse lugar que vivia Afonso, um jovem tritão de pele trigueira, olhos olivais cujo cabelo castanho escuro se encontrava preso por uma fita vermelha. Uma pinta decorava a parte debaixo de seu olho direito. O jovem tritão nadava com sua cauda verde água sem rumo definido.

Afonso adorava o mar, vivia feliz em seu lugar, podia ir para onde quisesse, menos para a superfície. Embora fosse proibido por seu pai e seu avô de ir à superfície, isso não era problema para ele, podia ir escondido, pois sua família estava mais preocupada com os problemas que seu irmão Antonio e sua prima Angelina causavam. No entanto, ele não ia à superfície há anos, não depois do que tinha acontecido.

— Poncho, você está aí! Te procurei por toda parte.

— Ora, o que foi, Tonio? Aconteceu algo?

— E você ainda pergunta?! Apareceu outro de seus amantes lá em casa te procurando! Você não tem ideia do trabalho que deu para espantá-lo. – Cruzou os braços.

Antonio era um tritão de pele trigueira, olhos verdes olivais e cauda vermelha. Tinha o cabelo castanho curto para se diferenciar de Afonso. Apesar de ser cinco anos mais novo, quando ele tinha o cabelo comprido, ele e Afonso eram confundidos como gêmeos.

— Deixe-me adivinhar, você soltou Angelina em cima dele. – Riu.

— Isso não tem graça, agora ela está furiosa com nós dois e vai arrancar nossas escamas!

— É melhor deixa-la se acalmar então.

— Ou você que deveria dar um jeito nos seus amantes! Acha que eu gosto de saber que meu irmão é a prostituta do reino?!

Afonso abaixou o olhar. Desde o incidente na superfície, ele entrara em uma forte depressão, mas conseguira sair aos poucos graças à sua família que tanto o apoiaram. Infelizmente, mesmo tendo saído da depressão, Afonso nunca melhorou e se deitava com qualquer um do reino. Embora ele tenha sido muito discreto quanto a isso, alguns amantes insistiam em procurá-lo.

— Desculpa, Poncho, eu não disse por mal. – O abraçou. – É que estou cansado de seus amantes.

— Tudo bem. – Forçou um sorriso, embora ainda estivesse magoado.

— Vocês dois estão aí. Pensei que Angelina os tinha encontrado.

O tritão que falava com eles tinha a pele olival, olhos âmbar e o cabelo castanho escuro, além de uma cauda roxa. Ele se chamava Masud e era o primo deles, sendo mais novo que Antonio.

— Sud! – Antonio abriu um grande sorriso. – Estava preocupado?

— Claro que estou! Dessa vez o avô viu. Ele está procurando por você, Afonso.

Afonso engoliu em seco. Se o avô dele desconfiasse de algo, com certeza de que estava ferrado.

— Irei vê-lo.

— Não agora. Do jeito que ele está furioso, vai arrancar o seu couro.

— O que sugere, Sud? – Questionou Antonio.

— Vamos esperar algum tempo, assim ele se acalma.

— Acha que devemos nos esconder? – A pergunta partiu de Afonso.

— Provavelmente.

Os três nadaram até encontrarem uma caverna. Esperariam até que as coisas se acalmassem para enfim retornarem ao reino. Não demorou muito e Antonio começou a apresentar sinais de impaciência.

— Tonio, por favor, pare de nadar em círculos, está me deixando nervoso. – Pediu Afonso.

— Eu quero fazer alguma coisa, Fonz! Não aguento ficar aqui.

— Acho que sei como acabar com seu tédio. – Disse Masud um tanto sugestivo.

— E o que sugere? – Perguntou Antonio nadando para perto do primo.

Masud, que estava sentado em uma pedra pegou a mão de Antonio e o puxou para si, o pondo em seu colo. Apesar de ser o mais novo, era um pouco mais alto que os primos. Ele não perdeu tempo em beijar Antonio, que o correspondeu prontamente. O de cauda roxa enlaçou a cintura do de cauda vermelha, o apertando mais contra si.

— Krakens! – Exclamou Afonso. – V-Vocês dois vão fazer isso aqui?!

— E qual é o problema? – Perguntou Antonio pendendo a cabeça.

— I-Isso é meio...

— Não fique assim. – Disse o de cauda roxa segurando a mão de Afonso e o puxando para si. – Eu não esqueci de você.

— Krakens, Sud! Que safadeza! – Comentou o de cauda vermelha tão surpreso quanto o irmão.

— Por que o espanto? Sempre me deitei com os dois e nunca escondi isso de vocês.

— Mas não ao mesmo tempo! – Exclamou Afonso envergonhado. Mesmo ele tendo dormido com praticamente os tritões do reino inteiro, ele nunca tinha feito algo assim.

— Não precisa ter medo. – O puxou mais para perto e passou o braço livre por sua cintura. – Sabe que não irei machucá-lo.

— Não é esse o problema.

— Sud, isso não parece uma boa ideia.

— E por que não?

— Por que nós somos irmãos! – Disse Afonso envergonhado.

— E eu sou seu primo, mas mesmo assim...

— É diferente!

— Seus pais também são irmãos e tiveram quatro filhos e se não me falha a memória, você e Tamina estão tentando ajudar o Filipe a se declarar para o Andrés e eles são gêmeos.

Contra aquilo não podia argumentar. Os pais de Afonso, Viriato e Gala, eram meios-irmãos, possuindo apenas a mesma mãe. Para entender a relação entre eles, é preciso desvendar a árvore genealógica desta família.

Hanno era um tritão forte e vigoroso em sua época de cabelos escuros olhos castanhos, pele morena e cauda em tom vinho, que se casou com Atégina, uma sereia de pele trigueira, olhos verdes, longos cabelos castanhos e cauda cor de oliva. Os dois tiveram Viriato, um homem de pele trigueira, olhos verdes, cabelos castanhos e cauda verde. Atégina teve Gala, mas ninguém sabia quem era o pai. Gala era uma linda sereia de olhos verdes, cabelos castanhos e pele trigueira, sua cauda era amarela. Ela e Viriato se apaixonaram e tiveram Afonso, Antonio, Joel, um tritão com as mesmas características dos irmãos, mas sua cauda era azul; e Gabriel, o caçula ruivo de olhos verdes e pele trigueira cuja cauda era cor de coral.

Além de Viriato, os dois tinham Bernardo como filho. Bernardo era um tritão de cabelos castanhos escuros e pele trigueira. Diferente do irmão, ele possuía olhos castanhos avermelhados. Ele era pai dos gêmeos Andrés e Filipe. Andrés e Filipe possuíam as mesmas características dos pais, mas o cabelo de Filipe era mais comprido a ponto de prendê-lo em um rabo de cavalo enquanto o de Andrés tinha as pontas da franja mais claras. As caudas também eram diferentes, a de Andrés era marrom escura e a de Filipe olival.

Não bastasse a família que tinha, Hanno ainda se casou de novo, dessa vez com uma sereia de cauda magenta, pele morena, cabelos escuros e olhos claros chamada Duha. Com Duha ele teve três filhos: Adir, um tritão de cauda lilás e pai de Masud; Soraia, uma sereia de cauda azul e mãe de Angelina; e Layla, uma sereia de cauda magenta e mãe de Tamina.

— Mesmo assim! – Tornou a exclamar Afonso envergonhado.

— Poncho, você tem sempre que fazer isso quando nós três estamos junto? – Antonio tinha um sorriso safado, saiu do colo do primo e enlaçou a cintura do irmão.

— Ele gosta quando o convencemos do contrário, Tonio. – Masud tinha o mesmo sorriso que Antonio e enlaçava as cinturas dos dois. – É mais excitante assim.

Afonso retribuiu os sorrisos do irmão e do primo da mesma forma. Os três “brincavam” sem compromisso, era mais excitante lembrar que eram parentes e sentir o gosto do proibido. Antonio abraçou seu irmão mais velho e beijou seu pescoço, causando-lhes arrepios. Masud abraçou Afonso por trás, beijando o outro lado do pescoço do mais velho e acariciando sua cintura com as mãos. Afonso arfou com os toques. Sud largou sua cintura e puxou Antonio, que colou seu tronco ao de Afonso e enroscou sua cauda com a de seu irmão. O primo apertava a parte das escamas um pouco abaixo de onde terminava a pele, na anatomia humana essa parte corresponderia à bunda. Os outros dois se beijaram lascivamente sobre um dos ombros de Afonso, que se ocupou de beijar o pescoço de Antonio.

Tritões tinham pênis retráteis e se reproduziam como os golfinhos, porém eles se encaixavam por trás das sereias, pois era atrás da cauda que se encontrava o buraco da vagina. A parte de trás da cauda era onde ficava a coacla, um buraco pelo qual expeliam suas necessidades. Era com esse buraco que Afonso, Antonio e Masud brincariam naquele momento.

Os três estavam exaustos após a “brincadeira”. Apesar de ter sido bom, eles precisavam voltar para casa antes que seus pais ficassem preocupados, embora não quisessem voltar. Sem alternativa, tiveram que retornar ao reino.

O reino deles possuía um castelo submerso feito de ouro que, segundo as lendas, tinha sido moldado pelos deuses marítimos. Apesar da popularidade dos três de serem belos e desejados, eles não eram os príncipes. O príncipe herdeiro era Tim Jansen, um tritão loiro de olhos verdes e cauda laranja que possuía uma cicatriz acima de um dos olhos. Afonso o conhecia bem, pois era seu amante secreto e era amado por ele quase todas as noites. Só de pensar nos toques do príncipe, seu corpo estremecia. Laura, a irmã de Tim, era a princesa do reino, era uma sereia bonita com seus curtos cabelos loiros, olhos verdes e cauda laranja, embora o reino inteiro achasse as mulheres da família de Afonso mais bonitas, especialmente Angelina. Laura era uma boa amiga de Antonio. O último príncipe era Xavier, que conservara as características físicas dos irmãos, exceto a cor d cauda, que era púrpura.

A casa em que os três tritões moravam era uma enorme construção de corais e madrepérolas, como todas as casas dos nobres do reino. Apesar da imponência de Hanno, sua família não ostentava uma vida de luxo ou riquezas e muito menos viviam de aparências. Afonso preferia assim, pois tinham tanta liberdade quanto à de um plebeu.

— Foi por pouco. – Sorriu Antonio.

— Até que enfim voltaram, seus putos!

— Falei cedo demais.

— Oi Angel. – Sorriu Afonso sem graça.

— Não me venha com “oi Angel”, vocês têm noção de quanto os procurei?!

Angelina era uma sereia de feições angelicais, pele morena, cabelos negros que fora da água caíam em cascata pelos ombros estreitos, seus olhos castanhos exibiam um brilho selvagem e enérgico. Não tinha seios grandes, mas caberiam na mão de qualquer um de seus primos sem o menor problema, e os mesmos se encontravam cobertos por um top trançado de algas. Sua cauda era verde. Parecia um anjo submarino, não era a toa que era a sereia mais bela do reino, talvez de todos os sete mares, porém o que ela tinha de beleza, ela tinha de problema. De anjo mesmo só tinha a aparência e o nome, pois a boca tinha sido forjada no inferno ela tinha espantado tantos pretendentes que nenhum deles conseguiria contar.

— O vovô quer falar com você Afonso.

— Eu sei. – Aparentava estar calmo, mas por dentro, estava nervoso.

— Agradeça que não sua avó ainda não sabe.

Afonso sentiu sua espinha gelar. Havia três pessoas na família de Afonso que nunca deveria enfrentar em estado de fúria. Angelina era uma delas, tão louca que ela mesma expulsou alguns pretendentes com uma espada marinha. Sua tia Soraia, mãe de Angelina, devia ter vindo das entranhas das profundezas marinhas, a sereia era o kraken chupando alga. A última era sua avó Atégina, que nem os deuses marinhos o salvariam de sua fúria se ela descobrisse algo.

Afonso respirou fundo e adentrou à casa rumo ao quarto do seu avô. No caminho, encontrou Joel, Filipe e Tamina conversando no corredor. Filipe era um tritão de pele trigueira Tamina era uma sereia de pele morena, cabelos negros, olhos castanhos e cauda rosa. Ela tinha os seios maiores que os de Angelina, os quais estavam cobertos por uma rede adornada de conchas.

— Fonz! – A sereia o abraçou. – Onde esteve? Te procurei por toda a parte!

— Estava nadando por aí, Tami.

— Estávamos tão preocupados. – Comentou Filipe.

— Não faça isso de novo! O vovô está uma fera contigo!

— Ao menos é o vovô. – Disse Joel. – Ia ser pior com a nossa avó.

— Não se preocupem, vai dar tudo certo.

Afonso nadou até o quarto que o avô dormia com as duas esposas. Sempre achou estranho seu avô dividir o quarto com as duas mulheres, pois apesar de Atégina e Duha se darem bem, não era usual. Embora a poligamia fosse legal no reino, na maioria das casas cada um tinha seu quarto individual.

Ouviu gritos de dentro do quarto. Hesitante, abriu a porta para ver o que estava acontecendo e encontrou seu avô e Gabriel.

— Não, não e não! Você não vai para a superfície!

— Mas eu só quero ver os navios! Não vou sair do mar!

— Mesmo assim! Você vai ficar aqui!

— Mas...

— Nada de “mas”! Eu já falei, sua avó já falou, seu pai já falou... Você não vai até lá!

Gabriel saiu furioso porta a fora. Afonso sabia o quanto o menor queria ir à superfície, mas sabia também o quanto era perigoso deixá-lo sozinho, Gabriel ainda era uma criança, mesmo para os padrões dos tritões.

— Queria me ver, avô?

— Sim. Feche a porta.

Afonso obedeceu. Hanno se sentou no sofá e fez sinal para que o neto fizesse o mesmo. Novamente, Afonso o obedeceu.

— Afonso, você tem ideia da merda que fez?!

— Avô...

— Eu não ligo se você é a puta do reino, o rabo é teu e você se vira com ele, mas eu não quero seus amantes rondando a minha casa!

— Desculpe, não vai acontecer de novo.

Estava cabisbaixo. Era duro ter que ouvir aquilo. Hanno o colocou um dos braços por sobre seus ombros e o puxou para um abraço.

— Não faça essa cara, sabe que eu faço isso para te proteger.

— Até parece.

—Eu falo sério, Afonso. Se Atégina encontra um desses amantes, como fica? Ela vai arrancar as suas escamas e as minhas também. Soraia então, quero nem pensar, fora seus irmãos e primos.

Sua avó e Soraia até entendia, mas seus irmãos e seus primos?

— O que tem meus primos?

— Ora, se aparece um amante seu aqui de surpresa procurando por você, encontra um de seus primos ou irmãos e tenta agarrá-los? Aconteceu uma vez com Joel, sorte dele que Soraia apareceu.

Ele se lembrava bem. Ele tinha combinado com um amante de se encontrarem à noite no quarto dele, mas o tritão errou a janela e parou no quarto de Joel. Joel era mais novo que Tamina e não tinha o físico de Afonso, era fácil diferenciá-lo, mas o tritão resolveu agarrá-lo mesmo assim. Sua tia Soraia tinha ido verificar se Joel estava dormindo, pois sua mãe, Gala, estava doente e grávida de Gabriel, precisava de muito repouso. Quando ela viu um estranho alisando o corpo do sobrinho, não perdeu tempo em atacá-lo. O amante teve um braço e a cauda quebrados, além de hematomas e escoriações pelo corpo. Ele só esteve vivo porque seus tios Adir e Bernardo conseguiram segurá-la e Leyla conseguiu conter Viriato. Afonso se culpou por dias.

— Eu vou tomar mais cuidado. – Prometeu.

— Espero que sim. – Deu tapinhas no ombro do neto. – Melhore essa cara. Você tem muito mais a oferecer do que um belo rabo.

— Vou tentar.

Afonso saiu do quarto do avô. Por mais severo que ele soasse, ele tinha razão, tinha que tomar cuidado. Não só por Joel, mas Antonio e até mesmo Filipe, que era o mais parecido com ele. Se algo ocorresse a Filipe, arrumaria problemas com Andrés.

Quando a noite caiu, Afonso foi ao castelo, como de costume. Os criados já estavam acostumados com sua presença, alguns nobres da corte lhes lançavam olhares e sorrisos maliciosos, desejando o jovem tritão. Alguns o tinham em sua cama. Aos olhos de todos, ele era amigo do príncipe Tim, mas entre quatro paredes era seu amante.

Tim se encontrava em seu quarto. Estudava alguma coisa em seu pergaminho cujo papel era feito à base de algas. Assim que adentrou no recinto, Tim levantou os olhos do pergaminho e observou Afonso.

— Boa noite, vossa alteza.

— Sabe que não precisa me chamar assim.

— Eu sei. – Sorriu travesso.

O príncipe nadou rapidamente para cima de Afonso, o prensando na porta e tomando seus lábios em um beijo, o qual foi correspondido de imediato. O loiro desceu os lábios para o pescoço do moreno, fazendo-o gemer. Sem esperar por mais, jogou-o na cama e tomou seus lábios novamente. O corpo de Afonso era uma droga que Tim tinha se viciado rapidamente.

==========//==========

A suave brisa do mar atravessava as janelas do castelo, brincando com os cabelos loiros do jovem príncipe de olhos que lembravam duas ametistas, embora estivesse com olheiras e seu humor estivesse péssimo. François se encontrava diante se seu primo Francis, que era o príncipe herdeiro. Francis era parecido com ele, porém tinha olhos azuis como safiras e um rosto mais descansado.

— Se veio me repreender, perdeu seu tempo. – Disse dando uma tragada em seu cigarro.

— Vim falar sobre ontem à noite. Você fez aquela criada chorar.

— Foda-se, era só uma puta mesmo.

— Isso não foi cavalheiro da sua parte!

— Como se você fosse um. Dormiu com o reino inteiro.

— Você também não fica atrás.

A luxúria de ambos os homens era lendária, o mesmo não podia ser dito do relacionamento entre eles. Não se davam bem sob qualquer circunstância. O que Francis fazia ainda era relevado por ser o herdeiro legítimo ao trono, já François era um bastardo obrigado à conviver na corte, tanto que era conhecido como bastardo imoral. Enquanto Francis cortejava as moças e as levava até sua cama discretamente, François se jogava nos bordéis e dormia com quem quer que o quisesse por uma noite.

Na noite passada, no incidente com a empregada, fora ela quem se aproximara dele, se deitou com ele e se declarara, dizendo que tinha violado sua virgindade e deveriam se casar. François a expulsou como um cão sarnento. As pessoas não gostavam dele e sim do seu status social e sua fortuna, tanto que não acreditava em amor como seu primo e vivia uma vida imoral, tentando afundar o nome dos Bonnefoy na lama.

François não ia ficar ali, ele se levantou e deixou Francis sozinho. Iria se trancar em seu quarto e não sairia tão cedo.

— Francis, você está aí!

— Alguma coisa errada, Charlotte?

Charlotte Bonnefoy era a irmã mais nova de Francis. Com seus cabelos loiros presos em uma trança e seus olhos azuis atrás dos óculos, ela sustentava um ar aristocrático e sério demais para sua idade.

— Apenas vim informar sobre os preparativos para sua festa de aniversário.

— Oh, está tudo pronto?

— Falta acertar alguns detalhes.

— Deixe-me ajudá-la.

— Quero que tudo esteja perfeito quando seu aniversário chegar.

==========//==========

— Isso é sério, Tami? – Perguntou Afonso atônito

— E por que não? Angelina vai à superfície toda hora.

— Porque a Angel é doida! – Exclamou Antonio. – Mas essa é uma boa ideia.

Tamina tinha reunido todos os seus primos com a exceção de Angelina, que não encontrara em lugar algum.

— E-Eu não acho que seja uma boa ideia. – Disse Filipe.

— Eu concordo com ele. – Disse Joel.

— Mas eu sim! – Exclamou Gabriel, pois estava louco para ir à superfície.

— Vamos, gente, vai ser divertido! Não querem descobrir o que tem lá?

— Não há nada de interessante por lá, Tami. – Tornou a dizer Afonso.

— Como sabe? Já esteve lá?

Afonso não respondeu. Não podia dizer que tinha estado lá, não sem uma boa história. Infelizmente ele não conseguia pensar em uma.

— Então combinado, nós vamos esta noite.

Ao cair da noite, Afonso, seus irmãos e seus primos emergiram à superfície. O céu estava estrelado, o vento soprava e os tritões achavam aquilo uma maravilha, todos menos Afonso, que já tinha presenciado aquilo.

— Olhem, é um navio! – Exclamou Gabriel apontando para a embarcação.

O menor estava maravilhado, era a primeira vez que via um de verdade. Ouvira tantas histórias e encontrara alguns naufragados, mas este estava inteiro e não muito longe da costa. O caçula do grupo nadou rapidamente até o navio, obrigando os outros a nadarem atrás dele. Ao chegarem perto, notaram o quanto a embarcação era enorme. Tiveram uma surpresa ao verem quem escalava o navio.

— Angelina?! – Exclamaram todos, menos Andrés, pois apesar de surpreso, preferiu ficar na dele.

— O que vocês estão fazendo aqui?!

— O que você está fazendo aí?! – Perguntou Masud. – Desça daí antes que quebre alguma coisa!

A sereia bufou e se jogou de volta no mar. Se começassem a discutir, alguém poderia ver.

— Mas o que te deu na cabeça, Angelina?! – Tornou a perguntar o primo.

— Eu só estava indo ver a festa.

— Uma festa? – Perguntou Antonio interessado. – Podemos ir?

— Tonio, não acho que seja uma boa ideia. – Disse Afonso.

Mas ninguém o ouviu. Antonio, Angelina, Tamina e Gabriel se puseram a escalar o navio. Afonso e Masud não tiveram escolha senão ir atrás deles. Joel e Filipe acabaram subindo, pois não queriam ficar sobrando. Andrés poderia ter voltado para o reino, mas os seguiu para garantir que nada de mal aconteceria a Filipe. O grupo entrou por uma escotilha aberta.

— Esperem a cauda secar. – Instruiu Angelina.

Quando as caudas secaram, se tornaram pernas. Era incrível e ao mesmo tempo estranho verem pernas pela primeira vez. Foi difícil se levantarem e ficar de pé no começo, mas aos poucos se acostumaram. Afonso e Angelina não tinham esse problema e ajudavam os outros. Foi então que eles perceberam que tinham algo além de pernas. Os meninos tinham um negócio que balançava entre as pernas, além de duas bolas, já as meninas não, continuavam com dois buracos.

— Para que serve isso? – Perguntou Antonio pegando no seu, fazendo Afonso corar.

— Os humanos usam isso para... Para “brincar”, Tonio. – Respondeu Afonso envergonhado.

— Brincar? – Perguntaram Joel e Gabriel em sua inocência, Filipe apenas corou.

— Explicaremos quando vocês forem mais velhos. – Interveio Sud.

— Poncho, como é que você sabe disso?

Afonso engoliu em seco. Não podia revelar como tinha descoberto aquilo. Precisava de uma desculpa.

— É que... Eu ouvi histórias sobre isso. Nunca ouviu? – Antonio negou com a cabeça. – Devia prestar mais atenção nas histórias, Tonio.

— Angel, você que vem tanto à superfície, o que devemos fazer? – Perguntou Tami.

— Primeiro, arrumar algumas roupas.

— O que são roupas?

— São coisas que os humanos usam para não mostrarem tanta pele.

— Já usou uma?

— Algumas vezes.

Os tritões começaram a procurar pelas tais roupas. Por sorte, o local em que adentraram era a cabine de um nobre. Eles vasculharam o lugar até encontrarem os tais tecidos. A maioria era masculina, mas encontraram dois ou três vestidos. Os tritões puseram o básico, que seria uma camisa e uma calça, sendo que as de Joel ficaram grandes nele e Gabriel vestiu uma camisa e tiveram que amarrar um pano como se fosse um cinto. As sereias só precisaram pôr os vestidos antes de sair.

===========//=========

François estava entediado. Tinha sido obrigado a ir à festa de Francis. Não bastava ser obrigado, a festa tinha que acontecer justamente em um navio. Estavam afastados da costa, a qual François fitava enquanto fumava um cigarro. Queria ter ficado em casa, talvez caminhar na praia e ver seu “anjo”.

Murmúrios ecoaram pelo navio, chamando sua atenção. Não porque estava interessado nas fofocas, mas sim por estar barulhento demais. Quando foi averiguar a causa, viu um grupo de pessoas um tanto mal vestidas, reconheceu duas camisas suas em dois deles. Aquele grupo tinha entrado na cabine destinada aos três príncipes e roubado suas roupas, mas não era isso que chamava a atenção das pessoas e sim o fato de serem os seres mais belos que já vira. Os olhos de François se arregalaram ao pousar em uma das moças.

Já a vira antes, algumas vezes, na praia durante a noite. Nas primeiras vezes estava completamente nua e mesmo assim o peitava e discutia com ele. Tinha o temperamento das ondas do mar quebrando nas pedras. Deu um casaco para que se vestisse e desde então, sempre que a via, estava com ele. Passavam noites a fio conversando ou brigando e mesmo assim, pouco sabia sobre ela, apenas o seu nome.

Quando o grupo se dispersou e começou a socializar, ele caminhou até uma das moças que usava um dos vestidos de Charlotte. Ela chamava mais atenção do que gostaria, também, era a mais bela moça que qualquer um daquele navio tinha posto os olhos, nem mesmo nobres e reis de reinos distantes tinham visto beleza igual. No entanto, François sabia bem que o que aquela criatura tinha de beleza tinha de grosseria, parecia um gorila em pele de Anjo.

— Angelina?

— François? Resolveu vir à festa?

— Fui obrigado.

Mas tinha valido à pena, tinha encontrado seu anjo de novo.

==========//==========

Afonso começou a achar que ter subido no navio não tinha sido a pior das ideias. Era uma festa, todos comiam e dançavam alegremente, apenas gostaria de não ser o centro das atenções. Alguns o olhavam com repugnância, mas a maioria o olhava com desejo, assim acontecia com Antonio, Andrés e Masud, embora as pessoas estivessem mais interessadas nas bundas de Antonio e de Andrés, mas na de Drés do que na de Tonio.

O tritão olhava para as pessoas dançando, mas também tomava conta de seus parentes. Via Gabriel provar os doces, Tamina dançava, Joel não parecia confortável, mas conversava com algumas pessoas. Andrés, que antes tinha a bunda mais admirada que a de Antonio, tinha desaparecido junto de Filipe. Angelina parecia conversar com um cara que ele não gostou.

— Admirando a festa?

Por um instante, seu coração deu um pulo ao ver os cabelos loiros de relance, mas ao olhar o rapaz loiro de olhos cor de safira, ficara desanimado. Aquele não era o loiro que esperava ver.

— Ah, é... É uma bela festa.

— De fato é uma bela festa, mas não é tão bela quanto você.

Afonso corou, estava sem palavras. Começava a se perguntar o que aquele homem queria.

— Ah, er... Obrigado.

— Eu vi quando vocês chegaram. Eu nunca os vi, de onde são?

— Somos de um reino muito longe, não costumamos aparecer em público.

— Entendo. Gostaria de dançar?

— Eu?

— Sim.

Hesitante, Afonso aceitou. Era uma dança, que mal poderia fazer? Ele dançou com o homem, que era o mais bem vestido do navio. Há tempos não se sentia bem dessa forma.

— Qual o seu nome?

— Afonso, e o seu?

— Francis. – Estranhou, pois todos o conheciam como o príncipe herdeiro e aquele era o seu aniversário de 18 anos.

A noite estava perfeita, nada poderia estraga-la. Nada a não ser uma tempestade se formou, ondas gigantescas começaram a quebrar no casco do navio. O capitão tentou levar o navio até a costa, mas a cada onda, parecia que o navio iria virar. Raios iluminaram os céus e uma forte chuva castigou a todos. Um raio atingiu o navio, o fogo começou a se alastrar.

As pessoas correram desesperadas até os botes do navio, outras, pularam no mar para se salvar. Francis correu para ajudar a pôs as pessoas nos botes e Afonso foi ajudá-lo. Não sabia o porquê de estar fazendo isso, era apenas um impulso. Os outros tritões não perderam tempo em pular no mar, apenas Afonso continuava no navio.

— Fonz!

— Biel!

Gabriel não tinha pulado. Estava assustado com o fogo. O mais novo correu até Afonso e o abraçou. O mais velho pegou sua mão e foi até a borda para pular, mas não o fez. No exato momento em que Francis tinha cortado as cordas do último barco, um raio atingiu o mastro do navio. O mastro iria cair em cima do príncipe. Afonso não pensou duas vezes, mandou Gabriel pular, correu até Francis e se jogou em cima dele. As pessoas ali presentes viram o navio afundar, perto da costa.

=========//=======

Francis agradeceu a deus ao sentir a areia em suas mãos. Tossia e cuspia água, seus olhos ardiam por causa do sal. O dia começava a amanhecer. Ele não sabia como conseguira forças para nadar até a costa. Lembrando-se dos eventos do navio, começou a procurar desesperadamente por um sinal do jovem que o salvara. Procurou pela beira da água quando viu a criança da noite anterior entre as pedras. Ela tentava soltar algo.

Ao se aproximar, os olhos de Francis se arregalaram. O jovem da noite anterior, de nome Afonso, estava deitado, preso nas pedras, com um pedaço de madeira atravessando sua cauda verde água.

==========//==========

Afonso acordou com a brisa marinha acariciando seus cabelos, que estavam soltos por sinal. Sentiu algo macio debaixo de si.

— Bastião?

— Fonz, você está vivo!

— Gabriel?!

Rapidamente, se sentou, ao mesmo tempo em que foi abraçado pelo menor. Afonso retribuiu o abraço.

— Por um instante, eu pensei que estivesse morto.

— Biel, calma, não vou te deixar tão cedo, irmãozinho.

Quando se soltou, Afonso olhou melhor o cômodo em que se encontrava. Estava em um quarto amplo e requintado, os móveis de mármore branco combinavam com o piso, a brisa marinha brincava com as cortinas da janela. Ele retirou o lençol e viu que sua cauda eram pernas e ambas tinham ataduras brancas. Ele vestia um camisão branco enquanto Gabriel possuía as mesmas roupas da noite anterior.

— Onde estamos, o que aconteceu?

Antes que Gabriel pudesse abrir a boca, Francis adentrou no quarto.

— Oh, vejo que acordou, mon ami.

— Francis?! Onde é que eu estou?

— Está no meu castelo. Eu o encontrei desmaiado na praia e o trouxe para cá.

— Fonz, ele sabe que somos tritões.

— S-Sabe?

Uma gota de suor frio escorreu pelo rosto de Afonso. Ele estava pálido, esse era um segredo do qual ninguém da superfície podia saber.

— Está tudo bem, ele não contar. – Garantiu Gabriel.

— Como sabe?

— Porque ele prometeu.

— M-Mas...

— Hohoho, não se preocupe, mon ami. Pretendo manter a minha palavra. Tente descansar, você precisa se recuperar.

— Francis!

Charlotte entrou no quarto sem bater na porta.

— Aconteceu algo, Lotti?

— O príncipe Arthur chegou e exige falar com você. – Ignorou o apelido vergonhoso.

— Estou indo. Poderia avisar a Júlio que Afonso acordou e pedir à Aurora que providencie as roupas necessárias?

— Perfeitamente. – Ela saiu apressadamente.

— Se me dão licença, eu preciso resolver um assunto. Se precisarem de algo, deixarei Aurora à disposição.

— Obrigado.

Francis saiu do quarto, deixando os dois irmãos sozinhos.

— Fonz, você está bem? Parece estranho.

— É que... Não é nada. Os outros, onde estão?

— Eu não sei. Acha que devo procurá-los?

— Por favor. E tome cuidado.

Gabriel assentiu. Saiu rapidamente do quarto. Ele se lembrava de ter visto somente Afonso, talvez os outros estivessem no mar.

============//==========

François acordou na praia que sempre encontrava Angelina, mas dessa vez estava sozinho. Como tinha parado lá, nem ele sabia, pois tinha sido arremessado ao mar durante a tempestade. Acabou retornando ao castelo. Ao chegar à porta, viu a comitiva do príncipe Arthur. Talvez pudesse brincar com ele mais tarde.

A o adentrar no castelo, viu Francis discutindo com Arthur, um homem loiro de olhos verdes como esmeraldas e grossas sobrancelhas, e com seu irmão mais velho, Seamus, um homem de cabelos castanhos, olhos verdes e sobrancelhas menores que as do irmão, além de ter uma voz de esquilo irritante.

— Arthur, eu já te disse que não vou lhe dar a mão de Charlotte em casamento.

— Por que não?

— Porque você não a ama, mon ami. Eu não posso deixar que minha irmã se case com alguém que não a ama.

François os deixou com suas conversas e foi para o quarto. Sua cabeça latejava. Não devia ter bebido tanto vinho naquela noite.

==========//==========

Andrés era o mais calmo de todos os seus primos. Falava pouco, quase não sorria, não se importava muito com os outros, mas naquela hora estava preocupado. Ele e os outros passaram a noite inteira procurando Afonso e Gabriel. Os tritões não estavam no navio naufragado e eles tampouco podiam retornar ao reino sem os primos. Seu irmão Filipe tivera um ataque de pânico, que Andrés conseguiu controlar e prometera encontrar Afonso e Gabriel, custe o que custasse.

— Eles não estão em lugar nenhum! – Exclamou Tamina após procurar pelo navio pela enésima vez.

— Onde será que eles estão? – Perguntou Joel, muito preocupado.

— Eles têm que estar em algum lugar! – Disse Antonio. – Eles não podem ter sumido assim.

— Nós vamos encontrá-los. – Disse Masud, que lutava para manter o autocontrole.

— Krakens! Onde será que eles se meteram?! – Questionou Angelina.

— O que acha, Drés? – Perguntou Filipe.

— Vamos continuar.

Os tritões os procuraram por mais algum tempo até Gabriel aparecer. Exclamações de felicidade e preocupação foram ouvidas e o sufocaram com abraços, todos menos Andrés e Filipe.

— Onde está o Afonso? – Perguntou Joel.

— Não se preocupem, ele está bem. Ele está no castelo do Francis.

— Quem é Francis? – Perguntou Antonio.

— Ele mora em um castelo lá em cima. Ele salvou Afonso.

— Nesse caso, vamos para lá. – Decidiu Angelina.

— Você está falando sério? – Perguntou Masud. – Ir até a costa?

— Lógico! Se voltarmos sem o Afonso, nossos pais e avós nos esganam.

Os tritões acabaram por ir até a superfície. Precisavam trazer Afonso de volta a qualquer custo.

=========//=========

— Como está se sentindo? – Perguntou uma moça de cabelos cor de ouro e olhos do mais puro mel, só podia ser Aurora.

— Bem, senhorita. Obrigado.

— Fico feliz. O príncipe Francis pediu para que providenciasse roupas, mas onde está o...?

— Fonz, eu voltei!

Gabriel tinha retornado com a parentada toda. Afonso arregalou os olhos enquanto Aurora ficou de queixo caído. Teria que arrumar roupas para todos eles? Antonio e Tamina se jogaram na cama e o abraçaram, fazendo-o soltar um gemido agudo de dor. Eles o descobriram e analisaram as pernas.

— O que aconteceu?! – Tami estava realmente preocupada.

— Não foi nada.

— Vocês poderiam largá-lo, por favor? – Júlio, o médico do reino. – Eu preciso examiná-lo e trocar as ataduras.

A dupla se afastou e deixou o médico trabalhar. Joel não atirou os olhos por um minuto. Via como Júlio trabalhava e ficava encantado com o que fazia. Algum tempo depois, Afonso estava com as ataduras trocadas e Francis tinha aparecido no quarto. Ele ficou surpreso com o tanto de gente que havia ali.

— C-Como entraram aqui?

— Eu os trouxe. – Sorriu o caçula do grupo.

Francis olhou para Aurora, mas a mesma estava tão perdida quanto ele.

— Francis, esses são meus irmãos Antonio e Joel, o Gabriel já conhecia. – Achou por bem apresentar. – Os outros são meus primos Andrés, Filipe, Masud, Angelina e Tamina.

— Encantado em conhecer a todos. Sou o príncipe Francis.

— Prazer. – Disseram alguns, outros nem ligaram.

— Vossa alteza, receio que ele precisará de descanso.

— Entendo.

— Nesse caso, vamos ficar com ele. – Disse Angelina.

— Eu não saio daqui sem o Poncho.

— Compreendo. Aurora, pode mostrar a eles os seus quartos e ir até à cidade arrumar roupas para todos?

— Perfeitamente, vossa alteza.

===========//==========

Maura era parecida com Aurora, tirando o cabelo negro e os olhos avermelhados. A criada não acreditava no que ouvia.

— Credo, vamos ter que arrumar roupa para esse povo todo, Aura?!

— São as ordens do príncipe.

— Como foi que esse povo entrou aqui?

— E eu lá sei? Soube que o príncipe Arthur está no castelo e trouxe o irmão dele.

— Oh, sério?

Maura adorava as visitas de Arthur. Ele sempre acabava no quarto de François e ela os espionava. Ninguém sabia, mas seu passatempo preferido era espionar casais e quando Arthur trazia Sean, ambos dividiam esse hobbie, mas tinham que manter tanto isso quanto sua amizade em segredo.

===========//==========

— Vamos, Afonso, levante essas pernas.

— Estou tentando.

Após Aurora e Maura retornarem com as roupas, Francis pediu a elas e a alguns criados que os ajudassem a se vestir. No entanto, ele ficou para vestir Afonso pessoalmente. Tentava colocar a calça nele, mas estava impossível. Seus dedos acabavam roçando nas pernas de Afonso ou então ele acabava descobrindo o membro do tritão, o que o fazia corar imenso. Então ele acabava abaixando as pernas e dificultando o trabalho.

Foi uma luta até conseguir enfiar a calça no tritão. Depois disso, tirou o camisão e o ajudou com a blusa. Afonso era bonito, tinha um corpo definido que implorava para ser tocado, no entanto, Francis não o fazia. Afonso o salvara de ser esmagado pelo mastro e agora devia sua vida a ele.

Quando o tritão já estava vestido, o príncipe o ajudou a se levantar. Afonso sentiu uma dor aguda nas pernas e teve que voltar a deitar.

— Não se esforce, mon ami. O médico disse que precisa de bastante repouso.

=========//========

François tinha enfim saído do seu quarto. Ele iria até a adega roubar vinho. Em um corredor, deu de cara com Angelina e outra moça que conversava animadamente com um criado. Diferente da noite anterior, o vestido que ela usava tinha o tamanho adequado e lhe caía bem.

— O que diabos, você faz aqui?! – Perguntou ele.

— Eu é que pergunto. O que você, faz aqui?!

— Eu moro aqui.

— Você está brincando, né?! Por que não me contou?!

— Porque você nunca me contou de onde vinha!

Tamina e o criado de nome Aamir, um homem de cabelo curto e castanho com uma franja comprida caindo de um dos lados da cabeça e olhos ambares, se entreolharam e saíram de perto. Eles que não iriam ficar para ver a briga.

=========//========

— De onde você vem?

Francis tinha pedido para Aurora trazer o almoço de ambos para o quarto. Tinha muito a conversar com Afonso.

— De um reino distante.

— Distante lá em baixo?

— É.

— Pode me falar sobre onde você mora?

Afonso negou com a cabeça.

— Em todo caso, obrigado por me salvar.

— Não me agradeça. Fiz o que me pareceu certo.

— Se não fosse por você, eu não estaria aqui. Eu te devo minha vida.

— Não precisa disso.

— Mas eu quero te agradecer mesmo assim. Obrigado.

Afonso não sabia o que responder. Ao terminar o almoço, um criado foi recolher os pratos. Francis ainda ficou no quarto. Já que Afonso não podia sair da cama, o mínimo que podia fazer entretê-lo.

========//========

Ao cair da Noite, Maura estava escondida com Seamus. Havia uma passagem secreta que dava para a parte de trás de um quadro de dentro do quarto de François. Os dois observavam pelos buracos que tinham nos olhos da pintura. Aguardaram ansiosamente por Arthur.

Assim que François abriu a porta, Arthur se jogou em seus braços e o beijou. Ele ficou surpreso quando François o empurrou.

— O que aconteceu? – Perguntou Maura em um sussurro.

— Eu não sei. Não era para isso ter acontecido.

— Qual é o seu problema?! – Perguntou Arthur irritado.

— O meu problema é que eu já disse para não me procurar mais. Esqueceu que não quero vê-lo nunca mais?

— Mas por quê?

— Porque não sou seu brinquedo que você pode bater à minha porta e usar sempre que quer.

François o pôs para fora e fechou a porta em sua cara. Ele deitou em sua cama e se pôs a fumar. Seamus e Maura ainda estavam perplexos.

— Mas o que foi isso?

— Eu não sei, mas acho que já tinha algo estranho entre esses dois na última visita que Francis fez ao meu reino.

— Como assim?

— Eu não sei direito, Scott tinha me mandado buscar um médico e quando voltei, eles já tinha algo estranho entre eles.

— Oh. Espere, um médico?

— A Emily está grávida.

— Parabéns.

— Eu sei que vocês dois estão aí. – Disse François do nada, gelando a espinha deles.

O loiro caminhou até o quadro e o removeu, revelando o buraco atrás dele. Maura e Seamus se puseram a correr antes que arrumassem mais problemas.

=======//======

No dia seguinte, Júlio tocava os curativos de Afonso. Joel supervisionava o médico junto de Francis, que já tinha percebido as olhadas do jovem tritão em cima do médico.

— Então, Júlio. Quanto tempo Afonso terá de ficar de cama? – Perguntou o príncipe.

— Mais alguns dias. Ele teve sorte de não ter sido grave.

— Entendo. Poderia explicar os detalhes ao irmão dele? Para que ele entenda melhor o que aconteceu.

— Como desejar, vossa alteza.

Júlio saiu do quarto com Joel. Francis sorriu e se sentou na beira da cama. Já Afonso não entendia nada.

— Não seria melhor informar a Antonio ou Masud?

— Non. Deixe os dois aproveitarem um pouco.

— Aproveitar o que?

— Nada, mon ami. – Riu. – Mais alguns dias e você poderá sair desse quarto.

— Agradeço.

— Não precisa me agradecer. É o mínimo que posso fazer por você.

==========//==========

Andrés e Filipe se encontravam debaixo de uma árvore no jardim. O de cauda marrom tinha roubado algumas laranjas da cozinha e as descascava com a faca. Ele entregou uma laranja ao irmão.

— Obrigado.

Filipe não tinha dormido nada durante à noite e tivera outro ataque de pânico. Andrés teve que correr até o quarto dele e dormir abraçado ao irmão. De alguma forma, a presença do outro o acalmava.

— Não vai comer?

Andrés descascou outra laranja e comeu seus gomos. Filipe o observava hipnotizado, mas sentia em seu íntimo que nunca poderia ser correspondido. Apesar disso, só de estar ao seu lado, já se sentia bem melhor.

Os dois ficaram a observar as nuvens no céu. Nunca tinham pensado que veriam algo tão sereno e calmo. Filipe sentiu as pálpebras pesarem e adormeceu, pousando a cabeça no ombro do irmão. Andrés se surpreendeu e sentiu seu coração disparar. Seu irmão dormia tranquilamente, o rosto sereno, os lábios rosados que ainda deviam conter o gosto da laranja. Andrés sentiu uma súbita vontade de beijá-lo, estavam tão próximos e não havia ninguém ali.

Cuidadosamente, tomou os lábios do irmão em um beijo. Como imaginava, ele sentira o gosto da laranja. Filipe acordou de súbito, mas ao perceber que era Andrés, corou e o correspondeu. Aquilo pegou Andrés de surpresa, por um instante, ficou sem reação. Se separou, mas ainda estavam próximos a ponto de sentirem a respiração um do outro. Filipe estava corado, os lábios entreabertos e a respiração acelerada. Se Andrés voltasse a si, iria parar, foi então que Filipe fez a maior loucura de sua vida. Pegou o irmão pela gola da camisa e o puxou para um beijo.

Novamente, Andrés estava surpreso, mas correspondeu. Abraçou Filipe e foi correspondido até nisso. Se beijavam com carinho e ternura, sempre sentiram isso um pelo outro, mas só agora esse sentimento se concretizava. Há muito esperavam por esse momento. Os dois tiveram que se separar mais uma vez, mas não se desfizeram do abraço.

— Amo-te. – Disse Andrés.

— Eu também te amo.

Tornaram a se beijar. Andrés afagava o cabelo de Lipe e o abraçava como se fosse um tesouro, o maior tesouro de sua vida.

==========//===========

Dois dias se passaram. Afonso estava cansado de ficar no quarto. Ele estava melhorando rápido, já podia ficar de pé fora da cama, mas tinha que andar lentamente. Francis, que tinha se tornado um bom amigo de Afonso nesse meio tempo, também estava cansado de vê-lo naquele quarto. O príncipe teve uma ideia e levou Afonso no colo até uma praia deserta perto do castelo.

O tritão ficou feliz em sentir a brisa novamente, em tocar a areia e ouvir o barulho das ondas. O príncipe não perdeu tempo tirou as calças do tritão, deixando completamente nu. Afonso corou.

— F-Francis...?

— Achei que gostaria de dar um mergulho, mon ami. – Disse tirando a blusa dele.

— E-Eu não sei se é uma boa ideia. Alguém pode ver.

— Não se preocupe, estamos sozinhos aqui. Se alguém vir, posso ordenar que não diga nada. Eu sou o herdeiro, está lembrado?

— E-Está bem.

O príncipe tirou suas botas e sua própria roupa, deixando o tritão mais envergonhado ainda. Francis o pegou no colo e o levou até a água. Andou até a água chegar à cintura e abaixou os braços. O contato das feridas com a água salgada ardeu no início, fazendo Afonso se agarrar ainda mais em Francis, mas quando suas pernas se tornaram cauda, a dor passou.

— Está doendo?

— Não mais.

— Quer nadar?

Hesitante, Afonso tirou os braços ao redor do pescoço de Francis e se jogou no mar. Deu uma pequena nadada mais para o fundo antes de mergulhar. Estava feliz de voltar ao mar e poder nadar novamente. Francis foi um pouco mais ao fundo, onde a água batia em seu peito. Afonso retornou para ele.

— Melhor?

— Sim. Não incomoda tanto na água.

— Fico feliz por isso. Daqui a pouco vai escurecer, devemos voltar.

— Podemos ficar mais um pouco?

— Está bem, mas só um pouco.

Afonso sorriu e se pôs a nadar. Francis voltou para a areia e se sentou na beira do mar. Pôs-se a olhar Afonso feliz. Suspirou pesadamente enquanto uma dor invadia seu peito. Isso significava que logo iria embora.

O tritão mergulhou e voltou para o fundo do mar. Seus pais estavam preocupados, talvez devesse ir até eles e dizer que estava bem, mas como explicaria sobre o sumiço dos irmãos e dos primos? Poderia dizer que estavam esperando com que ele se recuperasse, mas seria uma péssima desculpa. Decidiu voltar à superfície, para Francis, o príncipe o esperava.

Ao achegar à superfície, o viu pensativo. Nadou até a areia e se arrastou para o lado dele. Francis tinha os olhos vidrados no horizonte. Afonso não deixou de perceber o quanto ele ficava bonito daquele jeito. Espantou esse pensamento da sua cabeça.

— Francis, está tudo bem?

— Sim, está. Eu só estava pensando.

— Oh.

O silêncio se instalou entre eles. O único barulho que ouviam era o das ondas quebrando de encontro à areia e molhando cauda de Afonso.

— Afonso.

— Pois não?

— Pardón.

— Pelo que?

Francis não falou mais nada. Fez uma carícia no rosto do tritão antes de tomar seus lábios em um beijo. Afonso ficou surpreso, mas o correspondeu automaticamente. Francis o abraçou e os dois rolaram pela beira da água sem quebrar o beijo. Era um beijo quente e ao mesmo carinhoso. O príncipe desceu os lábios para o pescoço de Afonso, mas foi empurrado bruscamente.

— O que foi? – Afonso não o respondeu. – Eu fiz algo errado?

— Não, e só... – Começou, mas não conseguiu terminar. – Quero voltar para o  meu quarto.

Francis suspirou pesadamente, saiu de cima de Afonso e o retirou da água. Enquanto se vestia, o tritão secava sua cauda. Afonso fez questão de se vestir sozinho e de caminhar também, mas não conseguiu ir muito longe sem sentir dor e Francis teve que carregá-lo.

==========//==========

A lavanderia estava agitada. Aurora, Maura, Amir e mais alguns criados trabalhavam enquanto falavam da vida dos patrões.

— Vi vossa alteza Francis levar o hóspede no colo. – Comentou uma criada. – Pelo visto, eles iriam dar uma volta.

— Ah, eu queria ter visto! – Reclamou Maura, que não queria só ter visto, mas seguido também, o príncipe passava muito tempo no quarto de Afonso.

— Por falar em vossa alteza, o que você faz tanto no quarto do príncipe Seamus, Maura?

— Oh, é que o príncipe Francis me pediu para servi-lo. – Ela não podia expor que iam arquitetar planos para espionar casais.

— E você, Aamir? Soube que passa muito tempo com a senhorita Tamina.

Aamir corou violentamente, arrancando risinhos das criadas. Os olhos de Maura brilharam. Iria passar a vigiar os dois.

— E-Ela é uma boa amiga.

— Uma senhorita como aquela amiga de um empregado, não sei.

— Mas é o que é, apenas uma amiga.

— E você, Aura.

— O que tenho eu?

— Já se decidiu entre Amak ou Radek?

— Eu não tenho nada com aqueles idiotas.

Amak e Radek eram dois guardas do castelo. Eles quase não eram vistos e conversavam de uma forma bizarra. Amak tinha o cabelo branco curto e Radek o cabelo preto comprido preso em um rabo de cavalo, ambos com franjas que cobriam um dos olhos. Embora os dois parecessem duas crianças retardadas, eles eram os melhores lutadores do reino.

— Chegamos. – Anunciou Radek.

— Aura está? – Perguntou Amak.

— Está sim.

— Falando nos diabos...

— Não somos diabo, somos demônios. – Tornou a dizer Amak.

— Demônios somos.

Aqueles dois conversavam de forma estranha, coisa que irritava Maura e praticamente todos os criados e os outros guardas. Infelizmente eles eram os mais fortes do reino e eram obrigados a aturá-los. Maura não sabia como sua irmã ficara amiga dos dois, talvez se não passasse tanto tempo espionando casais, ela saberia.

— O que vocês querem.

— Mak e Dek querem falar com você. – Disse o próprio em terceira pessoa.

— Queremos.

— Precisa ser agora?

— Sim! – Responderam em uníssono.

— Está bem.

Aurora respirou fundo e saiu do recinto. Maura aproveitou os cochichos para ir atrás deles. Eles foram ao pombal.

— O que vocês querem falar comigo? Anda que eu tenho serviço para fazer.

Os dois se entreolharam. O de cabelo branco respirou fundo, pela cara, o assunto era sério.

— Marido de Aura vem aí. – Informou Amak.

— Samir também.

Maura sentiu um calafrio percorrer sua espinha e as pernas fraquejarem. Não era possível que ele a tivesse encontrado. Não queria voltar para ele, sabia que seria a sua morte. Aurora não estava em melhor estado, estava tão branca quanto o cabelo de Amak. O albino a abraçou.

— Mak não vai deixar que façam mal a Aurora.

— Dek também não.

— Mak gosta muito de Aurora. – Olhou em seus olhos com sinceridade. – Aurora é importante para Amak.

— E para mim.

Radek pegou o queixo da criada e virou seu rosto para ele. Ele a teria beijado de Amak não a tivesse mudado de lugar e a tirado de perto dele.

— Dek malvado! Aurora é amiga e não brinquedo!

— Mas eu quero brincar com Aurora!

— Não!

— Só um pouco.

— Arrume outra. Aurora é amiga e não brinquedo!

— Sem graça.

Três coisas Maura pôde concluir dessa conversa: a primeira era que os dois idiotas estavam disputando pela sua irmã; a segunda era que se Samir estava mesmo chegando, ela estaria perdida; e a terceira era que Radek também falava na primeira pessoa!

=========//========

François tinha encontrado Angelina em uma sacada. A sereia estava tão entretida observando o mar que não notara sua presença.

— A vista é melhor da torre.

— Oh, não o tinha visto chegar. Alguma razão para estar aqui?

— Apenas procuro um lugar tranquilo.

O silêncio se instalou entre eles. Não que fosse incômodo, estranhamente era reconfortante. François poderia observar melhor as feições da sereia. Era perfeita em cada detalhe.

— Nossos pais devem estar preocupados.

— Então volte para casa.

— Com Afonso nesse estado?

— Então fique.

— Eu não posso.

— Então vai se foder.

— Vai você se foder!

— Já foi mais criativa para xingamentos.

— Eu não estou afim de brigar com você agora.

— Nem eu.

— Soube que terminou com seu namorado.

— Ele não era meu namorado. Nunca tivemos nada.

— Nada além de sexo.

— Isso é verdade, mas já sabia que não iria durar.

— Por quê?

— As pessoas gostam de mim por causa da minha aparência física, do meu status social ou do meu dinheiro.

— Comigo também é assim. Gostam de mim por ser bonita. Já cansei de colocar marmanjo para correr por causa disso.

— Imagino.

— Você foi a primeira pessoa a se aproximar de mim sem se importar om a minha aparência.

— E o único a te aturar.

— Hei! Como se você fosse fácil de aturar!

François não retrucou. Por algum motivo, gostava de brigar com ela, de estar em sua presença e de ouvir sua voz. Gostava dela, não, a amava. Era irônico que logo ele, que não acreditava naquelas besteiras, estava apaixonado logo pela ogra.

Os dois se encaravam sem dizer nada. Não se sabe quem tomou a iniciativa, apenas que estavam tão próximos e selaram os lábios em um beijo calmo e terno. Angelina segurou a nuca do príncipe bastardo e o mesmo a abraçava pela cintura. Os dois só se separaram quando lhes faltou ar.

— Isso está errado! – Exclamou ela processando o que acabara de acontecer. – Nós dois... Isso não pode acontecer!

— Por que sou um bastardo? – Estava irritado.

— Porque eu não pertenço ao seu mundo!

— Pro inferno com esse negócio de classe social! Eu quero você, Angelina! Não por uma noite, eu te quero ao meu lado.

— Mas não pode! Eu não posso ficar com você.

— Tudo bem. Se não sente o mesmo, não vou insistir.

Ele se preparou para sair, mas ela foi atrás e o segurou pelo pulso. O rodeou e o beijou novamente. Dessa vez o beijo era mais necessitado. François elevou uma das mãos aos cabelos negros da sereia. Eles cheiravam a mar.

— Eu também sinto o mesmo, mas nós não podemos ficar juntos. – O abraçou. – Você é o meu maior erro.

— E você é o meu.

Ficaram abraçados por um tempo, apenas refletindo sobre o que acabara de acontecer. Nenhum dos dois queria desfazer aquele abraço.

— Por quê? – Perguntou François.

— Porque somos de mundos diferentes.

— Isso não é resposta.

— Não é o que está pensando. Se insiste, eu poso te mostrar, mas vai ter que prometer guardar segredo.

— Está pensando que eu sou Francis ou as criadas fofoqueiras?

Angelina riu e o guiou até a praia onde se encontravam antes de tudo aquilo acontecer. Retirou o vestido e o deixou na areia. François ficou surpreso com a atitude dela e antes que desse por si, ela tinha avançado para o mar. Quando a água bateu em sua cintura, suas pernas se tornaram cauda. Ela a ergueu para que François a visse.

— Entende agora o que eu digo?

François andou até a água, de roupa e tudo, e a pegou no colo.

— Estou pouco me fodendo para o que você é. Eu gosto de você e te quero ao meu lado e nada, nem mesmo a porra de um rabo de peixe vai mudar o que eu sinto.

Ele a beijou e foi correspondido. Iria ficar ao lado dela e o mundo que se danasse.

=========//=========

No castelo, Maura chorava. Estava desesperada com a possibilidade de encontrar Samir. Aurora ainda era amiga dos dois guardas estranhos. Eles a protegeriam, mas e ela?

— Maura? – Chamou Sean. – Ocorreu algo?

— N-Não.

— Por que choras?

— Ligéia me contou uma história triste. – Forçou um sorriso. – Mas já passou.

Seamus se aproximou dela e limpou suas lágrimas. Não gostava de vê-la chorar, ficava preocupado.

— Deve ter sido uma história bem triste para te fazer chorar desse jeito.

— E é, mas deixemos de falar dela. Veio caminhar?

— Na verdade, eu estava te procurando.

— Oh, há alguém brincando há essa hora?

— Não. Eu tenho algo a te pedir.

— O que seria?

— Arthur e eu iremos embora amanhã. Gostaria que fosse conosco.

O rosto de Maura se iluminou, brotando um largo sorriso. Ela o abraçou pelo pescoço.

— Eu adoraria!

Seamus sorriu. Teria a mulher que amava mais perto dele. Quem sabe não noivavam? Os dois se davam muito bem.

=========//=========

De volta ao quarto, Afonso não parava de pensar no que tinha acontecido. Nem mesmo quando Tamina contou a ele sobre o namoro de Antonio e Masud e de Filipe e Andrés, além do interesse romântico de Joel e Júlio e dela e Amir, conseguiram distraí-lo, embora ele tivesse jurado que iria matar o criado se ousasse tocar em sua prima antes da noite de núpcias. Mesmo quando Gabriel voltou de seu passeio na cidade, no qual fez amigos, conseguiu fazer Afonso parar de pensar naquele beijo.

— Incomodo? – Perguntou Francis batendo na porta.

— Não.

Francis entrou e se sentou na beira da cama.

— Sobre o que aconteceu na praia, me desculpe. Eu não queria te magoar.

— Não magoou. Eu só... Eu amo outra pessoa.

— Oh. Eu não sabia.

— Tudo bem. – Tentava conter o choro. – Eu nunca disse a ninguém.

Por impulso, Francis o abraçou. Deixou com que chorasse em seu ombro o tempo que precisasse.

— Tudo bem se não quiser falar sobre isso.

— Até hoje eu aguardo o retorno dele, embora seja improvável.

— Por que acha isso?

— O navio dele desapareceu durante uma expedição. Nunca mais foi visto, mas acredito que possa voltar.

— O nome dele era Sebastião?

— Você o conhece?

— Afonso, eu receio que ele nunca mais vá voltar.

— Por que todos dizem isso?! – O empurrou.

— Afonso, isso aconteceu há mais de 50 anos. – Afagou seu cabelo, mesmo tendo sido empurrado. – Supondo que ele ainda esteja vivo como acredita, ele teria mais de 70 anos. Eu não sei como é com os tritões, mas nós humanos mal chegamos a 70, é um milagre se algum chegar aos 100.

Afonso tornou a chorar e dessa vez abraçou Francis por conta própria. Tritões e sereias podiam viver por muito tempo, talvez chegassem até os 500 anos.

— Tem mais uma coisa que preciso te contar, mon ami, mas não sei como vai reagir.

— O que? – Sentiu seu coração apertar.

— Quando éramos crianças, Charlotte encontrou um pedaço do navio de D. Sebastião na areia.

Aquilo fez o coração se Afonso disparar. Desde que o navio de Sebastião desaparecera, ele nunca mais tinha retornado à superfície. Estava triste, magoado e não queria ouvir que ele estava morto.

— Onde está?

— Meu pai devolveu ao reino dele quando pagou o resgate.

— Pode me levar ao lugar onde ela achou?

— Posso, mas faz muito tempo.

— Eu sei, mas eu quero saber o que aconteceu...

— Está bem, iremos amanhã. Mas até lá, trate de descansar.

.Afonso assentiu. Ele sorria ao mesmo tempo em que seu coração se apertava. Iria desvendar o mistério de 50 anos.

==========//=========

Tim não conseguia dormir. Mesmo após uma exaustiva noite de sexo com sua irmã Laura, ele não conseguia dormir. A imagem de Afonso beijando um humano enquanto rolava na areia não saía de sua cabeça. Tudo bem que a fama de Afonso se alastrava pelo reino, mas pelo menos ele o tinha para si quase todas as noites e poderia tê-lo sempre que quisesse. Um mísero humano não iria tirá-lo dele, não outra vez. Dera um jeito em Sebastião e poderia dar um jeito em Francis também. Afonso lhe pertencia.

=========//========

No dia seguinte, Arthur e Seamus foram embora levando Maura. Francis já imaginava que os dois andavam juntos pelos cantos, então não via problema. Ele levou Afonso no colo até a carruagem. A praia onde o pedaço do navio foi encontrado era mais distante do castelo. A carruagem parou antes de chegarem a praia e Francis carregou Afonso no colo pelo resto do caminho, pois não queria ninguém por perto.

— Foi aqui. – Apontou Francis.

— Talvez o navio esteja em algum lugar mais ao fundo.

— Quer descobrir?

Afonso arrancou toda a sua roupa e se pôs a nadar. De fato, o navio se encontrava mais ao fundo. Não havia nome no casco, talvez tivesse sido essa a parte que Charlotte encontrara quando criança, ele reconheceria aquele navio em qualquer lugar. O tritão sentiu seu coração se apertar.

Afonso investigou o navio e os esqueletos ao redor dele. Apesar das roupas rasgadas e deterioradas pelo tempo e pelo sal, nenhuma delas parecia ser de Sebastião. Procurou por algumas das joias que o identificasse, ele se lembrava que tinha dado um anel com uma serpente talhada, mas não o encontrara perto de nenhum corpo. Uma luz se acendeu para ele, e se seu amado ainda estivesse vivo como acreditara a vida inteira.

— Procurando por algo?

— Ah, Tim. O que faz aqui?

— O que houve com sua cauda?

— Ah, isso? Foi um acidente.

Tim não gostou de vê-lo machucado. Ele pegou Afonso pelo pulso e começou a nadar com ele.

— O que está fazendo?!

— Irei levá-lo de volta ao reino.

— Eu não posso voltar. – Puxou a mão de volta. – Eu preciso descobrir...

— Ponha na cabeça que seu Sebastião está morto.

— Como sabe do Bastião? – Estava surpreso, pois nunca contara a ninguém sobre Sebastião.

— Você me disse sobre ele.

— Não, eu não disse. Tim, como você sabe sobre o Bastião? Como sabe eu estaria aqui e que eu procurava algo?

— Isso não importa.

— Importa para mim! Ele é o amor da minha vida e deve estar em algum lugar.

Tim o segurou pelos ombros. Afonso não soube explicar o porquê, mas estava com medo dele.

— Sebastião está morto, não vê seu navio naufragado? – Como ele sabia que aquele era o navio do seu Bastião? A menos que... – Mas eu ainda estou aqui.

Tim o beijou, não da forma terna como antes. O beijo era obsessivo e cheio de desejo. Afonso tentou se soltar, mas o maior era forte e o segurava a ponto de machucá-lo. Afonso seria seu, nem que fosse à força. Ele o deitou na areia, segurando firmemente seus pulsos, e atacou o pescoço do moreno, chupando-o com força. Afonso gritava de dor, mas ninguém o ouviria. O local estava deserto e Francis estava longe. Fechou os olhos e esperou pelo pior.

Afonso sentiu Tim ser arrancado de si como se uma corrente marítima o tivesse pegado. Ele viu um monstro gigantesco, uma espécie de serpente gigantesca com nadadeiras. Era feia e sua pele parecia um monte de rochas. Junto ao monstro estavam seu avô e o seu pai. Viriato não perdeu tempo, pegou Afonso no colo e o levou para um lugar seguro.

— P-Pai?

— Está tudo bem, Fonz. Apenas se acalme.

— M-Mas e o vovô?

— Ele vai ficar bem, Fonz. O deus leviatã está ao seu lado.

Foi então que ele engoliu em seco. A criatura que vira era o próprio leviatã, o deus do reino deles.

— Eu sei que tem muitas perguntas, Fonz, mas temos que ir ou seremos devorados.

Um calafrio percorreu o corpo de Afonso. Viriato se escondeu em uma caverna. Ainda tinha o filho no colo e o embalava como se dissesse que estava tudo bem. O tritão não conseguia parar de se preocupar. Horas intermináveis se passaram quando seu avô surgiu na caverna com a coroa do reino na cabeça e o tridente. Mais perguntas surgiram na mente do jovem tritão.

— Eu sei o que está pensando, mas não se preocupe, Tim está vivo, apenas foi exilado. – Disse o avô.

— Então, por que a coroa?

— Porque eu sou o legítimo rei deste reino.

Afonso engoliu em seco. Não, seu avô não poderia ser rei. Toda sua vida ele vivera fora do palácio.

— Filho, antes de qualquer julgamento, ouça o que seu avô tem a dizer.

— Antes de você nascer, não, antes mesmo de seu tio Adir nascer, eu governava este reino. Era um porre, problemas para todo lado, toda hora aparecia um para encher o meu saco e eu tinha que escolher uma esposa. Foi então, que eu fui à superfície, pelo menos assim ninguém me procurava. Foi então que eu conheci a sua avó.

— Mas a vovó é uma sereia.

— Sua avó é uma humana, eu que a transformei em sereia, assim como Duha.

— O senhor, pode fazer isso?!

— É claro, eu descendo do próprio leviatã. Assim como você, seus irmãos e seus primos.

Afonso não conseguia acreditar no que ouvia. Ele, descendente do próprio leviatã? Seu avô um rei? Devia estar enlouquecendo.

— Isso não pode ser verdade... Como...?

— Deixa eu terminar, cacete! Quando eu me casei com Duha, a corte não parou de encher o meu saco. Uma esposa humana transformada era demais, mas duas?! Para evitar mais escândalos e qualquer ato que pudessem fazer a elas ou aos meus filhos, e renunciei à coroa e a entreguei ao meu melhor homem, o pai de Tim.

— Mas você poderia ter invocado o deus leviatã mais cedo e evitado tudo isso. – Disse Viriato.

— E para que, Viriato?! Acha que aquilo lá é vida?! Eu vivi a minha vida cheia de regras, gente enchendo a porra do meu saco, eu queria ser alguém normal com duas esposas e filhos! Eu dei a você e aos seus filhos a liberdade que vocês nunca teriam se estivessem no palácio.

— O que aconteceu depois? – Perguntou Afonso.

— Aconteceu que vocês foram criados com mais liberdade. Eu vi o que aconteceu naquela noite e infelizmente Tim também. Na noite que isso aconteceu. – Esfregou a mão cuidadosamente sobre a ferida de Afonso. – Quem você acha que invocou aquela tempestade. Não fui eu.

— Se você viu, por que...?!

— Porque nós só percebemos quando o mar se agitou. – Respondeu Viriato. – Quando chegamos, só vimos Tim indo embora e vocês saltando do navio. Eu ia te pegar junto com Gabriel, mas alguém resolveu te ajudar antes de mim.

— Francis.

— É. Depois disso, passamos a vigiar vocês de longe. Ou acha mesmo que íamos deixá-los sem proteção na superfície?

Afonso estava boquiaberto. Não os vira por um segundo.

— Temos nossos meios. – Respondeu o pai antes que ele perguntasse.

— Para resumir a história, eu invoquei o deus, ele julgou a mim e Tim, me pôs de volta ao trono e baniu a família dele do reino e quase destruiu aquela bagaça também, só de raiva por ter sido acordado. E comeu alguns nobres da corte e o conselheiro.

— Como esperado dele. – Riu Viriato.

— Vamos voltar, Viriato. Há muito trabalho a fazer. Você vem, Afonso?

— Eu tenho que fazer algo antes.

— Claro que tem. – Disse o pai, o abraçando e dando tapinhas em suas costas. – Boa sorte.

Afonso sorriu. O pai e o avô nadaram de volta ao reino e ele retornou à praia. Como esperado, Francis estava preocupado, mas Afonso garantiu que ele estava bem. Afonso se vestiu.

— Encontrou o navio?

— Sim, mas não encontrei o Bastião. Ele pode estar vivo, em algum lugar.

===========//=========

Uma multidão se aglomerava na praça. Murmúrios se alastravam como a peste. Os guardas do rei tentavam isolar a área a todo custo. Dois estrangeiros que pareciam ser nobres estavam mortos. Aurora abriu caminho entre a multidão. Abriu a boca em choque ao reconhecer os corpos. Eram de seu marido e do marido de sua irmã. Eles quem as agrediam e de quem elas fugiram à vida toda. De repente foi como se um terrível pesadelo tivesse acabado, mesmo que de uma forma trágica. As testemunhas diziam que tinha sido o próprio diabo que os matara. Alguém a levou para longe de cena, era Amak.

— Aura, está livre!

— M-Mak?! Mas como...?

— Amak disse que ia proteger Aurora. Agora Aurora está salva! – Sorria. – Está salva, Aura!

Ele a pegou e rodopiou pela rua. Sorte a deles que ninguém passava pelo local. Ela estava livre e aquilo era um grande alívio, mas ao mesmo tempo um temor se apoderou dela.

— V-Você fez isso?!

— Mak e Dek.

— Mak, se eles descobrem que foi você...!

— Não vão. – Disse Radek surgindo literalmente do nada.

— Vão não.

— Como podem ter tanta certeza?

— Porque sim! – Responderam em uníssono.

Os dois riram e sorriram. Foi quando Aurora notou as sombras que eram projetadas na parede de uma casa. As sombras tinham chifres, asas e um rabo felino, além de orelhas arredondadas como as de um leão. Amak e Radek se puseram a andar, pois tinham trabalho a fazer, e as sombras sumiram junto com eles.

===========//===========

A carruagem de Francis parou ao cruzarem a cidade. A notícia da morte dos estrangeiros já circulava e Francis teve que tomar providências. Afonso aproveitou para andar pela cidade, era a primeira vez que pisava nela. Viu Gabriel com algumas crianças, ele sorriu vendo que o menor estava feliz.

Uma loja chamou a atenção do tritão. Era uma padaria com pães e bolos fresquinhos. Afonso não tinha comido nada desde o café da manhã. Poderia pedir algo e pôr na conta de Francis. Ele adentrou no local rudimentar. Havia uma moça amassando a massa, um rapaz varrendo o chão e o dono dando instruções enquanto estava no balcão para atender os clientes.

O dono era um senhor de idade que antes tinha sido vigoroso em seu tempo. Tinha as mãos duras de tanto amassar pão e em seu dedo havia um anel de serpente talhada. O idoso ergueu os olhos para escutar o pedido do freguês. Ele se surpreendeu ao vê-lo.

— A-Afonso?

— Desculpe, senhor, mas eu não o conheço.

— Sou eu, meu amor. Reconheces? – Mostrou a ele o anel. – Foste tu quem me dás-te!

O queixo de Afonso caiu, seus olhos se arregalaram e seu coração disparou. O idoso saiu detrás do balcão e mandou seus empregados saírem do estabelecimento, queria ficar a sós com o tritão.

— S-Se-Se-Sebastião?!

— Sou eu, meu amor. – Acariciou o rosto do amado. – Não sabes o quanto procurei por ti.

— Sempre soube que estavas vivo, Bastião. – Ele chorava de alegria.

— Deus sabe o quanto tentei retornar ao meu reino e não consegui. O quanto esperei para ver teu rosto, meu doce Afonso.

Afonso não sabia o que dizer. Nunca estivera tão feliz em toda a sua vida. Se aproximou e beijou seu amado, estava nos braços dele novamente.

==========//==========

Dois anos se passaram desde então. Hanno tinha voltado a reinar e agora vivia atarefado no castelo. Sorte a dele que tinha suas esposas e seus filhos para ajudar. Antonio e Masud se casaram assim que retornaram ao reino, assim como Andrés e Filipe. Tamina se casou com Aamir, o qual Hanno transformou em tritão para que vivesse no reino.

Angelina decidiu ficar em terra firme com François e com ele teve Aisha e Chantel. Aisha era uma linda menina parecida com ela com a pele alva, olhos roxos como ametistas e longos cabelos negros, ela tinha nascido com a cauda púrpura. No futuro, ela se tornaria ainda mais bela que a mãe. Já Chantel era uma linda menina de pele morena, cabelos loiros e olhos castanhos que tinha nascido com uma cauda coral.

Joel também decidiu ficar em terra firme e se casou com Júlio, o médico. Gabriel continuou vivendo no mar, mas vez ou outra voltava para brincar com seus amigos. Seamus e Maura se casaram e só anunciaram quando retornaram ao reino de Francis. Aurora continuou amiga de Amak e Radek, afinal era melhor tê-los como amigos do que como inimigos. Francis se tornou rei e continuou amigo de Afonso.

Já Afonso teve mais histórias para contar. Pediu ao seu avô que devolvesse a juventude de Sebastião. Após se tornar jovem de novo, Sebastião deixou a padaria e adquiriu um barco. Ele e Afonso viajaram para onde seus corações os levassem e se amavam praticamente todas as noites.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Reviravoltas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.