Sophia escrita por znestria


Capítulo 26
Edimburgo




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Quando o mundo parou de girar, Sophia percebeu que dera de cara com um vaso muito grande e muito pesado. 

Seus olhos se arregalaram enquanto assistiu, em câmera lenta, ao vaso tombar no chão e se quebrar em milhares de pedacinhos, fazendo um barulho horrivelmente trágico. A garota soltou um arquejo apavorado - o vaso era, provavelmente, inestimável. 

“Focê ecstá pem?” perguntou Viktor. 

Ela fez que sim com a cabeça, ainda sem conseguir tirar os olhos dos destroços no piso.

“Este vaso provavelmente era de centenas de anos atrás.” 

“Non tem prroblema”, ele respondeu, se aproximando. Tirou a varinha do bolso. “Reparo.” 

E, magicamente, os minúsculos fragmentos de porcelana foram se juntando, flutuando e se recompondo no ar até formarem a bela forma sinuosa do vaso. Sophia piscou. O vaso estava perfeitamente restaurado. 

Ela começou a rir. “Obrigada, Viktor.” Virou-se para encarar o olhar confuso do garoto. “Por um momento, esqueci que era bruxa. Acho que ainda não me acostumei a poder usar magia a qualquer momento, em qualquer lugar.” 

Ele abriu um sorriso divertido e pegou sua mão. “Famos?” 

“Vamos.” 

Sophia mal conseguia acreditar que haviam realmente conseguido aparatar de Hogsmeade a Edimburgo. Ou, pelo menos, ela e Viktor haviam. Ainda não tinham visto os amigos, e Sophia começou a preocupar-se. 

Estavam saindo da sala quando um guarda apareceu, sem fôlego.

“Ei!” ele gritou em sua direção. “O que vocês estão fazendo aqui? Esta área é proibida para visitação!” 

“Ah, desculpe-nos”, apressou-se em dizer Sophia. “Nós nos perdemos. Poderia apontar em direção à capela?” 

O guarda olhou para os dois com uma cara desconfiada. “Eu ouvi o barulho de algo quebrando aqui.” 

Sophia e Viktor se entreolharam, fingindo ignorância. “Não ouvimos nada. Talvez tenha sido lá fora?” E, antes que o guarda pudesse contestá-los, continuou: “A capela é para este lado?” 

O guarda tinha os olhos semicerrados, escaneando a sala em busca de algo quebrado. Quando percebeu que não conseguira encontrar nada para acusá-los, relaxou a postura, embora ainda com uma voz rígida. “Venham, eu acompanho vocês até a saída.” 

Os três seguiram, em silêncio, pelos corredores. Sophia percebeu que Viktor admirava o local, mas não se atreveu a dizer nada em frente do guarda, que ainda tinha uma conduta nada amigável. Quando finalmente chegaram à porta que dava para o pátio, o homem os parou. 

“Sigam os canhões e depois virem à esquerda. A capela estará logo em frente.” 

“Obrigada, senhor”, respondeu Sophia, tentando ser o mais educada possível.

Antes que pudessem sair, no entanto, o guarda estendeu o braço, bloqueando a passagem. “Posso conferir os ingressos dos senhores?” 

O coração de Sophia parou, e ela virou-se para Viktor em desespero. Ele também parecia desconcertado. Sophia rapidamente entendeu, então, o que deveria fazer. 

“É claro”, ela disse, “devem estar aqui em algum lugar.” Abriu a bolsa e começou a remexer em seu conteúdo. Imediatamente, encontrou sua varinha e a apontou, sem retirá-la da bolsa, ao guarda. “Confundus”, murmurou. 

O homem franziu a testa e piscou rapidamente. Sacudiu a cabeça, como se estivesse acordando de um transe, e finalmente sorriu. “Tudo certo. Tenham um bom dia!” 

Sophia sorriu e puxou Viktor para fora.

“Focê confundiu ele?” 

“Sim”, Sophia soltou a respiração. Ainda estava estupefata com o que tinha acabado de fazer. Era a primeira vez que usava magia em um trouxa, e inclusive para um ato egoísta e provavelmente ilegal. Ainda estava um pouco conturbada quando Viktor parou de andar e virou-se para a direita. 

“Ah”, ele soltou. “Que bonito.” 

Sophia saiu de seus devaneios e redirecionou o olhar para o lado de Viktor. Foi aí que viu o que ele queria dizer. 

Estavam na beirada do terreno, voltados ao muro. Adiante, a vista era espetacular. O Castelo de Edimburgo estava situado no coração da capital escocesa, no topo de um morro. À sua frente, as antigas construções de pedra se desdobravam por alguns quilômetros, e, ao fundo, podiam ver o mar, que se estendia da direita à esquerda, rodeado por campos montanhosos. 

Viktor colocou um braço em volta de Sophia, que recebeu o carinho de muito bom grado. “É lindo, mesmo.” 

O momento de serenidade dos dois, entretanto, foi logo interrompido por ninguém menos que Sean, que surgiu gritando seus nomes.

“SOPHIA! VIKTOR! HAHA! NÓS CONSEGUIMOS!” 

O amigo vinha correndo em sua direção, seguido por Georgie, Fred e Lino. 

“Acabamos aparatando nos estábulos!” ele contou. “Tirando o fedor, foi até bom, porque estavam vazios. Encontramos Fred e Lino numa escada lá perto e subimos aqui! E vocês?” 

“Em uma sala, naquele prédio ali. Um guarda quase nos pegou, mas conseguimos sair.” 

“Irado!” ele guinchou. “Ah, nem acredito que conseguimos!” 

Sean continuou rindo histericamente e dando pulinhos de excitação junto com a namorada. Fred adiantou-se e apontou para os canhões.

“Que diabos são essas coisas?” 

Sophia explicou rapidamente para que serviam e viu os olhos do garoto faiscarem.

“Demais… Acha que poderíamos usar para fazer fogos de artifício automatizados?” 

“Ah, sim!” ela concordou, entusiasmada. “Só não agora, não aqui, ok?” 

O gêmeo sorriu e não disse nada.

Uma vez agrupados, saíram em direção ao castelo para explorarem. Passearam pelo museu, pelo Memorial de Guerra, pelo palácio e pelas demais exposições. Não demoraram a encontrar Jorge e Rogério, que tinham acabado indo parar na própria capela. 

Às dez da manhã, já estavam saturados da visita. Não se empolgavam mais tanto com castelos, uma vez que moravam em um muito maior e ainda por cima encantado. A própria Sophia estava entediada, pois já havia vindo ao local com os pais quando era criança, e já não sabia mais tanto sobre história trouxa escocesa.  

Saíram do castelo e caminharam, animados, em direção à cidade. Perambularam pelas ruas agitadas do centro antigo de Edimburgo, apontando a toda hora para algo. 

“Ah, um cinema!” exclamou Georgie. “Vamos ver um filme!”

Rogério leu os letreiros. “‘Coração Valente’?” 

Sophia e Georgie deixaram os garotos parados, confusos com seus arredores, e foram à bilheteria perguntar sobre o que era o filme. Aparentemente, era um filme americano sobre a Primeira Guerra de Independência da Escócia. A menina do caixa contou, entediada, que era uma das grandes promessas de cinema do ano, e então voltou a lixar suas unhas.

Decidiram comprar ingressos para a próxima sessão, que era dali a vinte minutos. Enquanto esperavam, Fred e Jorge tiraram pequenos fogos de artifícios de suas mochilas e começaram a brincar, entretendo algumas crianças por perto. Sophia de início se preocupou, pensando que aquilo talvez fosse uma ameaça ao Estatuto Internacional de Sigilo em Magia, mas logo percebeu que os pais das crianças pareciam acreditar que os gêmeos estivessem realizando apenas ingênuos truques.  

Finalmente entraram na sala do cinema. Sentaram-se em uma das primeiras fileiras; Sophia e Viktor ficando no canto. As luzes se apagaram e a tela se iluminou com a projeção do filme.

“É imprressionante”, disse Viktor baixinho. “Non imagino como trrouxas conseguem fazer isso sem magia.” 

Sophia assentiu. “É. Os trouxas criaram seu próprio tipo de magia, a ciência.” 

Viktor sorriu e segurou sua mão. 

Isso é o mais próximo que eu já tive de um encontro normal, pensou Sophia, apesar de estar perfeitamente consciente da presença dos amigos. Era estranho de imaginar que estava ali,  indo ao cinema com o garoto de quem gostava, como se fosse uma adolescente trouxa comum. Como se o garoto que segurava sua mão não fosse um jogador profissional de quadribol internacionalmente famoso. Como se não fossem voltar à sua escola de magia e bruxaria e participar da última tarefa do Torneio Tribruxo. 

Última tarefa, percebeu. O ano letivo ia acabar em pouco mais de 1 mês. 

Sophia sacudiu o pensamento e tentou prestar atenção no filme, mas não conseguiu retirar a inquietude da cabeça durante o resto da sessão.

Quando os créditos começaram a rolar pela tela e as luzes do cinema se acenderam, Sophia percebeu que nem prestara tanta atenção na longa. Pare com isso, ordenou a si mesma. Viktor está bem aqui do seu lado

“Meio sangrento, não acharam?” riu Lino, enquanto saíam.

“Você acha?” respondeu Fred, levantando uma sobrancelha. “Vocês por acaso não ouviram o berro que Sean deu quando a batalha começou? Devem tê-lo ouvido até em Hogwarts.” 

“Os trouxas são bárbaros!” ele exclamou, com um olhar assombrado e um grande sorriso no rosto. 

Georgie suspirou. “Disso eu não posso discordar.” 

“Vamos comer?” pediu Rogério, seguido por uma aprovação conjunta do grupo.

Pararam em um pub ali perto e pediram um almoço abastado. Enquanto comiam, Sean até sugeriu confundirem o senhor que trabalhava no bar a lhes dar um pouco de uísque escocês, mas Sophia descartou a ideia, dizendo que ele não valia tanto a pena quanto uísque de fogo. 

Saíram e continuaram a caminhada pela cidade. Ao passarem por uma loja de brinquedos infantis, porém, Sophia teve uma súbita iluminação. 

“Nós devíamos jogar laser tag!” 

Georgie imediatamente arregalou os olhos e começou a chiar em concordância, enquanto os meninos a encaravam, esperando uma explicação. 

“É um jogo. Nós nos dividimos em times e competimos um contra o outro. Usamos armas de brinquedo, parecidas com estas”, Sophia apontou para uma arma de plástico na vitrine, “e atiramos. Só que ninguém se machuca, pois as armas não têm munição de verdade - elas usam uma luz de laser para saber se você acertou a outra pessoa.” 

Todos ainda pareciam não ter entendido uma palavra que Sophia havia falado. Sean então quebrou o silêncio e se adiantou, dando os ombros: “Não fez muito sentido para mim, mas eu topo. Os trouxas realmente parecem saber como se divertir.” 

“É, vamos nessa”, entoou Rogério. 

Georgie parou de dar pulinhos por um instante. “Você sabe onde encontramos um?” 

Sophia juntou as sobrancelhas. “Eu me lembro de um de alguns anos atrás. Espero que ainda estejam abertos.” 

Ela passou o endereço aos demais e eles se andaram até se depararem com um beco deserto. Separaram-se em pares novamente e aparataram.

Desta vez, Sophia conduziu a aparatação. Ficara nervosa, ainda mais por ser responsável não só por si mesma mas por Viktor também, contudo focou no que Sean dissera - que o importante era a familiaridade com o destino. E Sophia lembrava-se muito bem: do ambiente mal iluminado, do barulho das crianças correndo para lá e para cá, do cheiro de fritura do restaurante ao lado… 

Quando percebeu, todos esses detalhes estavam novamente à sua volta.

“Chegamos”, ela anunciou, aliviada.

Por sorte, a recepção estava tão movimentada que ninguém pareceu reparar no casal que havia acabado de se materializar atrás do balcão. Um funcionário estressado logo chegou e os enxotou para fora, gritando que todos teriam sua vez e que deveriam esperar na fila. Enquanto Sophia e Viktor costuravam um caminho por entre a bagunça, deram de cara com Lino e Fred.

“Ah, aí estão vocês!” Fred cantou. “Que grande confusão, não é? Até parece a plataforma 9 e 3/4 no dia primeiro de setembro.” 

Sophia riu. “Viram os outros?” 

Os dois balançaram negativamente as cabeças, então começaram a procurar os demais amigos na multidão. Jorge e Rogério não demoraram a aparecer, mas Sean e Georgie ainda não estavam em lugar nenhum à vista. 

O casal demorou aproximadamente quinze minutos para aparecerem, esbaforidos, à porta. 

“Fomos parar a seis quarteirões daqui!” protestou Georgie.

“Acabei me confundindo”, explicou Sean. “Em vez de virmos à Clerk St., fomos parar em um lugar chamado Clark’s Treats!” 

Todos caíram na gargalhada, exceto Georgie, que ainda parecia irritada pelo desvio. 

Entraram na fila e um funcionário lhes informou que só haveria horário para o grupo em uma hora. Apesar da demora, o espírito dos amigos não caiu; aproveitaram, portanto, o tempo de sobra para planejar o resto do dia. 

“Nós queríamos muito ir à praia de Portobello”, disse Sophia.

“O lugar é maravilhoso”, complementou Georgie.

Os garotos assentiram.

“Faz tempo que não vou à praia”, comentou Rogério, com um sorriso sonhador.

“Já faz um tempo desde que non mergulho”, cochichou Viktor, fazendo Sophia dar uma risadinha. 

Quando finalmente chegou a vez do grupo jogar, dividiram-se em dois times. Fred e Jorge foram capitães de cada um, pois juntos seriam fortes demais. Georgie, Sean e Lino ficaram no time de Fred, enquanto Sophia, Viktor e Rogério no de Jorge. Parecia uma divisão justa, uma vez que os jogadores mais fortes - Georgie, por ter a boa mira de uma batedora, e Viktor, por ter a visão aguçada de um apanhador - estavam separados. 

“Ok, o plano é o seguinte”, Rogério tomou a liderança enquanto se preparavam. “Fred e Viktor ficam responsáveis pelo ataque, enquanto Sophia e eu seremos a distração.” 

“Você quer dizer que seremos a isca?” Sophia levantou uma sobrancelha. 

“Sim”, respondeu Rogério prontamente. Sophia percebeu que o amigo já havia automaticamente entrado no modo estratégico de capitão de quadribol. “Temos que procurar Georgie e Fred, que provavelmente serão os que mais farão estrago. O Sean deve ser fácil de encontrar, pois é um estabanado.” 

“E tem uma mira ruim”, completou Viktor. 

Sophia arregalou os olhos, preocupada que Viktor ainda guardasse rancor da vez em que Sean o acertara com uma bola de neve, mas a expressão no rosto dele logo se suavizou. 

A partida então começou, e os quatro entraram em campo. Seguiram o plano de Rogério, e sua predição não demorou a se concretizar: Sean rapidamente deu um jeito de trombar em um obstáculo e xingar por causa da dor, denunciando o esconderijo da sua equipe. O time de Sophia prontamente iniciou seu ataque, e os pontos que conseguiram com ele garantiu uma bela vantagem até o final da partida. 

“GANHAMOS”, cantou Rogério, no momento em que as luzes se acenderam. 

Sophia e os três meninos começaram a comemorar, já demandando que o time perdedor pagasse uma rodada de cerveja amanteigada para eles. Saíram do estabelecimento e perambularam pelas ruas até encontrarem um lugar deserto o suficiente para aparatarem. 

Na praia de Portobello, o sol ainda raiava forte. Passaram o resto da tarde lá, descansando na areia, brincando na água (que estava um pouco gelada, mas tolerável) e, por um tempo, Georgie tentou ensinar os meninos a jogar futebol com uma bola que os gêmeos Weasley arranjaram (Sophia nem quis perguntar como a conseguiram). Sophia e Viktor saíram uma hora para comprar sorvete para a turma, mas acabaram tendo que tomar tudo sozinhos, pois o sorvete estava derretendo mais rápido do que Sophia, que estava acostumada com os da Dedosdemel, que não derretiam, havia presumido. 

Após duas horas na praia, já estavam começando a se cansar. Decidiram ir embora, porque assim ainda teriam tempo de passar no Três Vassouras, em Hogsmeade, e beber um pouco de cerveja amanteigada. 

Depois de todas as aparatações do dia, Sophia já estava se sentindo muito mais confiante para viajar de volta a Hogwarts. Aparataram para o mesmo beco de onde haviam saído, que felizmente estava vazio. 

“Sobrancelhas, orelhas, dentes…” Sean começou a listar. “Unhas da mão, unhas do pé… Ah, até a minha verruga ridícula no pescoço. Bom, parece que conseguimos. Viajamos para Edimburgo!” 

Os amigos riram em comemoração. Foram até o Três Vassouras, que já começava a esvaziar, e beberam rapidamente para não perderem o toque de recolher. Voltaram para o castelo, passando novamente por um Filch suspeito, e subiram para seus respectivos dormitórios. Sophia foi direto para sua cama e capotou, adentrando em um sono tranquilo que durou até a manhã seguinte. 


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