Todos os dias escrita por Otsu Miyamoto


Capítulo 1
OneShot




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Todos os dias

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Eu a vejo todos os dias.

Pegamos o mesmo ônibus e ela desce cinco pontos antes de mim.

Ela é totalmente linda. E não é só fisicamente. Essa garota é um exemplo perfeito do clichê 'linda por dentro e por fora'. Ou talvez ela seja tão linda por dentro que ampliou sua beleza exterior.

Ou talvez eu já esteja perdendo a noção das coisas que pairam ao redor dela. Pois desde que a notei não sei fazer outra coisa se não olhá-la.

Seus olhos claros são lindos e atrativos, não só pela cor diferente, mas sim pelo olhar sempre tão gentil que ela transmite.

Um ar jovial, feminino, ronda todo seu ser. Não sei se pelo sorriso sempre estampado em sua face ou pelos gestos, tão sutis.

Ou pela bondade tão evidente. Ela cede seu lugar sempre que possível, segura sacolas e bolsas. Passa informações sobre lugares, já a vi pagar passagem para estranhos.

Sempre tão feliz que comecei a prestar ainda mais atenção nela.

Ela está sempre com o uniforme da escola e uma mochila lilás, porém o penteado nunca é o mesmo. Seus longos cabelos negros ora estão presos em um rabo de cavalo alto, ou com uma longa trança. Ou em um rabo de cavalo com trança.

Ora está com um coque perfeito, às vezes um coque frouxo, ou mesmo parte preso em um coque e restante solto.

Já a vi usar tranças embutidas de todas as formas possíveis. E é claro que eu só soube da existência desses penteados por causa dela.

Só há homens na minha vida. Nunca conheci minha mãe, pois ela morreu no meu parto. Tenho apenas meu pai e um irmão mais velho.

Não tenho nenhuma amiga mulher, pois estudo em uma escola técnica, onde faço eletrônica, numa classe quase absolutamente masculina. As cinco exceções tentaram mais do que amizade, sem nem me conhecer e tantas vezes que as ignoro, sem piedade.

Meus professores são homens, em sua maioria, e as únicas duas exceções dão a entender que gostariam de fazer qualquer outra coisa que não envolvesse dar aulas, então não tenho motivos para prestar atenção nelas.

Para mim, é como se elas usassem a mesma roupa e penteado sempre. Não fazia a menor diferença.

Mas é diferente com ela. Eu percebo a mínima mudança que houver em Hinata.

Sim, eu sei o nome dela, pois em um dos muitos dias em que pegamos o ônibus junto, ela não estava sozinha. Estava com um rapaz loiro muito escandaloso e uma garota de cabelos rosa, muito extravagante. Falavam alto e repetiam seu nome o tempo todo. Pessoas tão diferentes dela que eu não sei imaginar uma amizade entre eles.

Hinata é tímida, eu sei. Apesar de cumprimentar a todos com um enorme sorriso, suas maçãs do rosto estão sempre coradas.

Ela já me cumprimentou também, duas vezes, quando a sorte me abraçou e o único banco livre estava ao meu lado, mas o pânico me impediu de responder qualquer coisa.

Todavia, apesar de não lhe dirigir nenhuma palavra, meus olhares são todos para ela.

Desde o momento em que ela entra, toda alegre e contagiando o motorista com sua alegria, passa pelo cobrador, pelas pessoas que encontra até o banco onde se senta, e até que desce e desaparece do meu campo de visão.

Fazendo-me ansiar o próximo dia.

Nunca mais faltei um único dia de aula, interessado unicamente em pegar o mesmo ônibus que ela.

E algumas vezes, até me sinto coagido a realizar uma boa ação, como ceder meu lugar, influenciado sem dúvidas, por ela.

Algumas poucas vezes, admito.

Hoje, ela está mais perto de mim, de pé, pois o ônibus está mais cheio que o normal. Hinata está de cabelo solto. E eu quero tanto tocá-los que meus dedos até coçam.

Estou ensaiando mentalmente ceder meu lugar a ela, mas confesso que estou nervoso.

Estou no banco do canto e tem uma mulher mal encarada do meu lado.

Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, o ônibus freou de maneira mais brusca e a mochila de Hinata acertou a mulher do meu lado, que explodiu.

— PRESTA ATENÇÃO GAROTA – Disse alto, atraindo olhares – Toma cuidado como você leva essa bolsa, olha como esse ônibus está cheio, vai machucar alguém assim.

Vi Hinata corar e pronunciar um 'desculpe-me' baixo e meu sangue ferveu.

— Uma mochila pesada dessas e você...

— Ela pediu desculpas, não ouviu? – Pronunciei alto, interrompendo a mulher que me fitou chocada – O que mais você quer? O ônibus está cheio, o motorista freou rápido, você não tem que fazer essa tempestade toda.

Meu olhar era duro e sei que transmitia irritabilidade, mas não consegui me conter. Hinata, de todas as pessoas desse ônibus, de todas as pessoas do mundo, do meu mundo, com certeza, não merece esse tratamento.

— Escuta aqui rapaz – A mulher começou azeda, mas logo a cortei.

— Escuta você! Hinata não...

— A culpa foi minha – Eu não fui capaz de dizer nada, pois seus olhos estavam fitos em mim. Segundos depois estava de volta a mulher, mas meu olhar permaneceu em Hinata. Não estava acreditando no que eu ouvi. Não era culpa dela, não era – Me desculpe, eu deveria ter deixado a mochila no chão. Não vai se repetir – concluiu com um pequeno sorriso.

A mulher, que até então possuía uma expressão dura, pareceu analisar melhor a situação.

Não disse nada, apenas suavizou a expressão, levantou-se e deu sinal para descer.

Hinata demorou um pouco, mas sentou-se ao meu lado, pedindo licença.

E eu ainda permanecia com meu olhar fixo nela, sem conseguir pensar direito.

— Por quê? – Foi o que pronunciei. Era a primeira vez que nos falávamos e eu não só queria entendê-la, precisava – Por que você fez isso? Você estava certa, assumiu uma culpa que não era sua. Por que você sempre faz isso? Sempre olhando para os outros antes de você?

Eu estava chateado.  Não sei exatamente o porquê, mas eu estava.

Porém, todo e qualquer sentimento de confusão que eu possuía se desfez com sua resposta.

— É porque eu posso – Hinata identificou a confusão em minha face e continuou – Eu não tenho motivos para não fazer, além do que eu realmente a acertei com a mochila, ela não estava errada.

— Mas não foi de propósito – Retruquei.

— Eu sei. Mas isso não importa. Eu conheço aquela mulher. Quero dizer, só de vista – Sorriu suavemente – Ela costumava ter um belo sorriso, mas há alguns dias ela tem estado triste. Alguma coisa aconteceu com ela.

Hinata me fitou com carinho, como se tentasse explicar um problema de matemática simples para uma criança.

— As pessoas enfrentam todos os dias batalhas que não sabemos. Entre estar certa e ser gentil, é melhor sempre ser gentil.

Eu estava profundamente envergonhado de não conseguir entendê-la. Ao mesmo tempo totalmente admirado por finalmente compreender suas ações.

— Você sabe meu nome... – Ela sussurrou e deu sinal, levantando-se. Eu não consegui dizer mais nada. Apenas a observei se preparar para descer mais uma vez, ainda vislumbrado.

— Espero te ver amanhã também, Sasuke – E então desceu. Me deixando mais uma vez para trás, tentando assimilar as revelações feitas neste pequeno espaço de tempo.

Ainda não decidi qual delas mais me surpreendeu: ela também saber meu nome ou eu finalmente assumir, para mim mesmo, que me apaixonei por ela.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ♥