NICO

O plano de Annabeth parecia loucura mas, considerando que estávamos todos em vários estágios diferentes de cansaço, eu não podia deixar de ver a utilidade e importância dele. Sabe-se lá o que nos aguardava na Pirâmide do Sol. Provavelmente estariam lá no mínimo Naunet e a tal esposa-irmã do Tlaloc que eu já esqueci o nome. 

Eu ainda me sentia um pouco cansado. Não muito surpreendentemente, virar um velhote e voltar ao normal não parecia fazer tão bem assim. Eu poderia facilmente tirar uma soneca, como Sadie e Hazel já estavam fazendo, mas não queria me dar ao luxo disso ainda. Precisávamos de mais gente. E exatamente por isso que Annabeth se viu na necessidade de criar um plano de ataque. Estávamos não só com menos gente, como também estavam todos visivelmente cansados ou começando a se cansar… menos Anúbis ao menos… ele parecia pronto pra outra apesar de ter virado uma múmia alguns minutos atrás.

— Então… temos Frank… Sam… eu posso ir com meu boné também… - dizia Annabeth depois de ter explicado o plano dela - Alguém mais que consegue ficar extremamente discreto? Nico, consegue se esconder nas sombras?

— Elas parecem meio… não sei bem descrever… duras… por aqui. - tentei explicar - Não muito maleáveis. Mas acho que consigo dar um jeito desde que seja só me esconder mesmo.

— Não é o mesmo que esconder nas sombras mas… - disse Anúbis - Consigo me esconder no Duat. Mas se alguém tentar olhar lá, fica bem óbvio.

Eu não entendi completamente a explicação dele, mas pareceu ser o suficiente para Annabeth que afirmou com a cabeça. O plano era compartilhado aos sussurros apesar de Coatlicue ainda estar muito bem desacordada e amarrada com faixas de linho que Anúbis havia feito. Eu não achava que eram as melhores alternativas para algemas e cordas, ainda mais contra uma deusa, e ele concordava com isso, mas Annabeth dizia que seriam perfeitas.

— Hazel consegue se esconder nas sombras também né? - perguntou Percy - Será que ela tá ok para ir também?

— Eu não sei… - respondeu Frank lançado um olhar preocupado para Hazel.

— Sem querer ofender suas indiscutíveis capacidades avançadas de criar planos, Annabeth… - disse Will - Mas esse plano parece ter muita coisa que pode dar errado.

— Eu sei. - disse Annabeth - Eu sei que tem muitas variáveis, muita coisa que depende da sorte… Mas eles não vão estar totalmente sozinhos.

— Ao menos isso… - disse Frank trocando olhares de preocupação com Sam.

— Eu não sei… - disse Rosa olhando para Frank e Sam - Qualquer um no Quinto Sol ou em Ojer kanoq ochoch ficaria preocupado com esse plano só pela parte de depender tanto de Nagual… sem ofensa…

— Eu não entendi uma palavra. - disse Sam - Não sei se devo ficar ofendida ou não.

— Nagual são humanos que conseguem… ahm… não lembro a palavra em inglês mas, basicamente, virar animais e coisa do tipo. - explicou Rosa - Alguns acham mau agouro.

— Oh… - disse Frank levemente surpreso.

Eu, por outro lado, revirei os olhos e cruzei os braços. Tá que boa parte do plano depender do Frank e da Sam realmente preocupava já que eles ficariam praticamente sozinhos, mas toda essa história de mau agouro eu já não conseguia engolir tanto assim. O olhar que Will me mandou disse o suficiente, ele sabia bem o que eu estava pensando.

Só que minha mente logo foi para outro lugar quando eu tive uma ideia. Tirei a mochila das minhas costas e peguei a caixa que estava as águas dos rios do submundo, em agachei e apoiei ela no chão. Ao redor de mim, a conversa continuou, os únicos que pareciam notar o que eu fazia foram Will e Anúbis.

— Vai usar uma das águas? - perguntou Will se ajoelhando ao meu lado.

— Talvez… - eu disse pegando o frasquinho com a água completamente negras do Cocytus - Não sei bem explicar… Estou com uma sensação que temos que usar esse na Coatlicue.

— Melhor não deixar nem uma gota tocar em você quando abrir isso. - alertou Anúbis que prestava atenção na conversa apesar de não ter se abaixado como Will. Também foi nesse momento que os outros começaram a prestar atenção no que a gente falava.

— Essa droga é praticamente depressão líquida. - eu disse e o frasco pareceu até ficar pesado em minha mão ao pensar no que ele carregava.

Eu olhei para nosso grupo que agora já olhavam todos para o pequeno frasco em minha mão. De todos os olhares, talvez os piores fossem de Annabeth e Percy. Eles olhavam com uma expressão pesada para o pequeno frasco e para a caixa. Talvez eles estivessem trazendo memórias ruins para os dois. Memórias do terrível passeio pelo Tártaro do qual ninguém tinha muita coragem de perguntar muitos detalhes além do que eles deram.

— E esse tantinho de água vai funcionar numa deusa também? - perguntou Frank.

— Não custa tentar. - disse Sam - Mas, por meio das dúvidas, talvez seja melhor usarmos tudo que tem dentro do frasco. Até porque já não tem muita coisa.

— E se precisarmos depois? - perguntou Percy.

— Acho que agora é a hora certa. - eu disse - E também que é melhor usar tudo mesmo. Sem falar que nem sabemos quanto tempo isso dura.

— Concordo. Mas… por precaução... Deixa eu segurar essa coisa. - disse Will com um certo receio e muito cuidado, tirando o gentilmente o frasco da minha mão. 

— Não que eu goste de você segurando essa coisa também. - eu reclamei preocupado também olhando para o frasco que, apesar de pequeno, era muito perigoso.

Will suspirou com olhos preocupados e, segurando o frasco em segurança na mão esquerda, levou a mão direita dele até a minha bochecha. Talvez eu tenha ficado vermelho imediatamente. Óbvio que o fato de ter tanta gente ao redor não ajudava em nada meu rosto à ficar da cor normal.

— Não quero arriscar deixar você perto de qualquer tipo de tristeza. Ainda mais de tanto esforço para você ficar melhor e tudo mais. - disse Will.

— Dr. Solace e sua parte psicólogo. - eu disse meio sem graça com a preocupação dele mas entendendo bem o ponto dele, mas ainda assim, eu também fiquei preocupado com ele segurando o frasco. Um frasco daquele com certeza conseguiria acabar com a felicidade até de alguém radiante como o Will - Mas tome cuidado também.

— De toda forma… - disse Annabeth cruzando os braços - Melhor dar a água…

— Se é que dá pra chamar de água.. - comentou Percy.

— Verdade… enfim… - continuou Annabeth - Damos para ela assim que ela der os primeiros sinais de que está acordando. Não sabemos quanto tempo os efeitos da água do Cocytus dura em uma deusa.

— Não deve faltar muito para ela acordar. - comentou Rosa.

— Só nos resta esperar até lá então. - disse Frank.

Dizer que nos restava apenas “esperar” era exagerar um pouco. Nós não simplesmente esperamos. Também descansamos, tentamos ver, mesmo de longe, o que acontecia na Pirâmide do Sol, trocamos informações e essas coisas. Não havia um senso de urgência muito grande porque, segundo Rosa e Alícia, aquela torre de energia, magia, ou sei lá, que saía do topo da Pirâmide do Sol já à várias horas sem nenhuma mudança. Desde antes de chegarmos. Mas também não esperamos tanto assim, talvez apenas uns 5 ou 10 minutos.

— Vocês dois… - disse Will olhando para Percy e Sam - avisem se sentirem qualquer coisa. Choques elétricos são perigosos.

— Estou bem Will, de verdade. - disse Percy.

— Eu também. - concordou Sam se espreguiçando se preparando para sua parte do plano - Vai dar tudo certo.

Sam, Annabeth e Percy estavam de olho em Coatlicue. Qualquer movimento que ela fizesse e eles já alertariam que estava na hora de dar a água do Cocytus para ela. Will então foi para onde Sadie, Hazel e Alícia descansavam para ver se elas estavam bem também e eu o segui. Ao lado de Alícia, estava Rosa conversando com a amiga que parecia bem melhor mas que, um tanto a contra gosto, concordou em ficar para trás para que Sadie e Hazel não ficassem sozinhas. Lá também estavam Anúbis e Frank, cada um preocupado com sua respectiva namorada. Dentre as três garotas, Sadie parecia a mais cansada já que parecia ter usado boa parte de sua magia e, exatamente por isso, Anúbis olhava preocupado para ela enquanto ela tranquilamente dormia. Hazel, por outro lado, começava à insistir em ir também.

— Eu posso ir também. - disse Hazel.

— Tem certeza? - perguntei para Hazel - Você era uma velhinha até uns minutos atrás.

— Você também. - insistiu Hazel e eu bufei sabendo que ela tinha toda razão.

— Hazel… por favor… - pedia Frank com uma cara de cachorro sem dono.

— Não Frank… - disse Hazel suspirando - Precisamos de todos. Não posso ficar simplesmente descansando aqui.

Frank olhou para ela preocupado mas abriu um sorriso triste mesmo assim e afirmou com a cabeça concordando finalmente com ela. Eu bufei um pouco irritado, sabia que Hazel tinha razão, mas óbviamente eu não queria botar ela em perigo também. Toda essa comoção tinha despertado Sadie que, com olhos semi abertos, pareceu ter acompanhado a conversa mais ou menos.

— Eu posso ir lá depois… só preciso de uns minutinhos… - disse Sadie.

— Talvez. - disse Anúbis calmamente embora eu me perguntasse se ele queria discordar como Frank fez… se bem que, pelo o que eu já tinha entendido de Sadie, era capaz de ela insistir ainda mais em ir se ele discordasse - Mas, ao menos por enquanto, você tem que descansar apesar de eu não gostar de deixar você para trás.

Não sei se era lealdade canina no meio, mas Anúbis realmente não parecia ter gostado nem um pouco de perceber que Sadie teria que ficar para trás. Com certeza ele teria ficado ali também, mas Annabeth tinha conseguido convencer ele que, se as coisas dessem muito errado na Pirâmide do Sol, tudo estaria perdido de toda forma e de que ele seria uma boa ajuda lá. Mas isso aparentemente não significava que ele estava disposto a deixar Sadie para trás sem alguma proteção extra.

Assim, naquele momento, ele fez magicamente aparecer o que eu talvez descreveria como um cetro com a ponta superior, feita aparentemente de ouro, meio torta. Ele bateu com a porta inferior no chão e deu dois passos para trás pois, do chão, começou a surgir alguma coisa. Todos nós olhamos meio curiosos enquanto do chão se formava o que parecia uma estátua de um guerreiro com cabeça de chacal e, ao seu lado, depois de um mero aceno de mão de Anúbis, um chacal feito de névoa negra.

— Você tem um estoque infinito de chacais por acaso? - perguntei.

— Infinito não… - disse ele dando de ombros - Talvez uns 2000 anos atrás seria infinito… hoje não mais.

Nessa hora que eu não vou conseguir explicar direito o que aconteceu exatamente, porque a estátua falou alguma coisa numa língua que eu não entendia porcaria nenhuma. Se eu fosse chutar, diria que era egípcio. Anúbis respondeu no provável mesmo idioma, a estátua botou a mão sobre o coração e se ajoelhou brevemente diante dele e então diante de Sadie deixando ela meio sem graça.

— Porque não invocou essa estátua antes? - perguntou Sadie.

— Já estávamos em grande número. - justificou Anúbis dando de ombros - E eu prefiro os chacais.

— Mesmo assim não foi tão fácil… - disse Will.

— Foram três deuses e alguns monstros ao mesmo tempo. Fomos meio que pegos de surpresa. Agora vai ser diferente. - eu disse e Will abriu um sorriso para mim.

— Olha só, alguém está pensando positivamente. - ele disse com um brilho de orgulho no olhar que, por algum motivo, me deixou sem graça.

— Culpa sua… - resmunguei poucos segundos antes de ele me dar um beijo na bochecha.

— Nada a ver mas… - disse Rosa olhando para mim e Hazel - Como é que vocês dois eram… são…. sei lá… tão velhos?

— Ah… longa história mas.. tentando resumir… Eu meio que morri e voltei.- disse Hazel como se isso fosse a coisa mais normal do mundo - Às vezes ainda me surpreendo com algumas coisas.

— Eu não morri. - eu disse - Só fiquei preso no tempo dentro de um hotel mágico idiota em Las Vegas.

— Que loucura. - disse Rosa surpresa com muita razão, era realmente uma loucura.

— Deve ser estranho olhar pra… sei lá… um filme histórico ou um livro de história e ver algo da época que vocês viveram e notar que estão bem mais jovens do que deveriam estar. - comentou Rosa.

— Não que eu me lembre muito… principalmente da Itália no começo da guerra… - eu disse desviando o rosto e cruzando os braços não gostando muito do rumo da conversa.

Will obviamente notou isso. Ele notava cada coisa mínima que eu fazia. Ele rapidamente passou seu braço ao redor de mim e deixou seu dedão gentilmente acariciando meu braço.

— Mesmo assim… desculpa dizer mas… é um pensamento bem interessante do meu ponto de vista. - disse Rosa olhando então para Anúbis - Mas você lembra né? É um deus e tudo mais. É impossível ter uma conversa desse tipo com Yac e Zac. Eles não são exatamente tão amigáveis assim, não saem de seu pedestal de importância divina para conversar de igual para igual com a gente.

— Pode soar estranho mas… - disse Anúbis meio sem graça - Eu me lembro de tudo desde do dia que eu nasci…

— Desde do dia que você nasceu? - perguntou Sadie também surpresa.

— Acho que meu pai mencionou isso uma vez. - disse Will - Deuses tem a memória perfeitamente perfeita.

— Então quando você vê um filme, livro ou algo que se passa no Antigo Egito… - disse Rosa.

— Eu geralmente evito ver porque costumam ser absurdamente errados. É algo bem sabido isso entre os deuses. - admitiu Anúbis suspirando - Thoth especialmente fica bem irritado por eles não terem feito uma pesquisa mínima para fazer o filme.

— HEY! GALERA! Ela tá acordando! - exclamou Frank antes de se transformar numa cobra e logo ser imitado por Sam.

Deixando Sadie descansando com seus novos guarda-costas, todos corremos para onde Coatlicue estava. E, chegando lá, olhei apreensivo para o frasco enquanto Willl passava ele para Percy.

— Se importa em fazer as honras? - perguntou Will.

— Não. - disse Percy olhando apreensivo para o frasco de água negra enquanto o abria com cuidado.

Todos olhamos com preocupação para os dois enquanto eles deixavam a boca de Coatlicue aberta e então jogavam o líquido dentro. Ela ainda estava meio lenta, então não foi tão difícil conseguir jogar o líquido negro dentro. Com o frasco todo vazio, eles suspiraram e, acho que para todos, foi um alívio e um enorme peso saindo das costas o fato de não ter dado nada errado até então. 

Se eu sentia algum remorso ou culpa por dar pra deusa algo que era depressão líquida? Nem um pouco.