Eu tinha me entregado totalmente a Hermione Granger. Tinha ignorado todas as minhas regras pessoais de não estar ali para romance e de não me envolver — principalmente com grifinórios — por ela; pelos seus cabelos encaracolados, pelo seu corpo e lábios enlouquecedores, pelos seus braços fortes que seguravam livros extremamente pesados pela biblioteca.

Eu me encaixei em seu corpo, percebi que isso acontecia de forma perfeita, e que só poderiam ter sido criados um para o outro. Eu fui inteira somente para ela. Eu confiei, revelei meus segredos, minhas aflições, meus temores.

Eu tinha sido precipitada, ao invés de cuidadosa, pela primeira vez em minha vida. Quem diria que Pansy Parkinson, aquela sonserina que sempre pensava no próximo passo e em suas consequências, estaria encarando o céu, melancolicamente, por não ter previsto o acontecido que quebraria seu coração, que a derrubaria do precipício?

Quem diria que Pansy Parkinson, aquela que não acreditava em nada facilmente, tinha acreditado nas promessas tolas de Hermione, que dizia que terminaria com o patético Weasley o mais rápido possível? Eu amaldiçoava a mim mesma por ter sido tão estúpida. Mas agora eu estava pagando o preço. No final, Granger tinha escolhido o Weasley ao invés de mim, ao contrário do que antes prometera. No final, os dois não se desgrudavam, trocando beijos e carícias que faziam com que eu tivesse vontade de vomitar.

Beijos e carícias que nós duas costumávamos trocar. Olhares apaixonados que, antes, eram reservados para mim.

Agora eu preciso me reconstruir, me moldar novamente. Preciso relembrar dos motivos de eu estar ali, relembrar dos meus conceitos, das minhas regras. Preciso parar de me desmanchar com o sorriso bobo no rosto de Hermione. Sempre que ela sorria para o Potter, o Weasley, ou qualquer outra pessoa, a impressão que eu tinha era de que meu corpo se desmanchava, tal como um cubo de açúcar misturado ao chá.

Eu tinha feito dela um lar, um porto seguro, para onde eu poderia ir sempre que precisasse. Eu tinha feito dela uma necessidade, um vício. Eu a havia decorado. Havia decorado a curva dos seios e da cintura, suas coxas grossas, o modo como ela corava quando eu lhe dizia coisas sexuais, ou a encarava à distância, enquanto ela conversava com alguns amigos; havia decorado o modo como seus cachos ficavam bagunçados depois de uma noite agitada, as reações que seu corpo tinha ao ler um livro interessante na biblioteca, e o formato que seus lábios ficavam quando esta fazia essa mesma atividade; havia decorado a pose que ela fazia quando respondia a alguma pergunta durante a aula — resposta a qual ela já tinha certeza que estava certa —, e também a expressão orgulhosa que esta fazia quando o professor confirmava seu acerto, rendendo alguns pontos para a Grifinória.

Eu havia decorado cada um desses traços, havia passado horas e mais horas pensando neles, e em como eram encantadores e puros, mesmo com a impureza de seu sangue. Agora eu não conseguia parar de pensar sobre o quão irônico aquilo era. Gestos tão puros e altruístas da parte de Granger, e tão cruéis da minha parte e, no final, quem quebrara o coração da outra tinha sido ela.

Mordo o lábio enquanto encaro meus próprios dedos, que brincavam com a barra da minha saia. Aquilo tudo era tão fodidamente doloroso, eu não conseguia me impedir de pensar. Ouvir Draco tagarelar sobre Potter, e sobre as coisas que fizeram na noite anterior, e perceber as gírias trouxas que este havia adquirido com o namorado. Doía ouvir aquelas gírias e perceber que eu as reconhecia pela mesma razão: Hermione as tinha apresentado para mim, tal como o Potter tinha feito com Draco.

Eu a tinha desejado tanto, que, no meio do caminho, esqueci de desejar a mim mesma. Esqueci de cuidar de mim mesma. Depois de toda a minha tragédia — tragédia a qual eu mesma considerava incrivelmente fútil —, eu precisava ir, para me reconstruir, me reaprender e me reconhecer de novo. Eu precisava me moldar de uma forma que Hermione Granger não fosse minha única salvação; de uma forma que ela deixasse de ser a constante dona dos meus pensamentos.