Um conto de destino e morte escrita por magalud


Capítulo 19
Capítulo 19 – E mesmo os planos mais bem elaborados…




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Capítulo 19 – E mesmo os planos mais bem elaborados

Foram necessárias algumas semanas e uma imaginação fértil, mas os dois casais decidiram que seria mais fácil se saíssem em pares. Se fossem a locais pequenos, poderiam levantar suspeitas, já que apareceriam como dois homens e uma única mulher. Mas eles se davam bem misturando-se a grandes multidões.

Após alguns meses, eles decidiram viajar um pouco usando a ampulheta de Chronos. Assim, lá foram eles a um baile elegante oferecido pela nobreza italiana do século XVII. O evento foi um baile de máscaras, e Hermione/Lachesis estavam vestidas de deusa grega. Chronos optou por uma máscara clássica veneziana e Severus trajou-se de Médico da Peste Negra. Mort foi fantasiado de um cavalo baio rabugento apeado perto das carruagens. Na multidão, era fácil as mulheres se revezarem com o corpo para atenderem a seus parceiros. Naquela noite, Lachesis foi a sortuda, pois Severus foi chamado a trabalhar. Hermione eventualmente dançou com  Chronos, que cavalheirescamente a chamou, para compensar a ausência de Severus. Lachesis não fez objeções, e eles dançaram um bom tempo.

Alguns dias mais tarde, veio uma visita à Morada. Lachesis abriu a porta e recebeu um sorriso muito insincero de um cavalheiro num terno vermelho conhecido.

— Oi, coroa.

— Satã - ela saudou, surpresa. - A que devo este prazer?

— Tem havido muito zunzum nos bastidores. Posso entrar?

Ela permitiu a passagem, sentindo que os outros dois aspectos apresentavam suspeita e apreensão.

— Posso lhe oferecer chá?

— Não carece. Eu só vim para deixar algumas coisas claras.

— Que coisas?

Satã não perdeu tempo.

— Você está traindo seu namorado pelas costas dele?

— O quê?!

— Não perca tempo negando. Um de meus asseclas viu você numa dança bem aconchegante com Chronos num baile de máscaras. E vocês tentaram esconder o caso no século XVII! Vai tentar negar?

— É claro que vou negar suas acusações. Eu estava, sim, dançando com Chronos. Mas nós não estávamos escondendo-

Ele interrompeu Destino.

— Sua vadia! Dançando com o homem de outra enquanto seu namorado cumpria seus deveres! Não tem vergonha?

— Foi só uma dança.  Chronos me convidou porque ele é um cavalheiro. Além disso, Clotho estava lá. Estávamos saindo juntos, os quatro. Ele viu Severus sair, eles são bons amigos, e ele me convidou para dançar. Por que eu deveria recusar?

— Você não tem nenhum senso de decência? Você é uma adúltera!

— Isso não é verdade. Mas mesmo que fosse, por que está dando tanta importância? Somos adultos, e se houve consentimento, foi de nossa livre vontade. Pensei que você fosse o primeiro a aprovar este tipo de comportamento.

— Clotho vai ficar arrasada. Por que você quer magoá-la deste jeito?

— Eu vou dizer mais uma vez: ela estava . E foi só uma dança. De qualquer forma, isso não é de sua conta.

— É da minha conta, sim. Chronos provou não ser digno da Deliciosa! Acho que é hora de resgatá-la dele, da traição e das mentiras!

— Acredite: não estou traindo ninguém, e nem Chronos. Vá falar com ele. Acredito que Chronos esteja muito feliz com sua namorada. Clotho está muito contente com seu namorado, acho que Severus está muito satisfeito com sua namorada e eu também estou feliz. Portanto não se meta em nossos assuntos.

Satã franziu o rosto e disse, ameaçadoramente:

— Você me escute, sua velha coroca. Eu sou o Pai de Todas as Mentiras, então eu farejo um engodo a milhares de quilômetros. Tem algum caroço nesse angu, e eu vou descobrir o que é!

Sem esperar uma resposta, a Encarnação do Mal se foi, largando uma nuvem podre de enxofre atrás de si. Lachesis tentou manter a calma, muito embora ela estivesse alarmada pela visita de Satã. Hermione, por sua vez, estava quase entrando em pânico. Então eles combinaram de se reunir na residência do Tempo.

Lachesis cozinhou.

— Mas você acha que ele sabe? - indagou Chronos.

— Acho que não - disse Lachesis, tentando acalmá-lo. - Ele certamente suspeita de alguma coisa, mas não tem certeza. Então ele jogou verde, para ver se colhia algum maduro.

Severus fechou a cara, preocupado.

— Satã não é idiota. Ele sabe que Destino tem três aspectos que compartilham um corpo. Como se pode cometer adultério nessas circunstâncias?

Lachesis pegou a mão de Chronos e informou:

— Amado, Hermione está muito chateada, então vou me recolher um pouco, está bem?

A Encarnação do Tempo sorriu e beijou-lhe a mão.

— É claro, meu docinho de coco.

Lachesis sorriu para ele e retirou a mão antes de permitir que o aspecto mais jovem tomasse o corpo. Hermione parecia bem abatida ao olhar para Severus. Ele sentiu a angústia dela e se aproximou.

— Você está bem, Hermione?

Ela respondeu, insegura:

— Não tenho certeza. Você deveria tê-lo visto. Ele estava tão agressivo.

Chronos procurou acalmá-la:

— Estamos bem aqui, querida. Vamos todos protegê-la.

— Mas ele tem razão em uma coisa - Hermione lembrou. - Ele é o Pai de Todas as Mentiras. Como podemos esperar enganá-lo?

Chronos deu de ombros.

— Até agora, tudo bem. Quero dizer, nós o enganamos. Se ele não fez mais do que ameaças, é porque ele não sabe o que está acontecendo ou ele sabe o que está acontecendo mas não encontrou um jeito de fazer alguma coisa a esse respeito.

Severus disse:

— Talvez devêssemos fazer alguma coisa, ao invés de esperarmos que ele aja.

— O que está sugerindo?

— Abrir o jogo. E então lidamos com a situação.

— Acha que isso é prudente? - perguntou Chronos.

A Encarnação da Morte explicou:

— A alternativa é entrar em pânico cada vez que Satã indicar que vai interferir. Eu sugiro revelar o segredo e proteger Hermione de suas investidas. Ela é o alvo.

Hermione confessou:

— Estou bem assustada, não posso negar. Eu adoraria não ter mais medo.

Chronos negaceou com a cabeça, expressando descrença:

— Acho que é uma ideia extremamente perigosa. Sou solidário a seus temores, Clotho, mas isto é muito arriscado.

Quando Hermione ia responder, ela sentiu outro aspecto prestes a tomar o corpo, então avisou:

— Tem gente ansiosa em entrar na conversa...

Mal pronunciara essas palavras, seu corpo tremeluziu e a velha Atropos se fez presente. Era muito incomum, já que o aspecto do Destino que cortava o Fio da Vida preferia atuar de modo muito discreto. Severus estava tão surpreso quanto Chronos com sua chegada inesperada.

— Desculpem-me por ir entrando desta maneira - disse ela -, mas preciso que me ouçam. Não vou me calar. Sei que vocês todos têm as melhores intenções, mas acho que vocês estão subestimando o inimigo.

— Subestimando? - repetiu Severus.

— Sim - ela confirmou veementemente. - Aquela criatura é o Príncipe das Trevas, o Pai de Todas as Mentiras, o Mais Profano, o Inimigo da Luz, o Rei dos Terrores, o Espírito Maligno, o Arquidemônio! Vocês acham que esta coleção de títulos e epítetos é desmerecida? Aquela coisa é o Mal encarnado, e ele é tão malvado quanto se pode ser malvado! Clotho está petrificada de medo dele, e ela tem toda razão de se sentir assim.

— Está sugerindo que devamos manter a farsa? Mesmo que ele já esteja suspeitando de algo? - Severus estava visivelmente relutante. - Não quero arriscar Hermione.

Atropos lembrou:

— Não é segredo que Satã está de olho nela, e isso antes mesmo dela se tornar uma Encarnação. Tudo indica que ele tem planos para ela e não desistiu deles. Ainda não sabemos o que é. Não saber é nossa desvantagem.

— Atropos falou bem - disse  Chronos. - Nós não sabemos o que ele quer com Clotho.

— Exatamente! - exclamou ela. - Por isso é que revelar a ele nosso segredo é abrir mão da única vantagem que temos. Neste momento, podemos surpreendê-lo com a guarda baixa.

Severus ainda não se convencera.

— Não vejo qual é a vantagem em mentir.

— Às vezes, nossa única vantagem está em não ajudar o inimigo - insistiu Atropos. - Não subestime a criatura. Ele já foi o favorito de Deus, lembra? Era um comandante de anjos, um general, com raciocínio e planejamento estratégicos.

Chronos opinou:

— Concordo totalmente com ela. Isso é muito arriscado.

Severus não estava feliz.

— Ainda não vejo o que ele possa fazer, mesmo sabendo o que estamos fazendo escondido dele.

— Ele não parou de assediá-la! - lembrou o aspecto mais velho de Destino. - Ele foi avisado para se afastar dela, mas ainda a assedia!

Chronos ajuntou:

— Além disso, só porque não conseguimos ver suas opções não quer dizer que ele não as tenha.

Severus ficou emburrado, entendendo as razões deles, mas ainda relutante em concordar. Atropos disse, mais suave:

— Compreendo sua frustração e também tenho desejo de ver nossa querida Clotho livre desta ameaça. Ela não quer demonstrar medo, mas a verdade é que ela está com medo até da própria sombra. Considere tudo isso. Ele está atrás dela, ela é o alvo. Ainda não sabemos a razão. Tem também a morte do marido, até agora inexplicada. Por aí podemos ter uma ideia do perigo que essa criatura representa. Eu acho que dar a ele qualquer vantagem é brincar com a sorte, para dizer o mínimo.

Atropos não fazia ideia do quão sábias eram suas palavras.

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Depois da reunião daquilo que mais tarde de chamaria de Comitê de Situação, os quatro enamorados passaram a aumentar o nível de precaução. Não deixaram nada para o acaso e de tornaram ainda mais discretos em suas saídas. Hermione sentiu seu patamar de ansiedade baixar, e relaxou um pouco, desfrutando do sexo que parecia mais satisfazer Severus. Nesta área, ele era excepcionalmente talentoso, mas não tinha experiência. Os momentos que passavam juntos eram verdadeiramente preciosos.

Fora isso (e a preocupação com o capiroto), a vida seguia como de costume entre as Encarnações da Imortalidade. Hermione e os demais aspectos do Destino dedicavam-se a suas tarefas, cuidando da vida dos mortais como eram seus deveres.

Portanto, Hermione estava no Vácuo, recolhendo o maravilhoso material usado para confeccionar os fios da vida dos mortais, como ela fazia periodicamente. Era sua tarefa como Aspecto do Destino: coletar o material puro no Vácuo e então transformar em fio. Ela recolheu tudo no seu fuso e já estava a ponto de retornar à Morada quando viu uma figura conhecida se aproximando.

Hermione estava muito surpresa.

— O que está fazendo aqui?

A Morte deu de ombros.

— Pensei que pudéssemos desfrutar de um pouco de privacidade.

— Mas que surpresa - ela disse. - Eu nem sabia que você podia vir para cá. Nem todas as Encarnações podem.

Severus parecia um pouco mais descontraído e brincalhão, fora de sua disposição costumeiramente sóbria.

— Hoje decidi me propor a tentar novas coisas e surpreender minha linda e jovem namorada.

— Estou vendo.

Ele armou um sorriso definitivamente malino.

— Que tal fazermos coisas que nunca fizemos aqui?

— Tipo o quê?

— Tipo fazer sexo indecoroso aqui e agora. Escandaloso.

Hermione arregalou os olhos.

— É mesmo escandaloso! Tão clandestino! Muito diferente para você - observou ela, surpresa.

— Se temos um caso secreto tórrido, aqui não é o melhor  lugar para um deleite romântico? É calmo, reservado, escondido, discreto...

Ela torceu o nariz.

— Esta é a Fonte Sagrada da Vida. Tem certeza de que este é o melhor lugar para fazermos isso? Não tem regras proibindo de fazer isto aqui?

Ele deu de ombros mais uma vez

— A Encarnação da Morte não saberia nada sobre a Fonte da Vida. Mas se o meu grande gesto romântico a ofendeu, podemos esquecer que isso aconteceu. Não quero aborrecê-la, meu amor...    

Hermione sorriu.

— É claro que não me aborreceu, meu amor. Venha, vamos encontrar um lugar ainda mais escondido.

Ela colocou o fuso em segurança e levou-o até as margens do Rio da Vida, onde engajaram em vigorosas atividades sexuais. Hermione sentiu que Severus estava mesmo empenhado em tentar coisas diferentes, pois sexo com ele nunca fora daquele jeito antes.

Em ocasiões anteriores, ele sempre se mostrara terno e muito atento aos desejos dela. Desta vez, porém, ele se mostrava mais assertivo e centrado em si mesmo. Não exatamente violento, embora a ênfase fosse mais no físico do que de costume. Ele estava muito mais preocupado consigo mesmo.

Quando eles deram as atividades por encerradas, Hermione disse exatamente isso.

A reação dele foi erguer uma sobrancelha.

— Devo inferir que você achou nosso interlúdio amoroso insatisfatório?

— Não foi isso que eu quis dizer - garantiu ela, enquanto eles se vestiam.

Ele então deu um sorrisinho da maneira mais odiosa.

— Se você vai trair uma Encarnação amiga, deve ao menos garantir alguma satisfação. Arriscar uma amizade desta forma...

Ela franziu o cenho.

— Do que está falando?

— Chronos, é claro. Ele não é de todo mau, na verdade. A traição será um golpe, mas ele deveria esperar por isso, não é? Quero dizer, vamos combinar: um velhote deve saber que uma gatinha deliciosa como você precisa de cuidados específicos. E eu certamente não me importo de ter uma carne fresca ao invés da tia velha que estou comendo no momento.

Alguma coisa dentro de Hermione congelou e ela notou alertas internos se acionarem. Ela sentiu que algo estava muito, muito errado. Ou talvez tudo estivesse errado.

Mas antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Morte continuou:

— De qualquer forma, o que está feito, está feito. Teremos que lidar com as consequências de nossa trapaça. E também tem Satanás. Ele é esperto. Vai descobrir tudo, eventualmente.

Hermione praticamente rosnou:

— Talvez. Mas ele nunca sairá ganhando.

— Isso, minha querida, ainda não está determinado. - Ele se levantou e exclamou: - Ai, caralho. Tem um presunto chegando.

— Um o quê?

— Um presunto - ele repetiu. - Sabe, um cadáver, um morto, um falecido, um finado. Esse é o meu trabalho.

Hermione estava à beira de um ataque de pânico, quando ele usou apenas um aceno para se despedir.

— É isso, queridinha. Tenho certeza de que você e eu estaremos engajados em outras atividades muito interessantes em pouco tempo. Tchauzinho!

Ele saiu sem esperar resposta, e Hermione pôs-se a tremer intensamente, uma sensação profunda de pavor ameaçando tomar conta de todo seu ser. Lágrimas de puro horror começaram a rolar por suas faces. Suas irmãs-aspectos ainda estavam dormentes, pois Lachesis e Atropos não podiam se manifestar no Vácuo. Hermione sentiu-se irremediavelmente só e vulnerável.

Uma das coisas mais atraentes a respeito de Severus era o modo como ele era completamente respeitoso com tudo e com todos. Ele certamente jamais usava linguagem grosseira – nem mesmo quando terrivelmente irritado. Ele respeitava Hermione de todas as maneiras, do seu corpo a seus sentimentos, e ele incluía as irmãs-aspectos nesse respeito. Ele também tinha a mais profunda reverência pelas pessoas cujas almas ele coletava, e sempre se referia a elas como "clientes". Severus jamais se referia a elas depreciativamente, como ele tinha acabado de fazer.

Aquilo não parecia ser coisa dele. Não parecia mesmo ser coisa dele.

E se-

E se aquele não fosse Severus?

Aquilo significava uma coisa, e uma única coisa, ela entendeu, com o terror se acumulando cada vez mais.

Hermione pôs-se a soluçar, seu peito doendo tanto que parecia em chamas. E aí ela gritou, e gritou de novo, soluçando em desespero. No Vácuo, seus gritos ecoavam pelo nada absoluto, viajando pela dimensões estranhas e insondáveis do plano astral por trás do Purgatório.

Então alguém chegou. Outra pessoa conhecida.

— Oh, minha criança - disse uma voz gentil. - O que, em nome da natureza, você fez?

Mãe Natureza encarava Hermione e ela parecia terrivelmente aborrecida.


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