Delicate escrita por isa


Capítulo 1
Nymphalidae


Notas iniciais do capítulo

Eu comecei a escrever essa fic tem algum tempo, mas só terminei hoje, inspirada pelo show da Aurora que assisti ontem. Eu tenho uma mania de associar todas as coisas que eu gosto, de modo que, pra mim, agora Aurora é a Luna e isso provavelmente vai gerar 5.000 fanfics por aqui enquanto eu estiver vivendo minha fase obsessiva e apaixonada de fã.
Como é do meu feitio, eu transformo minhas obsessões em fanfics para que elas pelo menos rendam alguma coisa. Nesse caso, espero que uma boa leitura. Ou uma leitura razoável. Ou, ao menos, uma coisa pra você falar mal durante o dia, quem sabe ♥



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Rolf estava cansado. Após cinco horas ininterruptas de palestras, sua mente simplesmente se recusava a manter o foco, vagueando por lugares imprevisíveis enquanto ele tentava resistir rabiscando esboços de todas as plantas mágicas que haviam sido estudadas até então. 

Em breve começariam as apresentações dos novatos. Ele era um deles. Seria vergonhoso se ele simplesmente dormisse enquanto falava (mas a possibilidade parecia cada vez mais tangível e isso o fez sentir um calafrio na espinha). Seu avô que, por sinal, estava ansioso para ouvi-lo discursar pela primeira vez sobre seus estudos, era um dos patronos do Congresso de Herbologia e Magizoologia que estava sendo realizado em Hogwarts e duraria toda aquela primeira semana de outubro.

Rolf queria deixá-lo orgulhoso. Ou minimamente satisfeito. Nas atuais circunstâncias, ele conseguia lidar com a segunda perspectiva sem muita culpa. A verdade é que não importava quão ruim ele fosse, ainda continuaria feliz por estar na escola mais uma vez depois de sete anos desde sua graduação. Além do mais, não havia nada que um jovem naturalista pudesse desejar mais do que massacrantes horas de estudo de ciências bruxas naturais. E ele era um lufano, no fim das contas. Para ele, um adjetivo como "aplicado" tinha o potencial de atingir novos níveis de significação.

Assim, Rolf Aplicado-e-Cansado-e-Feliz Scamander estava lidando relativamente bem com distrações até ser cutucado de leve.

— Com licença. - uma voz muito doce e baixa o interrompeu. - Você poderia...? - ele entendeu o pedido implícito de dar um pouco de espaço no banco disponível para que os novos ouvintes pudessem se sentar.

— Claro. - murmurou em resposta e só então olhou para a dona da voz solicitante. Ele a conhecia de vista. Sabia, por exemplo, que ela era uma ex aluna da corvinal (e acreditava que não era apenas porque ela usava um colar com um pingente imenso de águia).

Rolf também se lembrava que as pessoas costumavam fazer piadas de índole questionável para se referir à garota. E olhando para ela assim de perto, olhando para os imensos olhos e cabelos claros, ele entendia (embora lamentasse) a razão dela ter sido um alvo fácil.

— ...Claro - ele repetiu com um pouco mais de ênfase. E talvez fosse o cansaço ou talvez fosse a associação imediata que ele fez com Arturo (seu irmão mais novo que também fora motivo de chacota durante boa parte da vida por conta da síndrome de asperger), mas não pôde evitar pensar como pessoas delicadas invariavelmente incomodavam as outras. Como se fosse algo ruim. Como se fosse contagioso. Mas delicadeza era justamente o que o fazia se interessar por plantas, insetos, e coisas miúdas, por exemplo. E ela era a síntese da delicadeza, a menina da Corvinal. Ela se parecia com uma borboleta. Como se tivesse... Asas escondidas nas costas.

Esfregando os olhos, ele meneou a cabeça e tornou a se concentrar na palestra da professora Sprout. Ela continuava a falar sobre o estudo que vinha desenvolvendo há muitos anos com mandrágoras. Rolf queria prestar atenção, apesar de não nutrir nenhum interesse por plantas gritantes, mas, por alguma razão, isso parecia ainda mais difícil no momento.

— Eu não acredito que nós perdemos o início. - ele conseguiu ouvir o cara que estava acompanhando a corvinal. Parecia frustrado.

— Não é como se você não conhecesse o estudo dela de cor. - a garota rebateu, ainda em um tom gentil.

— Isso não vem ao caso, Luna. - Luna, Rolf repetiu mentalmente, tentado a guardar a informação. - Se você não estivesse insistido em...

— Neville. - ela o interrompeu, sem mudar o tom. Rolf se perguntou se a voz dela nunca se alterava. - Nós estamos atrapalhando o educado rapaz ao nosso lado. 

Rolf corou instantaneamente ao perceber que tinha o rosto voltado para a dupla. Luna sequer estava olhando para ele, a principio. Mas olhou, por fim, para confirmar o argumento. E ele não teve coragem de virar o rosto para frente para omitir a verdade.

Isso fez com que Luna abrisse um sorriso. Para Rolf, talvez. Era impossível dizer com certeza. Ela tinha cara de quem podia sorrir para desconhecidos, assim como tinha cara de quem sorria para nada em especial.

— Não atrapalham. - Rolf garantiu, um pouco gaguejante. Ele se sentia estúpido. E seus ouvidos começavam a zunir, como acontecia sempre que ele ficava agitado.

— Viu? Educado. - Luna repetiu para Neville, como uma nota que ele deveria tomar. Depois, pousou o braço rapidamente no braço de Rolf e disse:

— Obrigada pela preocupação em não nos deixar desconfortáveis. Meu nome é Luna Lovegood. Nós vamos parar de falar agora. - prometeu. Ao lado, Neville acrescentou um sussurrante pedido de desculpas também, constrangido.

Rolf assentiu com a cabeça, e encarou fixamente o pergaminho que apoiava no colo. Já havia ultrapassado os segundos necessários para responder algo sem que soasse estranho, mas ele ignorou a impressão e disse:

— Rolf.

— Como? - Luna inquiriu, distraída.

— Rolf Scamander. - o sobrenome fez com que os dois amigos (eles eram amigos? talvez fossem namorados. Rolf não tinha ideia de qual era a relevância desse pensamento) prestassem atenção nele. Ele estendeu a mão para Luna que a apertou, sorrindo. De novo. Ele era incapaz de lidar com tantos sorrisos sem sentir um repuxão no estomago.

— Puxa, que mão boa de cumprimentar. – Luna considerou, olhando para as mãos unidas. – Dá vontade de segurar e não soltar nunca mais. – concluiu com aquele mesmo tom gentil e indiferente, como se estivesse falando do tempo.

O coração de Rolf vacilou dentro do corpo. Ele não tinha a menor ideia de como responder a isso. Ainda assim, arriscou um “obrigado” e notou que as unhas curtas dela estavam pintadas em tons de azul e prata que bruxuleavam com a luz e se misturavam como em um caleidoscópio.

Depois disso, eles não se falaram mais, mas Scamander passou a desenhar borboletas em todas as suas anotações, talvez para dissipar as que tinham começado a surgir involuntariamente em seu estômago.

Por fim, sua apresentação foi reagendada para o segundo dia. Depois da fala da professora Sprout, um dos pesquisadores teve um pequeno incidente com o experimento de controle biológico que havia desenvolvido para diabretes da Cornualha. Uma explosão e um terrível cheiro de enxofre - além do choque do palestrante que saíra quase ileso, apenas com duas sobrancelhas queimadas – foi suficiente para interditar a sala e fazer um rápido rearranjo na programação. O pobre coitado foi o assunto de todas as conversas e motivo de todas as risadas na hora do jantar.

— Estavam dizendo que um dos próprios diabretes que ele utilizou na pesquisa foi o responsável pelo acidente. – Cameron Cornell disse, suspendendo muito mal um risinho. Ele era um ferrenho defensor de pesquisas que não fossem testadas em criaturas mágicas. Rolf também, mas não conseguia evitar e sentia pena do rapaz do acidente.

Ele tinha um coração mole.

Lendo corretamente a expressão dele, Cameron fez uma careta.

— Ah, qual é, Rolf!

— Eu não disse nada! – defendeu-se e se esquivou de uma almofada projetada em sua direção. Ele adorava a sala comunal da lufa lufa, constatou enquanto erguia a almofada do chão e se sentava em sua antiga poltrona preferida. Era como estar dentro da história de Tolkien: em uma casa de hobbit no Condado. Ele quase podia fantasiar sobre Bilbo Bolseiro atravessando a porta.

Na falta dele, Cameron até podia se passar por um da espécie: seu amigo de escola era atarracado, baixinho e leal como os personagens mais notáveis daquela espécie. Havia feito todo o caminho da Irlanda até o castelo novamente apenas para ver Rolf se apresentar (e, é claro, para dar uma espiada em veteranos bonitos. Nem só de boas intenções eram feitas as pessoas de que Rolf gostava).

Eles tinham pouco em comum, mas compensavam em afeto e respeito mútuo.

— Você não precisa dizer nada. – o outro riu – Nós já passamos dessa fase.

— Ainda bem. – Rolf murmurou. – Estou feliz que você esteja aqui.

— E eu estou feliz de estar aqui. – Cameron comentou. – Dá para acreditar em quão rápido eles reconstruíram esse lugar? – Cameron era nascido trouxa, então mesmo agora, depois de anos lidando com magia, ele ainda se surpreendia com noções mágicas.

Rolf assentiu com a cabeça e pensou na guerra. Eles já haviam se formado quando a batalha de Hogwarts esteve em curso. Mas ela não, ele se lembrou subitamente: a menina da corvinal era uma das heroínas de guerra. Se ele fechasse os olhos e se concentrasse, ainda conseguia ver os rostos de alguns deles nos jornais que circularam em 98. Ela era um dos rostos.

Muita coisa havia mudado desde então. O século virara, a escola fora reconstruída, McGonagall tinha assumido a direção. Mas Luna, a despeito do novo corte de cabelo, ainda parecia com seu retrato no profeta diário: pequena e esquisita. Isso fez com que Rolf fosse assaltado por uma onda de admiração.

— É estranho, não é? A perspectiva da gente que esteve fora no momento. – ele comentou, pensando em Luna em um cenário desolador como aquele. Um arrepio involuntário lhe subiu pelas costas. Era como pensar em filhotes sendo levados para abatedouros ou bebês abandonados em lixeiras.

— No momento em que foderam com a nossa escola. – Cameron confirmou, ressentido.

— Alguns dos alunos da batalha estão aqui para o congresso. – Rolf disse e esperou que o comentário soasse casual. – Hoje eu conheci Lovegood e aquele outro garoto, Longbottom.

— Ah, é verdade. Vi alguns também. Longbottom está uma delícia! - Cameron disse, surpreso. – Até Lovegood, a estranha está uma delícia! Será que é uma coisa que a guerra faz com as pessoas?

— Eu não responderia nem se essa pergunta fizesse sentido. – Rolf afirmou enquanto o amigo ria. – E Lovegood não é estranha. – ele a defendeu, quase de maneira instintiva.

Cameron riu mais ainda.

— Ela é, mas mesmo isso ficou charmoso. Com o tempo. E com a idade, suponho. – ele coçou a barba rala por fazer – Eu certamente não me incomodaria com isso agora. – ele gargalhou. – Que esquisito. Nós estamos tão velhos! Eu me lembro de todos esses garotos entrando na escola.

— Você é dramático, Cornell. Nós somos apenas dois ou três anos mais velhos do que todos eles, não é? Além do mais, essas coisas perdem valor depois dos vinte.

— Olha quem parece ter gastado um tempo pensando nisso... – Cameron abriu um sorriso torto e cheio de significados. Rolf sentiu como se tivessem descoberto um crime que ele havia cometido. Como se ele mesmo estivesse descobrindo o crime também. Esse era o efeito Cameron. Ele não sentira falta disso.

— Sabe o que eu acho, Scamander? – mas antes que ele pudesse responder a pergunta retórica, uma garota passou pela porta, desejando boa noite. - Hannah Abott! – Rolf nunca deixaria de se surpreender com o modo como Cameron parecia saber o nome de todo mundo.

— Oh, olá, Cornell. – a garota de cabelo loiro avermelhado sorriu para o seu antigo veterano.

— Eu estava justamente falando sobre o seu namorado. – Cameron disse. – Você é uma garota de sorte. – Rolf ficou aliviado por ele ter deixado as considerações jocosas sobre a guerra para si. Hannah também era uma heroína de guerra e ele suspeitava que, para ela, piadinhas ainda não eram aceitáveis.

— Neville? – ela riu com vontade. – Ele tem os seus dias. – brincou.

Cameron sorriu. Ele atraia gente com algum senso de humor, o que Rolf sempre considerava uma vantagem.

— Ele com certeza tem. Quem poderia imaginar? – Cameron continuou, arrancando outra risada dela.

— É uma questão de perspectiva, eu acho. – Hannah piscou. – Pessoal, eu adoraria ficar e conversar mais um pouco, mas estou fatigada. Vocês já estão acomodados?

— Estamos sim. Com uns garotos catarrentos do primeiro ano.

— Consegui um dormitório livre só para mim e outras congressistas. – Hannah contou vantagem, sorrindo com todos os dentes. – É bom estar em casa. Boa noite, rapazes.

— Boa noite, boneca. – Cameron se despediu, ao passo que Rolf acenou com a mão.

— Você acabou de flertar com ela depois de ter descaradamente demonstrado interesse no namorado dela. – Rolf acusou.

Cameron riu, encolhendo os ombros.

— São muitas as alternativas. E como é que ela disse? É uma questão de perspectiva.

— Sei.

— Onde nós estávamos? – Cornell tentou retomar a conversa, mas Scamander foi mais rápido e se levantou.

— Na parte em que eu me despedia para ir dormir.

— Ah, você só pode estar de sacanagem! É a primeira vez que temos permissão para passar a noite inteira acordados nesse lugar sem ninguém enchendo o saco!

— Eu tenho um trabalho para apresentar amanhã cedo.

— Quantos anos você tem? Estou em duvida entre sete ou noventa!

Scamander soltou uma risada curta e abraçou o amigo.

— Você pode me arrastar para uma madrugada tediosa amanhã. E ainda teremos todo o resto da semana.

— Isso é uma promessa?

— É sim.

— E podemos sair perambulando pelo castelo?

Rolf girou os olhos.

— Talvez.

— Ah, por favor.

— Olha quem tem sete anos agora!

— Não é isso. É só que pega bem estar do seu lado, entendeu? Um jovem naturalista promissor, com toda essa beleza inter racial e dentes americanos alinhados. As pessoas podem olhar e pensar “lá vai a incrível herança genética dos Scamander e seu fiel escudeiro que, ei, também não é nada mal...”.

— Você é doente, Cornell. – Rolf ponderou, mas não conseguiu evitar o riso.

— Você vai andar por ai comigo sim ou não?

— Eu sempre ando com você por ai.

— Não na hora da encrenca. Não quando outros congressistas entediados e solteiros podem estar à solta.

— Você se dá conta de que está falando de pessoas, certo?

— Isso não vem ao caso.

— Isso é todo o caso.

— Rolf! Foco!

— Tá, tudo bem.

— Jura?

— Juro. – Rolf sabia que iria se arrepender. Ele odiava dormir tarde. E odiava perambular sem destino. Mas não estava se importando muito porque naquela noite ele ainda dormiria cedo. E além do mais ele estava tão feliz de estar em Hogwarts! E estava tão feliz que Hannah fosse a namorada de Longbottom!

O pensamento o constrangeu só um pouco. Quando ele se deitou e fechou os olhos, estava sorrindo como se não estivesse partilhando um quarto em que uma criança de onze anos estava roncando como um ogro adulto.

E na manhã seguinte, Rolf acordou se sentindo revigorado. Ele passou algum tempo olhando para o próprio reflexo no espelho e lamentou ter uma memória tão ruim para coisas mundanas: seu cabelo estava grande, se espalhando em todas as direções em cachos. Cachos fechados bonitos, de acordo com sua mãe e Cameron (que precisava ser reconhecido por ter um forte senso de estilo), mas que faziam com que Rolf ficasse com uma inevitável cara de menino.

Ele esperava que pudessem levá-lo a sério, apesar da falta de corte de cabelo.

E levaram. Tudo correu bem. Scamander expôs seu estudo sobre como algumas propriedades de beladona e artemísia, quando combinadas, podiam ser benéficas no tratamento psiquiátrico de bruxos que sofriam de estresse pós-traumático (pela guerra ou por maldições imperdoáveis, por exemplo). Ainda estava em fase de testes, mas isso não desmerecia sua pesquisa de forma alguma. No fim, ele foi aplaudido e recebeu tapinhas, congratulações e palavras de incentivo de muitas pessoas. Inclusive do avô, que lhe abriu um sorriso seguro e orgulhoso. Ele estava representando o resto de sua família, que, por motivos variados, não podiam estar ali.

— A sua avó vai ficar tão mordida ao descobrir que eles ainda não permitem aparelhos eletrônicos trouxas aqui... – Newt riu.

— “Por que em Ilvermorny...” – eles disseram em conjunto o inicio de todos os bordões de Tina. E então riram juntos.

— Estamos todos muito orgulhosos de você, Rolf. – o avô disse, recuperando a compostura.

— Vocês estariam de qualquer modo, vovô.

— É verdade. – Newt admitiu, sorrindo. – Mas ainda assim... É bom estar aqui, assistir você e ser o seu mentor. – ele pousou uma mão na bochecha do neto com carinho, antes de se despedir.

O resto do dia serviu apenas para Rolf validar o quanto ele estava se sentindo bem. Tão bem que, quando Cameron apareceu cobrando sua promessa, bem depois do jantar e em algum momento perto da meia noite, ele se levantou de sua poltrona sem nem pestanejar.

— Você tem que admitir que nós somos uma boa equipe. – Cameron comentou feliz, depois que eles passaram por um armário espelhado. – Nós seriamos um ótimo casal se você não fosse tão...

— Hetero? – Rolf tentou ajudar.

— Não! Nossa, não mesmo. Eu nunca te ofenderia desse jeito. Você não é “tão hetero”, se fosse tão hetero, nós provavelmente nem seriamos amigos.

— Eu estou tão confuso nesse momento... – Rolf disse.

— O que eu quero dizer é que você não vive em função da sua masculinidade e nem tem um ego tão frágil. Há muitas coisas que poderiam ser consideradas como não-masculinas em você. No bom sentido. E você não se sente ameaçado por elas.

— Obrigado, eu acho. – Rolf disse, seguindo-o em direção à área externa ao castelo. – Mas então porque não seriamos um ótimo casal?

— Bem, porque você é hetero. – Cameron riu. – E muito... Previsível. Essa era a palavra que eu estava procurando antes de você enfiar sua sexualidade no meio da história.

— Previsível? – ele enfiou as mãos nos bolsos. Rolf não sabia que uma palavra tão comum poderia ser usada como ofensa.

— É, desde o inicio. Você é bom de um jeito previsível e seguiu os passos do seu avô de um jeito previsível e provavelmente vai se apaixonar por uma garota prev... – Cameron engoliu a palavra antes de terminá-la. – Oh. – seus olhos brilharam como se ele tivesse sido atingido por uma nova verdade.

— Com licença. – dessa vez, Rolf reconheceu a voz imediatamente. – Eu estava me perguntando se eu teria a chance de fazer isso de novo. – Luna disse, dirigindo-se a ele com a mão estendida, ao que ele apertou, sorrindo. – Sua pesquisa é comovente.

— Obrigado. – e ele disse com sinceridade, não apenas por educação. As pessoas tinham dito muitas coisas sobre sua pesquisa, mas “comovente” parecia a mais humana e, por isso mesmo, a mais especial.

E, além disso, bem, ali estava a menina que lhe causava borboletas. Um minuto inteiro se passou até ele se dar conta de que não tinha soltado a mão dela ainda. E que Cameron não estava em nenhum lugar no seu raio de visão.

— Desculpe. Você deve ter algum lugar para ir... – ele tentou, sem jeito e sem assunto, embora fosse ela quem tivesse iniciado a conversa.

— Ham, não. – Luna encolheu os ombros, mas não recolheu a mão. Rolf ficou aliviado. – Meus amigos estão todos muito ocupados com coisas que parecem importantes. Como dormir. Eu acho que eu vou apenas entrar e esperar que alguma coisa mágica aconteça. Ou que eu encontre um doce. É curioso como você sempre pode encontrar um doce por aqui se estiver suficientemente distraído, não é?

— Suponho que sim. – Rolf disse sem convicção alguma. Ele estava pensando em como ela tinha uma voz bonita. Ele se perguntou como seria ouvi-la cantando. Ela certamente tinha potencial para o canto, mesmo se não soubesse disso.

Luna sorriu e franziu o nariz, simultaneamente. Rolf não tinha como prever, mas aquela era a cara que ela fazia quando estava particularmente intrigada com algo. Ele também não tinha como saber, mas isso era fato raro: Luna quase nunca se sentia intrigada, porque a verdade é que ela estava sempre esperando por qualquer coisa que fosse - quase nunca descartava hipóteses de realidade. Para ela, todas as coisas imagináveis (e as inimagináveis também) ruins ou boas eram passíveis de acontecimento. Assim, era difícil para Lovegood entender porque ele parecia tão surreal, mesmo que de um modo bom.

— Eu gosto de doces. – Rolf disse, talvez rápido demais, quando pareceu que ela abriria a boca novamente, dessa vez para se despedir. – Eu poderia... Andar suficientemente distraído com você. E talvez encontrar o meu amigo que sumiu.

— Tudo bem. – ela assentiu com simplicidade e eles começaram a passear.

O caminho foi todo doce, embora nenhum doce tenha sido encontrado (e nenhuma parte de Cameron também). Talvez ele estivesse concentrado demais nela, e ela concentrada demais em tudo para que a teoria desse certo.

Luna tinha um comentário aleatório para cada coisa. Mesmo lasquinhas nos pisos ou rachaduras nas paredes não passavam despercebidas. Lovegood achava que tudo era absolutamente adorável e conjecturava histórias sem fim.

— Quantas pessoas você acha que já passaram por esse corredor nessa mesma hora ao longo de todos esses anos? – ela perguntou em certo momento, deslizando as pontas dos dedos pelas superfícies das paredes.

— Eu não sei, mas é um pensamento perturbador.

— Eu acho bonito. – ela disse. – o modo como as pessoas passam. Como o tempo.

— É bonito quando você diz. – Rolf admitiu. Ela era tão genuína e sincera em tudo que ele não via como agir de outro modo.

Luna franziu o cenho.

— O que foi? – ele perguntou, com medo de ter dito algo errado.

— Você não está rindo de mim e eu não sei como responder. – ela estranhou, encarando o teto por um instante. – Eu não consigo me lembrar de uma única vez em que isso tenha ocorrido: ficar sem resposta. Que coisa curiosa. – ela voltou os olhos sorridentes para ele. – Além do mais, é a primeira vez que alguém me olha assim.

O rosto de Rolf esquentou tanto que ardeu.

— Eu... – ele começou incerto. – Me desculpe, Luna, acho que sou muito previsível. - murmurou, usando a palavra que Cameron tinha usado para classificá-lo mais cedo.

— De modo algum. – Lovegood rebateu de forma tranquila. – É quase o contrário.

— Mesmo?

— Sim. Além do mais, eu também estou te olhando desse jeito, vê? – Rolf via. Mas parecia só o modo como ela encarava a tudo. A confirmação verbal fez com que as borboletas do estômago de Rolf voassem até sua garganta e se instalassem ali.

Ele assentiu com a cabeça, incapaz de dizer algo.

— Puxa. Entendo agora porque isso pode ser embaraçoso para as pessoas. – Luna divagou, parecendo se lembrar de algo. – Pobre Hermione.

— O que houve com Hermione? – Rolf quis saber.

— Ela passou muito tempo olhando Ronald assim, sem saber. Mas agora está tudo bem.

— Que bom. Como ela resolveu a questão?

— Bem, ela o beijou. Em algum lugar por aqui. – ela disse, se referindo ao castelo. – No dia da batalha. – a voz dela era tão, mas tão bonita. - Você gostaria de me beijar?

Rolf sentiu como se tivesse sido jogado de sua zona de conforto rumo a um precipício. A simplicidade da pergunta o pegou desprevenido. Ele pensou em como era difícil se sentir exposto, vulnerável. Mas também pensou no estranho elogio de Cameron, na coisa sobre a masculinidade e como, de fato, todas aquelas regras sociais e de gênero eram cansativas. Não havia nada de errado em começar a se interessar por alguém. Ou ter a sensibilidade de demonstrar isso.

— Sim. – ele disse, com sinceridade. – Eu gostaria.

Luna sorriu.

— Oh. – ela disse, segurando repentinamente a barriga. – Isso dói de uma forma divertida.

Rolf sorriu também, aliviado, porque entendia. E quando ele se aproximou, pousando a mão livre na curva do maxilar dela, as borboletas fizeram sua garganta coçar. Luna o analisava cuidadosamente, o que o incentivou a fazer o mesmo.

Eles só fecharam os olhos quando isso pareceu anatomicamente inevitável. E encostar os lábios nos dela foi como descobrir um mundo novo inteiro. Rolf soube que nenhuma de suas realizações – passadas ou futuras – jamais fariam com que ele se sentisse daquele modo. Parecia o indicativo de algo importante. Rolf estava fundando um novo universo físico e particular com Luna, bem ali. A vida de repente lhe atingiu como um sobressalto.

Quando ele se separou dela, os músculos ainda estavam retesados de tensão.

— Luna?

— Sim?

— Você pode segurar minha mão e não soltar mais. – Scamander disse, lembrando-se da fala dela do dia anterior. Luna riu com delicadeza, antes de constatar o que parecia óbvio:

— Rolf, eu já estou segurando sua mão.

Ele olhou para baixo e notou com alivio as mãos unidas. E pensou que elas estavam assim durante todo o passeio, desde a hora em que ela havia cumprimentado ele.

E desejou, desejou de verdade, que elas continuassem assim.

Para sempre, se possível.


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