Batman contra a Águia Vermelha escrita por Junko


Capítulo 1
Ato I – Gordon, e os segredos de Gotham (Prólogo)


Notas iniciais do capítulo

Eu sempre gostei de Batman.
Tive uma ideia um dia, e comecei a desenvolver essa história. Após um ano na gaveta, resolvi revivê-la e fazer adaptações. Acabei por gostar bastante dos personagens, e a história amadureceu e tomou rumos surpreendentes. Espero que gostem de ler como eu gosto de escrevê-la.

Um detalhe: tento manter a atmosfera e o estilo de narrativa que encontramos nos quadrinhos. Espero que se sintam em Gotham.



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Escritório do Comissário Gordon

27 de Fevereiro | 15:25

― Senhor Gordon, aqui está a ratinha. ― resmungou o oficial, segurando a garota pela gola da camisa. ― Ela estava no encalço do nosso informante.

A garota estava erguida pelo policial, e ela balançava as pernas no ar, tentando se soltar. Seu rosto exibia feições irritadas, e ela praguejava baixinho para que o homem a soltasse. O oficial estava arranhado em várias partes do corpo, com seu uniforme rasgado, e o quepe estava longe de ser visto.

O Comissário Gordon encarou a garota por uns segundos, deixando um suspiro escapar de seus lábios em seguida, sentindo os músculos se tensionarem. Fez menção de pegar um cigarro, mas ele se lembrou que não podia fumar ali dentro do escritório. Sua mão fechou-se e bateu contra a mesa. Voltou a encarar a garota e então disse de maneira ríspida:

― Clara, não é colocando sua vida em risco que você vai conseguir descobrir alguma coisa sobre o que houve com Ethan.

A frase seguiu-se de silêncio de ambas as partes, enquanto a tensão preenchia o espaço que as palavras desocuparam. Clara foi solta pelo oficial, pois este sentiu os ombros da garota murcharem e também uma imensa pena. A menina sentou-se na cadeira de frente a de Gordon, e então quebrou o silêncio.

― Fazer nada também não ajuda, senhor. ― ironizou o “senhor”, fazendo questão de fazer uma careta ao dizer aquilo.

Gordon irritou-se, mas não deixou aquilo transparecer.

― Isso é caso da polícia, Clara, não de uma criança. ― ele ajeitou-se em sua cadeira, de modo a parecer autoritário.

Ela fez uma outra careta, dessa vez um tanto ofendida. Seus lábios finos se contorceram de uma maneira engraçada, e ela estalou a língua. Cruzou os braços e o encarou friamente com seus olhos azuis.

― Eu não sou uma criança, Jim, você sabe muito bem disso. Eu estou trabalhando no caso, e estou levando mais a sério que vocês da polícia ― ela disse, fingindo certa autoridade e arrogância que não possuía.― Pergunte ao seu informante, por exemplo.

Conhecendo a garota como conhecia, e ao ver o oficial encolher os ombros, Gordon sentiu que havia algo de errado.

― Clara, o que você fez com o rapaz? ― Gordon indagou, um tanto preocupado. Lançou um olhar de esguelha para o oficial Brown (que ficou o tempo todo longe do fogo cruzado), que encolheu ainda mais os ombros.

― Ela estava utilizando força para extrair informações dele, senhor. ― disse, baixinho ― E ela é forte, senhor.

O mais velho suspirou pesadamente.

― Clara, você não pode continuar perseguindo os nossos informantes desse jeito, daqui a pouco nenhum deles vai querer trabalhar conosco e vamos perder o caso ― Jim esbravejou e massageou suas têmporas. ― O que eu faço com você, Snicket? Você só dá trabalho.

― Senhor, por que você não a coloca naquele programa? Talvez isso acabe corrigindo a falta de disciplina dela. ― indagou Brown, gesticulando e se metendo entre os dois.

Gordon o fulminou com o olhar. O programa era coisa séria, e ali estava o homem dando com a língua nos dentes, na frente de uma adolescente encrenqueira. Ele suspirou novamente, à medida que Clara começou a perguntar sobre esse tal programa, enquanto o oficial tentava mantê-la quieta no lugar, a segurá-la pelos ombros. Por fim, decidiu que talvez pudesse colocá-la no tal programa. Ele devia muito a Ethan, o seu antigo braço direito. O jovem policial era um dos melhores agentes que ele via em anos. Tinha tudo para ser o seu substituto um dia: um espírito aventureiro e justo, que dificilmente seria corrompido por Gotham. Se não tivesse desaparecido, teria sido promovido a Capitão da Polícia. Não era justo que ignorasse a irmã dele e todo o seu potencial, devia honrar a memória de seu amigo.

O programa consistia de um policial apadrinhar um adolescente no qual ele confiasse e achasse que tinha potencial para trabalhar na delegacia, onde ambos participavam como uma equipe. O adolescente era tratado como trainee, e ganhava não só um salário bom, como também uma bolsa de estudos em escolas credenciadas no programa.

Talvez Clara, ao entrar no programa, deixasse de lado toda essa obsessão em descobrir o paradeiro do irmão, deixando mais espaço para a polícia trabalhar. Nos últimos meses a garota esteve em todos os locais quentes para pistas, antes da chegada da polícia, recolhido provas e testemunhos, extraído informações dos informantes, e algumas vezes, dentes também. A maneira na qual ela prosseguia com a investigação era descuidada e perigosa. Enquanto outras crianças de 14 anos se preocupavam com escolas e namoros juvenis, a menina lançava-se em caçadas nas entranhas de Gotham, vendo tudo de podre que essa cidade carrega. Era como as crianças do livro de Stephen King, que se aventuravam nos esgotos de Derry, em busca de “A Coisa”. E “A Coisa” de Gotham era tão real e perigosa quanto a do Maine.

Por fim, Gordon suspirou e entregou um papel tirado da gaveta para a garota.

― Toma. Leva isso pro seu pai assinar, e traga isso de volta amanhã. Você vai entrar pro programa.

Ela segurou o papel, um tanto incerta. Seu lábio inferior tremeu e ela o mordeu. Gordon a encarou com certa curiosidade, com sua cabeça tombando levemente para o lado.

― Algo errado? ― ele perguntou.

― Eu estou morando com uma amiga. ― esclareceu, dessa vez parecendo acuada e não irônica ― Meu pai foi preso recentemente. Ele matou a minha… — a garota estremeceu, acariciando o próprio braço esquerdo, incapaz de mirar o outro. Seus olhos marejaram, e ela não foi capaz de continuar, suas palavras morrendo na garganta e deixando a sala em um silêncio fúnebre.

Gordon suspirou pesadamente e lançou um olhar curioso para Brown, que apenas negou com a cabeça. Pelo que sabia, Clara morava com os pais e o irmão, mas recentemente seu irmão desaparecera sob circunstâncias misteriosas há alguns meses. Agora, aquilo. Tomou o papel da garota e começou a assinar em silêncio. Brown o encarou.

― Senhor, o que está fazendo?

― Estou tomando toda a responsabilidade sobre essa garota. Ela será minha assistente.

A face da garota iluminou-se. Ela deu um sorriso de orelha a orelha, enquanto encarava com felicidade a caneta mover-se rapidamente pelo papel.

Enquanto isso, o sol se punha.

Era noite em Gotham.

 

Centro de Treinamento 

6 meses depois | 18:15

O coice da arma machucou o ombro da menina, e esta praguejou baixo, e remexeu ao ver a bala acertar a parede ao fundo, muito longe do alvo. Tirou os olhos do alvo, e encarou a sua plateia, que ria baixinho. Ela não ouvia nada por usar protetores nos ouvidos, mas via as bocas se mexerem, junto a seus ombros. Aquilo apenas a frustrou mais.

A plateia estava composta dos outros adolescentes que participavam do programa, Gordon (que era o único “padrinho” presente) e dois policiais bem armados, todos bem apertados num banco da sala de tiros. Jim balançou a cabeça negativamente para os que riram. Sorriu para a menor e indicou com a cabeça para que ela continuasse.

Clara se acalmou e agradeceu por ele ter comparecido ao torneio. Desconfiava do que o motivava a estar ali, e não gostava muito do que imaginava. Mas, mesmo assim, Gordon trazia consigo uma aura de confiança e segurança. Aquilo a relaxava.

Ela voltou sua atenção para o alvo. Mirou primeiro na perna direita, depois na esquerda, ambos sendo tiros certeiros. Ganhou pontos extras por não ter matado o alvo, mas ter incapacitado sua fuga. Não foi o suficiente para que ultrapassasse os pontos do seu adversário, então acabou ganhando uma medalha de prata. O garoto que ganhou em primeiro lugar, Joshua Wilhelm, se aproximou dela e ofereceu sua mão, mas a outra polidamente recusou.

― Você foi muito bem, Snicket. Mas eu sou melhor. ― e então se afastou rindo, com um grupo de outros garotos o seguindo. Pararam perto de um bebedouro e ficaram papeando.

― Obrigada. ― disse, quando ele se afastou. Não falou para o rapaz, mas sim para Gordon, que se aproximou por trás dela.

― Pelo quê? ― perguntou Gordon, parado no lugar e acendendo um cigarro. Ela se virou.

― Por ter me apoiado. Vi o que você fez. ― ela disse, dando um sorriso cansado.

― Tudo bem. Parabéns pelo segundo lugar. Como está seu ombro?

― Ele está bem. ― deu de ombros, mas o movimento lhe extraiu uma careta. Estava mais machucada do que queria admitir. O homem começou a andar, e ela o seguiu.

Clara parecia um pouco decepcionada consigo mesma, carregando um olhar pesado, cansado, e claramente se forçando a continuar andando. Parecia se arrastar. Ela não gostava de falhar, principalmente quando esperavam tanto dela. Gordon percebeu, e então deu uma batidinha em seu ombro bom.

― Topa um café? ― indagou e sorriu ao ver ela se animar e assentir com a cabeça.

― Guardem os equipamentos, crianças. ― disse um dos policiais ― A chave do armário está com Kate. ele viu a Snicket sair com Gordon, e parou os dois. ― Ei, ei. Onde pensa que está indo, menina? Vá ajudar os outros a arrumar o equipamento.

― Gordon está me levando para casa, senhor. Eu machuquei meu ombro e está doendo horrores. ― a garota esclareceu, fazendo sua melhor careta de dor e colocando a mão sobre o local machucado.

Gordon assentiu. O policial pôs as mãos na cintura e suspirou.

― Tudo bem, pode ir. ― e virou-se para Joshua ― Ei, você aí! Vai pegar aquele equipamento e pôr no local adequado.

― Mas eu já estava-

― Desobedecendo uma ordem de um superior? ― Clara falou e estalou a língua, não deixando de sorrir ao ver a cara assustada do garoto.

O outro rapidamente se pôs a guardar o material, enquanto a menina acenava para ele, dando o seu melhor sorriso amigável. Saíram da delegacia, e rumaram a um café próximo, andando por ruas claras e movimentadas.

A chuva caiu, fustigando os que andavam pelas ruas. Muitos correram para debaixo de marquises, ou se esconderam embaixo de suas pastas, chamaram táxis. Mas não Clara e Gordon. Eles não se importavam tanto com a chuva. A morena puxou para cima o capuz do blazer negro da polícia que vestia, enquanto o mais velho apenas praguejou e meteu as mãos nos bolsos, não se importando em molhar a cabeça. Andavam um pouco afastados um do outro.

A garota pareceu cansada demais. Esfregava os olhos por baixo do capuz, sua cabeça parecia tombar para o lado à medida que andava. Tinha enormes olheiras sob os olhos, parecendo que não dormia direito a um tempo. Em um momento ela parou, mas Gordon pareceu não notar e continuou andando. A garota ergueu o rosto aos céus, deixando a chuva lavar seu rosto e despertá-la da sonolência. Quando se sentiu livre do torpor, correu para alcançá-lo, tentando ser silenciosa e desviando das poças de água, que estragariam suas botinhas.

― Sabe ― disse Gordon, depois que ela encurtou a distância e ficaram lado a lado ― Você melhorou muito nesses 6 meses.

― Mesmo? ― bocejou, e então Gordon percebeu a face desgastada da menor.

― Sim. Mas você ao menos tem dormido? ― indagou, enquanto viravam uma esquina. Viram as luzes brilhantes e o ar convidativo da cafeteria logo a frente.

― Estou há 42 horas sem dormir. ― disse baixo, quase em um sussurro.

― E está orgulhosa disso? ― ele encolheu os ombros ― Preciso que você durma um pouco. Teremos uma missão essa madrugada, e você vai gostar de participar.

― E o treinamento? Amanhã é ginástica. Não posso faltar. ― disse.

― Você volta a tempo.

A garota ficou quieta, mas pareceu aceitar. Entraram no estabelecimento em silêncio, enquanto ambos remoíam pensamentos em suas cabeças. Tiveram que deixar os casacos molhados pendurados num cabide próximo à porta.

Clara pensava em muitas coisas. Na família. Principalmente no irmão. As engrenagens em sua cabecinha giravam e giravam, tentando ligar todas as evidências que recebera de Gordon, mas nada. Não conseguia pensar em nada. Recentemente tivera problemas com o caso, onde informações inconsistentes e contraditórias apareciam em sua mesa, e ela estava passando noites em claro matutando, tentando separar o joio do trigo. Alguém estava sabotando o caso, mas, como todas as anotações vinham impressas e anônimas, entregues por uma única pessoa, era difícil saber quem. Ela tinha que desconfiar de qualquer um da delegacia.

Gordon pensava em muitas coisas, ligadas a casos. Pensava em abandonar alguns, mas era muito difícil só deixar ir. Empurrara muita coisa para a Snicket, e esta conseguira resolver alguns, mas não podia exigir demais dela. Era só uma criança. Daqui uns meses faria 15 anos, não merecia ter tanta responsabilidade sobre os ombros.

Após deixar os casacos molhados com uma atendente, foram procurar uma mesa. Sentaram em uma mais ao fundo, onde poucos poderiam ouvi-los. Ela se sentou no banco estofado, pois achava confortável. Gordon se sentou em frente. A menor apoiou os cotovelos na mesa e encaixou o queixo em suas mãos.

― Qual é o programa, hein? ― ela perguntou.

A garçonete se aproximou da mesa e anotou o pedido dos dois: duas xícaras de café preto bem forte, sendo um deles com chantili por cima, e brownies. Gordon esperou que ela se retirasse para começar a falar. Olhou para os lados e aproximou-se da menor.

― Vamos interceptar um caminhão de drogas durante a madrugada. ― falou baixo ― Uma denúncia anônima disse que há um carregamento vindo pela costa leste. Mas, ao que parece, há algo escondido na carga. Preciso que você vá para recolher as provas, mas só vai descer do carro quando a poeira abaixar. Entendido?

― Entendido. ― ela pareceu um pouco triste por ser deixada do lado de fora da ação.

― Não posso deixar você correr riscos desnecessários. ― explicou, ao ver a feição da outra. ― É perigoso demais. Posso até perder meu emprego se você se machucar.

― Então por que estarei indo? ― tombou a cabeça para o lado.

― Você é uma das melhores alunas do programa. Os superiores já estão de olho em você, e querem verificar seu desempenho em uma situação policial real. ― ele deu um sorriso amigável ― Eles acreditam que não teremos tanto problema com essa “missão”, então escalaram você. Mas é segredo, OK? Vocês do programa só podem participar dessas missões após o segundo ano, então os outros ficariam com ciúmes.

Clara sorriu, mas o sorriso não se sustentou. Seus lábios se curvaram para baixo, sua boca se abriu e ela deixou um bocejo escapar. Estava tão cansada que em breve acabaria por dormir sobre a mesa. Pobre garota, pensou Gordon. Logo a garçonete retornou com os pedidos. Jim Gordon tomava seu café preto, enquanto observava a menor desfrutar de seu café com chantili e seus brownies. Ele sentia que ela estava balançando suas pernas na mesa enquanto comia.

Às vezes, se a observasse demais, algo em seu peito despertava – o espírito preocupado de um pai, isto é. E, de repente, ele quase se sentia mal por fazer o que fazia. Enganar a garota com pistas falsas, para que ela não descobrisse a verdade sobre o irmão, era a pior coisa que ele poderia fazer. No entanto, uma mentira como aquela era melhor do que a verdade dolorosa. Sua vida familiar já era trágica o suficiente.

A Snicket, que outrora estava deveras compenetrada na tarefa de alimentar-se – coisa que exige muita habilidade e concentração quando se está há quase dois dias sem dormir –, notou que o homem lhe fitava e parou o que estava fazendo.

― Algo de errado, Jim? ― sua voz saiu mais alta do que esperava. Gordon sacudiu a cabeça, como se estivesse sendo arrancado de um sono profundo.

― Estou um pouco preocupado com você. ― disparou.

― Oh.

― Você sabe, Clara. Se quiser dormir na minha casa, minha família estará de braços abertos.

Ela terminou de comer, pensando um pouco na frase do homem. Notou que a falta de advérbio para determinar o tempo significava que era um convite permanente. Ponderou sobre aquilo. Sugou os restos de chocolate que impregnavam os dedos. Limpou sua boca com um guardanapo. Encolheu os ombros.

― É mais seguro. ― ele garantiu.

― Eu preciso pensar um pouco. Talvez depois dessa operação eu possa dar uma resposta. Que tal?

― Feito.

Ele pagou a conta, perguntou se ela queria uma carona. A morena recusou enquanto vestia de volta seu blazer, disse pegar um táxi. E assim se despediram, cada um indo para o seu canto.

Ainda chovia em Gotham.

 

Periferia de Gotham City

Naquele mesmo dia | 20:15

A chave entrou pela fechadura, rodou duas vezes, e uma tentativa de abrir a porta foi feita. Estava emperrada. Forçou um pouco. Nesse momento, ela abriu, e a garota conseguira entrar no apartamento. Tateou no escuro, procurando o interruptor. Logo as luzes estavam acesas. Virou-se, trancou a porta e largou o seu blazer no cabideiro. Tirou os sapatos, os colocou perto da porta, calçou suas pantufas e foi caminhando pela casa.

Como apenas a cozinha estava com a luz ligada, constatou que Anna não estava em casa – talvez fosse um daqueles dias em que sua companheira de apartamento teria que passar a noite toda no hospital em algum de seus turnos como enfermeira. Deu de ombros. Não era a primeira vez que dormiria sozinha ali.

Até preferia, para falar a verdade. A namorada de seu irmão às vezes conseguia trazer um clima de melancolia para o apartamento que era inexplicável. Quando entrava no quarto de Clara para trazer um chocolate quente e perguntar sobre como foi o dia, trazia consigo aquela pergunta “Alguma novidade no caso do Ethan?” que flutuava no cômodo como folhas ao vento, que condensava o ar do ambiente. A pior parte é que a pergunta sempre estava naquele apartamento, escondida debaixo dos tapetes, no lado da cama de casal que ficava intocado, emaranhada nos cabelos dourados de Anna, flutuando lado a lado com as partículas de poeira no ar. Não tinha como fugir da ausência de Ethan. Não ali.

Foi ao banheiro, tomar um banho quente. Seus músculos se contraíram e se acalmaram, e ela se pegou pensando na proposta de Gordon. Talvez fosse o melhor para as duas habitantes daquela casa. Assim Clara poderia continuar suas investigações enquanto Anna continuava sua vida. Talvez fosse torturante ter que conviver com a irmã de seu namorado desaparecido – como se fosse uma âncora que te prendia aos assuntos do passado. Já havia um ano que o homem tinha sumido, muitos aceitaram que ele estava morto. Era fácil para os outros seguir em frente. Para Clara, até que se provasse o contrário, Ethan ainda era a única coisa viva que representava para ela um laço familiar são. Enquanto não o encontrasse, a sua ideia de família seria para sempre os olhos sem vida e inexpressivos de sua mãe e as mãos sujas de sangue de seu pai. Vestiu pijamas confortáveis, foi à cozinha, preparou um jantar simples, que deixou para Anna e voltou para o quarto. Havia perdido a fome.

Seu quarto era básico. Uma cama afastada da janela, um criado-mudo com uma lâmpada sobre ele, um guarda-roupa pequeno, uma escrivaninha com um notebook (o último presente que recebera de seu pai) desligado por cima e muitos livros e papéis avulsos. Sentou-se na cama, encarando a decoração fria do quarto, e, de repente, sentiu-se mais sozinha do que nunca. Queria o abraço quente e comida caseira da mamãe, o colo e palavras sábias do papai, e o apoio e o carinho de seu irmão. Queria que tudo voltasse para a época simples, quando seu pai não era um assassino e seu irmão não estava desaparecido. Queria apenas alguém que estivesse ali e dissesse “Vai ficar tudo bem”. Mas não tinha ninguém. O mundo era um filme noir e de produção barata. A solidão era sua única companhia. Se enrolou nos cobertores frios, e aqueles pensamentos a ninaram até dormir.


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Notas finais do capítulo

Caso notem algum erro, ou algo do gênero, me informem, por favor. Ah, não esqueça de comentar. É sempre um incentivo :)



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