FRAGMENTO 7 - James Potter

(todo lugar escuro onde não posso ser vista é o meu lugar)

James bagunçou os cabelos, lançando um sorriso nem um pouco inocente para a garota baixinha do outro lado do bar. Sua atenção foi desvirtuada pelo bufar indiscreto da pessoa do outro lado do balcão, quem empurrou para ele a caneca com Firewhisky a contragosto, antes de se virar e ir atender outro cliente. Ele sentiu umas fagulhas de culpa ardendo no seu estômago, mas quando viu a menina fazendo caminho até onde ele se dependurara meia hora atrás, empurrou os remorsos para longe.

A luz amarelada se fundia com o tom rústico do estabelecimento, fazendo a tinta descascada e suja das paredes parecer quase proposital. Num canto impróprio da Travessa do Tranco, Potter se destacaria da cena caso não fosse um dos clientes da casa, seu nome associado ao barzinho já faz uns bons dois anos. Em meio aos negociantes de artigos contrabandeados, as “mulheres da vida”, uns ex-estudantes de Hogwarts desempregados e uns velhos frequentadores, ele se mistura como se aquele fosse seu lugar.

A garota se pendura no balcão, deixando seu olhar vagar pelos seus olhos antes de colocar a mão sob o queixo e se voltar para a atendente:

— Um gim, dos Étrange, por favor. – James analisa sua silhueta enquanto ela espera o pedido.

— Meio cedo para um desses, não acha? – ele solta em um tom mais grave, se voltando para ela.

Ela pisca uma vez antes de tomar a bebida que ele mantinha a mão possessivamente em volta, e dar um gole.

— Fale por você. Whisky às três da tarde não faz meu estilo.

Ele produz um murmúrio em concordância. A garota prende seus cabelos rosa-chiclete em um coque antes de capturar o seu próprio copo, deixando uma risada discreta pelos seus lábios.

— Então os rumores não são tão mentirosos assim. – ela fala, analisando o modo que o outro senta nas cadeiras em processo de apodrecimento. – É você que ‘tá procurando a Safo?

Ela solta as palavras com tanta facilidade e num tom quase jocoso que James até se sobressalta um pouco. Seus olhos desviam para os lados, reparando se há público para sua conversa, mas sua reação só gera um balanço negativo da cabeça de sua interlocutora. Pelo visto aquilo não terminaria neles dois se encaminhando para uma dos hotéis baratos dispersos nas ruas mais abaixo da Travessa mais tarde. Potter notou com atenção o anel no dedo anelar dela, destoante demais em relação aos outros tão alternativos: ele sabia distinguir um clássico de casamento, diamante brilhoso e detalhes florais, não pareciam em nada com algo que ela compraria. Ele mesmo comprara um desses uns três anos antes, na sua tolice juvenil.

— Depende de quem você é ou como pode me servir.

A garota do outro lado do balcão, ex-namorada de James pra sermos específicos, resolveu-se por secar os copos bem na zona de escuta perto dele e da menina de cabelos rosa. Ela sorriu para a menina, basicamente ignorando James.

— Eu tomaria cuidado com esse daí, Artemísia.

A garota, supostamente agora nomeada, praticamente se jogou através do balcão para abraçar Sina Hikwings. O beijo estalado que ela deu na outra deixou uma marca lilás distinguível no seu rosto, mas Sina pareceu não notar, ou talvez não se importar. Ele tomou mais um gole de sua bebida, consciente de que não poderia ficar muito embriagado se quisesse aproveitar a oportunidade.

— Então... – ele captou a atenção das duas, mas o chefe de Sina apareceu discretamente pela porta, o suficiente para fazer com que ela fosse servir um grupo grande do outro lado do bar. - Sabe onde Nott está, Artemísia?

— Sim. – ele se aprumou no assento, escutando com atenção. – Mas não vou te dizer.

— Eu poderia te ajudar de várias maneiras.

A garota ficou mexendo nos fios de cabelos, irrequieta.

— Eu sei. – ela pareceu se perder em pensamentos, encarando a espelho rachado por algumas boas brigas de bar recentes dependurado na parede. – A gente estudou em Hogwarts na mesma época, sabia?

— Parece que sim.

Ela sorriu meio sem graça.

— Você com certeza não faz ideia, mas eu e você até tivemos um rolo de umas duas semanas bem antes de você se formar.

Um vinco surgiu entre as suas sobrancelhas, enquanto James tentava se lembrar dos últimos meses em Hogwarts, mas tudo que vinha era um borrão meio bagunçado, ele não estivera exatamente nas melhores condições ao terminar a escola, sendo praticamente obrigado a aplicar para ser auror quando se via mais do outro lado das grades.

— Ops? – em tique nervoso, ele bagunçou os cabelos.

 - Sem ressentimentos, eu larguei a escola um ano depois de qualquer jeito. - a garota se inclina em sua direção, e Sirius observa a purpurina dourada em seus cabelos e as roupas evidentemente trouxas. Ela parece ponderar um pouco, antes de pousar a mão, quase com pena, sobre a sua. – Não dava pra deixar meu padrasto criar uma criança assim.

Uma sombra correu os olhos dela e ele percebeu que talvez houvesse mais coisas entre ele e a não tão desconhecida garota. Ela parecia exatamente uma fada de uma de suas alucinações aos dezessete anos.  

— Criança? – ele perguntou incerto, deixando-a perceber o que tinha captado da conversa.

Ela arregalou os olhos antes de fazer um gesto displicente com a mão.

— Não é sua não, sem necessidade de fazer essa cara. – ele deu uma risada estranha, aliviado, mas para sua surpresa, também havia desapontamento. – Irmão mais novo, minha mãe teve ele antes de se casar de novo, mas pegou varíola de dragão e aí eu tive que me virar.

James balançou a cabeça, escutando a voz afinada preencher seus ouvidos, lamentando pela vida dela. Porém, Artemísia tinha um brilho nos olhos, mesmo havendo terminado naquele bar sujo, uma freguesa aparentemente bem mais conhecida do que ele, se tinha a observado bem o suficiente.

— Você precisa de um trabalho? Dinheiro? Só me dê a localização, caso eu encontre o que eu procuro, te dou o dobro do combinado.

— Sabe, Potter, eu não conto meus problemas porque quero um cheque em retorno. Nem trairia meu pessoal dessa forma. – ela saiu do balcão, colocando umas moedas perto do seu copo e acenando pra Sina, que sorriu em retorno. – Eu aprendi uma coisa ou outra por aqui, e o que você ‘tá fazendo logo vai entrar pra classificação de perseguição.

Ele suspirou, querendo se afundar no próximo copo de álcool que pediria.

— James. – confusão tomou conta dela, curiosidade junto. – Eu não uso Potter.

A garota cruzou os braços, finalmente intrigada.

— Sei lá quais são as rixas dentro da família perfeita, mas isso aí é idiotice. – ele ia replicar, ofendido, mas Artemísia foi mais rápida – É o que você tem e te distingue de todos os outros James que eu já fiquei com. Usa pro seu benefício.

James sentiu e transparecia estar finalmente derrotado.

— Eu não quero que isso seja o que faz as pessoas se lembrarem de mim.

Ela sorriu um pouco.

— Aí é com você. E Dominique? - ele levantou os olhos, quase sóbrio diante da menção ao nome. – Nunca vi aquela garota tão viva na minha vida, para de tentar tirar isso dela pro prazer de quem nem se importa.

Albus, como rotina, encontrou-o pela noite, olhar reprovador, mas agradeceu educado a Sina por ter sido chamado pela segundo vez na semana. Dessa vez ele tinha atingindo a proeza de adormecer lá mesmo. "Impressionante", Albus pensou, antes de arrastá-lo pelas ruas com cheiro de esgoto.