A Aurora de Castelobruxo - A Harry Potter Story escrita por ThaylonP


Capítulo 8
Proteção, Potencial e Presentes




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Os gritos do dormitório latejavam na mente confusa de Aurora. Algumas das meninas protestavam quanto a falta de segurança da escola; outras, irritavam-se com o estado do ambiente após a quantidade das pegadas espalhadas pelo quarto.

A pequena bruxa estava extasiada. Ainda não se movera desde que viu tudo à sua volta, porém sua companheira, se é que podia chamá-la assim, que veio ao seu encontro com demasiada preocupação, prostrou-se à frente do beliche, buscando pistas, com o cajado na mão; como se alertasse a todos que conjuraria algo para destruir quem interferisse. Os cabelos esvoaçados também informavam que havia acabado de despertar, por puro susto.

— Espera, isso aqui – disse avaliando as marcas num lamento, observando um dos relevos próximo da cabeceira do beliche. - Está ferida? - questionou, com rispidez. 

A pergunta a fez ponderar sobre. Examinou seus membros. Todos intactos. Sem cortes, contusões, arranhões ou queimaduras. Seu colchão, por outro lado, estava repleto de marcas negras em forma de pé. A menina suspirava e, embora o sono não a dominasse, o acordar repentino cansara seu corpo. 

— Não – respondeu, ainda em choque. 

Algumas garotas avançavam porta afora, com medo, porém, sem saber para onde ir e o que fazer, voltavam. Pareciam duvidar da segurança em todo lado, ao mesmo tempo que o aposento era uma espécie de refúgio. A inspetora, Maria, estava fora. Aurora sabia disso pois sua voz, geralmente histérica, não estava apontando a situação com desespero. 

Quando a bruxa resolveu descer da cama, a monitora surgiu, irrompeu o quarto, abrindo a porta de supetão. Ela, que provavelmente saíra as pressas, vestia um pijama rosa e, estava acompanhada de uma outra mulher. 

As feições dessa outra eram sisudas, a tal ponto, que todas se calaram ao vê-la entrar. Trajada de seu vestido verde-musgo de mangas largas, arrumada para o dia, pôs-se a caminhar com uma postura perfeita, esbanjando cabelos ruivos tratados e um olhar sério, por baixo dos óculos de meia-lua. O caminhar dela se interrompeu próximo a Aurora e seu olhar esquadrinhou o quarto com cautela. Apesar de rígida como uma rocha, transmitia uma certa suavidade, como se a situação ali fosse, de fato, nada preocupante. 

— Está tudo bem, querida? - perguntou, doce.

— Sim – a bruxa rebateu, receosa. 

— Pois bem, fico feliz – respondeu, sem a felicidade que dizia que tinha. 

Voltou a tomar uma posição no meio do quarto, como se para ficar à vista de todas. O restante das meninas se esgueirou de seus cobertores, beliches e de seus abraços temerosos, prevendo uma fala. Aurora ouviu um cochicho de um de seus lados, enquanto Inara ocupava o outro. 

— É a ruína – comentou a garota. 

Ela não entendeu o porquê do tratamento, afinal a moça era só um pouco séria demais. Era rude chamá-la de qualquer coisa além disso. Até que, depois de estender-se no centro do quarto, resolvendo se pronunciar, compreendeu o motivo: 

— Ouçam bem – ela pôs as mãos dentro das mangas, deixando-a ainda mais elegante. – Pra as que não me conhecem, sou a Professora Valéria Ruína, supervisora da ala das Corças.

É o nome dela? 

— E devo dizer que essas pegadas não são motivo para preocupação ou balbúrdia – disse, e o quarto ficou inquieto. Como assim não era motivo? – Não posso dizer nada além disso. Tudo será explicado pela diretora no nosso almoço de hoje. Apenas peço que vocês voltem as suas atividades. Está tudo sob controle. 

Aurora duvidou, e franziu um pouco o cenho, buscando uma opinião no rosto de Inara. Ela parecia pensar o mesmo, porém sua encarada era mais forte em sua direção do que na direção da professora. Enquanto a mulher completava o restante do aviso, a menina sussurrou:

— Antes de sair, me encontra na Sala Comunal. 

A garota ficou confusa. Inara não parecia nada preocupada com aquilo, e novamente pesava sobre Aurora. Mesmo com tudo aquilo, ainda não era o bastante para tirá-la do seu pé. Se pegadas marcadas à brasa não eram suficientes, o que seria? Mesmo assim, a forma com que lidara com tudo desde que chegaram havia sido estranha. Desde as aulas, onde duvidava e questionava o ensinamento das matérias, como se soubesse mais do que os professores, afirmando que eles não conheciam do que estavam falando. Ela podia ser apenas uma sabichona como as que Aurora cresceu vendo em suas classes no mundo puto, mas algo parecia dizer o contrário. Alguma coisa naqueles olhos escuros contava histórias que ela ainda não compreendia. Talvez soubesse de alguma coisa mesmo. Então, Aurora deu o braço a torcer e confirmou o encontro.

— Tá bom, tá bom, mas tem que ser rápido. A gente não pode perder aula – sugeriu, para ver Inara concordar. 

Depois que Ruína terminou, devolveu a voz de comando a Maria que, como de costume, começou a gritar enquanto pedia para que todas voltassem as suas tarefas comuns. Algumas até obedeceram, mas a maior parte ainda questionou o que tinha acontecido, principalmente encarando e apontando para a cama de Aurora, cochichando baixo seus motivos. A menina, por sua vez, preferiu evitar ouvir a conversa, tomar seu banho apressado e seguir para a Sala Comunal.

Demorou o bastante no banheiro, para que todas descessem para o café da manhã, e assim poderem conversar em particular. Quando percebeu a torre vazia, vestiu as roupas de uma vez só, como se pulasse dentro de seu visual, dando retoques enquanto descia as escadas. No último lance, adentrando o cômodo abobadado, sentiu um puxão que a arrastou para perto da lareira. O punho doeu um pouco, mas assim que chegaram, foi largada. Aurora a encarou, sem entender, massageando a região. 

— Pra quê tudo isso? – protestou.

— Me mostra seu cajado – Inara rebateu. 

A franja escondia parte de seus olhos, mas a parte que estava clara mostrava uma irritação. Aurora diria que esse era o padrão, mas havia algo a mais na fala brusca.

— O quê? Pra quê?

— É por isso que os Curupiras foram no quarto. Mostra – tentou chegar até onde ela guardava. 

— Ei, espera, calma – se livrou da menina. – Eu mostro, tá bom? Mas o que você disse? Curupira?

— É, espíritos da floresta que sentem magia – explicou, cruzando os braços, para em seguida completar: – E agora eu sei o porquê. É por causa do Orabutã!

Aurora colocou o dedo indicador sobre a boca, para que a colega ficasse quieta.

— Fala baixo, por favor – retirou-o do bolso, tentou se explicar. – É... tá bom, olha aqui, foi o único cajado que me aceitou quando fui na loja.

Inara encarou o instrumento como se ele fosse um deus. Entretanto, desviando o olhar de lá com dificuldade, voltou a fitar a garota.

— Por que Orabutã te escolheria? – perguntou, mais para si do que para ela. – O que você tem de mais?

— Eu não sei – rebateu. – Mas eu achei que era só um material, só uma madeira rara, não?

Como de costume, Inara aparentou ter se ofendido. Dessa vez, com a mesma reação de quando Aurora se envolveu com os fantasmas na floresta.

— Não, não é! Você entende que foi por causa disso que muitos na minha família morreram? Por causa de pedaços de madeira assim? – ela tentou conter a voz, mas não conseguiu. – Não faz sentido que tenha te escolhido depois de tudo isso. Você não merece.

— Inara, olha, eu sinto muito – tentou –, mas eu não tenho a ver com isso. Eu fui comprar um cajado e esse foi o que eu recebi. O que eu posso fazer?

— Primeiro, a estátua. Depois isso – respondeu, comentando para si outra vez.

— Olha, eu não sei o porquê que nem você. Então, enquanto a gente não descobre, que tal a gente ir pra aula? – pediu. – Vamos nos atrasar.

As duas sabiam que já haviam perdido o café da manhã. Então, antes que a colega concordasse, Aurora apressou os pés para deixar a sala. Ajeitou a bolsa de canto, olhando ao redor, vendo a construção de pedra também recheada das pegadas negras. Pensaria nisso depois, ainda tinha a tarde toda para estudar um bocado de coisa.

A menina a seguiu logo depois.

A Professora Ruína estava no comando da classe de Feitiços, e alguns sussurros terminaram quando a mulher resolveu empostar a voz. Por pouco, a aluna não foi pega no esporro por ter chegado atrasada. Esgueirou-se até a sua carteira, pôs um pergaminho a sua frente e sacou sua pena, pronta para anotar, já que o quadro começava a encher com letras surgindo sem que a professora as escrevesse. Antes que pudesse focar na tarefa, um menino de faixa azul no braço e cabelo engomado sussurrou a ela:

— Ei, é verdade que tinham pegadas no dormitório de vocês também?

— É – cochichou de volta, interessada. Agora gostaria de saber melhor sobre o assunto, afinal, ele dissera também. – Espera, elas apareceram em Jaci?

— Só nos dormitórios masculinos – explicou, voltando à frente para fingir que prestava atenção ao texto surgindo linha por linha. – Mas parece que em Guaraci tinha por toda a parte. E no de vocês foi só nos das meninas?

Uma outra voz se uniu a conversa, um menino de cabelo raspado com uma faixa vermelha sobre a cabeça. Aurora lembrou que precisava de uma para simbolizar a casa.

— Não, tinha no dos meninos também. Muitas no teto, principalmente – comentou, um pouco mais alto do que os demais.

A sala ficou silenciosa de repente, e os três que estavam na conversa, tentaram entender o porquê. Encararam o quadro de giz e viram que a matéria havia sido apagada, e no lugar, uma frase gigante marcava quase o quadro inteiro. Então, o trio ficou em silêncio.

Os três destruíram UM quadro de matéria, quanto tempo até que vocês percam TODO o conteúdo, relembrou Aurora, enquanto deixava a sala depois da boca ressecar de tanto tempo fechada. Ela tentou uma ou outra conversa paralela, mas houve um combinado entre os alunos para que não perdessem mais conteúdo daquela matéria. Todos temiam a mulher que lecionava, e a bruxa entendeu que o nome encaixava na persona.

Contudo, durante o silêncio que se fez na sala de aula, a garota esperou um barulho. O de Inara, entrando na sala. Ela havia seguido junto dela por todo o caminho, e por algum motivo, perdera a classe. Talvez estivesse com receio de adentrar a turma de Ruína, o que seria compreensível, se ela soubesse da fama de carrasco da mulher. Como não sabia, pensou que deveria estar fazendo outra coisa, e é claro, torcendo para não ser pega matando aula para fazer seja lá o que fosse.

Saiu de uma das torres, direto para o pátio aberto para ver os alunos treinando algo numa área ampla. Voavam (ou tentavam fazê-lo) em vassouras, desconcertados para se equilibrarem e ruins com suas propulsões. Pareciam primeiranistas, e pelas cores que esbanjavam em seus acessórios, eram do time de Guaraci. Por sua lista de matérias, Aurora sabia que estava prestes a testar aquilo, e mal podia esperar.

Além dos iniciantes tentando decolar, ela viu o campo de Quadribol ao fundo. Reparou nas traves suspensas, nos aros, nos alunos disparando e se chocando no ar, numa velocidade que a fez recuar um pouco em sua vontade de voar. Parecia impossível dirigir algo sem volante, mas ela afastou o pensamento por entender que, com magia, as coisas podiam ser diferentes. Antes de desviar o olhar dos jogadores, viu outro campo vazio, composto de uma área retangular, uma linha horizontal no meio e outras duas separando uma reserva nos fundos de cada lado. Deveria ser para o Queimadobruxo, que soava bem mais seguro por ser no chão.

Correu até a próxima torre, e ao embarcar nas escadas, viu Nino tremer enquanto apertava um livro grosso com as duas mãos. A próxima aula era de Poções, então a tremedeira era justificada, apesar de que o que ele contava da mãe e o que ela era eram coisas muito diferentes.

— Oh, Aurora, que bom vê-la – disse, pomposo como habitual. – Espero que não tenha se assustado com as pegadas.

— Não me assustei, não. Mas você parece assustado pra ir até a aula da sua mãe – rebateu ela.

Antonino corou um pouco, porém entendeu que deveria estar transparecendo. Consertou a coluna curvada, inflou o peito e os dois riram um pouco, antes que Nino voltasse a ficar tenso quando atravessaram a porta e viram o caldeirão.

A aula foi produtiva, e Nino respirou aliviado quando deixaram-na, ouvindo o aviso para trazer o caldeirão para a próxima classe. Seria uma atividade prática e por isso, o menino se tremia tanto.

— Por que tanto medo?

Os dois seguiam para o salão do refeitório, antecipando o almoço. A escadaria, mesmo iluminada pelo sol de meio dia refletido nas cascatas laterais, aparentava ser um caminho tranquilo de temperatura amena.

— Ela e meu pai são impassíveis — Aurora estranhou o uso da palavra. – Não posso errar num passo em falso que sou pego, acusado e castigado. Me acostumei em casa, mas aqui é diferente.

— Por quê?

— Porque não quero ouvir um dos discursos deles na frente de todos vocês – acrescentou, com uma voz tristonha.

Aurora pensou em consolá-lo, mas não sabia como. Então, devolveu uma experiência própria, para que ele se sentisse melhor de ter falado da sua.

— É melhor que não ganhar atenção por nada que faz. Meus pais vivem fora, ocupados, e mal sabem de metade das coisas que eu faço – disse.

— Ao menos, deve ser tranquilo – Nino percebeu que tinha cometido um erro e enquanto escalava um dos últimos degraus, já próximo das portas duplas, repensou: – Quero dizer, você pode fazer o que quiser, sem ser julgada.

Aurora considerou. Não sabia se concordava. Os dois interromperam o papo porque tinham que anunciar à estátua que pediam licença para suas entradas. As mesmas liberaram, e alguns alunos que desceram voando em suas vassouras, aproveitaram para passar antes que se fechasse outra vez. Dentre eles, um garoto aterrissou errado, e tropeçou, como se catasse grãos de milho e por pouco não chocou-se contra Aurora. Quando o sujeito ergueu os cabelos cacheados junto dos olhos castanhos, reparou que era Matheus.

— Desculpa, Aurora, pelo amor de Deus – disse, ofegante. O rosto estava suado, as vestes pareciam abafadas. Antes de se recompor, acenou para uma garota de cabelo muito loiro com uma espécie de topete como penteado, que devolveu o aceno com um sorriso. – Te machuquei?

— Não machucou não – comentou, observando a menina se ajeitar na mesa de Jaci, levando sua vassoura. – O que tá acontecendo?

— O quê? Como assim? Ah, você diz o voo? – pensou ter entendido, coçando a cabeça. – Minha primeira aula de voo foi ontem, mas como eu tava batendo muito, pedi umas dicas pra Letícia. Ela me deu umas ótimas, tanto que eu só caí umas quinze vezes hoje!

Aurora arregalou os olhos, impressionada. Primeiro porque ele contava aquilo como uma vitória e segundo pela proximidade da ex-bully do rapaz. Nino havia se distanciado, e mal podia recorrer a ele para estranhar. Ao longe, chamava-os para um lugar na mesa.

— Eu fico feliz por você – eles voltaram a andar, e Matheus se batia no trajeto, para tirar a poeira.

Na verdade, queria dizer que achava suspeito toda aquela proximidade, mas a felicidade do garoto era tão contagiante que preferiu não destruí-la. Antes de sentar na mesa, tentou ver o outro lado, à procura da garota. Ela arrumava o cabelo, pondo uma mecha por trás da orelha, enquanto falava com algumas amigas. Quase atrás, na mesa de Guaraci, o rapaz Luka que dispara o feitiço em Matheus na Avenida 25, conversava com os amigos sem tirar os olhos de Letícia. Parecia avaliá-la, e Aurora buscou o mesmo na menina, até que o olhar do rapaz saltou da garota de Jaci direto para ela. A bruxa sentiu a espinha gelar, desviou o olhar com o susto e sentou-se na mesa. Percebeu que mal respirava quando encarou o prato vazio à frente.

Que encarada! Garoto esquisito...

— O anúncio vai ser sobre isso, foi o que eu fiquei sabendo – Matheus disse, quando a menina finalmente decidiu ouvir. – Aurora, como foi no seu quarto?

— O quê? – faltava-lhe contexto.

— As pegadas – ele respondeu, brincando com o garfo.

— Ah – lembrou-se da série de marcas sobre o beliche, tocando o chão e a parede próximo dela. – Foi...

Uma outra figura respondeu por ela, sentando-se ao lado de Matheus, empurrando-o para o lado.

— Foi muito. Tinha por toda a parte. Principalmente perto da Aurora – Inara disse.

A garota resistiu ao ímpeto de perguntar onde a menina esteve para perder duas aulas, mas tentava lê-la antes de falar qualquer coisa; ela ainda encarava-a como se desafiasse, agora com um segredo a guardar.

— Isso é verdade? – Nino perguntou, preocupado. – E você está bem?

— Eu estou – devolveu, e antes que pudesse acrescentar à própria resposta, foi cortada.

— Caraca! No meu quarto só tinha uma trilha – Matheus afirmou. – Mas no quarto do Marcos, que é primeiranista que nem a gente, tinha muita em cima de uma cama só.

— Por que em algumas tem mais? O que eles queriam? – Antonino perguntou, como se formulasse uma teoria.

Aurora trocou olhares com Inara, e as duas quase trocaram mensagens mentais sobre o silêncio de ambas. Até que, antes que pudessem perguntar mais, a diretora levantou-se de seu assento, atraindo a atenção de todos. Agora, encarando a elevação onde os professores estavam, notou um detalhe. Além da estátua de Anhangá ajoelhada, viu os mesmos traços de pegadas pintadas sobre cada uma delas, com mais intensidade na figura com a pepita vermelha.

Benedita pigarreou, o cajado acendeu a pedra dourada na ponta e a voz dela soou num volume perfeito.

— Bom dia, estudantes de Castelobruxo. Creio que sabem dos últimos acontecimentos relacionados as pegadas dos Curupiras – disse, e Aurora sentiu o queixo despencar.

Voltou a encarar Inara, e viu apenas o pescoço virado para a mulher que falava na frente. Ela estava certa.

— Pois bem, devo-lhes explicar que a estadia desses seres em nosso castelo é milenar. As fundações dessa instituição só foram estabelecidas com a permissão dessas criaturas. Costumavam viver entre essas matas, porém agora, apenas seus espíritos residem aqui. E diferente dos fantasmas, podem materializar-se quando há uma alta movimentação mágica no local – explicou, e depois estendeu uma mão na direção da estátua de Anhangá. – Como podem ver nas estátuas...

Aurora reparou outra vez que havia mais pegadas na estátua de Anhangá, assim como havia mais pegadas próximo de onde estava dormindo. Não podia ser coincidência.

— Então – a mulher continuou, sem perder a compostura por ouvir um sussurro das outras mesas –, já que, em todos os anos letivos recebemos calouros, a movimentação dessas criaturas se amplia por causa das essências mágicas novas, e as marcas aparecem. Não há o que se preocupar.

Ela fez uma pausa e muitos primeiranistas suspiraram aliviados. Foi então que a garota notou que não havia comoção da parte dos veteranos desde que as marcas foram encontradas. Antes que pudesse concluir sua teoria, Aurora ouviu mais uma vez a mulher se pronunciar.

— Entretanto, existe algo que fazemos todos os anos que leva esses eventos espirituais em consideração. Monitores, por favor.

Aurora desviou o olhar para sua mesa, para ver Maria e Kevin se levantarem. Até as feições exaustadas de Maria se transformaram, em respeito a diretora. Os monitores dos outros times também se ergueram. Uma dupla que incluía Letícia em Jaci, e outros dois em Guaraci que a menina não havia reparado o bastante para reconhecer. Junto deles, os inspetores das casas também tomaram posição próximo de Dourado, formando uma fila de adultos e outra de pré-adolescentes.

Ruína, que agora trajava-se de um vermelho vibrante combinando com o ruivo de seus cabelos. Miranda, cuja passada alegre no vestido azul royal arrancou um riso de Dourado. Era fácil de reconhecer o parentesco entre elas: desde a camaradagem até a semelhança. Em Guaraci, Aurora reconheceu o professor como o bufão da aula de História da Magia, Professor Aquino. Quando ele tomou o lugar atrás de seus monitores, alguns cochichos de sua mesa fizeram piadas inapropriadas. Nos dois extremos, haviam professores que os alunos preferiam caçoar a respeitar.

Com tudo posicionado, a diretora voltou ao discurso.

— Acredito que notaram alguns pontos onde essas marcas ficam mais proeminentes, correto? Isso tem um simples motivo – Aurora sentiu-se gelar, encarou o pescoço de Inara mais uma vez. 

— É onde a concentração mágica mais atrai os Curupiras. E graças a isso, desde que dirijo este lugar, defino estes primeiranistas como os mais promissores dentre os calouros.

A bruxa quase não reparou no quanto o sorriso havia se aberto, de tão hipnotizada. Os mais promissores, deixou que a sensação se espalhasse. Estava ouvindo isso daquela mulher. Era a verdade dita por uma voz que sabia de muito, que vivera o suficiente para afirmar o que afirmava. Então, ainda mais animada, ouviu o restante:

— Sendo assim, caso aceitarem, é claro, são estes os escolhidos para o Clube de Duelos do Festival de Dia dos Mortos! – anunciou, deixando ser saudada com vivas.

Os aplausos ecoaram, viu cada uma das palmas bater devagar e cada um dos olhares orgulhosos dos veteranos, e ainda assim, não conseguia acreditar. Mal sabia como reagir àquilo, afinal não conhecia a tradição do Clube de Duelos, porém, dava para entender que estava alegre porque soava importante.

E aquela alegria era nova.

Por sua vez, a diretora prosseguiu no anúncio, continuando a explicação.

— Como já devem ter ouvido, o Clube de Duelos se dá através de uma interclasse de alunos em cada ano. Primeiranistas enfrentam secundaristas, e assim por diante, enquanto que os vencedores do ano anterior assumem a posição para o ano seguinte. Portanto, já que sabem quem será o competidor para cada ano subsequente, chamaremos apenas aqueles escolhidos pelas Curupiras. Quando ouvir seu nome, por favor, venha à frente.

Um pergaminho voou até a diretora e flutuou para que ela lesse os nomes. A moça ajustou os óculos, considerou o que estava escrito:

— Aurora Magalhães! – disse, deixando o olhar cair sobre ela.

O corpo da garota entrou em êxtase. Levantou-se num salto sem perceber, e assim que os aplausos de Anhangá se alucinaram, quase tropeçou em seus próprios passos. Avançou até seus monitores, que sorriam para ela, enquanto Ruína aplaudia palmas curtas atrás deles. Abriu ainda mais os lábios quando virou-se de volta para a mesa. De onde estava, além do restante dos alunos aplaudindo forte, conseguiu ver Matheus vibrando junto de Nino, enquanto Inara mantinha sua feição dura.

Atrás dela, Maria disse algo, e ela não compreendeu. Ainda estava perdida nos próprios batimentos dentro do peito.

— Eu disse para estender o braço – repetiu a garota, educada, e Aurora obedeceu.

Com o membro erguido, Maria sacou o cajado para conjurar algo, e um segundo depois, uma faixa se manifestou. Um acessório vermelho para Anhangá, de um tom mais escuro do mesmo escarlate. Sorriu ainda mais, e notou os seus veteranos devolverem o gesto. Pediram postura, e ela o fez, para ouvir o restante dos nomes. Dourado pigarreou, preparando outra chamada, dizendo em seguida:

— Inara!

Aurora bateu palmas em resposta, mais altas do que o restante vindo da mesa. Não esperava ouvir aquele nome seguido do dela, mas ficou agradecida por ter quem fora escolhido. Ao menos, teria uma parceira no Clube de Duelos.

Inara aproximou-se para a cerimônia de aceitação e estendeu o mesmo braço. A faixa enrolou-se, dessa vez com o comando de Kevin, para um agradecimento sucinto da garota. Depois, virada para as mesas, na postura esperada para a situação, não disse uma palavra a Aurora.

— Ei, parabéns – a menina tentou, com um sorriso simpático, mas não ouviu resposta.

Assim, Dourado já havia passado para a casa de Jaci. Os dois calouros foram chamados, receberam suas faixas e concluíram suas palmas. Aurora lamentou que Matheus não tivesse sido escolhido, mas por sua reação, ainda na mesa de Anhangá, pôde ver que ele não havia se preocupado nenhum pouco. Passando para Guaraci, uma dupla de peruanos – ela reconheceu pelos sobrenomes em Quéchua – foi chamada à frente. E assim, todos os competidores primeiranistas haviam sido escolhidos.

— Aos que não foram escolhidos – Dourado acrescentou –, não se preocupem. Isso não significa, em nenhuma instância, que são menores que os que foram. Potencial não significa sucesso – disse, ao mesmo tempo consolando os descartados e alertando os escolhidos.

Os alunos compreenderam o recado e aguardaram sinal para a refeição. Mesmo empolgados com os anúncios e as festividades, estavam famintos. Dourado recheou as mesas com uma batida de cajado e voltou a se sentar, permitindo que todos os outros fizessem o mesmo. Aurora ainda admirava sua faixa quando pôs-se a se mover, porém, acabou tropeçando quando uma pessoa interpôs seu caminho. Era um sujeito alto, desnutrido, de roupas largas e sapatos frouxos. O olhar cansado deixava as bochechas magras ainda mais proeminentes.

— Me desculpa, inspetor Javier, tava distraída – Aurora interveio. – O senhor está bem?

— Ah, não precisa se desculpar – ele respondeu com um sorriso. A garota assustou-se com o tamanho dos bolsões embaixo dos olhos. – Estou sim, srta. Magalhães. Estou apenas um pouco cansado.

— Tudo certo – confirmou, acreditando que o sujeito estava diminuindo seu problema.

— Parabéns por ter sido escolhida, é uma boa responsabilidade – disse. O jeito que falava entrecortado lhe dava um ar de pena. – Creio que a maior de todas para um primeiranista – ele mexeu em algo em seu paletó marrom, tirou um globo de vidro com base de madeira. – Eu costumo entregar um amuleto da sorte a cada estudante que participa do evento, então achei que deveria lhe dar isso. É um Projector.

— Oh, obrigado, mas... – a menina ficou receosa. – Não sei se posso aceitar.

— Ah, por favor – insistiu. – Entreguei a todos os competidores. Seria injusto que você não tivesse um.

A garota olhou ao redor. Em Jaci, um dos escolhidos para o Clube estava lançando o globo para cima, enquanto o outro analisava de perto e tentava enxergar algo dentro. Na última mesa, havia algo projetado dentro do vidro, e um círculo de pessoas em volta tentando ver o que era.

— Certo – aceitou o presente.

Olhando de perto, havia uma pequena nuvem vermelha dentro, indo de um lado para o outro, como se buscasse algo para fazer.

— Mas o que um Projector faz, inspetor?

— Ele projeta o que você mais quer ver se você esfregar a superfície do vidro – ele respondeu, tocando a abóbada com o indicador magro. Esfregou um pouco e a névoa vermelha reproduziu algumas imagens, onde uma mulher descansava após ter limpado a casa, encarando clima de céu limpo do lado de fora. – Minha esposa... sinto tanta saudade – comentou. Percebeu sua emoção e retirou o dedo, apagando a figura.

— Isso é incrível – Aurora sussurrou, vendo a névoa retornar à sua cor original junto da sua movimentação base.

— Claro que é – o inspetor se recompôs, tossindo na dobra de seu antebraço. – É uma ferramenta incrível.

— Muito obrigado, inspetor, vou guardar com carinho – informou, enquanto lhe entregava um sorriso sem dentes.

— Por favor, foi um item difícil de construir – entregou, se despedindo com um aceno de cabeça e um sorriso.

Não foi o mais belo dos sorrisos, de fato, mas Aurora considerou que fosse o cansaço outra vez. O sujeito poderia ter gastado boa parte da sua energia para fazer aquele objeto, portanto tinha de respeitá-lo o máximo que podia.

Voltou à sua mesa, recebendo diversos acenos dos outros integrantes do time, como se agora, fosse um membro de uma família. A comparação era boa porque assim como em uma família, conseguia ver membros agregados; como Matheus que disfarçava-se com sua faixa azul entre os vermelhos, sem se preocupar em fazer falta na mesa de Jaci. Era um dos poucos momentos onde podiam confraternizar juntos, sem contar nas aulas onde tinham que ficar quietos.

E o que fortalecia ainda mais a formação familiar, era o fato de haver aqueles membros que apesar de fazerem parte da configuração, se destacavam por parecerem hostis a novos integrantes. Essa era Inara, encarando-a com desconfiança, mesmo que as duas portassem a mesma faixa rubra.

Talvez o Clube as aproximasse, mas Aurora duvidava bastante disso. E duvidava também se gostaria que isso acontecesse.

 


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