Resiliência escrita por Ahelin


Capítulo 1
Resistência


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo tem como tema a música sorteada pra mim na Era I, Tropa de Elite - Tihuana.
Boa leitura!



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Um barulho seco ressoou quando outro soco atingiu seu queixo, quase no mesmo lugar que os anteriores. A diferença era milimétrica. Pontadas de uma dor aguda pareciam rasgar-lhe a carne do rosto. A pele formigava, a visão falhava, um riso distante ecoava.

— Vadia — xingou o dono da mão que lhe desferia os golpes. Em sua voz, havia mais deleite do que raiva; ele parecia sentir prazer com a tortura. — É melhor você abrir o bico antes que eu me canse de ser bonzinho. 

Mesmo tonta, ela ergueu a cabeça e o encarou diretamente. Manteve o silêncio, sustentou o olhar e o desafiou com um erguer de sobrancelhas. Estava longe de chegar ao seu limite. Se necessário, morreria ali. 

— Acabe com isso, Freitas, essa aí deve ser muda — reclamou um segundo, surgindo de algum ponto do quarto escuro. — Ou nós podemos nos divertir um pouco...

A frase ficou no ar enquanto ele se aproximava e tentava tocar o joelho da mulher. O pé dela o atingiu entre as coxas, fazendo-o engasgar.

— Meus parabéns — ironizou Freitas. Os gemidos abafados do outro ainda eram audíveis em algum ponto do chão. — Não, ela não serve nem pra isso. Pelo menos, não enquanto estiver viva. — Ao dizer isso, ele pegou da mesa uma pequena faca. Não parecia ser capaz de muito estrago, mas Luíza sabia por experiência própria que as aparências podiam enganar. — Diga-me onde se reúne seu grupinho inútil e talvez possa viver mais alguns dias. 

— Não sei do que está falando — murmurou a mulher com certa dificuldade. Mal conseguia manter a cabeça erguida, mas mesmo assim tentou outra vez se libertar. Nenhum sucesso; suas mãos e tronco continuavam amarrados firmemente à cadeira. Ela amaldiçoou a luz branca mirada em seus olhos que a impedia de ver qualquer coisa um palmo à frente.

— Vagabunda estúpida. — Freitas encostou-lhe a faca no pescoço. — Sabemos tudo. Sobre os protestos, os atentados a organizações públicas, as conspirações contra o governo. Seus pequenos rebeldes de merda acham que podem resistir? Nós somos o governo. A lei. — A cada palavra, a pressão da lâmina se tornava mais forte. 

— Cale a boca, Freitas — reclamou o outro, aparentemente recuperado. — Em vez de ficar falando, mate-a de uma vez. 

— Cadê seu senso de humor, Souza? — Uma gota de sangue riscou o pescoço dela. — Olhe só, sua vida está por um fio. Aposto que gostaria de ter continuado atrás do fogão. 

Ela fechou os olhos e respirou fundo. Eles viriam para lhe buscar logo, precisava aguentar. Se não chegassem a tempo, morreria em silêncio. 

Luíza ouviu passos se aproximando. De repente, Freitas se afastou. 

— Freitas, precisa ver isso — disse uma terceira voz.

— O que é, droga? — Ele soltou um longo suspiro. — Ah, ótimo, uma pedra. Você me interrompeu por causa de uma pedra?

— Quebraram a janela do térreo com ela — respondeu o desconhecido. — Veio com um recado pra você. 

Sons de papel sendo manipulado antecederam uma risada seca de Freitas. 

Tropa de Elite — leu. — Bom, meus parabéns, Lima, você acabou de ser alvo de uma brincadeira de crianças. Vá dar uma olhada na rua, o toque de recolher foi há meia hora. Se encontrar qualquer um, dê nele uma surra e o envie para casa.

— Sim, senhor. — Lima deixou a sala. 

Luíza sorria, encarando o chão. Era apenas questão de tempo. 

— O que é tão engraçado? — ralhou Freitas. 

Ela não precisou responder. As janelas da sala foram quebradas e seus amigos entraram, aos gritos. Um deles partiu para cima dos dois militares que a interrogavam, outro a desamarrou e a ajudou a ficar de pé. Armas foram disparadas, mas apenas uma pessoa foi atingida. Em meio à confusão, ninguém percebeu. 

— Tudo bem, chefe? — Perguntou o garoto, cheio de humor, passando o braço dela em volta dos próprios ombros. Era o mais jovem do grupo, mas também o mais inteligente. Com certeza fora o responsável por terem chegado ali tão rápido. 

— Melhor impossível. É hora de sairmos daqui.

A viagem de volta foi mais longa que o habitual. Deram a volta em alguns quarteirões e cortaram caminho pelas praças até despistarem os perseguidores. Já passava das onze quando chegaram a uma das casas que lhes serviam de sede. 

Quase todos estavam ali: estudantes que, como ela, não se conformavam com a situação vivida pelo país. Num dos cômodos, era feito o jornal que circulava pela cidade mencionando o nome das pessoas desaparecidas durante a noite. Em outro, eram planejadas as passeatas. Num terceiro, havia um rádio sintonizado na frequência dos aparelhos dos militares, suficiente para conseguir as informações de que precisavam para os jornais. 

Algumas vezes, ouviam coisas que os ajudavam a resgatar um inocente. 

Luíza foi recebida calorosamente. Era a líder deles, a primeira a se levantar contra aquela ditadura e a buscar outros na cidade para lutar ao seu lado. 

— Tropa de Elite? — perguntou, sentando-se no sofá. Foi socorrida por Marcos, um colega que estudava enfermagem antes daquele inferno começar. — O código era Elite Estudantil. 

— Achamos que Tropa de Elite causaria mais impacto — respondeu Ricardo, o mesmo garoto de antes. Teria um grande futuro como engenheiro quando - e se— as coisas se acertassem. 

— Vocês estão perdidos sem mim — brincou ela. 

— É, estamos, mas tem que admitir que somos isso duro de roer. — Julia, a escritora do jornal, ajudou Marcos a terminar os curativos. — Você vai ficar escondida por um tempo. Não sabem seu nome, mas é questão de tempo até descobrirem. Foi burrice pichar a parede da prefeitura, Luíza. 

— Nem tanto. — Luíza esfregou os pulsos, que ainda formigavam nos locais que as tiras de couro haviam prendido sua circulação. — Freitas, Souza e Lima. São os caras que estiveram na sala comigo. Ricardo, descubra algo sobre eles no rádio. Julia, certifique-se de que esses nomes apareçam em letras bem grandes na primeira página do jornal. 

Os dois saíram imediatamente, enquanto Marcos a encarava. 

— Você não tem jeito, tem?

— Em tempos como esses, o jeito é não ter jeito — respondeu ela, batendo de leve no ombro do amigo.

— Vou te arrumar um analgésico — garantiu ele. — O Cláudio e o Antônio vão à farmácia amanhã. 

— Amanhã tem o pronunciamento do governo, não se esqueça do protesto. Temos que reunir todos, certo? A Julia deve ter escrito sobre isso. Avise cada pessoa que encontrar, estou com um bom pressentimento. A nossa Tropa de Elite vai pegar todos aqueles babaca. 

O homem assentiu com um sorriso e foi fazer o que podia. Sozinha, Luíza respirou fundo e pegou os primeiros-socorros que estavam na outra ponta do sofá, ocupando-se em retirar a bala da lateral esquerda de seu quadril. 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado ♡



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