O Incidente do Pote de Biscoitos escrita por OITO


Capítulo 4
PARTE FINAL – OÖRONA E POLIOSSO SE ARREPENDEM - PARTE TRÊS


Notas iniciais do capítulo

E chegamos ao final.
Muito obrigado por me acompanhar até aqui.
Peço apenas que, ao final da leitura, deixe um comentário para mim. O que acha?
Ganha um biscoito do pote! Ahá!
Até a próxima! ;D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/741323/chapter/4

O porco o recepcionou com mau humor, compreensível resposta ao desaforo de colocá-lo para fora de uma casa transbordando de comida deliciosa e de um incrível perfume adocicado, desses que penetra a alma e se assenta lá dentro como uma lembrança distante da infância. A mãe bateu três vezes na janela e indicou a porta. Sim, era evidente que Guiobino a abriria, mas precisava de um plano muito melhor antes de tomar qualquer medida. Ele se pôs de pé em frente a janela e olhou para dentro, pedindo que Fenilloria – não a chamou pelo nome, é claro – saísse da frente e deixasse-o olhar lá dentro e… oh, meu Deus, mas o que era aquilo?! Um pote! Um pote com longos cipós e vinhas douradas-brilhantes, espalhadas por todo lado, movendo-se como pequenas cobras-cipó num ninho. Algo precisava ser feito imediatamente!

Ele apressou-se para a porta e, quando já estava com a mão na maçaneta, pensou por um segundo ou dois. Virando-se lentamente para o lado, como imaginado! quem pensaria o contrário?, estava o porco, roendo-se num tipo incompreensível de expectativa suína. Incompreensível, é claro, para os humanos, mas pergunte a qualquer porco e ele logo lhe dirá que a expectativa desse tipo é uma longa agonia: ela começa nos seus pezinhos e, como uma centelha que se torna uma brasa, sobe devagar por entre as patinhas e o lombo, incendeia o bacon e, quando menos se espera, já ferveu as costelas e o pobre-coitado pensa que está assando numa churrasqueira! Godofredo balançou a cabeça rapidamente e, percebendo-se à porta, voltou o olhar em direção a Guiobino.

“Você não vai abrir essa porta?” perguntaram os olhos do porquinho.

Guiobino correu rapidamente de volta à janela, acompanhado do porco, que soltava uma sequência de impropérios – os quais, por ser muito educado e saber que vocês, meus caros leitores, são tremendamente educados, não reproduzirei aqui de maneira alguma.

O homem bateu à janela e esperou pela mãe.

“Abra a janela,” murmurou Guiobino.

Fenilloria balançou a cabeça afirmativamente. Alguns biscoitos caíram para fora, mas nada tão terrível, como aconteceria se ele tentasse entrar pela porta da frente. Godofredo enfiou o focinho nos biscoitos e voltou a sonhar com um mundo transformado num gigantesco chiqueiro, onde ele chafurdava em puro contentamento. Não entrarei nesses detalhes, pois está diretamente ligado a cenários outros que não cabem aqui.

Guiobino entrou pela janela, arrastou-se sobre o chão de biscoitos e começou a avaliar os estragos. E, que coisa terrível, era mesmo um grande estrago. Seria muito maior se não tivesse chegado a tempo, pensou ele, mas logo solucionaria todo o problema. Logo, logo.

“Parece que vocês andaram mentindo um pouquinho, não é, crianças?” perguntou Guiobino, aproximando-se lentamente do pote, escutando o ritmo dos sons e calculando o tempo entre um grande jato de biscoitos e outro. Havia mesmo algo ali, mas não sabia ainda exatamente o que era; precisava compreender, antes de tudo, que tipo de manifestação era aquela.

“Ah, se mentiram. E quando isso acabar… ah, vocês não perdem por esperar!” disse Fenilloria, cujas ameaças sempre se concretizam.

“Preciso entender o que está acontecendo aqui antes de fazer qualquer coisa,” disse Guiobino. Aquela não parecia ser uma peça terrível, mas havia algo diferente naquele padrão. “Vocês, bem vocês sabem o que é uma assombração, não é mesmo?”

“Assombração?! Você está dizendo que isso é uma assombração?” perguntou Oörona, aproximando-se devagar, contornando as vinhas entrelaçadas, próximas aos seus pés. As vinhas do cipó já alcançavam os cantos da sala, algumas começavam a subir pelas paredes.

“Não é uma assombração como as pessoas costumam imaginar. Existem muitos tipos de assombração e esse não é um tipo muito desagradável. Agradeçam por isso! Se fosse uma assombração ruim e esperta, os faria acreditar ser algo bom e depois derrubaria o inferno sobre vocês,” informou Guiobino, e chamou as crianças para perto de si, com as mãos. “Sabe, os objetos costumam ser assombrados. Nunca é algo relacionado com fantasmas, como imaginamos. Os fantasmas são bem piores; as assombrações verdadeiras são causadas por humanos, por pessoas como vocês e...” ele vacilou um pouco, mas continuou, “eu. As assombrações são coisas muito mais complexas e estão relacionadas conosco, com os seres humanos. Nós fazemos as assombrações das peças. Nós assombramos as peças. Essa é uma boa assombração, talvez. Quem disse que mágica não existe? A assombração de uma peça é a coisa mais mágica que vocês podem conhecer.”

“Isso não me parece nem um pouco mágico,” resmungou Fenilloria, “isso me parece uma assombração como eu sempre pensei: coisas terríveis e assustadoras.”

“Eu não tenho medo de biscoitos coloridos. E essas vinhas não me parecem tão desagradáveis. Elas estão quase afagando as coisas. Não, isso aqui é algo diferente. Há quanto tempo essa peça está na família? Me pergunto por que ela se manifestou apenas agora.”

“Em nossa família? Algumas semanas, talvez um ou dois meses,” disse Fenilloria.

“Como? Em tão pouco tempo?! Onde vocês conseguiram isso?”

“Estava em nossa porta...” começou Oörona, apontando em direção à porta fechada.

“… nós encontramos e trouxemos para casa. Era bonito demais para deixar lá fora,” completou Poliosso, e Guiobino percebeu que a mão estava estendida, exatamente como a mão da irmã. Meu Deus, eles estavam fazendo aquilo de novo. Ele engatinhou um pouco para longe das crianças.

Mas pensou um pouco sobre o que eles disseram. O nível de biscoitos sob seus joelhos aumentando e aumentando. Ah, claro, então era esse tipo de peça?

“Vocês comeram muito desses biscoitos?” perguntou ele.

“Eu comi um,” respondeu Poliosso.

“Você comeu muitos, eu vi,” disse Oörona, com esgar. Apontou com a cabeça para a mãe. “Fenilloria também.”

“Como assim você não chama sua mãe de mamãe?” perguntou Guiobino, evidentemente surpreso.

“Todos comemos muitos,” disse Fenilloria, ignorando-o. “Nem sei quantos eu comi. Venho comendo por dias a fio, pensando que eram eles quem estavam fazendo e, olha só, o pote faz os biscoitos sozinho.”

“Ah, claro, claro. Ele é como um pote mágico. Bem, algo como isso. Vocês gostaram dos biscoitos, ele percebeu que vocês gostaram e agora, aí está, ele está insistindo. O pote quer que vocês fiquem felizes.”

“Por quê?” questionou Poliosso.

“Porque ele está feliz, não está vendo?”

“Eu não sei como perceber o nível de felicidade de um pote de biscoitos, meu senhor.”

“Vocês se deram com um tipo muito simples de assombração. Agradeçam por isso. Na verdade, esse é um tipo consideravelmente afável de assombração. Todas as manifestações se voltam para a felicidade do próprio objeto e daqueles que o rodeiam. O problema é que, bem… eles nunca sabem quanto parar. Quanto mais felicidade vocês dão, mais felicidade eles querem. Por isso, vejam só, olhem ao redor. Vocês não sofreram sequer um ataque, apenas afagos e cumprimento e um suprimento vitalício de biscoitos.”

“Isso não é algo que eu gostaria,” disse Poliosso, “ou mesmo que eu pedi.”

Guiobino deu os ombros. Ele estendeu a mão para um dos fios balançando de um lado para o outro e, quando alguns deles se enrolaram em suas mãos, agradeceu rapidamente por aquele não ser um problema muito grande, como alguns que ele já enfrentara antes e pedia sempre para nunca voltar a enfrentar – mas sempre retornavam, não é? Os monstros sempre retornam.

“O que devemos fazer, então, para acabar logo com isso?” perguntou Fenilloria, sem mencionar sequer um momento o quanto aquele gesto de Guiobino, deixando as vinhas enrolarem em seus braços e se afastarem à própria vontade a desconcertava. “Quero acabar logo com isso e quero fazer antes que seja tarde. Antes que os vizinhos vejam o porco lá fora e venham reclamar.”

“Eles não vão reclamar,” disse Poliosso, mas não parecia estar ali. Seus olhos, hipnotizados pelos gestos de Guiobino, faziam-no estender lentamente as mãos em direção às vinhas, mas logo se afastava.

“Cala a boca, Poliosso!” berrou Oörona e deu um leve belisco no braço do irmão.

“O que querem dizer com isso?”

“Nada, não quero dizer nada,” cuspiu Oörona.

“Meu Deus, vocês voltaram a prender o porco do lado de fora?!” perguntou Fenilloria.

E era mesmo isso! As crianças, tão logo os primeiros meses do porco se passaram, o tempo mais divertido e encantador dos animais de estimação, quando ele ainda era apenas um leitão que não sabia diferenciar uma diversão do ato simples e básico de comer – e reclamar muito, já que Godofredo era mesmo um porco muito bravo –, tão logo perceberam as dificuldades trazidas por um bichinho de estimação, começaram a trancar Godofredo do lado de fora, para que não os importunasse. Era um gesto muito cruel, feito por duas boas crianças, mas isso era uma situação extrema, que conversava diretamente com os microuniversos em Poliosso e Oörona Prenel. É exatamente como a situação pouco frequente de discordância entre os dois. É algo que está lá, pois eles são duas pessoas completamente diferentes, afinal de contas. Foi este o momento que fez Guiobino respirar tranquilo: aquelas eram mesmo crianças normais – um mero conceito.

“Quantas vezes eu já falei para não deixar o porco sozinho do lado de fora?!” berrou Fenilloria, aparentemente esquecendo-se que o pote estava ali e sem perceber que ele estava, aos poucos, mudando mais uma vez, as cores se tornando mais vibrantes e o fluxo de biscoitos cuspidos por ele muito mais forte.

“Nos perdoe, não faremos mais! Ele consegue ser muito inconveniente de vez em quando!”

“Conversaremos sobre isso depois,” começou Fenilloria, e o pote aumentou a produção. “Vocês dois, ah, não perdem por esperar!” continuou a mãe, e a expressão no rosto de Guiobino começou a mudar, conforme as vinhas em seu braço, aos poucos, enrugavam o tecido, enquanto se apertavam cruelmente ao redor da pele. “Não sei ainda qual…” um, o pote parou, “o suprimento de diversão que começarei cortando,” dois, o pote soltou todas as vinhas, inertes ao redor, mas apertou ainda mais os braços de Guiobino, “mas tenham certeza de que se, por acaso, encontrarem outro, entra na lista de proibições!”

E aqui deu-se o maior dos problemas: o pote, enlouquecido, explodiu.

Não, ele não explodiu de verdade; é um modo de dizer.

Imagino que eles preferissem que tivesse explodido de fato; ah, não, não, o pote estava enlouquecido. Ele produzia os biscoitos como nunca fizera antes e o jato subia até o teto, batendo contra a superfície dura e caindo para os lados, em fragmentos de biscoitos e confeitos coloridos. As vinhas soltaram os braços de Guiobino Niguno; ele arrastou-se para longe do pequeno pote e afagou os próprios braços, enquanto as vinhas o seguiam lentamente. Ele se afastou o mais rápido que podia e as crianças berravam. A mãe esqueceu-se imediatamente da bronca, como havia esquecido dos biscoitos segundos antes, e empurrou os irmãos para trás de si.

“O que aconteceu?!” berrou ela.

“Eu acho que entendi o que há! O pote, ele não sabe quando parar! Ele pensa que vocês nunca estão felizes o suficiente. Vocês começaram a brigar! É isso! O pote está com medo de vocês ficarem descontentes.”

“Isso me parece muito altruísta para uma assombração!” berrou Poliosso.

“Não fui eu quem assombrou o pote. Foi outra pessoa!” exclamou Guiobino. “Ele está respondendo à infelicidade de vocês. Ou o que supõe ser infelicidade. Como provavelmente o antigo dono, ou os antigos donos, respondiam à infelicidade de outras pessoas – ou à própria infelicidade,” completou Guiobino e ele, puxando as mangas da roupa, olhou para as marcas nos braços. Estava tudo relativamente bem. Nenhum osso fora do lugar. Bom, muito bom.

“E o que devemos fazer?!” gritou Oörona. Os biscoitos cobriam os cabelos de Fenilloria com farelos; ela parecia muito mais velha.

“Deixe que as vinhas cheguem até vocês. É melhor eu não oferecer meus braços a ele, ao menos não agora. Ele pode me rejeitar. Façam o que eu disse e o pote vai tentar dizer. Ou, pelo menos, perceber se vocês estão satisfeitos.”

“Mas não estamos satisfeitos, estamos aterrorizados!” exclamou Oörona.

“Agradeçam a ele! É possível que a assombração entenda. Deixe que toque vocês e agradeçam a ele! É o melhor que podemos fazer.”

Pergunto-lhe agora: quem acreditaria que um agradecimento seria o suficiente?

As crianças se aproximaram devagar e tocaram as vinhas, que, gentilmente, subiram por seus braços, conforme a produção do pote de biscoitos diminuía. Guiobino, ainda que sentisse a dor dos apertos nos braços e as marcas do descontrole do pote estivessem sobre a pele em forma de marcas avermelhadas e doloridas, estendeu também os próprios braços e se deixou cumprimentar pela assombração. Fez apenas uma leve careta e murmurou inaudivelmente: “ossos do ofício”.

Fenilloria era a única que permanecia cética em seu canto; possivelmente, conhecedora dos mistérios sobrenaturais, como toda boa bruxa, ainda não estava muito certa de que aquele era mesmo o melhor a se fazer. Foi apenas algum tempo depois, quando o pote já havia parado de transbordar biscoitos e permanecia apenas cheio, quando o cheiro que impregnava o ambiente já havia se desfeito e as vinhas ao redor dos braços das crianças e de Guiobino já não estavam mais enroladas a eles – os cumprimentos demoraram um longo tempo, mas, ao cessarem, foi o suficiente. Oörona e Poliosso já haviam agradecido ao pote, assim como o próprio Guiobino o fez, após experimentar o mais delicioso biscoito de sua vida – ele esperou a névoa mágica inebriante cessar, antes de se aventurar naquele desconhecido –, apenas aí, no final de tudo, quando o pote já havia cessado todo o seu trabalho e restava apenas as vinhas que insistiam em sua direção, foi que Fenilloria Prenel sussurrou:

“Obrigada, pote assombrado.”

Mas ela não deixou que as vinhas a tocassem. Muito justo! As vinhas, aos poucos, como todas as outras, se encurtaram desaparecendo para dentro do pote – saberiam os céus onde – e a paz retornou à casa. Tudo bem, tudo estava em paz. O pote voltou à bela forma comum.

Aquele era um dos objetos mais engraçados que Guiobino já vira. O pote de biscoitos, como se nada jamais tivesse acontecido, ficou parado sobre o chão de biscoitos e farelos. A pilha por pouco não impossibilitava que saíssem pela janela. As crianças, se levantassem as mãos, poderiam tocar o teto. O silêncio, lá dentro, foi cortado apenas por um riso, muito divertido, vindo do pote assombrado: quem perguntasse a qualquer uma daquelas pessoas, escutaria dizer que a voz pertencia a uma vovozinha de contos de fadas.

 

☺☻

“Leve isso daqui,” disse Fenilloria. “Não quero isso em minha casa.”

“Eles podem ficar com o pote,” disse Guiobino Niguno.

Tudo estava bem. Não fosse por uma quantidade inacreditável de biscoito sob seus pés e toda a bagunça que teriam de limpar – e Guiobino Niguno se ofereceu para ajudar –, as coisas, talvez, estivessem um pouco melhor.

Guiobino não queria levar o pote consigo. Alguns objetos assombrados merecem estar com o tipo certo de pessoa; com o tempo, haveria ali uma harmonia sem igual – além disso, seria menos trabalho para ele, menos um objeto dentro de casa e, melhor de tudo, menos um relatório constante para escrever e enviar para as autoridades. Guiobino detestava explicar absolutamente tudo o que acontecia em sua casa para as autoridades. De tudo o que já aprendera e tudo o que poderia fazer de sua vida, ele escolhera, talvez, a melhor de todas, mas com a pior papelada para preencher. Ele não diria isso a ninguém; as autoridades, em si mesmas, eram um tipo de segredo intocável. Qualquer dia se falará mais sobre ela, mas ainda não é o momento devido.

“Sabe, eu acredito mesmo que aqui é o melhor lugar,” começou ele, “não sei se devo mesmo tentar te convencer a manter um objeto assombrado aqui, mas, de todo modo, agora vocês sabem como lidar com o pote. Sugiro apenas que não o sobrecarreguem e tentem não esquecer dele,” ele voltou-se para o objeto assombrado. Era mesmo muito bonito. Um pesar tão profundo tomou conta de Guiobino Niguno neste momento que não seria possível explicar em palavras; havia ali, eu ouso dizer, pena. Pena da necessidade que o item tinha e, principalmente, pensando a identidade do pote, o tipo de necessidade da pessoa que o assombrou. “Seria terrivelmente cruel levá-lo comigo. Toda a afabilidade…” Guiobino vacilou, “pensem bem.”

“Eu não sei o que pode acontecer se isso ficar aqui. Eu preciso prezar pela segurança de meus filhos,” disse Fenilloria Prenel. Ela olhou rapidamente para o relógio. Estava muito atrasada. Se o patrão perguntasse qualquer coisa, aquele seria um dia muito difícil de explicar, principalmente com as possíveis consequências. Como ela poderia dizer que sua casa fora soterrada por biscoitos? “Eu não sei o que poderia fazer com isso aqui em casa e o que poderia acontecer com isso aqui em casa.”

“Basta que vocês agradeçam se, por acaso, ele se encher. Imagino também que qualquer momento em que vocês pedirem, terão biscoitos, como esses aqui sob nossos pés.”

“Eu não quero biscoitos por um bom tempo,” respondeu Fenilloria a Guiobino.

Ali ao lado, no entanto, as crianças já estavam sentadas novamente perto do pote de biscoitos. Nenhum dos dois percebeu o movimento furtivo de Poliosso e Oörona. Eles mexiam na tampa e, observando lá dentro, procuravam qualquer coisa que pudesse remeter a qualquer pessoa. Não havia nada. Nenhuma informação sobre o antigo dono, nenhuma informação sobre a dona do riso. Era mesmo uma pena pensar que aquele pote ficaria numa cristaleira ou esquecido em algum lugar.

“Fenilloria, tem certeza de que não podemos ficar com ela?” perguntou Poliosso.

“Ela?” questionou a mãe.

“Você não escutou o riso? É claro que era uma voz feminina.” respondeu Oörona.

“Eu posso entrar em contato constantemente, para ter certeza de que tudo está bem. Posso deixar meu contato. O menor problema, eu corro até aqui e levo o pote comigo. Se estou deixando para trás é porque sei que está em boas mãos e estão fora de perigo,” disse Guiobino, sem acrescentar os pensamentos a respeito de toda a papelada da qual se livraria. “Fiquem com ele. Ao menos por um tempo. Venho mesmo se me ligar numa madrugada.”

“Isso é muito perigoso! Está fora de cogitação,” disse a mãe rispidamente. “Agora vamos dar um jeito em todo esse lixo. Estou cansada de toda essa conversa absurda! Eu não vou ficar com isso.”

“Tudo bem,” respondeu Guiobino.

Eis como as coisas acontecem e, de vez em quando, como as coisas mudam. Ele realmente ajudou com a limpeza da casa. Com as mangas enroladas nos braços, subiu e desceu com caixas de biscoito, enquanto alguns poucos vizinhos, olhando pelas janelas, se perguntavam o tipo de coisa que estivera acontecendo ali. Esse era um trabalho que ele deixaria para mãe. Não voltou a perguntar a respeito do pote de biscoitos, mesmo após a constante insistência das crianças durante o trabalho. Não era algo que o envolvesse, então ele não disse nada. Mas as crianças insistiam; enquanto ele ainda estivesse lá, haveria esperança.

Godofredo permaneceu todo o tempo preso no quintal dos fundos.

Quando a maior parte do trabalho já estava feita e faltava apenas retirar os farelos e colocar as coisas no lugar – além de conversarem sobre os castigos das crianças, o que viria, Fenilloria deixou certo –, Guiobino Niguno despediu-se da família, tirou um último biscoito que escondera no bolso e enfiou na boca do porco. Ele desceu a rua com o pote entre os braços e, de fato, era mesmo um pote muito bonito. Mas ela permaneceu em silêncio. As crianças haviam até dito adeus a ela. A mãe não disse absolutamente nada, apenas pegou o telefone e, como o conhecido vento furtivo que era, uma mágica singular, desapareceu por quase uma hora. Quando voltou, Guiobino já estava muito perto da própria casa na cidade, perguntando-se se deveria voltar para o interior naquele mesmo dia. Decidiu que seria um trabalho grande demais. Não vale a pena.

Mas ainda não estamos aí. Agora, ele ainda está descendo a rua e, após olhar para o jardim lá atrás mais uma vez, viu que as crianças já estavam dentro de casa mais uma vez; a porta estava fechada. Ele riu para si mesmo e, em seguida, fez um muxoxo baixinho.

Guiobino Niguno estava perto de onde havia estacionado o próprio carro, quando voltou a olhar para trás uma última vez. Na estrada que subia um pequeno morro até o lugar onde a casa das crianças ficava não havia sequer uma única pessoa. Ele abriu a porta do carro e sentou-se atrás do volante. Colocou o pote para o lado, no banco de passageiro, puxou o cinto e olhou mais uma vez para o lado. Ah, que porcaria, ele não queria levar aquilo consigo.

Esfregou os olhos, respirou fundo. Era ele mesmo.

Tomou o pote novamente, tirou a tampa e, lá para dentro, sussurrou:

“Obrigado.”

Um pequeno biscoito colorido apareceu lá dentro.

 

Salvador, 07 de setembro de 2017.

Revisão – 10 de setembro de 2017.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Este é um longo projeto que se articula em muitos outros textos que acontecem no mesmo mundo, entre outros contos e novelas. Já estou trabalhando no próximo e, como se é de imaginar, a natureza do objeto assombrado é muito diferente da natureza do pote de biscoitos. Não vou estragar a surpresa para ninguém, mas o próximo objeto assombrado faz TIC-TOC-TIC-TOC. Se você deixar ele trancadinho, nada de ruim acontece. Mas, se por um acaso, sua curiosidade for muito grande e você estiver com muita, muita vontade de olhar lá dentro... bem... não respondo por mim.
Que tal conhecer um novo objeto assombrado, novos personagens e um novo coletor de assombrações?
Ah, preciso dizer mais uma coisa! Além da história do próximo item, começarei a postar uma segunda história que, bem... ela faz... coisas. Vocês vão ver! RISOS!

Até! ☺☻



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Incidente do Pote de Biscoitos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.