Capítulo 1

Sábado

Era oito da noite quando Maurício ligou.

Olívia estava arrumando a mesa de jantar quando sua mãe atendeu o telefone. Distraidamente a jovem levou a mão nas batatas que já estavam dispostas na mesa. Não demorou muito para que Sophia descesse as escadas correndo e perguntado em um tom cansado.

“É o papai?”.

“Pelo semblante da mamãe acredito que sim” - declarou Olívia.

Olívia sempre soube desde pequena que não era boa em nada; exceto em conhecer sua mãe. A jovem sabia quando a mãe estava triste, feliz ou zangada. É claro que nos últimos meses ela tinha percebido que sua mãe estava diferente. Elisa estava mais dedicada ao trabalho e animada com os afazeres domésticos, sem mencionar que até estava ensinando Sophia a andar de bicicleta, o que na opinião de Olívia não estava dando muito certo. Agora a pobre Sophia já estava fazendo uma coleção de ferimentos nas canelas.

A caçula pouco notou a diferença de costumes na mãe, mas Olívia não apenas notou como sabia exatamente o motivo de Elisa estar de tão bom humor nos últimos tempos. Duas palavras: Roberto Coelho.

Roberto Coelho era o novo viúvo da vizinhança, um professor de literatura com dois filhos cursando a universidade. Claro que quando a senhora Coelho faleceu repentinamente foi uma tristeza imensa para todos, mas não agora. Agora Roberto Coelho, um homem extremamente alto e magro, era o alvo das viúvas e separadas.

Olívia suspirou não entendia o que sua mãe tão modesta havia achado de atraente naquele palito de homem, sem mencionar é claro o fato de que Roberto ser justo seu professor na escola.

“É o papai?” - insistiu Sophia novamente - “Eu quero falar com ele”.

“Papai” - resmungou Olívia para si mesma.

Maurício sempre deixava Elisa com o semblante preocupado e frustrado. As vezes Olívia se perguntava se sua mãe tinha realmente superado todo período do divórcio. Havia se passado tanto tempo, mas ainda sim ela tinha certas dúvidas. Diferentemente das outras vezes, hoje o semblante de Elisa parecia assustado.

“Mamãe. Eu posso falar com papai agora?’ - indagou Sophia novamente.

“Só um minutinho meu bem, já passo o telefone para você falar com o papai. Deixe-nos terminar essa conversa”.

Sophia fez cara de choro ao sentar-se na mesa. Para todos era obvio que a caçula idolatrava o pai, mesmo o vendo em ocasiões muito raras. Bem, era claro que ela recebia vários presentes…

“Me sirva batatas Liv -” ordenou a pequena.

“Apenas se você comer seu brócolis” - replicou a mais velha.

Sophia bateu os punhos com força na mesa.

“Eu detesto brócolis. Quero comer batatas”

Olívia sorriu delicadamente para a caçula.

“Conto para mamãe que você comeu doces antes do jantar”.

Antes mesmo de Sophia ficar emburrada e reagir batendo nos talheres Elisa desligou o telefone. A mãe serrou os lábios e olhou para as filhas sentadas a mesa.

Algo parecia errado.

“Precisamos conversar meninas, tenho novas notícias”.

“É sobre o papai?” - perguntou Sophia - “Ele vem nós visitar?”

“Sim” - respondeu Elisa enquanto sentava-se à mesa - “Mas não é apenas sobre o Maurício…”.

Olívia ergueu as sobrancelhas, pela primeira vez não conseguiu identificar o semblante de sua mãe.

“Que ótimo!” - exclamou Sophia saltando da cadeira - “Papai vem nos visitar Liv. Com certeza vai trazer muitos presentes para nós, como prometeu da última vez”. “Muitos presentes, muitos presentes”.

A pequena estava em êxtase.

Elisa serviu as meninas com batatas, brócolis e peixe.

O silêncio de Elisa e Olívia foi abafado pelos gritos animados da pequena. Será que desta vez Maurício havia conseguido uma moça para casar? Será que logo as garotas teriam uma nova madrasta? A irmã mais velha sabia que pouco se importaria se essa fosse a novidade, já para a pequena talvez fosse um pouco difícil lidar com isso.

“Se não é apenas sobre o papai, sobre o que é?” - indagou Sophia enquanto comia seus brócolis, sua cara era de nojo.

“É sobre o Lucca” - respondeu a mãe.

Lucca, já fazia muito tempo que Olívia não escutava esse nome. Na verdade ela nem se lembrava qual havia sido a última vez que tinha visto Lucca. Elisa e Maurício se divorciaram quando ela tinha apenas cinco anos, isso significava que Olívia não via Lucca há, pelo menos, uns nove anos. Pensando melhor talvez ela tivesse o visto quando tinha dez anos. Um garoto magricela de cabelos cor de cobre, sentado ao fundo do carro fumê de Maurício. Ela pouco deu-se de conta naquela época, mas agora tinha certeza que era ele. Olívia havia se acostumado tanto de morar com a mãe e a irmã caçula que na maioria das vezes se esquecia que tinha irmãos mais velhos.

Abruptamente Sophia se aquietou. Olhou curiosa para mãe e irmã e indagou:

“Quem é Lucca?”.

Olívia não se preocupou com a pergunta, afinal Sophia era muito pequena para lembrar detalhes de quando era apenas um bebê, e como o nome de Lucca não era quase nunca mencionado entre elas, era normal que a menininha se quer soubesse que tinha um irmão mais velho. A reação de Elisa parecia um tanto decepcionante. O semblante da mãe suavizou ao falar com Sophia.

“Lembra querida…Há tempos contei sobre o Lucca. Lembra dele? Quando eu e seu pai nos separamos vocês vieram morar comigo e seu irmão e sua irmã – como eram mais velhos – ficaram morando com o Maurício”.

“Hum” - resmungou a pequena pensativa - “Também queria ter ido morar com o papai”.

Sempre fora perceptível a preferência que Sophia tinha entre os pais. Diferentemente de Elisa, Maurício adorava dar mimos e presentes e a mãe sabia muito bem disso.

Olívia deu uma garfada em seu brócolis.

Sophia parecia esforçar-se para tentar lembrar da conversa, infelizmente ela não parecia se recordar.

“Bem… O pai de vocês pediu para que Lucca ficasse durante algum tempo conosco. Ele espera que não haja problema da parte de nenhuma das duas”. - Ela olhou séria para as meninas.

“Não tenho problemas com isso” - confirmou Sophia - “Mas não dividirei meu quarto com ele nem minhas bonecas”.

“Veremos o que podemos fazer” - concluiu a mãe.

“E quanto você Liv?” - Indagou Elisa preocupada com o semblante sério da filha.

Olívia não se importava de ter o irmão por perto, exceto de que para elas ele seria um desconhecido. Seria estranho, morar debaixo do mesmo teto como fora tanto tempo atrás.

“Não vejo problema nisso”. - afirmou.

Olívia deu de ombros e continuou comendo seu brócolis.

Depois de ter terminado seu jantar e limpado seu prato Olívia subiu as escadas. Enquanto tomava banho e a água torrencial percorria suas costas, ela tentou lembrar de como era Lucca. Frustrada, ela não conseguiu recordar de nada.

“Como você acha que é o Lucca?” - indagou Sophia ao mesmo tempo que se preparava para dormir.

“Eu não lembro” - admitiu Olívia, mais para si do que para a irmã.

“Aposto que deve ser como um príncipe” - concluiu uma Sophia sonhadora - “E aposto também que deve ter cabelo loiro igualzinho ao seu”.

Olívia apagou as luzes e deitou-se na cama.

“Acho que ele deve ser mais parecido com o papai. Deve ser alto e de cabelos negros”. - Liv imaginou o pai mais novo, divertiu-se com isso.

“Aposto que está errada” - retrucou Sophia revirando-se na cama.

“Posso estar” - deduziu a irmã mais velha.

Enquanto imaginava como seu pai era quando tinha sua idade, Olívia fechou os olhos. Ela não se lembrou se foi algo de sua imaginação ou se Sophia realmente havia dito aquilo.

“Espero que ele goste de mim”.

“Sim” - afirmou mentalmente - “Espero que ele goste de mim”.

Então adormeceu.