Primeiro a satisfação, o prazer, o gosto inquestionável do impossível finalmente alcançado. O cheiro inconfundível da carne destroçada e do sangue pintando o feio chão do mais forte e escuro carmim.

Segundo, a plenitude seguida pelo vazio, até não restar mais nada e minha existência ser apenas um traço de insignificância enquanto corro milhas por sobrevivência.

Por anos me dediquei para a vingança perfeita. Horas a fio sem pausa para o descanso. Fiz coisas jugáveis, escolhi caminhos sem voltas, por vezes fui detida pela maré contrária a mim, até aquela mulher oferecer um caminho mais rápido, uma ponte sobre as águas turbulentas, e eu, em meios aos meus destroços, às minhas ferragens que alojam minha sede de vingança, aceitei.

Acreditei que a ponte era sólida, firme, inquebrável. Acreditei que a minha fome por justiça me levaria ao meu criador e já não importava mais os caminhos escolhidos.

Os fins justificam os meios, não é!?

Naquela hora eu acreditei que sim, mas hoje escondida sob a chuva torrencial em meio as vielas da periferia devastada pela tirania, eu escuto os passos fortes dos androides policiais carregando suas armas de choque por todos os lados.

A voz inconfundível daquela cientista ecoa mais alto que todos os sons e eu sei que ela está atrás de mim. Sei que ela enganou a todos, inclusive a mim.

A ponte antes tão sólida, se mostrou quebradiça. Minha vida cai mais uma vez em meio as águas turbulentas daquele sistema e eu sei que se eu não pensar rápido, eu irei morrer e ela terá aquilo que sempre sonhou. Poder.

Por que eu deveria lutar se nem humana sou? Por que uma inteligência artificial deveria continuar a correr para salvar àqueles que desejam a sua morte?

Por que meu criador deixou que eu o odiasse, alimentasse o desejo da sua morte para no fim terminar assim, sendo a sua última esperança para salvar a humanidade?

Por que você me criou para ser idêntica à sua filha?

A única coisa que eu sei é que, por hora, eu preciso correr para sobreviver...