O abismo em todos nós. escrita por Ninguém


Capítulo 17
Capítulo 17




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“Engana-se quem pensa que sempre haverá uma nova oportunidade, o mundo dá muitas voltas e nem sempre volta ao mesmo lugar.” – autor desconhecido.

O rastro de destruição seguia por vários km. Era como se uma mineradora amadora tivesse tido permissão para derrubar a floresta e limpar o solo, mas como não tinham os profissionais hábeis para tal tarefa acabou fazendo um serviço errôneo, desequilibrado e cheio de falhas. Do pé da montanha até onde se podia enxergar no horizonte haviam árvores grandes derrubadas iguais a pedras de dominós, a vegetação mais baixa tinha sido varrida em determinados pontos sobrando nada além de um chão de terra batida disforme pelas sucessivas pancadas do embate dos dois seres não humanos.

Leon tinha se protegido como podia já que não poderia se afastar muito da anja a qual fizera o contrato. Em meio ao caos de uma luta insana, o homem de jaqueta assistia em meio a emoções como medo, fascínio e ansiedade. Não havia como sua senhora Selenia perder. Ela era um anjo da segunda guarnição, sua habilidade e perícia em combate eram reconhecidos mesmo entre as classes mais altas. Ser a “âncora” de tamanha entidade era o que mais orgulhava Leon. Esqueça o dinheiro, esqueça o status, esqueça toda a glória de ter vencido na vida, de ter derrubado grandes homens e assumido seu lugar nos negócios, esqueça fazer parte da sociedade secreta abençoada pelos alados.  

Poder ajudar pessoalmente um ser divino era o que mais lhe dava satisfação. Ao ser compatível para um contrato de sangue que permitia a materialização de um anjo, Leon se considerava um vencedor.

 Assim, quando os tremores e as explosões finalmente cessaram o homem caminhou lentamente pelo estrago de uma batalha que mais poderia ter acontecido entre dois exércitos de milhares e não apenas entre dois seres. Leon chegou perto de uma enorme cratera em forma de tigela que Selenia abriu ao aplicar um golpe certeiro na besta inimiga. Lá no fundo, bem ao centro estava a anja de pé com a lança apontada no peito do garoto estirado no solo afundado com os braços e pernas abertas olhando para cima.

— Ela venceu. – disse ele com alívio notório.

***

Alexandre estava estirado no chão de terra e pedra, levemente afundado dando o molde de seu corpo para aquele pequeno espaço, a lança da alada estava com a ponta mirada bem no centro de seu tórax, no exato ponto do coração. Ainda que tenha apanhado igual criança, ainda que seu rosto esteja machucado e seu corpo cortado em vários pontos que ainda sangravam somado as inúmeras fraturas, Alexandre estava em paz observando não o oponente acima dele, mas o céu do entardecer que dava boas vindas as estrelas. Em meio a tais sentimentos estranhos de paz e diversão – sim ele tinha achado o combate colossal divertido porque lembrava as lutas de Goku contra os inimigos –, sim foi um bom momento ainda que a origem de tudo seja confusa.

É estranho, por que ele tinha se esquecido da conversa que teve com Lucérius naquela noite? Se tivesse lembrado desde o começo o que havia acontecido, tudo seria diferente.

***

— Entendeu? – perguntou Lucérius.

Alexandre estava de pé após ter escutado toda a explicação do homem alado que se dizia um anjo caído. Sua cabeça estava processando todas as informações além de considerar o cenário bizarro depois de ver as asas explodirem das costas de um estranho no meio da floresta bem à noite.

— Nem um pouco. – respondeu sinceramente – eu... não entendi é nada.

Lucérius baixou a cabeça em desânimo.

— Ok, calma – disse Alexandre forçando os neurônios lentamente – você quer destruir a árvore das sombras que fica num lugar bem ruim do seu mundo né? Só que seus irmãos, os outros arcanjos, te acharam um louco e te expulsaram do seu mundo.

— Quase, mas sim.

— E você está recrutando humanos especiais para te ajudar a voltar para teu planeta, invadir o abismo e destruir essa árvore para que as almas não tenham mais que sofrer ao irem para lá.

— É um resumo tosco, mas sim.  

O jovem coçou a cabeça.

— É um pouco demais pra mim. Tipo, não estou dizendo que esteja mentindo nem nada é só que... é confuso.

Lucérius leva a mão ao bolso da calça e retira uma pílula negra estendendo-a para o garoto.

— Humanos não possuem forma física para irem ao meu mundo, na verdade, nós anjos também não podemos nos materializar neste planeta sem uma âncora.

Alexandre olha para a pílula.

— Tipo uma de navio?

Lucérius estava começando a achar que o garoto tinha algum tipo de retardo mental.

— Não, não. Alguns humanos, muito poucos, tem um sangue especial que é compatível conosco e através do procedimento correto é possível fazer um contrato através deste sangue para nós sermos teletransportados a este planeta. Geralmente uma âncora basta para um anjo comum, mas como sou um arcanjo preciso de duas. O nome delas são Amélia e Anita, são moças com temperamentos bem distintos.... pensando bem, foi Amélia que o escolheu para ser um candidato.

— Candidato?

— Estou neste mundo há muito tempo. Por anos eu tenho trabalhado com biotecnologia até que consegui fundir uma semente do inferno, o esporo da árvore das sombras, com uma composição especial de ervas da Terra. Aqui, pegue.

O jovem pegou a pílula escura.

— Ao tomar este remédio, as propriedades da semente do inferno irão se ligar a sua alma, ela vai devorar sua escuridão e você não mais sofrerá. Esqueça sua tristeza, esqueça a agonia, o ódio e a frustração que sentiu... elas não existirão mais. Caso passe do primeiro estágio, a semente se tornará uma com você te dando propriedades peculiares.

O rapaz olha para o remédio.

— Hã... parece bom demais para ser verdade.

— E será. A sensação de paz que eu te dei ao tocá-lo mais cedo, você a terá constantemente, mas não só isso. Poderá entender as trevas das pessoas a sua volta, poderá ler as emoções das pessoas próximas a você.

Alexandre continua fitando a pílula.

— É isso que eu ofereço, criança – disse o anjo – darei a você a paz que muitíssimos poucos tem neste mundo, em troca a semente irá mudar sua genética e você poderá ir ao meu mundo quando estivermos prontos.

— Estivermos prontos?

— Você não será o único. Há centenas como você espalhados pelo globo, e pretendo recrutar mais. Junte-se a mim na missão de destruir a árvore das sombras e depois volte para a Terra e ajude aqueles que estão sendo atormentados por suas próprias trevas. Vamos fazer deste mundo um lugar melhor, Alexandre.

***

De volta de suas lembranças, ele ainda fitava o céu sendo enegrecido pela chegada da noite.

— Destruir a tal árvore das sombras é uma coisa tão ruim que valha vocês anjos se unirem para caçarem e matarem todos como eu? – perguntou.

A anja de pé com a lança apontada para o coração o inimigo caído respondeu:

— Não sei que argumentos Lucérius usou para convencê-lo criança, mas este mundo foi erguido com determinada ordem, ao perturbá-la, o caos virá. E no caos, milhares, milhões morrerão. Precisamos proteger a raça humana dos delírios e erros de um arcanjo irresponsável... e infelizmente você se tornou um desses erros.

Alexandre respira fundo e encara a anja.

— Você me odeia?

A pergunta a pegou desprevenida, Selenia hesitou por um momento, mas logo apertou mais a mão ao redor da haste da arma.

— Isso não é sobre sentimentos, e sim sobre dever. É meu dever proteger as pessoas de criaturas inconstantes como você.

E num movimento determinado a alada ergueu a arma fincando a ponta no peito de Alexandre.


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