O abismo em todos nós. escrita por Ninguém


Capítulo 13
Capítulo 13




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“ O homem que ousa desperdiçar uma hora, ainda não descobriu o valor da vida.” – Charles Darwin.

 

No corredor em frente a sala do diretor Alexandre estava de pé escorado na parede esperando pelo desenvolvimento de uma confusão da qual – inacreditavelmente – ele não tinha começado. Desde que se transferira para este colégio há dois anos conhecia a grande maioria dos colegas de classe, em especial Catarina e Aegon. Bem, dizer que ele os conhecia não é totalmente certo, Alexandre só sabia o que as pessoas diziam por aí a respeito da fama de ambos.

São espécies de celebridades com suas belezas, comportamentos únicos e bem sociais. Até a confusão envolvendo Catarina, Alexandre nunca se preocupou em um aprofundamento sobre quem ela realmente era, ele não se importava na época, tudo o que precisava saber era que a moça era bonita, solteira e popular. Agora, o rapaz sabe bem mais – ou quase tudo – da celebridade fêmea e continua não se importando nem um pouco. Um trauma aqui outro ali, uma severa curiosidade sobre o que foge da realidade... Catarina é uma garota sonhadora que finge manter os pés no chão.

Pelos menos é bonita.

Aegon, no entanto, que se mostrara inesperado. No passado – ou antes de mudar – Alexandre sempre o enxergava com inveja porque o maldito era bonito, inteligente, carismático. As garotas ficavam úmidas só de falarem com ele e pra completar tinha uma cidade inteira de amigos. Agora, após vê-lo surtar com tamanha violência de repente... Alexandre teve um panorama quase completo da escuridão que assola o senhor perfeição.

— Você perdeu o juízo?!

Alexandre virou a cabeça para ver Suzane parada na entrada do corredor. Ainda era horário de aula para que a moça estivesse ali.

— Está cabulando?

Suzane se aproximou a passos duros.

— Será que sua inveja para com Aegon é tão grande que te faça ser retardado? Viu o que aconteceu?! Tem noção do que fez?

Ela falava em tom alto e pela vermelhidão de seu rosto, a raiva era real.

— Acho que vi o que eu fiz, afinal fiz de olhos bem abertos.

Suzane bufou botando as mãos nas ancas.

— Você é inacreditável Ale! Sério, nunca pensei que você pudesse descer tanto só por que não consegue admitir que não pode se comparar com Aegon.

Alexandre descruzou os braços.

— Entendo. Você faz parte do fã clube da beldade Aegon. Bom... depois do que houve creio que o rostinho lindo do cara vai ficar... menos lindo.

— Você acha graça?

— Na verdade não acho nada. Graça, raiva, felicidade. Bater num infeliz que não consegue controlar o próprio ciúme  é como surrar um muro de pedra esperando que ele entenda que seu lugar é ficar ali parado.

Suzane hesitou cerrando as mãos em punho e novamente – por um motivo desconhecido – Alexandre obteve toda a verdade da situação ainda que ela não fosse tão difícil de se prever.

— Está apaixonada por Aegon. – ele balança a cabeça na negativa – e veio aqui tirar satisfações comigo não só porque arruinei o homem que ama, como também quer ter certeza do por que brigamos. Dizer que o ataquei por inveja é o que quer acreditar.

O rapaz sorri.

— Tão patética. Aceite a verdade minha... amiguinha: aquele imbecil loiro está perdidamente apaixonado por Catarina. Na verdade ouso dizer que o amor que o bastardo sustenta é tão denso que chega a ser... estranhamente obsessivo. E ver a garota que tanto gosta juntinha de alguém que não seja ele o deixou puto o bastante para nublar a razão e procurar violência.

Lágrimas de raiva e tristeza queriam se formar em Suzane, mas o orgulho não as deixava cair.

— Não importa. Todo mundo sabe que Catarina não namora e não sei que macumba você fez para ficar tão próxima dela assim, mas não crie expectativas como criou comigo. Assim como naquela noite no beco do Compadre, vai quebrar a cara por ser um egoísta mimado!

Foi como um raio. Algo despertou em sua memória o atingindo numa fração de segundo. Os neurônios iniciaram uma ligação trazendo todas as informações que estavam adormecidas em seu cérebro.

Sim... agora Alexandre se lembrava. Numa noite de sexta sua turma havia decidido fazer uma festa aberta para reunir fundos para uma viagem de formatura como lembrança da época que passaram juntos no ensino médio. Tudo é claro, organizado por Aegon e companhia. Assim, mesmo sendo um isolado e escarrado, desde que pagasse ingresso, Alexandre poderia ir.

E ele foi. Suzane também iria e seria onde o garoto subitamente confessaria seus sentimentos para a amiga de infância. No decorrer da noite, no momento esperado, seu plano e esperança de conseguir uma namorada se foram já que o rapaz percebeu como Suzane tentava sempre chamar a atenção de Aegon, como olhava para ele de longe... e mesmo com todos os alertas, Alexandre chegou nela. Ao receber o fora pela verdade – que a amiga gostava do cara que ele mais desprezava – o neto de Gertrudes  disse um monte de asneiras para a amiga, diminuiu a autoestima dela dizendo coisas do tipo “ Aegon tem as mulheres mais gatas, acha que vai olhar pro uma feia como você?” E daí pra pior.

A questão é que Suzane é do tipo que caí atirando, e em troca proferiu uma sequencia de insultos rebaixando Alexandre a nada além de um perdedor que nunca vai conseguir nada na vida. Desolado, o rapaz decidiu ir embora de a pé do Beco do Compadre que ficava no topo de uma morro afastado do centro, o local na verdade era quase uma montanha a qual a estrada descia serpenteando suas laterais e ao fundo, muitos metros abaixo, ficava a floresta da princesa.

Deveria ser uma da manhã ou mais, Alexandre tinha finalmente chegado ao fundo do poço, suas emoções e orgulho estavam em frangalhos, ele encarou o tipo de pessoa que era e percebeu que realmente ficaria sozinho para sempre por ser do jeito que era. Em determinado percurso da estrada deserta de madrugada, o jovem caiu de joelhos e gritou chorando na tentativa de esvair toda a frustração de sua vida fútil.

Foi quando ele surgiu.

— Hei... noite difícil, garoto?   

Seu rosto ainda era uma incógnita, mas Alexandre lembra de ser um homem que surgiu do nada ano meio da rua escura e deserta. A princípio achou se tratar de um assaltante, mas naquele momento não ligava. Podia levar seu dinheiro ou celular. Podia levar os dois. 

— Quem é você?

O homem suspirou olhando para as estrelas.

— Alguém que precisa de ajuda, mas que em troca oferece ajuda também.

Depois disso suas memórias voltaram a ficar borradas. Alexandre lembra que conversou com o estranho... só que as palavras estavam ficando embaralhadas... depois veio o fogo e então as cinzas trazendo a escuridão das lembranças.  

Ele fita Suzane ainda parada a sua frente, a dor que percorria sua cabeça estava descendo para seu corpo forçando um sentimento de ódio.

— Suma da minha frente. – seu tom foi contido como uma ameaça – entendeu sua estúpida rejeitada, desapareça!

Por algum motivo as poucas palavras afetaram seriamente Suzane que começou a chorar enquanto se afastava. Alexandre tentou controlar suas próprias emoções buscando o significado das memórias ou ao menos o restante das peças que revelariam o segredo por detrás do mistério da floresta.

***

O delegado Mendes estava revisando os autos de um processo entregue por um advogado – na verdade o policial estava desenhando um grande pênis no começo da folha – o cliente do sanguessuga – assim ele chamava os advogados – tinha sido preso por tentativa de estupro contra uma menor de quatorze anos. Com os dados da perícia confirmado pelo exame de corpo e delito a culpa do sujeito era certa, assim o policial fazia pouco caso da defesa ou do ser sem alma que ousa defender um filho da puta que ataca crianças.

Ele dava os últimos detalhes na glande como DaVinci daria na pintura de Monalisa.

— Quando enfiarem um grandão desses no rabo do advogado, ele vai entender que devemos defender somente quem talvez seja inocente.

De repente a porta de sua sala rompeu-se e o exterminador do futuro acompanhado de uma gangue de sujeitos mal encarados, tipos bombados de academia que fazem questão de ir a uma loja de roupas e comprar camisas dois números menores que o tamanho certo só pras mangas ficarem estourando igual espinha madura.

— O nome do garoto, quero agora!  

 Exigiu o exterminador com jaqueta de couro, será que o infeliz nunca troca de roupa?

O choque do cenário fez o delegado perder a concentração e errar uma linha no desenho que fazia. Isso já é motivo o bastante pra deixa-lo puto. Era uma obra de arte afinal de contas!

— Hã... – Mendes se arruma melhor na cadeira de couro – acho que você confundiu minha sala com a porta de uma sauna gay. A festinha sua e dos rapazes aí tem que ser em outro lugar.

— Meus investigadores perderam tempo com a maldita lista que me deu, sendo que você, guardinha incompetente, sabia que um dos guardas florestais havia relatado que havia encontrado o corpo na floresta ao lado de um garoto ainda vivo.

Mendes levou um dedo ao queixo.

— Será que isso aconteceu mesmo?

Quando parecia que o exterminador iria explodir, conteve-se. Respirou fundo e pediu para que a gangue da camiseta justa esperasse do lado de fora, quando obedeceram fechou a porta aproximou-se da mesa do delgado o olhando no fundo dos olhos.

— Estou terrivelmente com pressa... sabe que posso fazer seu superior obrigar a me dar o nome, não sabe?

Mendes travou a mandíbula. Ainda não sabia quem era o exterminador, mas sabia duas coisas: ele era muito rico e tinha feito os amigos certos.

— Vá em frente então. Eu espero.

— Como eu disse, estou sem tempo. Por isso aqui vai o acordo: dê-me o nome, endereço, telefone... qualquer informação que tiver do rapaz e te pagarei um ano de salário. – Leon baixou a cabeça lentamente aproximando-se do delegado – recuse e farei de sua vida um inferno minha missão pessoal. Perderá seu emprego, não conseguirá outro senão de gari. Garantirei que nunca encontre uma mulher decente, vai perder todos os bens que possui... vai terminar numa maldita viela bebendo pinga e fumando craque antes do quarenta, fui claro?

Sim... Aristóteles Mendes havia entendido muito bem. Mesmo assim não daria o braço a torcer tão facilmente.

— Dois anos de salário.  

— Feito.

Mendes se arrependeu de não ter pedido três. Pegou um papel e escreveu os dados que tinha, rasgou a folha e entregou para Leon.

— O nome dele é Alexandre, é neto de uma juíza bem casca grossa... sugiro que esfrie a cabeça antes de fazer qualquer besteira.

— Não preciso dos seus conselhos. O moleque poderia ser filho do presidente, não mudaria nada. O dinheiro estará em sua conta até o fim do dia... – o exterminador o encara – espero que não seja um truque.

— Não. Gosto da minha vida, gosto do meu emprego. Só aviso que se tocar no menino haverá consequências sérias... tem ideia disso, não é?

Leon sorri.

— Deixá-lo vivo trará consequências muito piores.

E se foi falando aquela besteira sem sentido. Imediatamente Mendes pegou o celular e apertou o número que Gertrudes havia lhe dado. No dia em que advertira ela e o neto sobre o perigo iminente os dois firmaram um acordo para ações futuras. A velha contratou dois seguranças que seguem Alexandre à paisana para garantir sua segurança, mas Aristóteles deveria dar o suporte necessário usando a força policial.

A juíza atendeu no primeiro toque.

— O que foi?

— Eles sabem. Vão atrás do seu neto agora mesmo, tire-o da cidade!


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