Cherries and Wine escrita por Calpúrnia


Capítulo 1
O trem alaranjado


Notas iniciais do capítulo

Depois de sumir por um bom tempo, eu voltei. E da pior forma possível: um dia antes do retorno das aulas. Terrível, eu sei, porém ontem eu tive um lampejo de escrever algo e esta história aconteceu. Não me perguntem o destino dela, nem se ela terá muitos capítulos ou poucos ou se está finalizada. Eu não sei, simples assim.

O que acontece é que essa história traz toda a essência de viver o verão. Ah, o verão e suas lembranças. Um verão em Los Angeles, a Cidade do Pecado, dos astros de cinema, as calçadas estreladas e o letreiro mais disputado do mundo. Então, esse é o cenário que gerou nossos personagens principais. Apesar de viverem atualmente em Tóquio, eles nunca serão capazes de esquecer o que viveram em Los Angeles. Seus motivos são parecidos, porém, provavelmente, diferentes em vários pontos.

Já avisei no disclaimer, mas voltarei a avisar: esta história possui fortíssimas influências de Lana del Rey e sua discografia, assim como o cenário hollywoodiano e todas as coisas boas e ruins da Cidade do Pecado. Nunca estive lá e provavelmente usarei apenas peças montadas na minha mente imaginária, então, por favor, relevem.

Talvez o enredo seja confuso e mais profundo e longo do que vocês queiram ou estejam acostumados. Feliz ou infelizmente, é o meu modo de escrever. E toda a forma como os personagens estão sendo analisados e como analisam os outros ao seu redor, é o modo que encontrei de me analisar e analisar as pessoas ao meu redor. Então, esta história tem muito mais a ver comigo mesma e meus dilemas do que qualquer outra coisa que imaginem.

Sem mais, boa leitura.



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1.

O trem alaranjado

Escrito por G. de Oliveira

Para um rapaz como ele, era muito fácil simplesmente ignorar tudo ao seu redor. Enquanto seus pais se preocupavam com seu jeito e sua forma de pensar, Naruto Uzumaki apenas seguia como considerava correto. Andando pelas ruas de Tóquio, não entendia as pessoas, mas sabia que elas estavam lá e a forma como elas gostariam de fugir de tudo que conheciam. Era tão típico e conveniente.

O colégio já parecia bem distante dele, mas ainda era possível esbarrar em um ou outro aluno. Ironicamente, para ele era indiferente. Muitos olhavam para ele como se fosse uma criatura bizarra e ele sabia muito bem o motivo: era os olhos de um azul gritante e os cabelos tão amarelos quanto o sol. Seu pai parecia bastante orgulhoso da aparência do filho e a mãe se vangloriava de ter “obras renascentistas em casa.”; Naruto gostava da ideia de serem barrocas.

Naruto Uzumaki era um estrangeiro, como diriam seus colegas. Sua descendência oriental era visível, com toda certeza, mas seu japonês não era dos melhores se misturando com seu sotaque americanizado. Chegava a ser ridículo. Mesmo assim, era um grande atrativo como qualquer novidade era para adolescentes, o que durou cerca de um mês. Aos poucos, ele foi se tornando apenas um garoto a mais em uma das melhores escolas do Japão; ele só não sabia se estava feliz ou frustrado com tudo isso.

Ele era um estrangeiro e isto bastava para a maioria das pessoas naquele lugar. O Uzumaki não se lembrava de uma única pessoa que tenha tentado conhece-lo além de sua imagem americanizada. De qualquer forma, ele não sabia se poderia contar como “conhecer” as poucas vezes em que trocou acenos frios com seu colega de classe Uchiha Sasuke. Muito provavelmente não.

Ao ser perguntado por seus pais se havia feito amizades, ele simplesmente fez o melhor para demonstrar que não se importava. No entanto, quando os dias foram passando e se viu nos intervalos em pura solidão, começou a sentir que talvez se importasse um pouco, sim. O problema não era estar só naquele terraço, e sim a forma como não existia em nenhuma parte do universo que passou a viver.

Claro que num mundo enorme como aquele, ele era apenas um grão de areia, e Naruto tinha ciência do seu egoísmo em querer atenção especial sobre si. Era egoísmo sim, quando pensava que seus pais sempre foram tão carinhosos e prestativos com ele. Conhecia o amor, a compreensão e a lealdade. Às vezes era tão difícil entender a si mesmo.

O sol estava se pondo quando o vagão de trem passou diante de seus olhos quebrando a imagem alaranjada do céu. Ele achava engraçado como isso sempre acontecia e como ninguém se importava além dele mesmo. O vento vinha fresco em seu rosto, fazendo-o pensar em como sentia falta da tranquilidade das fazendas que seus padrinhos tinham. Quando cavalgava pelos campos e era repreendido para tomar cuidado, ainda que aquele vento fosse tão bom. Diferentemente dos campos, os ventos de Tóquio apenas eram ventos.

O vagão parou e as portas se abriram enquanto ele e mais uma multidão ia entrando. A maioria era de trabalhadores voltando para casa. Enquanto acertava a mochila em suas costas, o rapaz observava aqueles rostos desconhecidos. Tudo tão silencioso e esquisito. Ninguém se conhecia ou se importava em conhecer. Não havia troca de olhares ou qualquer tentativa de observar a cidade que passava rapidamente do lado de fora. Depois as pessoas reclamavam que não aproveitavam a vida. Bom, elas nem ao menos tentavam.

De estação em estação, o trem ia esvaziando. Aquilo o lembrou das próprias estações do ano, momentos que vinham, passavam e levavam e traziam pessoas, conquistas, derrotas e tudo o mais que a vida poderia oferecer e destruir. Naruto tinha o estranho costume de organizar suas lembranças de acordo com as estações do ano. Não havia uma razão para tal, mas lembrou-se de quando contou sobre isso a seu padrinho. Para Jiraya, Naruto só não queria se esquecer de nada.

Naruto desceu na sétima estação. Ao sair, o pôr do sol já havia passado. O dia estava acabando e ele apenas teria que cumprir com suas obrigações escolares. Enquanto caminhava, afrouxava a gravata em seu pescoço e desabotoava a camisa. Já sabia da bronca que levaria da mãe quando chegasse a casa, porque ele simplesmente não ligava para a própria aparência. Na verdade, ele odiava as formalidades daquela escola. A única palavra que eles conheciam era “não”.

Na rua de sua casa, havia algumas crianças brincando. Elas corriam de um lado a outro e também circulavam de bicicleta. A forma como riam e gritavam o fazia se lembrar de sua vida na América. Ele costumava ficar na rua grande parte do tempo. No verão, saía com os amigos e iam a sorveterias, andavam de skate e jogavam futebol. Eles riam, brincavam e contavam piadas acreditando que nada mudaria. Naruto sempre pensava nestes momentos como aqueles que prolongaram sua inocência em sua mais pura essência. A crença de que nada seria alterado em sua vida, porque eles eram eternos. Havia algo naquele sol, naquele clima. Era Los Angeles. Vendo aquelas crianças tão inocentes, ele pensava em como odiava Los Angeles e seus sonhos dourados. E mais do que isso: odiava Tóquio e sua realidade de concreto.

Bastou girar a maçaneta para que seu pai aparecesse com uma colher de pau na mão. Apenas sorriu e perguntou como ele estava. Minato Namikaze era um homem tão simples e calmo. Naruto gostava tanto dele, não apenas por ser seu pai, mas por seu jeito, a forma com que andava, gesticulava e franzia o cenho sempre que o filho agia como um esquisito. Tão louro quanto o filho, ele era um encanto com seu sorriso brilhante. A esposa costumava brincar que ele era a própria Los Angeles com aquele brilho vintage em seu sorriso e o olhar sincero de ator talentoso renegado por Hollywood.

— Oi, filho. — disse sorrindo. — Sua mãe vai se atrasar um pouco.

— De novo? — franziu o cenho. — O que ela tanto faz?

— Aparentemente um novo caso. Você conhece sua mãe. — gargalhou enquanto mexia o caldo na panela. — Parece que é algo muito sério.

— Espero que ela não se meta em confusão como sempre. — disse suavemente. — Vou aproveitar para fazer as lições, pai.

— Claro. Eu o chamarei quando ela chegar.

Naruto apenas assentiu e seguiu seu caminho para o quarto. Sua casa era tão quieta sem sua mãe por perto. Kushina Uzumaki era a pessoa mais estranha do mundo, e não conseguia esconder isso. Sua mãe era tão doce e prestativa, ainda que isso não a definisse. Diferente de Minato que sempre era um homem disposto a ajudar sem pensar em absolutamente nada, Kushina pensava três vezes antes de seguir com qualquer decisão. Ela era a pior advogada que alguém poderia contratar, por isso era a melhor no que fazia.

Pensar em sua família não era um costume. Estava tudo bem com sua família, seus pais eram incríveis, seus padrinhos sempre faziam o melhor para não cometerem gafes e o resto era apenas integração do que ele considerava como os “atrasados da Inglaterra”. Era estranho dizer isso, já que os ingleses costumavam ser tão pontuais, portanto o apelido era intencionalmente irônico. Claro que só seus pais sabiam sobre isso, o que sempre acabava gerando piadas maldosas e risadas de tirar o fôlego. Às vezes se pegava pensando nos integrantes da família apenas porque era tudo tão normal — e ele nem estava reclamando.

Após arrancar o uniforme e colocar roupas confortáveis, Naruto finalmente pôde fazer todos os exercícios. Conseguiu estudar e ainda pôde passar um tempo na varanda apenas observando a rua quase deserta e o céu noturno, um tanto claro e estrelado. Aquela visão nunca seria melhor do que a que via nos campos, mas admitia sua beleza. Era Los Angeles ali, aquela cidade de criaturas esquisitas e perdidas. A cidade dos anjos perdidos.

Quando o relógio marcava 19h30, ouviu sua mãe chegando e assim pôde descer. Como geralmente acontecia, a família Uzumaki-Namikaze arrumou a mesa e se serviu. Mesmo enquanto comiam, conversavam e falavam sobre o dia e tudo que fizeram durante. Para alguns, e ele sabia disso, tal comportamento era deselegante e terrivelmente contra as regras de educação. A única diferença era que eles eram uma família, e não havia regras de etiqueta entre eles, não entre aquelas paredes e aquela mesa.

— Sinceramente, eu não entendo as pessoas. — disse Kushina séria. — Elas têm a oportunidade de resolver tudo da forma mais pacífica e acabam decidindo pelo modo difícil.

— Outro casal brigando por dinheiro? — perguntou Naruto.

— Pois é. É sempre assim: dinheiro, casas, carros, empresas. As pessoas constroem famílias como se fossem castelos de areia e destroem como se não fosse nada. Faz anos que convivo com isso e sou obrigada a assistir essas ceninhas. Isso está parecendo Hollywood. A parte trágica, eu digo.

Eles acabaram rindo. Naruto continuou observando a mãe enquanto ela falava sobre como era difícil ver tantas famílias se desfazendo. Ele via o cansaço em seus olhos, a forma como tentava, em vão, convencer as pessoas de que poderiam tentar novamente e continuar se dando uma chance. Para o rapaz, eram em vão. Era preciso coragem e lealdade, e isso nem todos possuíam. Não era dom, não era mágica; talvez fosse mais uma questão de caráter.

— E agora eu estou velha.

— Mãe, por favor. — riu.

— É sério! As pessoas me cansam, querido, mas quem sou eu para reclamar?

Los Angeles era um lugar belíssimo. O verão era sua estação favorita do ano. O sol era tão brilhante e quando estava se pondo, era um espetáculo. Havia nascido e vivido na Cidade do Pecado e nada poderia deixa-lo mais satisfeito do que os dias de verão, aqueles em que corria sem limites pela cidade, flertando com garotas de pele bronzeada e sorriso Monroe. Naruto Uzumaki apenas seguia o fluxo daquela cidade, abraçava tudo que ela poderia oferecer. Tudo.

Era quarta-feira ainda, a cidade estava a mil com o festival de música que estava acontecendo durante toda aquela semana. Naruto apenas curtia aquele momento, a forma com que a preguiça batia quando a tarde estava se transformando em noite e ele deitava na grama do local do evento. Todos os dias uma garota deitava em seus braços, rindo de suas piadas ou apenas aproveitando o calor e o suave vento que ia e vinha. Seus amigos ficavam sempre por perto, rindo, contando piadas e falando sobre como Pearl Jam era tão masterpiece.

Los Angeles e seus dias de verão eram tudo que Naruto mais amava em sua vida. A semana do festival foi a melhor de sua vida, a última lembrança que tinha de quando os anjos ainda eram anjos. Ele gostava de se lembrar dos momentos que passou como o garoto dourado da cidade, aquelas vezes em que nada importava além do pequeno momento que tinha em mãos. Não como carpe diem pregava, e sim como Naruto Uzumaki pregava. Por isso que quando fechava os olhos antes de dormir apenas deixava que as risadas, as canções e os corpos tomassem conta de sua mente, porque ali, em Tóquio, tudo era apenas vazio.


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Notas finais do capítulo

Eu não tenho o que dizer. O tom dessa história é muito mais poético e dramático do que uma narração de uma história fantástica de aventuras. Como escritora, meu estilo é a poesia. Talvez por isso o tom das histórias são sempre assim.

Sobre o Naruto, eu trouxe essa vida mais simples e modesta, o dia-a-dia com os pais e na escola que ele não tem apreço nenhum. Trouxe também as lembranças dele de quando ainda estava na América e morava na belíssima Los Angeles. Não há nada de fantástico ou trágico na história dele (nem da Hina); o que há é apenas a história de quando eles puderem experimentar um mundo diferente, um lugar que abrigou seus corações de acordo com o momento que viviam. A questão é se depois de um tempo eles se sentiriam tão bem recebidos e livres se voltarem à Los Angeles.

No próximo capítulo, teremos a Hina. Vai ser uma narração completamente diferente do Naruto. A história dela é muito mais sombria, eu acredito, e muito mais Lana del Rey em "Ride". Eu usei fortíssimas referências desse clipe e também puxei muitas partes de "Lolita", do Nabokov. Foi bem interessante e mais difícil escrever sobre ela. A Hina será uma personagem mais propensa a starlet de Hollywood. E talvez não seja nada disso.

Gostaria de agradecer a todos que leram, e agradecer especialmente a Kisaragi, lindíssima pessoa e lindíssima escritora que me inspira e me inspirou com esta história também. Recentemente, ela começou uma nova história (que todos deveriam conferir) e também traz uma vida colegial. São história completamente diferentes, mas eu sei que estamos ambas colocando nossos corações nelas, e é isso que importa. ♥

Até mais, queridos.



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