Filhos da Noite escrita por Rick Batista


Capítulo 6
Novos Erros e Velhos Pecados


Notas iniciais do capítulo

Parece que Adam finalmente terá uma noite sozinho com a Claire. E ai, o que acham que vai acontecer? Será que ele vai revelar a verdade a ela, ou ao menos uma parte? Será que ela vai se entregar totalmente a ele? Façam suas apostas, e depois me digam se erraram ou não.



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A chuva caia torrencialmente do lado de fora do casarão, trazendo um som, cheiro e atmosfera que deixaram Adam nostálgico. "Alice adorava noites chuvosas", lembrou-se.

Ele estava de pé na sacada, o vento frio soprando em seu rosto e levantando os longos cabelos negros. Atrás de si, o quarto em que viveu como casado há algumas centenas de anos atrás. Desde que voltou do sono eterno, o lugar lhe trazia um misto de tristeza e conforto, esperança e amargura. Pois aquele era tanto o local em que Alice morreu, como aquele em que conheceu Claire. Passado e presente se fundiam nele, e o futuro, era exatamente aquilo que o vampiro temia. Afinal, que futuro ele poderia ter com ela?

"Será que Claire também gosta de noites assim", se perguntou. O quanto ela teria da mulher que conheceu, afinal?

— Acho que já enrolou demais com isso — disse Teresa, parada a poucos passos do vampiro. — Já foram três noites sem se alimentar, isso não pode continuar, principalmente hoje.

Ela se moveu para o lado, dando visão para a cama e as três mulheres deitadas nela. Elas aparentavam algo entre vinte e cinco e trinta anos, usavam roupas vulgares e maquiagem forte, e naquele momento, estavam inconscientes. Prostitutas, deduziu.

— É, creio que sim — Adam exibiu um sorriso nervoso ao olhar para o trio, seus corpos convidavam ao pecado, mas tudo o que ele queria delas era o sangue. E não poderia ser diferente, principalmente ali.

— Não queria chegar a esse ponto, mas o senhor não me deixou escolha. — Ela guiou lentamente o vampiro até suas vítimas. — Deixou de caçar nas cidades vizinhas, se nega a beber dos moradores daqui, e só com muita insistência aceitou meu próprio sangue, quatro noites atrás. Não esperei tantas décadas para vê-lo definhar e morrer — disse ela, com olhar firme e mão forte. 

Adam se sentou ao lado delas, belas mulheres que lhe venderiam de bom grado seus corpos, mas não seu sangue.

— Como fez isso? — questionou ele.

— Acredite, como mulher, isso também não me agrada. Mas... é um tipo de serviço que eu já contratei antes — admitiu ela, desviando o olhar —, sempre fui solitária depois que meu tutor se foi. Já paguei por "companhia" antes, só que dessa vez paguei o triplo. Um remédio na bebida e ai estão. Depois pago o dobro do combinado, e elas fingem que lembram do que aconteceu. 

Teresa apertou o ombro dele, antes de sair do quarto. Adam passou os dedos pelo pescoço da primeira, removendo os fios de cabelo do caminho.

— O que diria se pudesse me ver agora, Claire? Seu bom salvador se aproveitando de mulheres indefesas. Não sou melhor do que os homens que matei quando nos conhecemos. — Presas de fora, um leve gemido de dor da primeira vítima, e o vampiro começou a perder-se no prazer sanguinolento. — Não, sou muito pior.

***

A jovem saiu do banho com uma toalha cobrindo o corpo e outra enrolada na cabeça. Com sua gata se espreguiçando ao som de Ed Sheeran, ela usava o secador, enquanto passeava nua pelo quarto — seu santuário particular.

Ela se deteve diante de um colar com uma cruz dourada na ponta, adornada por pedras brilhantes. E ao colocá-lo, se lembrou daquele que lhe deu o presente, e do beijo intenso que deram na noite da festa. Algo que mexeu com ela como nada antes já fizera. Ela riu ao notar que ficou levemente ruborizada, e dançando sozinha diante do espelho, se entregou a música.

Quem seria ele realmente? Um homem capaz de virá-la de ponta-cabeça em um piscar de olhos, capaz de deixá-la totalmente caída em tão pouco tempo. A gata pulou no beiral da janela do quarto, de onde era possível ver à distância e sob a chuva, um velho casarão em cima de um monte.

Claire não conseguia entender o que ocorria. Logo ela, que sempre esnobou caras populares e ricos, que procurava motivos para terminar, apenas por não sentir que valia a pena continuar, por não se sentir pronta para se entregar totalmente a uma relação. Ela ficou novamente envergonhada, e cobrindo-se com a toalha, foi até a janela. Acariciava a gata, sua maior confidente, olhando para o lar do misterioso homem que conheceu.

Por que seria tão simples se entregar a ele como nunca se entregou a ninguém, ela se perguntou. Sabia tão pouco sobre aquele homem, e ainda assim, se sentia incapaz de duvidar, se afastar, se proteger.

Não se pode fugir de um amor que transcende o tempo, disse uma voz em seu coração. Uma voz suave e estranhamente familiar.

— Acho que estou ficando louca, Fiona — suspirou ela, para uma gata que se lambia. — Quem é você, Adam Turner, capaz de me tirar o chão e a sanidade?

***

Claire Winnicott era fruto de uma união problemática, com um pai sempre ausente e envolvido em casos extraconjugais. Conforme foi crescendo, se deu conta de que ele parecia não se importar realmente com ela, que dirá com a mãe, e foi nutrindo uma mágoa silenciosa pelo homem que tanto fez sua mãe sofrer. Aquela mulher boba, passiva e triste.

A garota se cansou de tanto repetir para a mãe tomar uma atitude quanto aquele homem imprestável, capaz de passar meses sem dar as caras, mas não adiantava, a mulher se negava a deixá-lo. Pior, sempre que ele aparecia, corria para agradá-lo e ir ao quarto com ele. Submetia-se a ser usada e descartada, para revolta completa de uma filha inconformada. A mulher era cega por aquele sentimento, e não abria mão dele, independentemente do quão degradante fosse.

Mas fosse como fosse, Claire se esforçou para provar para si mesma e para a mãe que não precisaria depender de homem algum para chegar onde desejasse, rejeitando ajuda financeira do seu genitor. Desde os dezesseis ela pegava empregos temporários, de meio-período. Se matou de estudar, até garantir uma vaga na universidade local, no curso de psicologia. A mãe chorou de alegria ao ver a filha cursando aquilo que sonhava, , a primeira mulher de sua família a correr atrás dos próprios sonhos. Mas vitória ou não, a vida não ficou mais fácil a partir daí.

Os horários puxados a fizeram pegar serviços com horários flexíveis, trabalhando muito e recebendo pouco, e conciliar as duas coisas exigiu toda a força de vontade que ela acumulou durante a vida. Bonita do jeito que era, não teria sido nem um pouco difícil viver à custa de algum homem com dinheiro, e estudar tranquila... Mas ela jamais aceitaria aquilo. E não foram poucas as oportunidades que teve de fazê-lo. Mesmo nos curtos relacionamentos que cultivou, nunca gostou de ser dependente, fazendo questão de dividir os gastos. Um princípio de lei, para ela. Às vezes a garota pensava que talvez não passasse de uma boba, com medo de ter o mesmo destino da mãe. Mas para ela, isso era algo inegociável!

Aos vinte anos, Claire já estagiava em um local que pagava bem. Infelizmente, sua mãe doente não viveu muito mais tempo além daquilo, como se houvesse se mantido de pé pelos últimos anos apenas para que a filha não desmoronasse. A mulher veio a falecer, o que foi o maior golpe que aquela menina já havia experimentado. Em seus momentos finais, abriu o coração para aquele anjinho de olhos chorosos e fios dourados, como nunca havia aberto antes:

— Essa é a verdade, é sim — disse ela, mão frágil segurando na da filha. — Enquanto eu era útil para ele, era bonita e caia na sua conversa, ele "me amava". Agora, depois de tantos anos sendo fiel, esperando e confiando nele, fazendo tudo por ele...

A voz foi interrompida pelo choro, a garota segurando com as duas mãos a delicada mão da mãe, seu olhar demonstrando empatia e atenção para uma mulher solitária.

— Estou morrendo, Claire, eu sei. E o homem que amo, o único que sempre amei, nem mesmo vem me dizer adeus.

A jovem olhou nos olhos dela, sentindo a intensidade da dor que carregava, beijando aquela face abatida. Chorando junto, como tantas vezes antes fizeram. A garota jamais perdoou aquele homem por aquilo. Uma coisa era abandoná-la, já havia se conformado com isso. Agora, sabendo que a mãe estava no leito de morte, inventar desculpas ao telefone para não visitá-la, aquilo fora imperdoável! Quando tudo acabou, Claire ligou novamente para o sujeito que diziam ser seu pai. Deu vazão a toda sua raiva, toda sua dor. Disse por fim, tudo aquilo que estava preso na sua garganta há tantos anos, e que jorrava como um oceano de dor e mágoa. Cortou qualquer laço que ainda existisse entre os dois.

— Filha, eu... eu lamento mesmo — foram as últimas palavras que ouviu dele, antes de desligar o telefone e cortá-lo de uma vez por todas da sua vida.

E então, sem a mãe, e definitivamente sem o pai, ela se viu sozinha. Triste e sozinha naquela velha casa. Foi uma grande surpresa quando sua amiga bateu a porta, após dias sem que Claire atendesse ao telefone ou respondesse mensagens. Dias sem ir ao estágio ou ver a luz do sol.

— O que faz aqui? — perguntou, voz embargada e olhos inchados de choro.

— Vou morar aqui por uns tempos — a garota disse, jogando uma mochila pesada na sala e impondo sua presença. — Chega de ficar sozinha, cachinhos dourados.

A partir daquele dia, Evelyn passou a morar na casa de Claire, as duas dividindo as contas e a vida. No fim de semana, muitas vezes a amiga a arrastava para passar o dia com sua família. E claro, para festas na noite, dançando, bebendo ou curtindo um relacionamento sem muito compromisso. Evelyn, aquela garota irresponsável e cheia de erros, foi sua tábua de salvação quando tudo o mais falhou. Era por isso que ela estava disposta a perdoar pequenos erros, era por isso que suas diferenças se tornavam pequenas diante da necessidade que tinha da companhia da outra.

E por isso, narrou para ela o que vivenciou com Adam, apenas quando já estava para reencontrá-lo.

— Nossa, miga, tô impressionada! — exclamou, enquanto fazia as sobrancelhas de uma Claire que esperava as unhas das mãos e pés secarem. — Os olhos brilhando desse jeito, o sorriso de orelha a orelha... você tá muito caída por esse cara.

Claire sorriu sem graça, ficando corada ao ouvir aquilo. Era verdade, seu coração acelerava a simples menção do nome dele, a simples lembrança do seu sorriso. A forma como ele a tomou nos braços e colou os lábios nos dela, nada que a garota viveu antes chegava sequer perto daquilo.

— Sei lá, Evy. Ele é diferente de qualquer um que já conheci. A forma como me olha, seu jeito certinho de falar, o ar de curiosidade apesar da postura de homem maduro... — E ela se deu conta de estar de fato perdidamente apaixonada por um homem que mal conhecia.

E ficou assustada. Adam a tinha nas mãos, e ainda era quase um estranho. Mas algo dentro dela parecia conhecê-lo há muito, muito tempo. Como se fosse uma parte escondida e trancafiada em um baú escuro de seu inconsciente, mas que a cada novo encontro com aquele homem, pouco a pouco rompia suas correntes, almejando a luz.

***

O casarão estava magnífico! Sua fachada era majestosa, erguendo-se novamente como a mais imponente e bela obra que aquela cidade já viu. Toda a estrada que levava até ele foi refeita e até mesmo ampliada, mato e terra deram lugar ao chão asfaltado em um raio de centenas de metros a partir da entrada. Quanto ao interior dele, grossas colunas sustentavam aquela enorme estrutura, seus ricos adornos em consonância com aqueles esculpidos no teto e paredes, tudo restaurado. Era uma verdadeira obra de arte, com grandes lustres a iluminar seus principais espaços, e luzes menores pelos corredores e pequenas repartições. Tapetes e cortinas combinando com móveis de madeira de lei nos locais em que eram necessários, com destaque para as obras de arte espalhadas por toda sua vastidão. E em todo ele, apenas um punhado de empregados escolhidos a dedo para executar tarefas específicas. Um motorista, duas faxineiras que se revezavam, um jardineiro e um vigia. Todos experientes nas funções, e todos imigrantes. Não queriam gente da própria cidade por lá, fofocando cada coisa estranha que vissem.

Adam sabia bem o quanto devia tudo aquilo a Teresa. A mulher há tempos não sabia o que era dormir, trabalhando dia e noite para que tudo ficasse perfeito para o vampiro. Após uma vida de preparação seguida de tédio, a rotina dela se tornou acelerada e sem descanso, testando todo o conhecimento e experiência acumulados naqueles vários anos. Ele cuidava das finanças, dos cuidados pessoais de seu mestre, e tudo sem levantar suspeitas, o que não devia ser fácil quando se trabalhava para alguém que se levanta ao pôr do sol, e se alimenta de sangue humano. Mas Mendes jamais reclamava, pelo contrário, dizia que aquilo para ela era um sonho que se realizou. Ainda assim, ele pediu que ela se ausentasse enquanto sua hóspede estivesse por lá.

— Nossa, você não tem mesmo quase nada de útil nessa cozinha — voz da Claire, que tomou para si a missão de fazer um prato especial para os dois. — Você não come em casa não?

Eu não como em lugar algum, ele gostaria de dizer, mas o que saiu da sua boca foi:

— Geralmente como fora, ou Teresa encomenda algo por telefone.

... vergonhoso — disse ela, voz zombeteira. — Digo isso, mas na verdade eu só cozinho duas ou três vezes por semana. Mas em minha defesa, eu ao menos tenho as coisas, usando ou não.

— Teresa te mostrou a casa?

— Ela é um amorzinho, falou super bem de você enquanto me mostrava como esse lugar ficou bonito. Se eu fosse você, dava um bônus pra ela.

Ter Claire por perto era algo que mexia demais com ele, transformando sua mente em um vendaval de lembranças do tempo em que Alice morreu, e da vida que teve com ela antes disso.

— Tem certeza que não quer ajuda? Posso ao menos cortar os legumes — perguntou, tentando relaxar.

— Já mandei ficar quietinho aí, senhor Turner. A cozinha é minha agora.

***

Claire estava usando um vestido simples, para além de sapatilhas confortáveis. E claro, o colar que ele lhe deu. Adam a convidou para jantar em sua casa, agora reformada, e ela se ofereceu para cozinhar ao invés de simplesmente encomendar algo ou dar trabalho a senhora Mendes ou outro empregado. A vida corrida não lhe deixava tempo ou energia para cozinhar sempre, mas ela gostava de temperar certos momentos com seus próprios pratos. E sem dúvida, aquela noite era um desses momentos.

Jantar em casa... era lógico que ela sabia o que isso poderia significar. Não existiam regras sobre quando se devia ou não fazer sexo com uma pessoa, por mais que alguns tentassem colocar dessa forma. E Claire já teve mais que um namorado, para além de algumas paqueras ocasionais, e embora não tratasse sexo de forma leviana, também não o via como nenhum tabu. Mas a verdade é que estava tensa. Sentia que ninguém antes foi como Adam, por quem sentia uma atração realmente forte. Ela ainda tentava entender por que raios se sentia atraída por ele como uma mariposa pela luz, quando o viu na cozinha... e corou.

— Ei, eu mandei esperar quietinho lá na sala. Preciso de privacidade para fazer minha obra-prima — disse ela, desviando o olhar até recuperar a compostura. — Já lavei, cortei e preparei a base da receita, agora...

Sua fala foi se perdendo conforme viu aquele homem sobre si, com suas mãos firmes segurando seu rosto. O corpo dele pressionando o seu próprio contra a geladeira, em um movimento íntimo. Ela tentou argumentar, mas se viu totalmente refém de lábios que beijavam seu pescoço, seu ombro...

— O jantar, eu... Não terminei.

Ela ficou completamente arrepiada, enquanto mãos passeavam pelo seu corpo. Firmes, macias e travessas. Mãos que a levantavam pela cintura, a tomando para si, como alguém que requisitava o que era seu por direito!

— Ah, que se dane o jantar! — disse enfim, admitindo a derrota.

Claire libertava Adam da camisa, enquanto observava aquele corpo: belo e desejável. O vestido os deixava sentir o contato do corpo um do outro, mesmo que ainda vestidos. Ela sentiu a vontade, o desejo pulsando em seu coração disparado. A ânsia que cegava, nublava a mente e a arrastava para um oceano de novas sensações. Eles se beijaram com furor, como se suas vidas dependessem daquilo. Os dois faziam uma verdadeira bagunça, derrubando tranqueiras indesejáveis enquanto buscavam a melhor posição para utilizarem a cozinha. Mãos hábeis despiam a jovem de um vestido que não tinha mais motivos para estar ali, enquanto ela afundava a cabeça dele entre seus seios.

Claire sentiu Adam explorando seu corpo sem hesitação, suas mãos abrindo caminho por onde outros desejaram e foram impedidos. Ela o queria, sabendo que estava pronta para se entregar de corpo e alma a ele. Se entregar a Adam, o homem por quem estava perdidamente apaixonada. Entre beijos desesperados e um desejo crescente de se fazerem um, ele olhou em seus olhos, sorrindo apaixonadamente.

— Você não tem noção do quanto é linda — sussurrou ele, brincando com seus cachos. — De como é fácil para um homem se perder nos seus olhos.

Ela o presenteou com um enorme sorriso, e olhos que brilhavam como as luzes de um farol em meio a um oceano escuro.

— Não sabe o quanto sonhei com isso, o quanto a desejo, o quanto a amo... — "Amo", ele disse. Ela mal podia se aguentar de emoção enquanto ouvia as palavras. —... Meu anjo, meu amor, minha Alice.

E naquele instante, tudo parou.

— Você me chamou de que? — perguntou ela, sem conseguir acreditar.

Adam a olhou confuso, parecia não entender o motivo daquela pergunta.

— É sério que no meio disso tudo, você me chamou de "Alice"!?

Ela não podia acreditar no que ouviu, não podia acreditar que ele a estava usando, imaginando outra enquanto quase possuía seu corpo.

— Claire, eu não... — Ele visivelmente não sabia o que dizer, enquanto ela pegava o vestido e as sapatilhas, o rosto vermelho de raiva.

Claire saiu da cozinha esbarrando no homem, somente no caminho se vestindo e calçando. Quando terminou, encontrou Adam parado em sua frente, camisa semiaberta e olhar triste. Ela levou as mãos ao pescoço, retirando o colar com uma cruz dourada que recebeu dele. Aquilo que tomou como um símbolo dos sentimentos que teria por ela. Sentimentos que se mostraram falsos.

— Isso é seu, sinta-se livre para dar a tal Alice... Ou a qualquer outra. — sua voz ressoou cheia de raiva e amargura.

— Eu lamento... lamento mesmo, Claire. — voz dele, aparentemente triste. Assim como seu pai, se desculpando quando já era tarde demais.

A garota abriu a porta, lágrimas escorrendo em sua face.

— Não, Adam. Ninguém aqui lamenta mais do que eu.

Aguardando já há algum tempo do lado de fora, ela pensou em pedir um táxi, mesmo ciente das fofocas que resultariam daquilo. Isso considerando que o taxista fosse mesmo buscá-la lá em cima uma hora daquelas. Enquanto aguardava, ouviu som de buzina, com o carro que foi buscá-la em casa parando ao seu lado, e o motorista olhando sem graça para ela antes de dizer:

— Desculpa a demora, senhora. É que pensei que fossem levar mais tempo, e tal, então aproveitei pra rodar um pouco.

Ela sorriu com tristeza, desviando o olhar ao entrar no carro.

— Tudo bem, Carlos. Também pensei que duraria mais do que isso.

Em pouco tempo a garota chegou em casa, calmamente entrando no próprio quarto. Pôs a mão na direção em que antes ficava o colar, e abraçando o próprio corpo, liberou as lágrimas contra as quais lutou desde que lançou o objeto fora. Deu vazão enfim aquela enxurrada de dor e agonia, um sentimento que pareceu sufocá-la, convertendo-se agora em lágrimas e soluços.

— Por que, Adam, por que brincar comigo dessa forma cruel? — falou para ninguém, sentindo as lágrimas molhando o rosto quente, e todo corpo a tremer. — Pela primeira vez na vida, realmente me senti amada, completa! Como se algo que eu sempre busquei tivesse sido encontrado, como se uma parte perdida do meu coração, fosse recuperada. Eu fechei os olhos e me entreguei, me entreguei a você, mesmo lutando contra meu bom senso e racionalidade, eu acreditei em você!

Seu coração doía, uma dor que não sentiu desde a morte da mãe. Uma dor maior do que jamais imaginou sentir por qualquer homem.

— E então eu pergunto: o que fui para você, Adam? E por que, por que inferno uma parte de mim quer correr atrás de você, apesar de tudo isso?

***

O vento soprou intensamente, a chuva molhando suas roupas e face, o fazendo sonhar que poderia assim tão facilmente lavar a dor daquela noite. Lavar seus erros, os grandes e pequenos, os velhos e novos. Voltar para aquele momento mágico em que Claire seria sua, antes que as palavras erradas a afastassem novamente.

Ele permaneceu no batente da entrada, de onde assistiu seu motorista levando sua amada embora. Mas não seria esse o destino de toda aquela que o vampiro amasse: ir embora? Adam refletia sobre isso, enquanto as gotas escorriam sobre seu corpo, imóvel como uma Gárgula.

Que chances aquele amor teria, afinal? Sua Alice morreu, o que garantiria que Claire não teria o mesmo destino que ela? Não seria esse seu castigo por todo sangue que derramou em séculos de existência? Por aqueles que matou, pelas centenas de vidas que o separavam de um ser humano normal? Mal voltou, uma vampira se aproximou dela, jogando com sua vida para chamar a atenção do vampiro. Logo depois, aquele misterioso professor, cheio de testes e insinuações, demonstrando que desconfiava da natureza do monstro, e com olhos de caçador. Quanto tempo até que decidissem usá-la? Quanto tempo até que sua amada se tornasse uma peça em um jogo, cujo fim não poderia ser outro além de tragédia e morte?

Sons de passos na chuva, de sua serva e confidente, a único em quem podia confiar — e ainda assim, quase uma estranha. Teresa trouxe um guarda-chuva em uma mão, e uma taça na outra. Cheia de algo vermelho e viscoso: uma taça de sangue.

— É isso, então? — perguntou ele, ficando sob o guarda-chuva.

— Sangue de transfusão. Pode não ser tão bom como beber de prostitutas, mas ao menos não vai deixá-lo com a consciência tão pesada. — Ela forçou um sorriso sem graça, entregando a taça ao seu patrão. — Não é barato, mas considerando que demos dinheiro suficiente para aquelas garotas mudarem de profissão...

De fato elas foram muito bem pagas, além de terem a mente controlada pelo vampiro para não causarem problemas. Na visão delas, deram prazer a Mendes, como uma delas já havia feito antes. O cansaço seria resultado da viagem até a cidade, e só perderam a consciência por abusarem da boa bebida da excêntrica mulher.

Adam olhou para o líquido na taça, temendo alimentar esperanças. A medicina moderna descobriu como coletar e armazenar o sangue humano para transfusões futuras. Para ele, uma forma de se alimentar sem causar mal a ninguém. Com isso, ficaria um passo mais distante do monstro, um passo mais próximo da Claire.

Adam bebeu. O medo de falhar fez o líquido descer com dificuldade pela garganta, o medo de que seu corpo morto rejeitasse o sangue gelado. No passado, ele viu vampiros de consciência pesada se voltarem para o sangue de animais para fugir da carnificina, uma atitude tão piedosa quanto arriscada. O sangue animal era rejeitado pelo corpo de muitos deles, e mesmo entre os que se adaptavam, o passar do tempo os tornava cada vez mais fracos, até que no fim...

Adam deixou a taça cair ao chão, agora vazia. Seus olhos antes fechados se abriram lentamente, cheios de um brilho novo. O brilho da esperança. Ele finalmente saiu de lá, voltando para seu lar e propósito.

— "Prepara-me uma mesa diante dos meus inimigos..." — recitou o vampiro, confiante. — Tenho convites a fazer, Mendes, é hora de separarmos o joio do trigo. Teremos uma vampira para o jantar.


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Notas finais do capítulo

Hora da verdade: acertaram ou não o fim desse encontro? Eu sei, eu sei. Todos queríamos ver os dois concretizando fisicamente esse amor tão bonito, mas a vida é assim (principalmente quando se é um vampiro com séculos de existência ou uma universitária-reencarnação-de-esposa-de-vampiro).

No próximo capítulo: Hora de sabermos o que o lobão Malcom fará com o Andy.



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