Proibida Pra Mim escrita por TessaH


Capítulo 47
40. Sob Meu Guarda-Chuva




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Umbrella - Rihanna


Scorpius Malfoy

Como estava virando costume, minhas noites se resumiam à insônia. Na penumbra do quarto, Thomas dormia como uma pedra em sua cama e minha atenção não se desviava da frestinha na cortina que me permitia ver a noite se transformar em dia. 

Parecia um castigo gastar tanto tempo daquela forma, mas minha cabeça sempre parecia frenética a ponto de não me deixar dormir. Olhar a lua, contar estrelas, afastar lembranças dolorosas era o meu trabalho. Até mesmo passei a ler algumas coisas em espanhol para aprender sobre a língua que de alguma forma me deixava mais calmo. 

— Não acredito que você está aprendendo espanhol - Thomas me olhou desacreditado certo dia ao me ver debruçado no livro.

— É o que parece. - respondi como sempre. Apesar de eu não querer externar a bagunça do meu interior, minha raiva, minha frustração, eu não conseguia controlar minhas respostas mal humoradas. Thomas até me aguentava bem, inclusive me pondo em meu lugar quando eu merecia.

— Por que eu estou achando isso suspeito? - ele continuou a puxar conversa e eu suspirei.

— Thomas, você consegue ser um pé no saco quando quer.

— É a minha função como melhor amigo. Por acaso ela gostava de espanhol?

— Gostava não, gosta. No presente. Eu acho, ainda. - fechei o livro com força e o olhei entediado. - Por que você sempre traz a Rose para nossas dúzias de palavras trocadas?

— Não falar dela não vai ajudá-lo a superar. Sinto muito. - Thomas conseguia tocar em um assunto delicado pra mim e parecer que estava falando de uma ida ao supermercado. - E sua leitura está surtindo efeito?

— Tenho escutado músicas - tentei dar de ombros como quem não ligava verdadeiramente para o assunto. A verdade era que eu só conseguia me lembrar de Rose, toda pequena, encolhida ao meu lado enquanto eu enchia seu saco para saber sobre quais músicas escutava naquele fone de ouvido.

— Daqui a pouco será poliglota.

— Não me enche!

Thomas sempre ria quando conseguia me tirar do sério. Ele tinha um violão largado por nosso quarto que, quando estava sozinho, eu me arriscava algumas músicas. 

A questão é que eu até gostaria de tocá-lo naquele momento, mas Thomas dormia e eu também deveria descansar. O dia seria cheio, iríamos para Hogsmeade, eu teria de vê-la, infelizmente, ao lado do babaca do amigo de Alvo e teria que repor as energias para aguentar.

Mas nada me trazia paz para dormir. Desisti depois de perder a conta dos carneirinhos e resolvi que era melhor ocupar a mente com alguma coisa, nem que fosse para adiantar algo, afinal o sol já estava nascendo, de toda forma.

No banheiro, meu reflexo me assustou. Vejam bem, eu me arrumava com toda perfeição na era AR (antes de Rose) e, agora, DR (depois de Rose), eu parecia um estranho ao me olhar. Quando foi que minha barba começou a despontar ridiculamente desleixada daquela forma? Quando arrumei o cabelo pela última vez? Santo Deus.

Achei um ótimo trabalho para me ajudar a passar o tempo e fui ajeitar minha barba. Eu precisava mesmo me concentrar em mim, não esquecer que ainda existia alguém por fora, mesmo que por dentro estivesse revirado. Ao passar para o lado direito do rosto, uma cicatriz me chamou a atenção.

Fui transportado para uma época em que eu adorava brincar no jardim da mansão Malfoy.

Lembro do meu cabelo que toda vez me atrapalhava na brincadeira porque caia em meu rosto.

— Querido, a mamãe está esquecida, não é? Precisamos contar seu cabelo - Cassiopeia Malfoy me olhava brincar, sentada em uma cadeira sob um guarda-sol no jardim, me sorria e acariciava a grande barriga.

— Não! Não!

— Não o quê, senhor Malfoy? Venha aqui, Scorpius - ela me estendeu a mão e tive que largar meus brinquedos para ir até ela. - O mocinho está na fase de dizer não a tudo, não é? Está rebelde! Precisamos sim dar um jeito em seu cabelo. A mamãe poderia até aparar, o que acha?

Ela sorriu e se inclinou para me abraçar. O cabelo platinado como o meu brilhou quando o sol forte a atingiu. 

— Não, mamãe! - protestei rindo de suas cócegas, só para ir contra e vê-la conversar comigo.

— Sim, mamãe, você tem que dizer! Meu amor - sua boca depositou beijinhos em meu rosto que eu fazia questão de limpar depois porque ela sempre sorria. - Daqui a um tempo, você não precisará brincar sozinho nesse jardim imenso, querido. Olha quem vem ficar com você.

Ela pegou minhas mãozinhas para passar sobre sua barriga e me assustei quando senti um movimento.

— "Imãzinha"?

— Sim, a irmãzinha. Ela vai brincar com você, o que acha? 

— Quero brincar de guerreiro! Espada, mamãe! - eu tinha gritado para pegar meu brinquedo e não entendia porque minha mãe chorava e ria ao mesmo tempo. Mas parecia feliz. 

— Ela pode brincar disso também. Ela vai te proteger, o que acha?

— Eu "potejo"'!

— Vocês se protegerão. Promete pra mamãe, Scorpius? 

— "Pometo". - respondi e fui esmagado em mais um abraço. - O nome dela, mamãe.

— Qual vai ser? Você vai escolher, querido. Quando olhar pra sua irmãzinha, você coloca um nome nela. Vão brincar, vai contar segredos pra ela e guardar os segredos dela. Já sei que ficarei louca com vocês. 

— Não! - tornei a protestar para brincar e minha mãe quis me abraçar mais. - "Sota" eu, mamãe. "Binquedoos"!

— Chama o papai pra brincar com você. Grita papai! - Cassy pediu e eu gritei até que Draco nos alcançasse e brincasse comigo. Eu não entendia na época que a única pessoa que faria meu pai largar o trabalho seria ela e seus desejos.

— Cuidado com isso, Scorpius! Draco, toma cuidado.

— Estou tomando, querida. Scorpius, vamos duelar! - meu pai pegou outra espada e ficamos brincando até eu cair e levar minha espada junto e começar a chorar quando notei sangue na grama. 

— O que houve, Draco? Scorpius, vem cá!

— Scorpius, que foi? Deixa o papai ver. 

— Dói "boxexa", papai!

— Scorpius, vem pra mamãe, querido.

— Cassy, calma. Scorpius, foi só um arranhãozinho, tudo bem, garotão? Deixa a gente limpar e depois ficará sem dor. - Draco me estendeu a mão que apanhei e lembro de fazer manha para minha mãe toda preocupada. Ela queria sair da cadeira, mas com aquela barriga dificilmente conseguia fazer algo sozinha. 

— Calma, querida. Mostre a mamãe o machucado, Scorpius.

— Aqui, mamãe. Dói.

— Sabe quando viramos guerreiros de verdade, Scorpius? - meu pai perguntou.

— Ah, Draco, para com isso.

Eles começaram a rir enquanto eu perguntava quando e me distraia para que Draco limpasse meu corte.

— Quando se machucam. Olha aí seu primeiro machucado. É um guerreiro de verdade agora!

A cena se desvaneceu a minha frente e voltei a focar meu reflexo mais velho no espelho.

Por que sou atormentado?

— Scorpius, está aí? Quero usar o banheiro, cara, temos que sair depois. - a voz de Thomas preenche o ambiente e a batida na porta me desperta. 

— Já estou saindo, cara. - respondo e não percebo que apertei tanto o barbeador que o quebrei. Jogo tudo no lixo e desisto de tirar a barba, pelo menos a consertei. 

— Pode entrar, Thomas.

— Graças a Deus, né, estou com a bexiga explodindo. Você quer mesmo me ver mijar ou só vai ficar se olhando paradão aí no espelho?

— Desculpa... Tava pensando, deixa pra lá. Tô saindo. 

Deixo Thomas sozinho e bato a porta.

O dia hoje vai ser longo.

—-----------

Nossos olhos se cruzaram e eu não pude desviar. Na realidade, tudo ao redor perderia o sentido se eu só pudesse só olhá-la. Thomas ao meu lado falava e eu não prestava atenção.

Tudo parecia ficar fora de foco quando ela entrava no meu campo de visão. Estava linda com o cabelo solto e com mechas revoltas que iam para o rosto e a faziam rir por ter que tirá-las a todo instante.

Cruzou o olhar com o meu por um momento e foi como olhá-la nos momentos especiais entre nós, como se a fase ruim, um tsunami,  não tivesse nos separado. Como eu queria poder dizer que sentia sua falta, Rose, como conseguiu me prender como ninguém mais conseguiu. E foi tudo, meu dia poderia ter válido só por aquele momento.

No meio de rodas as turmas, acabamos nos perdendo e fui com Thomas em um ônibus separado até a cidade.

Nossa primeira parada na fantasiada para o Natal, Hogsmeade, seria um museu e parecíamos uma multidão subindo as escadas para a entrada. O professor falava e falava, empolgadíssimo com suas esculturas e histórias enquanto eu ainda tentava organizar meus pensamentos para tirá-los de Rose quando o burburinho começou.

— Mas que barulho é esse?! - o professor ficou ultrajado com a falta de atenção repentina e notamos que algo acontecia lá atrás pelo barulho.

Desvencilhando um mar de gente, acompanhei o professor até a entrada do museu com o coração disparado quando comecei a entender as frases que soavam e ao mesmo tempo em que não encontrava Rose sã e salva.

— Ela deu murro nele!

— Ele está sangrando e bateu nela!

— Meu Deus, ele voltou!

— Mas como isso aconteceu?!

Então eu a vi.

"Porque
Quando o sol brilhar, brilharemos juntos
Te disse que estaria aqui para sempre
Disse que sempre seria sua amiga
E o que eu jurei eu vou cumprir até o fim
Agora que está chovendo mais do que nunca
Saiba que ainda teremos um ao outro
Você pode ficar sob meu guarda-chuva"

— Rose! - só fui capaz de gritar seu nome é alcançá-la para me certificar de que estava bem.

— Scorpius! Ah, meu Deus! - seus olhos azuis estavam arregalados de medo e suas mãos me apertaram quando a abracei com força. - Alguém precisa detê-lo!

— Socorro!! Kellen! - a voz de Una me fez separar de Rose e finalmente ter uma noção do que acontecia até perceber a briga que acontecia lá na frente.

Eu não podia acreditar. Scott Hayes estava de volta como um maldito pesadelo. A figura alta e esguia de minha amiga estava duelando com o idiota tão rapidamente e furiosamente que ninguém ousava interceptá-los.

Kellen sempre fora minha amiga, hoje eu não conseguia lembrar de uma época em que não existia ela. A estranha, o apelido que nos cabia tão bem, que nos ligava de tanta forma. Ela lutou boxe por muito tempo e por isso não me impressionou os movimentos precisos sobre Scott mas não me aliviou por saber que ele não era um alvo normal que ela facilmente derrubaria.

Scott era conhecido como Montanha por um motivo, e isso estava machucando de forma que me paralisou por alguns segundos até os gritos me despertarem e nem me dei conta de tantos degraus existiriam naquela escadaria até descer correndo para salvar minha amiga.

O barulho ficou maior, os gritos de socorro, a fúria me amedrontou quando cheguei perto dos dois. Kellen ou acertava precisamente, mas a força de Scott era superior e por isso seu rosto sangrava.

— Kellen! - o grito totalmente desesperado parecia ter saído da minha boca, pois era o que eu queria gritar, mas não foi de mim. Sem ter percebido, eu não tinha sido o único a tentar correr como um maluco para entrar no meio de uma briga na calçada com dois lutadores profissionais. Para minha surpresa, o grito veio de Thomas.

Sua velocidade foi superior a minha e pareceu que minha visão tinha entrado em câmera lenta.

Meu melhor amigo me ultrapassou, estendeu os braços como se pudesse conter alguma coisa. Minha melhor amiga nos enxergou de repente e, no momento que arregalou seus olhos para nos focar, foi quando um soco derradeiro a atingiu junto de um chute no abdômen que a fez voar para a pista no momento em que um carro vinha.

"Essas coisas chiques
Nunca ficarão entre nós
Você é parte da minha entidade
Daqui para a eternidade
Quando a guerra fizer a parte dela
Quando o mundo tiver dado as cartas
Se estiver muito difícil
Juntos poderemos consertar seu coração"

— NÃO! - meu terror se juntou ao de Thomas no momento em que vimos seu corpo tombar fortemente na lataria do carro e o mundo entrar em suspensão.

Meus olhos não desviaram de sua figura e por isso foi para onde corri, para onde tinha que me certificar de sua vida.

— Kellen, Deus do céu, Kellen!!! - gritei como um idiota quando me ajoelhei ao seu lado e  passei meus dedos por sua testa manchada de sangue. - Mulher, não me faça isso agora, Kellen!

— Oi, estranho... - um suspirou saiu de sua boca quando seus olhos abriram levemente.

— Deus do céu mulher! Não fala nada, socorro, alguém ajuda! Kellen, você pirou?? Quer bancar a lutadora logo com o demônio, estranha? Não podia ter me feito isso! Estou desesperado, está bem?! Como pode estar bem, meu Deus, chamem uma ambulância!

— Scorpius, ei... - seus dedos tocaram de leve os meus e o pânico ia se assentando de cada partícula do meu corpo. - Fiz por você, ouviu?

— Socorro, pelo amor de Deus! - gritei mais uma vez para o nada, para alguém, para alguma entidade salvá-la. - Tem muito sangue saindo por aqui, queria te pegar no colo e levar para algum médico, sei lá, como pode ter feito isso pra mim? Ah, não fala nada, você precisa se poupar!

— Te protegi - mais um suspiro e um quase riso se desenhou em seu rosto ensanguentado. Fechou os olhos por um segundo e me desesperei.  - Precisava... Ele já te fazer mal e eu... Eu luto boxer.

— Cala a boca, estranha, guarda suas desculpas para quando puder falar e vai me explicar todinha essa história, mas agora preciso que me prometa que não vai me deixar, não é? Não agora! Kellen! - passei meus dedos por seu rosto para ter algum sinal de vida. - Prometa!

— Sempre fomos eu e você, Scorpius...

— Eu sei! Eu sei, maluca! Não era pra entrar em uma briga com o idiota por mim, não entende?!

— Scorpius, você precisa se afastar, os paramédicos chegaram! - alguma voz ao longe tentou me alertar mas eu não podia obedecer.

— Não, senhor, não posso sair. Kellen odeia médicos, preciso estar aqui, não é? Precisa de mim. Kellen! - afastei uma mecha azul com sangue de seu rosto para notar alguma coisa, porém mais nada.

— Se afasta, Scorpius, você não tem condições de acompanhá-la, se afasta! - meu professor, parecia meu professor falando e então olhei para cima para notar tantos olhos que nos fitavam. A rua estava cheia, a ambulância do lado, o carro amassado.

Não obedeci e foi preciso dois homens me tirarem de perto do chão porque eu não podia simplesmente deixá-la ali quando não mais me respondia nem abria os olhos. Atordoado, fui empurrado para junto da multidão ao redor do acontecimento e me virei para olhar quem estava ao lado.

— Scorpius, vamos. Está em choque - Alvo me olhava e eu não sabia o que responder. O mundo parecia ter de desconectado de mim. Meu coração doía, o que seria da minha amiga? - Rose, Una, podem olhar Thomas pra mim? Preciso acordar Scorpius. Scorpius, presta atenção.

— Ele não tá aqui, Alvo - Una respondeu, fazendo dupla com Alvo ao me olharem preocupados. - Brigou com o professor pra ir na ambulância, foi junto dos paramédicos e de outros professores.

— Era só o que me faltava! Não bastava o idiota ter ido bater no Hayes?! Cadê a Rose?

— Está vindo, está vindo! Rose! Ai meu deus, Rose, soube de algo?

— Scorpius... Consegue falar? Vamos ver Kellen no hospital, tentei falar com o professor. Você é o mais próximo dela, ele deve entender. Agora está mais preocupado com a polícia em levar Scott e ainda nos levar de volta ao colégio. Me ouve, Scorpius? - os olhos azuis me olhavam com carinho, eu reconhecia. Mas minha garganta ainda estava entalada.

Os três ficaram me cercando e falando como se eu não estivesse presente.  Citaram a burocracia do momento, o que tinha acontecido e seus porquês. Fui carregado para o ônibus com eles, fomos em um silêncio esmagador. Um silêncio que me corroía as entranhas e a alma. Um silêncio que não conseguia calar a única pergunta que berrava em mim e que consegui expor:

— Kellen está viva?

Finalmente eu compreendia e rotulava um sentimento. Era minha irmã. Não de sangue, mas de história, de experiência, de momentos juntos, de coração.

"Agora que está chovendo mais do que nunca
Saiba que ainda teremos um ao outro
Você pode ficar sob meu guarda-chuva"


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Notas finais do capítulo

Eu queria agradecer de coração quem comentou e dizer que vou SIM responder, só esperando um computador porque estou pelo celular! Leio tudo e obrigada!



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