Comodidade escrita por Meizo


Capítulo 5
Um tapa vale mais que mil palavras




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Zoro nunca foi uma pessoa especialmente interessada em relacionamentos. Durante a adolescência, enquanto seus colegas de classe enlouqueciam com revistas ou qualquer tipo de mídia com conteúdo indecente, Zoro focava nos treinos para as competições de basquete e usava o resto do seu tempo para sair com os amigos ou ajudar na clínica veterinária dos pais. Era comum encontrá-lo na quadra até mesmo fora dos dias de treino, pois preferia ficar na escola até tarde do que chegar cedo em casa. Acabou ganhando a fama de ser obsessivo com basquete e, ainda assim, tinha uma quantidade considerável de admiradores que apareciam para torcer nos jogos ou para espiar durante os treinos e tirar fotos.

Zoro não deu atenção a nenhum deles, porém nem mesmo sua personalidade truculenta e o desinteresse estoico por romance foram capazes de afugentar os colegas apaixonados.

Com certa frequência encontrava cartas de amor em seu armário e no dia dos namorados então, era praticamente atacado por chocolates nos mais variados formatos e sabores. Quando uma garota reuniu coragem para se confessar e pedi-lo em namoro, Zoro aceitou sem pensar muito. No início ela estava animada, sorria sempre que o avistava e esperou pacientemente que Zoro tomasse a iniciativa de chamá-la para encontros ou que demonstrasse afeto através de toques típicos de enamorados. Porém, quando essa iniciativa não veio, o relacionamento caiu em uma situação tensa e findou-se não muito depois. E essa foi apenas a primeira de muitos.

Algumas desistiam rápido quando conheciam um pouco mais da personalidade de Zoro e descobriam que não o achavam tão interessante assim. Outras foram mais ousadas e conseguiram durar o suficiente para usufruírem de todas as etapas físicas que um namorado do calibre dele poderia oferecer. Houve rapazes também, mas estes, embora menos problemáticos de lidar (ou pelo menos era o que parecia), ainda assim reclamavam do seu desapego emocional. O resultado, entretanto, era sempre o mesmo: desapaixonavam-se eventualmente e o abandonavam em algumas semanas ou, no mais tardar, em alguns meses.

Vários dos rompimentos foram consideravelmente amigáveis, com ambas as partes reconhecendo que era hora de acabar, enquanto que outros aconteceram depois de muitas reclamações, gritos ou lágrimas da parte de sua parceira ou parceiro. Zoro não participava da briga. Somente permanecia em silêncio em um estado de calma resignada, e deixava seu par reclamar à vontade. Nunca lamentou verdadeiramente qualquer um dos rompimentos, talvez por não corresponder os sentimentos amorosos. Quer dizer, reconhecia que eram atraentes e o sexo, num geral, não era ruim, mas de sua parte era algo mais físico do que sentimental e isso não era o bastante para manter um relacionamento.

Certa vez uma ex-namorada, com lágrimas correndo pelo rosto, disse que Zoro tinha algum problema mental ou falha permanente de personalidade. Na ocasião Zoro uniu as sobrancelhas e dispensou suas palavras com um movimento dos ombros, afinal não foi ele que a perseguiu para início de conversa. Porém, depois de tantos términos e sentimentos de fracasso, Zoro começou a concordar um pouco sobre a possibilidade de ter algum problema em si, pois não conseguia interessar-se romanticamente com a mesma facilidade que seus pares.

E então houve o acidente de carro.

Enquanto lidava mal com as consequências dele — o hospital, a fuga, a mudança — Zoro decidiu mudar de comportamento sobre as namoradas. Não aceitava mais os pedidos apaixonados de namoro, deixando claro para quem o abordava com essas intenções que ele só queria relacionamento casuais. Sua mente estava esgotada àquela altura e não suportava mais situações onde ambas as partes saíam frustradas. Isso se mostrou uma boa decisão quando o sentimento de fracasso relativo a não se apaixonar diminuiu.

No entanto, algo não mudou: Zoro nunca ia atrás de ninguém.

Seu último lance casual foi com Monet e também foi o que mais durou. Nenhum deles estava à procura de algo sério, gostavam de beber e eram compatíveis na cama. Ela tinha um humor mordaz que o divertia e nenhum dos dois faziam perguntas inconvenientes demais que pudesse acabar com o bom clima da conversa. Com o passar do tempo, mesmo os encontros não sendo tão frequentes, Zoro começou a estudar a possibilidade de eles terem algo mais permanente.

Mas de repente Monet começou a se comportar estranha sempre que Zoro fazia referência a pequenas histórias do seu dia-a-dia, principalmente se Sanji estivesse envolvido no relato em questão. As vezes era um franzir nos lábios ou uma batucada insistente de suas unhas longas contra a mesa. O estopim foi Monet pedir que Zoro escolhesse entre ela e Sanji. Os dois nunca tinham se encontrado, apenas se conheciam por meio de fotos que Zoro forneceu de um para o outro, mas ainda assim ela apresentou uma peculiar animosidade em relação a Sanji.

Apesar da ligeira pretensão de namorá-la, escolher foi mais fácil do que Zoro imaginou. Logo após isso Zoro entrou em mais um período de não sair com ninguém, casual ou não. E, bom, não era tão ruim ficar solteiro. Sanji era solteiro há mais tempo do que se lembrava e não parecia sofrer, nem parecia se sentir menos humano por causa disso. Os dois poderiam ser solteiros juntos e aproveitar a companhia um do outro no tempo livre quando seus outros amigos estivessem ocupados com suas vidas de casados. Ou, no caso de Luffy e Usopp, em suas vidas de jogadores profissionais de e-Sports.

E Zoro permaneceu firme em sua decisão até que ganhou uma infeliz perseguidora.

*

A academia de ginástica Wano não teve um único período de escassez de clientes desde sua inauguração a dois anos atrás. Zoro não trabalhava lá integralmente, já que seu trabalho principal era ser o instrutor físico do time de basquete regional e por isso precisava ter alguma liberdade para reorganizar sua agenda quando as viagens com o time eram marcadas. Mas sempre que estava na cidade, após sair dos treinos ou em seus dias livres, aparecia para auxiliar da forma que precisassem lá. Era um privilégio obtido por Zoro ser amigo de Yamato, o dono da academia, desde a época que começaram o curso de Educação Física. E apesar de não falar com todas as letras, Zoro gostava de trabalhar na Wano.

Havia algumas eventuais dificuldades, entretanto. A academia logo se tornou conhecida e isso trazia diariamente uma quantidade considerável de interessados. Zoro não via problema em estar responsável por supervisionar quatro ou mais clientes, mas isso também significava uma maior possibilidade de aparecer alguém interessado nele. Não que Zoro se achasse irresistível, ele nem ao menos entendia o porquê de ter tanta gente atraída assim por sua pessoa. De seu ponto de vista, ele era apenas um homem desinteressante com uma expressão facial de ex-detento que herdou de seu avô paterno. Certamente não era pelo seu corpo, afinal na academia mesmo tinha diversas pessoas mais fortes que ele e que possuíam uma personalidade mais cativante, como o próprio Yamato.

Enfim, tendo ou não justificativa para isso, o fato era que surgiam pretendentes vez ou outra. Para seu alívio, entretanto, naquelas últimas semanas tinha aparecido bem poucos que arriscaram uma abordagem direta e Zoro dispensou a todos com um tom de agradecimento que julgou ser suficientemente cordial. Ou pelo menos usou o mesmo tom de quando treinou com Sanji para aperfeiçoar o modo como rejeitava, pois sua antiga forma de falar resultava em muitos socos das pessoas que se declaravam, e as mais irritadas tentavam chutar suas partes sensíveis. Não era um bom cenário.

Zoro grunhiu quando uma voz aveludada chamou seu nome. Era a voz que vinha atormentando-lhe há dias, sem demonstrar sinais de cansaço. Zoro gesticulou para a próxima máquina que o senhor que estava vistoriando deveria ir quando acabasse as dez repetições de crucifixo e só então se virou para dar atenção a mulher que se exercitava ali perto. A longa trança loira repousava sobre o ombro e ela vestia um conjunto de poliamida roxo que combinava com a cor dos tênis.

Zoro parou em uma distância segura (ela tinha a mania de tentar tocá-lo), e cruzou os braços.

Ela sorriu. “É que estou com dificuldade de entender a posição que devo deixar meu corpo...”

Zoro não se abalou com o óbvio tom de flerte, analisando friamente a posição dela que deveria ser de um agachamento unilateral. Era um dos exercícios que trabalhava com os quadríceps e os glúteos máximos e que aquela cliente em específico fazia com certa regularidade. Pedir ajuda era apenas um ardil, assim como acontecia em todos os dias que ela aparecia na Wano.

“Deixe a postura reta e coloque esse pé um pouco mais para a frente”, Zoro disse sem se mover um centímetro do lugar. Da primeira vez tinha tocado nela de leve para indicar a postura certa, mas era a terceira vez que ela usava o mesmo artifício. “Agora flexione o quadril e o joelho em 90º e depois volte a levantar. Repita isso dez vezes.”

“Oh, não vai nem me ajudar a ficar no grau certo? Talvez eu esteja na inclinação errada”, deu uma piscadela sugestiva, mas percebendo que ele não fez um movimento para ajudá-la, a mulher desistiu e começou a fazer o exercício corretamente sem tirar os olhos de cima de Zoro. “Então, querido. Já repensou sua resposta?”

Zoro manteve a boca fechada com força para refrear um xingamento, pois sentiu a nuca queimar e nem precisava se virar para saber que Kalifa, a gerente, o vigiava de longe. Kalifa era firme na liderança e tratava com seriedade o lema de “o importante é o cliente estar feliz”, principalmente porque o cliente feliz não pedia reembolso, nem pedia o cancelamento da inscrição. Então, embora Zoro estivesse começando a ficar desconfortável com a cliente que já tinha sido rejeitada duas vezes e não desistia dele, ele não podia ser rude e mandá-la embora. Nesses momentos, quando a paciência estava se esgotando, a voz de Sanji surgia em sua mente relembrando-o que mulheres não podiam ser maltratadas.

A primeira vez que ouviu essa repreensão foi vários anos atrás quando a primeira garota se declarou para Zoro. Como não sabia que a menina o tinha chamado para declarar os sentimentos amorosos, Zoro levou Sanji junto para de lá irem para o mercadinho comprar algumas frutas — o projeto de sua classe envolvia preparar salada de frutas para uma creche das proximidades. Somente quando a menina gritou a plenos pulmões que gostava dele, foi que Zoro percebeu que talvez tivesse sido melhor ir sozinho. Os dois a encararam com surpresa por alguns segundos, embora Sanji tenha sido o que demorou mais a sair do choque. E apesar da surpresa, Zoro estava com a resposta curta e sincera na ponta da língua, mas foi impedido de dizê-la quando o outro colocou a mão em seu ombro e apertou. Sanji disse com a voz baixa que, antes de rejeitá-la tão rápido, Zoro devia ao menos considerar conhecê-la melhor. “As mulheres devem ser respeitadas e ouvidas”, disse ele.

Zoro teria tratado a todos os interessados de maneira igual, mas Sanji repetiu tantas vezes e de tantas formas essa ladainha em seus ouvidos que a voz da consciência de Zoro se assemelhava muito a de Sanji.

E foi essa voz em sua cabeça, a voz que parecia tanto com a de Sanji, que o convenceu a dizer as próximas palavras.

“Diga um local e um horário.”

Pareceu-lhe lógico que, já que ela não queria desistir de convidá-lo para sair, era melhor aceitar de vez e deixar que ela ficasse frustrada quando o conhecesse um pouco mais. Com um pouco de sorte só precisaria de alguns encontros antes dela se cansar dele.

A mulher arregalou os olhos, errando o movimento por vários centímetros e saindo da posição do exercício. Mas logo ela se recompôs e enrolou a ponta da trança no dedo indicador. “Que bom que mudou de ideia, querido, porque eu não sou do tipo que desiste fácil. Pode ser hoje mesmo. No Aqua Laguna, às vinte e duas horas”, ela deu um sorriso vitorioso. “Estarei aguardando ansiosa.”

Zoro tentou suplantar a indiferença dentro de si pensando que ao menos ela fazia seu tipo. Apreciava pessoas com cabelos claros e as sardas no rosto dela combinavam com o aspecto geral. Preferia olhos claros também — descobriu isso quando saiu com um rapaz que tinha os olhos de um tom verde-azulado bastante atraentes — mas as írises escuras tinham seu próprio charme.

Zoro afastou-se dela sem se despedir, buscando o celular, que estava pendurado por uma correia em seu pescoço, para ligar para Sanji. Não tinham nada programado oficialmente para aquele dia, mas as vezes Sanji fazia o jantar e o esperava para comerem juntos ou deixava a porção de Zoro sobre a mesa, protegida por uma cúpula de plástico. Por via das dúvidas, achou melhor avisar que comeria fora. Ligou para Sanji e manteve o celular contra o ouvido com a ajuda do ombro, enquanto usava as mãos para ajeitar a ordem dos halteres no suporte com formato de torre.

A chamada, entretanto, não foi atendida. Quando a voz artificial informou que após o bip uma mensagem de voz poderia ser gravada, Zoro desligou e encarou a tela. Sanji costumava atendê-lo até, no máximo, o terceiro toque, então estranhou que sequer tivesse sido atendido. Às vezes, quando estava ocupado, Sanji mandava uma mensagem dizendo que ligasse depois, mas também não chegou mensagem alguma por mais que tenha esperado por longos minutos encarando a tela do celular. Impacientando-se verificou o relógio, mas Sanji já deveria ter terminado de trabalhar àquela altura, então o problema não era esse.

Franziu o cenho para o celular e ligou de novo para Sanji, ignorando a voz que o chamava em algum lugar da academia. Não havia motivos concretos para suspeitar que algo estivesse errado, afinal Sanji era um professor universitário e era normal estar ocupado, mas foi inevitável Zoro lembrar da vez que o levou para o hospital por causa de uma apendicite. O medo frio que penetrou seus ossos naquele dia, tão similar a vez que sua irmã foi levada inconsciente para a sala de cirurgia.

De repente a chamada foi atendida.

“Zoro”, a voz de Sanji soou estranha aos seus ouvidos, mas foi o suficiente para um pouco da tensão dissipar do corpo de Zoro. “Zoro?”

“Eu, uh, não vou jantar em casa hoje”, Zoro vagou o olhar pela torre de halteres coloridos sem realmente vê-los. “Chegarei tarde hoje, não precisa deixar um prato para mim caso vá cozinhar algo.”

“Certo, fique bem.”

Zoro cerrou os dentes. Não era um engano, a voz de Sanji estava realmente estranha. Foram poucas palavras, mas deu para perceber que seu tom estava baixo e sem emoção. Ademais, a resposta não parecia encaixar com o que foi dito por Zoro.

“Vou comer no restaurante que você gosta. Quer que eu leve algo para você?”

Dessa vez a resposta demorou a vir, quase como se Sanji estivesse distraído. Zoro até conseguiu ouvir outras vozes conversando através da chamada, longe o suficiente para não sobrepor totalmente a voz de Sanji. “O que disse? Ah, comida. Não, não precisa. Eu me viro com as sobras na geladeira.”

O vinco entre as sobrancelhas de Zoro aumentou ainda mais. Embora Sanji não tivesse o costume de fazer um interrogatório sobre suas saídas, Zoro habituara-se as piadinhas e conselhos ocasionais que o outro dava quando era informado sobre seus encontros. Esse Sanji totalmente desinteressado era uma novidade que Zoro descobriu não apreciar. Se estivessem cara a cara poderia observar o rosto dele para tentar ler as entrelinhas, mas seu celular não tinha capacidade de lidar com uma chamada de vídeo. E era por causa dessa limitação, de ter que tentar se ater apenas a voz e nada mais, que Zoro detestava fazer ligações. Conversas presenciais eram muito mais úteis.

“... Você está bem?” Zoro quis complementar com um ‘É um dos seus dias ruins?’, mas de que adiantava saber disso se não estava a uma distância física aceitável para oferecer apoio?

Sanji suspirou do outro lado da linha. “Estou bem, só um tanto ocupado hoje... Mas estou bem. Vou precisar desligar agora, Zoro. Bom jantar.”

Zoro não teve tempo de dizer algo mais antes que a chamada fosse encerrada. Ele olhou emudecido para a tela do celular pela segunda vez naquele dia. Sanji simplesmente desligou na cara dele? Bom, isso não era exatamente uma novidade, mas ainda sentiu que a despedida foi bastante inusual. Coçou a nuca em um gesto irritado e largou o celular, deixando a correia suportar o peso do objeto outra vez.

De repente um braço envolveu o pescoço de Zoro sem receio, surpreendendo-o ao ter um corpo pesado escorando-se junto ao seu sem qualquer aviso. Zoro encarou o homem que sorria-lhe animado e que não tinha o menor respeito pelo seu espaço pessoal. Yamato estava com o cabelo longo amarrado em um firme rabo de cabalo e exibia os músculos definidos dos braços e abdômen graças ao top esportivo que vestia.

“Ei, está afim de uma disputa de flexão?”, Yamato apertou um pouco mais o agarre em seu pescoço.

Zoro ergueu uma sobrancelha, momentaneamente confuso com a mudança de assunto e do humor que cercava sua mente. Contudo, um sorriso desafiador não demorou a possuir seus lábios. De vez em quando era bom competir com alguém que podia ser de fato um desafio.

Porém quando estavam prestes a começar a disputa, Kalifa surgiu atrás deles segurando uma prancheta. Ela ajeitou os óculos no rosto, lançando um olhar para os dois que os fez se sentir como se fossem menos do que vermes inconvenientes.

“O que pensam que estão fazendo em pleno horário de pico da academia?”

Yamato engoliu em seco e Zoro grunhiu ao ser trazido de volta a realidade.

Bom. Era hora de voltar ao trabalho.

*

Sentados à mesa reservada no Aqua Laguna, Zoro assistia a mulher mover a boca em uma longa conversa unilateral que ele não estava disposto a interromper. Visto que não prestara atenção a uma única palavra dita por ela, Zoro estava satisfeito em permanecer apenas como um ouvinte até o final do jantar. Aliás, Zoro sequer lembrava o nome dela.

Bom, não que ele tivesse se esforçado para lembrar, pois sua mente estava repleta de preocupações por Sanji. Era impossível esquecer o tom desanimado e as respostas secas que o outro deu.

Quando o garçom apareceu para servir os pratos que a mulher escolhera para ambos, Zoro desbloqueou o celular e enviou uma nova mensagem para Sanji. Era a terceira mensagem que enviava desde que chegou ao restaurante, mas Sanji nem chegou a recebê-las. Isso o deixava com duas possibilidades: Ou Sanji estava sem internet ou tinha desligado o celular propositalmente. Fosse qual fosse, a comichão que se instalara em algum canto de seu cérebro desde que Sanji encerrou a chamada mais cedo, intensificou-se. Junto a ela, uma inquietação começou a reverberar em seu corpo. Precisava comprovar o estado de Sanji o quanto antes.

A mulher voltou a falar, mas agora com alguns intervalos para que pudesse levar garfadas de espaguete com camarão a boca. Zoro cogitou desistir e ir embora, mas podia imaginar facilmente Sanji reclamando de sua “falta de educação em abandonar uma dama”. Era uma chatice extrema. Portanto, continuou onde estava sentado, contentando-se em enviar uma mensagem para Luffy pedindo que este fosse no apartamento de Sanji verificá-lo. Luffy respondeu, quase imediatamente, com vários emojis de uma mão com o polegar para cima e gifs de um homenzinho correndo (o terceiro gif travou seu celular por alguns segundos).

Depois que o aplicativo de mensagem voltou a funcionar, Zoro conferiu se tinha recebido alguma resposta de Sanji (não tinha) e voltou a repousar o celular na mesa. Alheio aos ruídos de fundo, mexeu na comida do prato sem muita atenção. Definitivamente não estava com humor de estar em um encontro, mesmo que a comida fosse excepcional como sempre. Não era atoa que aquele restaurante era um dos preferidos de Sanji.

“Terminou o que estava fazendo?” Ela moveu suavemente a taça em mãos, o vinho branco balançando quase que imperceptivelmente de um lado para outro.

Zoro interrompeu o garfo no ar, a centímetros da boca, e mirou a mulher, percebendo tardiamente que ela estava quieta há tempo demais.

“Sim”, respondeu e terminou de levar a comida a boca, mastigando ruidosamente de propósito sem interromper a troca de olhares.

A mulher franziu os lábios pintados de azul, olhando-o entre cílios. Seu cabelo loiro, já não mais preso em uma trança, caía em ondas harmoniosas ao redor do rosto e era perceptível o esforço que tivera em vestir-se e maquiar-se bem.

Zoro, por outro lado, vestia uma calça jeans que encontrou em seu armário no vestiário do trabalho e uma camisa com o emblema da academia.

Ela colocou a taça de volta na mesa. “Bom. Então você pode me dizer sobre o que eu estava falando a cinco minutos atrás?”

Compreendendo que se tratava de uma armadilha, Zoro nem tentou responder. Ele não achou que ela tivesse percebido que estava sendo ignorada, mas Zoro admitia não ser a pessoa mais sutil ou hábil em questão de traquejo social. Nami sempre o alfinetou sobre deixar muito óbvio o que sentia pela sua expressão, mas Zoro não conseguia fingir entusiasmo.

Tomou um longo gole de sua própria taça e fez uma careta rápida antes de responder. Detestava vinho branco. “Viemos para jantar ou para falar?”

Aquela, com toda certeza, não era a resposta que ela esperava receber, pois as belas sobrancelhas se uniram em um sinal claro de irritação. Porém, contra todas as expectativas, um sorriso arrogante cortou seus lábios pouco depois.

“Está se fazendo de difícil, querido...?”

Zoro mal ouviu o final da frase, já que o celular vibrou em cima da mesa e roubou toda a sua atenção. Deslizou o dedo na tela, apressado para saber qual era a mensagem, mas era apenas Yamato pedindo para fazerem uma disputa de levantamento de peso quando Kalifa não estivesse olhando. Zoro bufou e colocou o celular de volta sem responder.

“Como eu ia dizendo”, ela recomeçou com uma calma que não era muito convincente. “Se isso tudo for apenas um truque para...”

O celular vibrou outra vez e Zoro o resgatou num átimo. Infelizmente, era somente um e-mail dizendo algo sobre um tio-avô na Suíça ter morrido e deixado uma grande herança para ele. Zoro soprou uma risada baixa. Bastava ter meio cérebro para saber que isso era uma falcatrua ridícula.

“... Não desisto fácil e...”

Dessa vez o celular recebeu uma chamada e Zoro atendeu sem pensar duas vezes, mesmo não reconhecendo o número que apareceu na tela. No entanto, era alguém querendo falar com uma tal de Mama. Zoro desligou sem pronunciar uma única palavra.

Por que, quando estava esperando uma resposta tão específica, seu número parecia ter subido em grau de popularidade e era notificado o tempo todo? Zoro mastigou mais uma porção de macarrão com irritação. Parecia que o mundo resolvera testar sua paciência.

“... É por isso que sou conhecida como...”

Quando o celular vibrou pela quarta vez consecutiva e ele desbloqueou a tela no automático, a verdade é que nem esperava mais que não fosse alguma coisa totalmente aleatória.

Mas, duas imagens surgiram na conversa que deixara aberta desde antes. Era uma selfie de Luffy sorrindo e fazendo um hangloose em frente a uma porta cinza-claro, e na foto seguinte se via a mão de Luffy pressionando uma campainha. Zoro sorriu com as fotos, era bem típico de Luffy fazer algo assim, mas logo abaixo da segunda foto havia uma mensagem informando que Sanji não estava em casa e o seu sorriso desapareceu. A inquietação de Zoro ficou mais crítica e ele começou a digitar uma resposta — mais lento do que desejava, pois não tinha metade da agilidade de Luffy com essas tecnologias —, mas um golpe súbito no rosto o fez largar o celular sem querer.

“Eu não vim aqui para ser humilhada dessa forma! Me ignorar por tantos minutos para ficar de conversinha no celular com outra pessoa?” A mulher, agora de pé ao seu lado, resfolegava como um animal prestes a atacar ou, nesse caso, que já tinha atacado. As narinas dilatadas e a mandíbula tensa eram os sinais universais da irritação que passou do limite. Ela aumentou o tom de voz, não se incomodando de estar atraindo a atenção das mesas vizinhas e dos funcionários atentos do restaurante. “Eu sou uma incrível companhia, tenho um corpo maravilhoso e não mereço esse tipo de tratamento! Qual é o seu problema?!”

A bochecha na qual Zoro levou o tapa ardia com uma surpreendente intensidade. Foi o tapa mais forte que recebeu em muito tempo, forte o suficiente para sentir um pouco de sangue vazar de um corte no lado interno, mas nada com o qual não estivesse acostumado a lidar. Abaixou-se para apanhar o celular caído, satisfeito de não ver novos danos nele, e encarou a mulher em silêncio. O que mais poderia dizer naquela situação que não piorasse o cenário geral?

E, sinceramente, Zoro não poderia se importar menos.

Diante da falta de respostas de Zoro, ela pegou a bolsa, jogou algumas notas na mesa e ergueu o queixo. “Para seu azar, não quero ter mais nada a ver com você. Aprecie o resto do jantar com seu celular.”

Zoro assistiu ela marchar para longe da mesa por um longo segundo, mas logo voltou-se para a conversa com Luffy em seu celular.

Luffy

estou livre e posso continuar procurando ele 22:44

que tal?  22:45

Zoro

hjuikujio9 22:45

Luffy

ooh 22:46

vamos usar códigos ninjas para conversar?? 22:46

nin nin 22:47

Zoro

mandei sem querer, não é código 22:51

o dedo escorregou 22:51

Luffy

aaaaaaah 22:51

que pena 22:51

mas poderíamos criar um código nosso 22:51

usopp vai fazer pra gente 22:51

e Sanji?? 22:51

Apesar das apreensões que sentia, Zoro sorriu para a tela. O ritmo de Luffy era tão incrivelmente frenético.

Zoro

vá para casa. eu encontrarei ele 22:54

obrigado Luffy 22:56

*

A despeito da afirmativa dada a Luffy, Zoro não tinha certeza de onde procurar Sanji. Claro, Zoro tinha uma listinha mental de lugares prováveis onde ele poderia estar, mas decidir em qual lugar começar sua busca era outra história. Pensou sobre o assunto enquanto esperava prepararem uma porção do mesmo prato que teve em seu jantar para viagem. Não queria perder tempo indo em vários lugares, mas o celular de Sanji permanecia desligado e isso dificultava as coisas. Por fim, sabendo que Sanji não estava no apartamento dele, resolveu apostar primeiro em sua própria casa.

Zoro desceu do táxi e seguiu para a entrada da casa em passos firmes. Na mão esquerda, a sacola com o jantar comprado no Aqua Laguna sacudiu um pouco quando Zoro parou de repente em frente a porta. Destrancou a fechadura sem considerar o fato dela estar trancada um sinal de que Sanji podia não estar ali — afinal Sanji possuía as chaves da casa e podia ter aberto e trancado logo após passar. Zoro, então, empurrou a porta e entrou sem cerimônias em sua própria residência.

Ao encostar a porta atrás de si, Zoro deparou-se com a casa escura e silenciosa demais. Os punhos cerraram-se com frustração, mas quando Zoro pretendeu ir na cozinha abandonar a sacola por lá para depois sair para buscar Sanji em outros lugares, seus olhos se acostumaram o suficiente para ver que havia, sim, alguém sentado no chão próximo ao sofá. Zoro deixou a comida sobre a prateleira ao lado da televisão e observou o homem sentado. Ele estava com as costas apoiadas no sofá, abraçando os próprios joelhos e com o rosto escondido, mas era inegavelmente Sanji. Zoro o reconheceria até de olhos vendados.

Na primeira vez que Zoro presenciou Sanji em situação similar não sabia como ajudá-lo a se sentir menos sobrecarregado, limitando-se a dar um aperto desajeitado no ombro do amigo para, pelo menos, mostrar que estava ali. Custou a entender que por trás da personalidade irritante e gentil (com as mulheres, principalmente) de Sanji, havia uma pessoa extremamente insegura.

De forma geral, Sanji aguentava bem as adversidades do dia-a-dia, mas as vezes algum gatilho desencadeava a sobrecarga de estresse acumulado. Sanji nunca comentou como exatamente desenvolveu essas crises, então Zoro somente sabia que foi algo formado com o passar dos anos e a primeira aconteceu na adolescência. A frequência com que ocorriam diminuiu consideravelmente depois que Sanji começou a ir com regularidade a psicóloga, mas as crises nunca desapareceram de vez. Sanji parecia estar sempre preso em um ciclo de autoestresse.

De todo modo, a essa altura Zoro aprendeu a lidar melhor com Sanji nesses momentos e como agir para acalmá-lo. Zoro sentou-se no sofá e disse um baixo “venha cá” que, diante o silêncio sólido e sepulcral da sala, soou quase impróprio. Um longo segundo se passou antes de um suspiro audível partir de Sanji e ele se levantar para se arrastar até o colo de Zoro. Os joelhos acomodaram-se nas laterais do quadril do Roronoa, enquanto os braços de Sanji deram a volta no pescoço forte. Por fim, Zoro sentiu o rosto de Sanji descansar na curva do seu pescoço e a respiração dele bater suavemente em sua pele.

Zoro levou um dos braços a envolver a cintura dele enquanto que a outra mão descansou na base do pescoço de Sanji, abaixo do colarinho da camisa que ele vestia, fazendo um carinho suave com o polegar. “Estou aqui”, disse depois de algum tempo e foram as únicas palavras que saíram de seus lábios em uma tentativa de conforto. Sabia que o melhor era deixar o silêncio e sua própria respiração tranquilizar o outro, esperando pacientemente que Sanji tomasse a iniciativa de conversar.

Zoro já começava a cochilar, a escuridão tornava o ambiente propício ao sono, quando a voz de Sanji soou bem próxima ao seu ouvido graças a posição que ainda estavam. A voz dele soou rouca em um primeiro momento, mas Sanji pigarreou e a voz voltou ao normal, embora ainda estivesse que baixa e melancólica.

“Hoje encontrei um aluno da minha turma de Linguagem e Argumentação tendo uma overdose no banheiro”, disse ele, a voz falhando ao pronunciar as últimas palavras.

As mãos de Zoro pararam o carinho que vinha fazendo no automático sobre o tecido da camisa nas costas de Sanji. A gravidade da situação era mais alta do que imaginou. Não era à toa que Sanji parecia péssimo e Zoro se amaldiçoou mentalmente por não ter ido encontrá-lo assim que suspeitou de algo estar errado.

Sob seu toque sentiu o corpo de Sanji se tornar tenso, então apertou um pouco mais os braços ao redor do corpo do outro para passar o máximo de estabilidade que conseguia, ao menos fisicamente, e esperou que Sanji resolvesse continuar.

“Ele estava sentado no chão ao lado das pias, um frasco de remédio quase vazio na mão”, iniciou novamente depois de tomar fôlego. “É um dos alunos mais esforçados dentre os veteranos da sua época de ingresso. Tira notas acima da média e se prontifica a participar de eventos que os demais alunos receiam em aceitar. Está envolvido em tantas atividades extracurriculares, principalmente em trabalhos voluntários, que fiquei preocupado e o aconselhei a diminuir o ritmo. Porém, ele sorriu e disse que estava bem, que não estava fazendo coisas demais... Então deixei passar.”

Zoro voltou a fazer movimentos leves em suas costas, um para cima e para baixo tão suave que mal parecia ser algo dentro das capacidades de um homem como Zoro. Depois acrescentou, resoluto: “A culpa não é sua”.

“Mas eu vi que ele estava mais pálido nesses últimos dias e que parecia distraído durante as aulas, como se estivesse cansado demais para manter o foco. Eu deveria ter interferido antes”, ele pressionou o rosto no pescoço do Zoro, inspirando audivelmente para se acalmar. “Seu pulso estava tão fraco... O médico disse que se ele tivesse sido encontrado um pouco mais tarde, as consequências poderiam ser terríveis.”

Zoro grunhiu. “Mas ele foi encontrado a tempo e está se recuperando no hospital, não está? Você o salvou.”

Sanji ignorou suas palavras, continuando os murmúrios apressados e parcialmente desconexos. “A mãe dele estava tão infeliz, tão transtornada. Eu só tinha visto ela uma vez antes, na cerimônia de abertura, pois é uma das investidoras da universidade. Ele se parece com ela, principalmente no formato dos olhos. Ah. Não pude sair de lá até que o médico confirmasse que ele estava fora de perigo... A mãe dele estava tão nervosa, precisava de alguém para esperar junto a ela...”

Zoro cerrou a mandíbula. O mais provável é que a mulher tenha jogado toda a culpa nele aos gritos e Sanji tenha ouvido quieto por ser cavalheiro demais para fazê-la entender que o filho internado era dela e não dele. Sanji, como professor, somente convivia com o aluno no tempo que ele está em suas aulas ou enquanto o aluno estivesse dentro dos limites da universidade, mas a mãe tinha mais chances de ver o próprio filho, principalmente se vivessem na mesma casa. E ela não podia se isentar da culpa das coisas terem chegado àquele ponto.

Zoro apoiou o queixo no ombro de Sanji, sentindo um leve cheiro de antisséptico vir das roupas dele. Seu nariz torceu ao reconhecer que isso era cheiro de hospital, mas mesmo que este cheiro o remetesse sentimentos ruins, ainda assim não afastou Sanji de si. Em vez disso, subiu uma das mãos para a nuca de Sanji, esfregando a ponta dos dedos ali em padrões aleatórios.

“Só vemos o que as outras pessoas nos permitem, então se seu aluno não queria que você soubesse de seus problemas, você não tinha muito o que pudesse fazer além de dar os conselhos que deu. Além disso, você tem milhares de alunos, como poderia saber a porra dos problemas de todos eles?” Zoro fez um grunhido insatisfeito. “Você não tem culpa”, reafirmou ele, peremptório. Seu tom foi firme o suficiente para não dar espaço para contrarresposta.

Um instante de silêncio, que pareceu ser muito longo para Zoro, se passou antes de um suspiro resignado partir de Sanji e ele afastar o rosto do seu pescoço. “Às vezes até um cérebro de musgo como você sabe como usar as palavras, não é?” Sanji ficou quieto por outro instante depois de Zoro resmungar algum xingamento ininteligível, e acrescentou em um tom mais plácido, com nuances de alívio: “Obrigado, Zoro. De verdade.”

Zoro encarou o contorno do homem que ainda estava sentado em seu colo — era o máximo que a obscuridade da casa permitia-lhe enxergar — e, sem saber como responder aquele agradecimento tão sincero, agarrou a nuca de Sanji, puxando-o para ficar com o rosto em seu pescoço outra vez. “Idiota. Não preciso de agradecimentos.”

Sanji deu uma risadinha, pois não era a primeira vez que ouvia essas palavras de Zoro e provavelmente não seria a última. Zoro não se importava verdadeiramente por ser rudimentar com etiquetas sociais, além de ser bastante confiante quanto a suas habilidades profissionais, mas continuava tendo uma imensa dificuldade em aceitar agradecimentos. Sanji voltou a envolver seus ombros em um abraço frouxo. “Certo, certo. De todo modo, é bom saber que você confia tanto em minhas competências profissionais, mas ‘milhares de alunos’ ainda é um número alto demais para este professor aqui lidar de uma vez só...”

O aperto que havia no peito de Zoro se desfez um tanto ao perceber que Sanji relaxou contra seu corpo e se tornou mais descontraído. No entanto, por mais que apreciasse esse Sanji menos estressado, havia questões que ele ainda precisava abordar.

“Você devia ter me chamado mais cedo”, Zoro deslizou os dedos da nuca para o pescoço de Sanji, pressionando pontos na pele que fizeram o homem em seu colo soltar um ruído satisfeito. “Eu teria ido com você ao hospital.” E certamente não teria deixado a mulher jogar toda a culpa em Sanji.

“Você estava trabalhando.” Zoro não tinha como ver, mas algo na voz de Sanji indicou que ele revirou os olhos com a suposta obviedade de sua reclamação. “E você não gosta hospitais.”

“E daí? Yamato não me despediria por sair mais cedo. E você importa mais.”

Zoro teve a impressão de ouvir um soluço nervoso escapar da garganta de Sanji, mas nenhum outro ruído saiu do homem além de um resmungo e o som da respiração tranquila, quase como se estivesse se esforçando para ocultar algo. Nesse ponto a escuridão começou a irritá-lo, pois se a sala estivesse devidamente iluminada poderia puxar Sanji e examinar seu rosto para descobrir o que havia ali.

“O que foi?”, Zoro perguntou franzido o cenho.

“Nada. Só acho que Yamato está te deixando cheio de maus hábitos—”

O som de um estômago roncando interrompeu sua frase ao soar alto e claro pelo ambiente. Ambos ficaram estáticos por meio segundo antes de Zoro jogar a cabeça para trás para gargalhar alto e de Sanji se afastar o suficiente para dar-lhe um tapa forte no braço.

“Não ria, seu cabeça de cacto!” Obviamente constrangido, Sanji se contorceu para sair do seu colo, mas os braços de Zoro permaneceram firmes em torno da cintura estreita. Sanji, então, beliscou as mãos de Zoro com afinco, finalmente conseguindo escapar do seu agarre e pular para fora do colo dele. E movido pela memória, Sanji se levantou e se afastou em direção ao interruptor. “Não tive tempo de comer mais cedo, então essa é uma reação absolutamente normal do corpo.”

Zoro ignorou as justificativas, ainda exibindo um sorriso quando se levantou do sofá e, assim que a luz os envolveu, buscou localizar o jantar que trouxera. Pegou a sacola e estendeu para Sanji. “Trouxe para você, mas deve ter esfriado.”

Sanji voltou a se aproximar com a sobrancelha erguida. “Eu disse que não precisava.”

Zoro nem tentou replicar, apenas deu de ombros e entregou a sacola com a embalagem descartável cuidadosamente fechada dentro. Ele não tinha essa necessidade de explicar detalhadamente tudo o que decidia ou não fazer. Era um homem prático acima de tudo.

Sanji investigou o conteúdo dentro da embalagem e farejou feliz o aroma do seu prato preferido do Aqua Laguna. Um sorrisinho satisfeito tomou seus lábios e ele encarou o Roronoa com o azul de seus olhos cintilando. “Você lembrou do que eu...” Seus olhos se arregalaram e o sorriso despencou. “Por que você tem a marca de uma mão na bochecha?!”

Zoro levou a mão para a bochecha, a mesma que recebeu o golpe mais cedo, mais por reflexo do que por sentir alguma dor remanescente. Se Sanji não tivesse comentado, esse jantar teria sumido totalmente de sua memória. “Nada de importante”, respondeu desinteressado.

Sanji segurou sua mandíbula com dedos firmes e virou o rosto dele para ver melhor a marca vermelha que se sobressaia por muito pouco na pele marrom.

“Intrigante... Esse seu ‘nada’ deixou os cinco dedos bem marcados na sua pele... Espere. Você não deveria estar em um encontro?”

“Estava, mas não deu certo.” Era melhor nem ter ido, acrescentou mentalmente.

“Isso foi algum ex-namorado ciumento que não aguentou ver ela saindo com alguém mais atraente?”

A expressão de Zoro deve ter denunciado algo, talvez o rolar de olhos tenha sido muito evidente ou quem sabe a descrença por sua suposição, pois Sanji chegou bem rápido a uma conclusão nova. “Oh. Essa é a marca da mão dela?”

“Sim. Nos desentendemos. Não sairemos outra vez.”

Zoro imaginou que seria questionado e depois repreendido por não ter sido uma boa companhia para a mulher insistente, mas, contra todas as expectativas, Sanji murmurou com falso assombro: “Você saiu com ela hoje e já terminaram? Isso é... Isso é um novo recorde?” Ele então encostou uma mão no ombro de Zoro, como se o estivesse confortando, mas o gesto não passava muita credibilidade quando a pessoa fornecedora de conforto estava mordendo o lábio pra impedir a risada de sair.

Zoro estapeou sua mão para longe, fazendo uma careta de impaciência.

“Vai comer ou não?”

Por ainda estar segurando a risada, Sanji apenas acenou com a cabeça e seguiu Zoro para a cozinha, onde esquentou a comida e se serviu. Conversaram um pouco mais enquanto Sanji se alimentava, mas ao terminar, ele informou que iria embora. Ainda precisava corrigir atividades que estavam numa pasta em seu apartamento, então não poderia se demorar mais.

Ao se despedirem na entrada, Zoro cruzou os braços e se encostou no batente da porta.

“Se você trouxer os papeis da próxima vez, poderia corrigir aqui mesmo.”

Sanji olhou-o de soslaio, pois já se virava para ir embora, e sorriu afetado meio vacilante. “Bom, vou pensar na possibilidade. Mas se queria passar mais tempo comigo, era só pedir, Zoro.”

E por mais que Zoro tenha bufado de leve, ele não negou. Estava tão acostumado a presença de Sanji que passar algumas horas a mais não seria necessariamente ruim. Além disso, poderia ficar de olho nos sinais de estresse dele e agir mais rápido caso houvesse uma próxima vez.

Sanji pareceu ficar sem jeito quando Zoro não retrucou da maneira esperada, mas foi poupado de continuar a conversa quando uma buzina soou de repente.

Zoro somente fechou a porta de casa quando Sanji entrou no táxi e o carro sumiu de vista.


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