The Long Road escrita por Bella P


Capítulo 6
Capítulo 5




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O vidro quebrou sob o seu pé, gerando um som estalado que fez a jovem morder o lábio inferior para não emitir nenhum ruído expressando o seu desagrado por causa daquele erro. Ao seu lado, Febe lhe lançou um olhar de advertência e arqueou as sobrancelhas douradas diante de sua gafe e pensou em abrir a boca para lhe chamar a atenção mas mudou de ideia, pois seria gerar mais barulho quando o que elas queriam era o silêncio absoluto.

O vento noturno soprou fortemente, fazendo a porta do velho armazém abandonado bater com força e o som de ferro vibrando ecoar por todo o lugar, chamando a atenção das duas Caçadoras. Laurel mirou por cima do ombro e estreitou os olhos, puxando de sua aljava uma flecha prata e a levando ao arco, o armando. A luz prateada da lua entrava pelos vidros foscos e quebrados do velho galpão e iluminavam a poeira que pairava no ar. Febe seguia a frente da garota mais velha mas parou de súbito quando ouviu o barulho de algo se arrastando pelo chão de cimento.

Os olhos claros de Lily encontraram os escuros de Febe e a escocesa fez um sinal com os dedos, indicando que a companheira deveria seguir pela esquerda enquanto ela ia pela direita, pois com isto as chances delas encurralarem a presa seriam maiores. Febe assentiu com a cabeça e armando o seu arco foi pé ante pé por entre as velhas caixas de madeira apodrecidas enquanto Laurel tomava o caminho oposto, com os seus sentidos todo alerta para qualquer eventualidade.

Novamente o ruído de algo se arrastando soou pelo galpão, desta vez bem perto dela, e num gesto brusco Laurel virou-se a tempo de sentir algo batendo violentamente contra o seu quadril, a arremessando contra uma viga de ferro. Gemeu diante do impacto e ergueu os olhos para a criatura na sua frente. Da cintura para cima o que se apresentava era uma bela mulher com pele em tom café e olhos dourados riscados como os de um réptil. Cachos rebeldes e negros adornavam a cabeça e vestia uma camisa rosa choque com os dizeres: “Eu amo São Francisco”.

Era da cintura para baixo que estava o problema. Pois onde deveria ter pernas o que havia era uma cauda grossa de serpente que se retorcia e brilhava em tons vermelhos e corais contra os raios lunares.

- Caçadora! - sibilou a lâmia e Laurel levantou-se do chão em um salto, recolhendo o arco e a flecha antes perdidos por causa do ataque súbito e os armando, os disparando contra o monstro prontamente. A cauda de serpente remexeu, desviando o percurso da flecha e essa se enterrou em um caixote de madeira com um sonoro “crac”.

- Laurel! - Febe veio correndo em sua direção e deslizou pelo chão até parar ao seu lado, disparando também o seu arco.

- Não! - Lily segurou no ombro da companheira, a empurrando para um lado enquanto se atirava para o outro, pois novamente a lâmia remexera a cauda, rebatendo a flecha que desta vez foi sobre elas e passou zunindo perto da orelha da escocesa. Girou o corpo quando este se chocou com o chão e só parou quando encontrou proteção atrás de uma coluna. Olhou para o lado em que empurrara Febe e viu que ela tinha feito o mesmo movimento tático e agora tinha abandonado o arco e flecha e os trocado por uma faca. Laurel decidiu seguir a decisão da amiga e fez o mesmo, puxando as suas sai de dentro dos canos longos das botas que usava e as girando entre os dedos.

Ambas as Caçadoras trocaram mais um olhar e Febe apontou para si mesma com o dedo indicador e depois para a lâmia que sibilava e contorcia a cauda, farejando o ar a procura de suas presas visto que a pouca luminosidade dentro do armazém não estava favorecendo nenhum dos dois lados. Laurel assentiu com a cabeça e saiu detrás da coluna, usando caixotes como proteção enquanto com um grito de guerra Febe partia com um ataque frontal para cima do monstro.

A lâmia silvou ao ver o vulto da Caçadora vir em sua direção e chicoteou a sua cauda de serpente, acertando Febe no peito. Laurel aproveitou a distração dela e atacou por trás. Quanto sentiu a pontada na base de sua coluna o monstro urrou, olhando por cima do ombro para a adolescente atrás de si e seus olhos dourados faiscaram de ódio diante da ousadia dela. Mais uma vez seu rabo remexeu-se para atacar, mas desta vez Lily estava preparada e quanto a cauda desceu na sua direção ela deu um pulo para trás, deixando a mesma acertar o solo com um som abafado, causando rachaduras no cimento, e antes que ela pudesse preparar-se para outro ataque usou a sai para prender a ponta do rabo de serpente no chão.

Com isto, convocou novamente o seu arco, o armando com duas flechas e o disparando. As mesmas cortaram o ar com precisão, cravando-se no peito da lâmia ao mesmo tempo que as pontas prateadas de outras duas flechas surgiam ao lado das suas. O monstro soltou um longo e agonizante sibilo de dor até desfazer-se em poeira e luz. Laurel suspirou, indo até a sua sai e a desenterrando do chão, a recolocando na bota e aproximando-se de Febe. O som de uma corneta de caça soou por todo o porto e ambas sorriram.

- Parece que a caçada acabou por esta noite. - comentou Febe displicente. A senhora Ártemis havia separado as Caçadoras em grupos por causa da grande aparição de monstros que ocorria na área de São Francisco desde o fim da guerra com Cronos, visto que foi ali que o titã reerguera o seu castelo. O soar da corneta era o aviso de que a batalha fora encerrada por hora.

- Vai na frente, vou pegar a minha flecha. - falou, indicando sobre o ombro a flecha que a lâmia desviara para um caixote. Febe assentiu com a cabeça e girou sobre os pés, sumindo na escuridão do galpão e Laurel deu meia volta, indo até a caixa de madeira e arrancando a sua flecha da mesma.

Palmas soaram por todo o armazém e a jovem prontamente armou o seu arco e rodou os olhos pelo lugar a procura da nova ameaça.

- Foi impressionante. - com um girar de corpo pôs-se na direção em que veio a voz e disparou a flecha, vendo o projétil prateado passar como um rastro de poeira lunar perto de um rosto jovial e inabalado diante do ataque. - Você é do tipo que atira primeiro e pergunta depois?

- Senhor Apolo! - Laurel exclamou aborrecida, guardando o seu arco e depois cruzando os braços sobre o peito. - O que faz aqui? - perguntou com uma expressão desconfiada. Ultimamente Apolo andava fazendo visitas surpresas ao acampamento das Caçadoras com a desculpa de que sentia saudades das suas irmãs favoritas: Thalia e Ártemis. A deusa simplesmente lançava uma olhar incrédulo para o gêmeo, como se perguntasse a ele se cruzara com Dionísio recentemente e Thalia não sabia nem como reagir diante do súbito interesse fraterno do olimpiano.

- Estava dando uma volta por essa área... - a Caçadora soltou um bufo descrente. Estavam no cais do porto, em um armazém desativado e no meio da noite. O que um deus estaria fazendo rondando por ali? - quando ouvi os sons de batalha e então vim dar uma espiadela. - deuses mentiam? Porque se sim, Apolo estava fazendo um trabalho divino, com o perdão do trocadilho.

- Claro. - rolou os olhos, girando sobre os pés e dando as costas ao outro adolescente. As outras Caçadoras e Ártemis deveriam estar esperando por ela e se não aparecesse logo, com certeza mandariam um grupo de busca achando que algo lhe aconteceu.

- Por que a pressa? - pulou de susto pois em um piscar de olhos Apolo estava em uma plataforma elevada conversando com ela e no outro estava na sua frente. Deu um passo para o lado na intenção de contorná-lo, mas o deus acompanhou o seu movimento, continuando a bloquear o caminho. Exalou longamente em sinal de frustração e semi-cerrou os olhos na direção do homem. - Você é diferente das outras Caçadoras. - falou divertido. - Elas parecem ter uma aversão e terror tamanho dos homens, deuses ou mortais. Mas você... Você nem se abala. Curioso.

- Apareceu aqui simplesmente porque acha o fato de eu servir Ártemis e ao mesmo tempo não ser alérgica a homens um caso curioso? - não podia acreditar nisso. Apolo não deveria ser o deus-sol, deveria ser o deus dos doentes mentais, porque com certeza ele não regulava bem.

- É que você me intriga profundamente. - existia sanatório no Olimpo? Pensou Laurel, porque o olimpiano estava urgentemente precisando de um. Desde que se conhecia como gente Lily sempre se considerou a criatura mais simplória do mundo, digna de não despertar o interesse de ninguém, quanto mais de um deus. - Não consigo ver o seu futuro.

- O quê?

- Você mesma disse... Sou o deus das profecias, mas não consigo ver o seu futuro. - os olhos azuis praticamente brilhavam na semi escuridão do galpão e a jovem engoliu em seco. Deveria deixar para lá ou se preocupar com o fato de que, aparentemente, não tinha um futuro? Apolo deu um passo a frente e a garota travou os pés no chão para impedir-se de recuar, não queria causar nenhum desrespeito ao deus. Quando ele estendeu uma mão e tocou com as pontas dos dedos mornos a sua face, sentiu o seu coração falhar várias batidas e os seus olhos ficaram largos.

- O-o-o que o senhor está fazendo? - balbuciou horrorizada. O último homem que a tocou fora Christopher Hail quando a humilhara na frente de toda a escola, antes dela ser resgatada por Zöe e jurar obediência a Ártemis. Quis ardentemente estapear a mão do deus para longe de sua bochecha, mas parecia que todos os nervos de seu corpo não estavam mais obedecendo o seu cérebro.

- E você ainda me é extremamente familiar. - deu mais um passo a frente, invadindo de maneira perigosa o espaço pessoal da Caçadora. - Mas não consigo lembrar de onde. - os olhos azuis estavam próximos demais, notou Lily com pavor, tanto que ela pôde perceber que em torno da íris clara havia um anel dourado como ouro e que seus pensamentos estavam começando a tomar um rumo que não deveriam. Por exemplo: era completamente errado para uma Caçadora de Ártemis considerar o gêmeo de sua senhora a criatura mais bela que já vira na vida.

- Laurel! - o chamado a acordou de seu transe e com um ofego ela recuou aos tropeços, o rosto completamente vermelho e os olhos com as pupilas dilatadas. Por cima do ombro de Apolo pôde ver Thalia surgir na esquina que uma fileira de velhos caixotes formava, seguida de outras Caçadoras e da deusa.

- Irmão... - Ártemis mirou Apolo com os olhos pratas estreitos em desconfiança e depois percorreu o olhar até Lily que respirava pesadamente e ainda tinha as bochechas vermelhas. - Venha Laurel. - estendeu a mão para a garota que prontamente pôs-se a caminhar na direção da ruiva e postou-se atrás dela, a usando como escudo contra o outro deus. - Thalia, leve as Caçadoras de volta ao acampamento. - ordenou e Thalia assentiu com a cabeça, dando meia volta e tomando o caminho de saída do armazém, sendo seguida pelas companheiras e deixando os gêmeos olimpianos sozinhos.

- Irmãzinha... - Apolo começou com o seu usual sorriso maroto.

- Não venha com irmãzinha para cima de mim Apolo. O que você estava fazendo aqui? Sozinho? Com a minha Caçadora?

- Só estava dando uma volta. - deu de ombros e Ártemis o fuzilou com o olhar.

- Pois a partir de agora dê as suas voltas longe das minhas Caçadoras. Melhor... Longe de uma Caçadora em particular. - o alertou, dando meia volta e indo embora do galpão. Apolo ainda ficou alguns minutos na escuridão do armazém depois da partida da irmã, absorvendo as palavras dela. Poderia obedecer a sua gêmea, mas desde quando ele dera ouvidos a ela? Com um sorriso traquinas no rosto desapareceu em um clarão.

 

oOo

 

O quarto onde estava lhe era mais do que familiar, era o seu refúgio. Foi o seu refúgio por quatorze anos desde que fora morar naquela casa. As paredes em um tom rosa claro, os quadros com temas infantis, as cômodas brancas, o berço e o armário foram trocados com os anos, mas ela reconheceria em qualquer lugar a enorme porta dupla de vidro que levava para um terraço onde havia um singelo jardim e as cortinas de seda brancas que sempre costumavam balançar com a brisa do verão.

O que ela não reconhecia era a mulher debruçada sobre a grade do berço de bebê e sendo iluminada pelos raios pratas da lua que entravam pelos vidros da janela do quarto. Seus cabelos eram longos, de um tom castanho amarronzado e com largos e generosos cachos que desciam emoldurando a face redonda e iam até o meio das costas. A pele era alva e imaculada e os olhos verdes como folhas de uma floresta. O sorriso que estava no belo rosto era triste e o vestido em tons claros e de tecido leve balançava com a brisa que entrava pela fresta da janela.

- Eu sinto muito minha pobre criança. - as pontas dos dedos longos acariciaram o rosto macio do bebê adormecido dentro do berço. - Queria lhe dar mais do que isto, mas não é seguro ficarmos juntas. Peço todos os dias que os deuses olhem por você. - continuou em um tom baixo, quase um sussurro, e depois se afastou das grades, levando as mãos ao pescoço e soltando algo dele. Quando as ergueu novamente, entre os dedos havia um cordão de ouro com um pingente de esmeralda em forma de folha, o qual a mulher passou em torno da cabeça do bebê.

- Ártemis olhará por você. Ela é a deusa da caça, das florestas, da natureza, é a nossa protetora e estará sempre ao seu lado, porque eu não poderei mais. - disse com pesar, inclinando-se sobre o berço e depositando um suave beijo na testa da criança adormecida que remexeu-se mas não despertou de seu sono profundo. A mulher retornou a sua posição, lançando um último olhar triste para o berço e seguiu em direção as portas duplas, as abrindo levemente e desaparecendo em um sopro de vento.

Laurel sentou-se abruptamente com a respiração ofegante e o coração descompassado diante do sonho que teve. Ou fora uma lembrança? Não saberia dizer. Percorreu os olhos a sua volta para as suas companheiras de barraca e notou que estas ainda estavam adormecidas. Silenciosamente saiu de seu saco de dormir, calçando as suas botas e abandonando a barraca sem fazer barulho algum. Uma brasa ainda queimava na fogueira montada ao centro do círculo do acampamento e lobos das montanhas faziam vigília ao redor das barracas. Corujas estavam empoleiradas no topo dos galhos grasnando e observando qualquer movimento enquanto grilos cantavam ao longe.

Mirou o céu por entre as copas das árvores e viu que faltavam poucas horas para a alvorada. Estremeceu. Pensar no amanhecer a fazia se lembrar de Apolo. E lembrar de Apolo a remetia a noite em que encontrara o deus no armazém do cais do porto de São Francisco. Sacudiu a cabeça para desfazer esta lembrança e soltou um longo suspiro.

- Sem sono? - virou-se para se deparar com a própria Ártemis saindo de sua barraca.

- Minha senhora. - fez um cumprimento polido com a cabeça. - Eu... Iria mesmo falar com a senhora.

- Sobre?

- Tive um sonho agora há pouco. - e começou a relatar para a olimpiana sobre o sonho que tivera e que a fizera acordar tão cedo. Ártemis a ouviu com atenção e franziu as sobrancelhas ao final do relato. - A senhora sabe de alguma coisa?

- Venha comigo Laurel. - pediu, dando meia volta e encaminhando-se para a sua barraca. A Caçadora a seguiu, adentrando a barraca da deusa e acomodando-se em uma das almofadas que ficava a um nível abaixo do pequeno trono que fazia parte da decoração do local e onde a divindade havia se acomodado. - Talvez seja a hora de você saber um pouco sobre o seu passado.

- Senhora? - perguntou confusa. O que havia de mais em seu passado? Era filha bastarda de um Lorde bretão e de mãe desconhecida. Ou quase desconhecida. Se o sonho que teve fosse alguma indicação, aquela mulher debruçada sobre o berço deveria ser a sua mãe, o bebê era ela, o presente, o cordão que usava, fora presente de sua mãe e a mesma, aparentemente, era uma seguidora de Ártemis.

- Um talento como o seu desperdiçado nas mãos de mortais. - Ártemis fez um “tsc” entre os lábios e sacudiu a cabeça em negativa. - Foi por isso que pedi a Zöe que ficasse de olho em você... Eu estou de olho em você desde que a sua mãe me pediu em suas orações que cuidasse de você.

- Conheceu a minha mãe?

- Faz parte da minha corte... A sua mãe. - o queixo de Laurel caiu.

- Como?

- Pense minha cara Caçadora. Apenas pense. - a jovem mordeu o lábio inferior. Ártemis tinha como corte os animais, a natureza... As ninfas. A mulher do seu sonho era bela como uma fada... Como uma ninfa.

- Minha mãe... Era uma ninfa. - atestou surpresa.

- A sua passividade, sua incapacidade de odiar, sua grande capacidade de amar, de perdoar, sua ligação com a natureza, tudo é herança de sua mãe. Se a deixasse viver entre os mortais eles destruiriam essas qualidades mais cedo ou mais tarde e eu não poderia permitir isso. - fazia sentido, muito sentido. Por que ela sempre pedia desculpa as suas caças antes de matá-las. Como ela sabia para que lado ir quando estavam no encalço de um monstro, pois sempre parecia que havia alguém lhe sussurrando o caminho no ouvido. Era a própria natureza lhe ajudando na caçada. Sua rápida adaptação como Caçadora, o fato de se sentir livre quando estava no meio de uma floresta em vez da cidade grande.

- Qual tipo de ninfa a minha mãe era? - perguntou curiosa e nisto Ártemis fez uma expressão que misturava dor e desagrado, uma que a jovem não compreendeu. - Senhora? - a deusa suspirou.

- A sua mãe... Ela era uma Daphne.


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