Crônicas Mitológicas escrita por Elias Franco de Souza
Notas iniciais do capítulo
Neste capítulo veremos um pouco sobre a relação entre os deuses do Olimpo. Espero que vocês curtam a viagem nesse mundo de fantasia tanto quanto eu.
O tempo era algo irrelevante para um deus. Depois de tantos milênios de existência, ser imortal adquiria um novo significado, e as décadas passavam em um piscar de olhos. Porém, os últimos séculos foram demasiadamente demorados para Apolo, em especial a última década. O deus da música já estava entediado de repassar sempre os mesmos acordes em sua lira, e suas ninfas não mais lhe agradavam. Até mesmo a companhia das musas não lhe satisfazia mais como antigamente. Até assumir o lugar de seu pai, Apolo jamais imaginou o quão solitário seria sentar-se no trono dos deuses.
— Meu senhor — anunciou-se Hermes, adentrando o Salão do Olimpo.
— Irmão.
Seu irmão mais novo, Hermes era aquele no Olimpo por quem Apolo tinha mais apreço e respeito depois de Ártemis, sua irmã gêmea. Jamais se esqueceria de quando o deus da trapaça, ainda uma criança travessa, o ludibriou, roubando e comendo todo o seu rebanho sagrado, e de quando eles se reconciliaram ao trocar seus mais valiosos pertences, num sinal de lealdade mútua, para nunca mais enganarem um ao outro. Hermes recebeu o lendário caduceu, em troca do qual cedeu a primeira lira, que veio a tornar-se o instrumento favorito de Apolo. Porém, desde a Guerra Olímpica, a relação entre os dois ficou estremecida.
— No que o senhor necessita dos meus serviços? — indagou o mensageiro dos deuses.
— Querido irmão... — Apolo observava a maneira com que Hermes ainda estava frio com ele. — Apesar de eu estar sentado no trono que um dia foi de nosso pai, nenhum deus no Olimpo me respeita mais, e esse é um fardo que estou comprometido a carregar até corrigir os meus erros. Mas me aliviaria um pouco a pena, se você me concedesse uma trégua. Eu preciso de sua astúcia para decidir o nosso próximo passo. — Apesar do apelo, Hermes permanecia impassível. — Por favor, irmão, conceda-me isso pelo caduceu, que sempre a lucidez trouxe às desavenças dos homens.
— Ousado você é, irmão, em invocar a memória do caduceu. Sabe que eu não posso negá-lo nessas condições. Muito bem, você pode contar comigo. Mas lembre-se: a trégua é temporária. — Nesse momento, Apolo sentia ainda mais saudade de seu pai, que sempre apaziguara as discórdias entre os deuses.
— Muito eu estive observando o mundo dos homens nos últimos dias. Hélio, o deus que tudo vê, tem me reportado cada detalhe. Infelizmente, é chegada a hora de nossa irmã retornar ao Santuário.
— O quê? É muito cedo. Ela ainda não está forte o suficiente para tomar conta de si mesma — protestou o deus loiro de olhos azuis. — Dê-lhe mais dois anos, e ela estará madura.
— Não creio que as forças de Poseidon nos darão mais dois anos. Ele também move seus peões, irmão. Se aguardarmos mais, ela cairá nas garras do inescrupuloso.
— Por que diz isso? Se você está preocupado com o casamento, você sabe que existem outras formas de adiarmos de novo...
— Não é isso que me preocupa, irmão. Estou mesmo falando de Poseidon. Ao que parece, falta muito pouco para os Generais Marinas retornarem.
— O quê?! Não pode ser! Isso quer dizer que Lemúria[1]...
— Sim... E compreendo que o Santuário não é seguro, mas o momento é oportuno. Um filho meu acaba de retornar do mundo dos mortos, e ele está convenientemente perto de Atena. — os olhos de Hermes brilharam. Ele parecia entender agora. Apolo lhe deu tempo para pensar.
— Compreendo... — disse finalmente. — Isso muda tudo. Já deduzi o seu plano irmão, e você tem toda razão. É a melhor chance de Atena. Não precisa dizer mais nada. Vou agora mesmo ao Templo da Memória. Hora de brincar de Deus! — divertiu-se, dirigindo-se à saída.
— Irmão — interrompeu-o quando já estava na porta. O deus ruivo fitou-o agradecido. — Obrigado.
Hermes deu de ombros, e seguiu seu caminho. Saindo do Palácio de Zeus, parou na escadaria para admirar o céu noturno. Na morada dos deuses, eles tinham uma vista privilegiada das estrelas. O Olimpo não tinha localização exata no universo humano. Era uma dimensão paralela, onde tempo e espaço desafiavam a lógica aceita da natureza. Era, de fato, um mundo sobrenatural. Acima de sua cabeça, Hermes poderia avistar o espaço profundo. Era abaixo de seus pés, no entanto, através do piso de cristal translúcido do Olimpo, que ele admirava as constelações vivas, localizadas a meio caminho do mundo humano. Este, por sua vez, apresentado de forma plana. Hermes desceu os degraus e dirigiu-se até o jardim em frente ao Palácio. Próximo ao chafariz, agachou-se e tocou o piso, que tornou-se completamente transparente em um raio de dois metros ao redor de seu corpo. Ali sentado, ficou observando Áries, entre as demais constelações, saltitando no firmamento com sua forma etérea. O deus da velocidade o agradecia sempre que podia.
— Já faz quinze anos que você salvou a minha irmã. Se os demais homens tivessem metade da sua astúcia, eu teria recordações bem mais divertidas do meu tempo na Terra. Não se preocupe, meu caro. Muito em breve, o seu cosmo voltará a queimar.
— Não acredito que você está admirando aquela constelação de novo, em detrimento do meu jardim! — uma das nove musas estava observando Hermes pelas costas, fazendo pose de brava.
— Tália! A que faz brotar flores! Era você mesma que eu estava procurando! — retorquiu animado.
— Nem tente me enrolar — disse batendo de leve com um ramo de hera no rosto de Hermes, quando ele se aproximou para tentar cumprimentá-la. — Eu não caio mais na sua lábia! — mordeu a língua e piscou para o deus, enquanto se afastava saltitando.
— Eu juro pelo Estige que dessa vez não quero me aproveitar de você — insistiu, embora mantivesse sua pose galanteadora. Tália encolheu os ombros e simulou um beiço de decepção. — Quem sabe mais tarde... Mas agora eu preciso ver a sua mãe.
— Hm... Eu não sabia que agora você estava interessado em mulheres mais velhas — a musa da comédia continuava de gozação com Hermes. — Tudo bem! Venha comigo. Vou te mostrar onde o Templo da Memória está desta vez.
Templos que guardavam princípios fundamentais do universo, como o Templo da Memória, não possuíam localização fixo. Eles estavam em movimentação constante através do tecido espacial da dimensão do Olimpo, como forma de protegê-los.
— E aí? Não vai me contar sobre o que é? — perguntou com cara travessa.
— Quando chegarmos você vai descobrir — despistou.
— Por acaso é sobre o nosso pai? Eu sinto falta dele — pela primeira vez ela falava algo sério.
Passavam em frente ao Templo de Zeus, o templo particular do deus, erguido em separado do Palácio que representava a autoridade real sobre os outros deuses. Mesmo ali de fora, podiam sentir o cosmo obscuro que emanava do antigo soberano. Em sua poltrona, uma figura taciturna jazia completamente imóvel. Os cabelos e barbas brancas estavam mais compridas do que o usual, porém pareciam mais frágeis. Apesar de manter a incrível massa muscular, sua pele estava pálida e as veias azuis se destacavam por todo o corpo. O cosmo que ele emanava era o de alguém que não estava nem vivo e nem morto, mas em algum caminho sombrio entre essas duas dimensões. Ainda assim, podia-se notar que era um cosmo assustadoramente gigante se você prestasse atenção nele.
— Eu sei. Eu também sinto, irmã.
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[1] Lemúria é um suposto continente perdido que teria sido localizado no Oceano Índico ou Pacífico.