Crônicas Mitológicas escrita por Elias Franco de Souza


Capítulo 14
Teseu


Notas iniciais do capítulo

Horas antes de uma grande batalha que está para começar nas portas de Atenas, Antíope encontra Teseu refletindo em frente ao túmulo de Egeu, o falecido pai do cavaleiro de ouro.



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Nos arredores de seu Palácio, o Rei de Atenas contemplava o céu noturno sentado no gramado, em frente a uma lápide. Vestia uma túnica de linho simples, um pouco surrada, e estava acompanhado apenas de sua Espada de Mercúrio, que sempre carregava consigo no caso dela emitir algum presságio. Depois de passar o dia vistoriando os últimos preparativos das tropas e conversando com os soldados, decidiu descansar as últimas horas antes de dormir em frente ao túmulo do pai. Ali, meditava sobre todos os sinais obscuros que obtinha das estrelas. A constelação de Órion apresentava uma atividade cósmica estranha, indicando que Pirítoo tivesse passado por perigos. E a Espada de Mercúrio continuava apresentando uma atividade, embora pouco perceptível, de ansiedade. Não havia qualquer sinal cósmico, no entanto, de que tivesse ocorrido uma batalha em Iolco. Por que então Pirítoo teria passado por apuros? Teseu tentou contatá-lo com o cosmo, mas não obteve resposta; o amigo estava ignorando-o. Deveria estar em uma situação na qual não fosse seguro usar o cosmo para se comunicar, e Teseu se perguntava qual seria essa razão.

— Finalmente te encontrei. — Era sua esposa, Antíope, que se aproximava para sentar-se ao seu lado. — O que está fazendo aqui? — Realmente, amanhã seria a primeira batalha dos dois juntos desde que haviam se casado. Antes não tinham esse nível de intimidade.

— Desde que meu pai morreu, há quinze anos, eu venho ao túmulo dele toda noite antes de uma grande batalha. É para eu jamais me esquecer da minha imprudência quando jovem.

— O que mais eu ainda não sei sobre você? — interrogou, enlaçando-se em um braço de Teseu.

— Você já deve ter ouvido falar que o meu pai morreu por minha culpa. Mas não deve saber a razão por trás disso. — Como falar sobre isso depois de tanto tempo? — Esse túmulo é apenas alegórico. O corpo dele não está aqui, sabia?

— Você não precisa contar se não quiser... — salientou, com uma voz compreensiva.

— Não... Está tudo bem. Você sabe que eu comecei a lutar nessa guerra muito jovem, com apenas dezesseis anos. Apesar de eu ter superado o meu pai muito cedo e herdado a armadura de ouro prematuramente, eu ainda não passava de um garoto idiota. Logo na minha primeira batalha contra os atlânticos, após uma importante vitória, eu deixei me levar pelo ímpeto da conquista e, com excesso de confiança, persegui os atlânticos que bateram em retirada para as pequenas ilhas do Egeu. Foi um erro de principiante... Eu não estava pronto para ser general — suspirou. Antíope escutava com atenção, então continuou. — Obviamente, os marinas que eu pretendia eliminar se juntaram aos superiores que aguardavam nessas ilhas, e junto com outras tropas eles nos cercaram e eliminaram toda a minha frota. — Teseu fez outra pausa ao lembrar-se de todos os homens, muitos deles seus amigos, que levou à morte devido ao seu erro. Quantas famílias perderem um pai, um filho ou um marido, por causa de sua negligência? Teseu deveria ter escutado seus conselheiros. — Enfim, um General Marina que se juntou a eles me feriu gravemente, quase me levando à morte. Eu naufraguei, e acordei em uma pequena ilha deserta, cercada por frotas atlânticas das ilhas ao redor. Permaneci um mês escondido nela, sem poder revelar o meu cosmo nem mesmo para contatar alguém, apenas esperando pela oportunidade de fugir. Quando finalmente voltei para Atenas, descobri que meu pai estava morto.

— O que aconteceu? — perguntou após algum tempo que permaneceram em silêncio, com ela alisando o cabelo de Teseu.

— Quando meu pai ficou sabendo que ninguém da minha frota havia retornado com vida, ele presumiu que eu estivesse morto. Num ataque suicida, ele investiu sozinho contra os atlânticos que haviam supostamente me matado. Ele matou o maior número possível de inimigos antes de também cair morto, derrotado pelo mesmo General Marina que me venceu. Para tentar me vingar, ele lutou contra os marinas mesmo sem ter a armadura de ouro ou a Espada de Mercúrio, que estavam comigo. Alguns dizem que foi um ato de bravura, mas não é verdade. Ele só não suportava viver sabendo que o filho tivesse morrido antes que ele... Esta não é a ordem natural das coisas, não é? Ele queria morrer. Ele estava tão consternado, que eu nem mesmo reconheci o cosmo dele quando senti a batalha acontecendo nas ilhas ao redor.

— Você não devia carregar essa culpa — tentou confortá-lo, segurando suas mãos. — Já faz muito tempo. Você era apenas um garoto. Por mais talentoso que você fosse, não deveriam ter te colocado como general. E hoje, você é o homem mais valoroso que eu conheço.

— Não. Eu só sou o homem que sou hoje por que carrego isso comigo. São os meus erros que moldaram as minhas virtudes. É minha responsabilidade nunca mais repeti-los. Amanhã, uma vez mais, por mais entediante que seja defender esse cerco sem fim, eu vou lembrar do meu dever, e vou cumpri-lo como um verdadeiro homem deve fazer. E quando aquele General retornar, eu vou ter a minha vingança. Vou honrar a morte de meu pai.

O olhar sério e a voz firme de Teseu impressionaram Antíope, que selou esse momento com um beijo. Amanhã, seria mais um grande dia para Teseu. Após observarem as estrelas juntos por algum tempo, Antíope, que recostava-se em seu ombro, observou:

— Meu amor, agora eu entendo por que a memória de seu pai é tão importante, mas as histórias que você me contou sobre ele são tão tristes. Você precisa lembrar-se também das histórias boas de seu pai quando vier aqui — aconselhou, segurando o rosto de Teseu com sua mão macia, e fazendo-o olhar direto em seus olhos azuis. — Me conte sobre as boas lembranças de seu pai. — Boas lembranças? Qual era a melhor memória que Teseu tinha a respeito do velho Rei de Atenas?

— Eu não sei... Eu não fui criado pelo meu severo pai, e só fui conhecê-lo aos meus quinze anos, apenas um ano antes dele morrer. Eu sei que ele tinha muito orgulho de mim, e eu dele, mas era apenas isso o que ele era: um homem muito orgulhoso de si.

— Deve haver algo que você lembre com mais satisfação — insistiu.

— Tem sim... — riu ao lembrar-se de algo. — O dia em que nos conhecemos. Sabe, quando eu nasci, meu pai e minha mãe já estavam separados. Eu fui criado por minha mãe no Santuário de Olímpia, e meu pai nunca quis saber da gente, mas ele me deixou algo lá. Lá no Santuário, existia uma enorme rocha mágica, feita de um mineral divino, e que era indestrutível. Nem mesmo um cavaleiro de ouro poderia destruí-la. Antes de eu nascer, Egeu fincou a Espada de Mercúrio na rocha, para guardá-la, e disse que quando eu crescesse e me tornasse tão forte quanto ele, eu deveria remover a espada da rocha e levá-la de volta para ele, em Atenas. Aos sete anos eu comecei o meu treinamento com um mestre da Escola de Escorpião, para me tornar um cavaleiro de ouro, e passei os oito anos seguintes tentando tirar a espada da rocha. Outros aspirantes a cavaleiro e até alguns cavaleiros, incluindo cavaleiros de ouro, também tentaram pegar a espada, sem sucesso. Até o dia em que eu finalmente consegui superar todos os limites dos meus poderes, e consegui pegá-la para mim. Então, como prometido, eu finalmente vim a Atenas conhecer meu pai, e reivindicar a armadura de ouro que estava com ele. Mas quando eu me apresentei, ele não me reconheceu, e pensou que eu fosse um aventureiro tentando roubar a armadura de ouro e o trono do reino, e começou a lutar comigo.

— Sério?! — Antíope ficou incrédula.

— Sim. E mesmo eu mostrando as mesmas técnicas da Escola de Escorpião, ele não me levou a sério e, alegando que eu fosse outro aprendiz da mesma escola, quase me matou. Só que na hora dele me dar o golpe final, eu não tive escolha senão desembainhar a Espada de Mercúrio para proteger a minha vida, e foi aí que ele finalmente se deteve e me reconheceu como o filho dele.

— Eu não acredito... Esse foi o primeiro encontro entre pai e filho mais bizarro que eu já ouvi.

— Mas é tudo verdade. Aquele velho maluco ainda me repreendeu por eu não ter mostrado a espada logo de cara. Depois nós ceamos juntos e demos muitas risadas. Ao conhecê-lo melhor, descobri que ele só se importava com batalhas e feitos heroicos, e gastava todo o seu tempo treinando ou em busca de monstros para derrotar e mostrar o seu valor. Ele me disse que estava muito feliz em ver o quão forte eu havia me tornado, e passou o ano seguinte inteiro me treinando para que eu o superasse. Quando a guerra eclodiu, a armadura de Escorpião me reconheceu como o cavaleiro mais forte...

Mas não forte o bastante, pensou Teseu. Antíope deve ter lido sua súbita expressão triste, pois tocou seu rosto e segurou sua mão para confortá-lo.

— Seu pai com certeza teria muito orgulho do grande cavaleiro que você se tornou. Você foi um dos responsáveis por salvar os helenos quando o número de cavaleiros de ouro reduziu-se a apenas três. Eu tenho certeza que ninguém derrotou tantos inimigos nessa guerra quanto você.  Você já honrou o seu pai, meu amor.

Talvez Antíope estivesse certa. Teseu deveria aliviar-se um pouco do fardo que carregava. Até conseguiu imaginar seu pai sorrindo do outro mundo ao observá-lo em batalha e, agora com o espírito mais tranquilo, Teseu teve a sensação de que conseguiria fazer ainda mais na guerra. Amanhã seria uma grande dia.


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Notas finais do capítulo

Escrever sobre a relação casual e cotidiana de um casal é algo que me agrada muito. Por isso eu prezo muito por capítulos assim e espero que eles agradem aos leitores.



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