Crônicas Mitológicas escrita por Elias Franco de Souza


Capítulo 11
Jasão


Notas iniciais do capítulo

Enquanto o cavaleiro de prata dos relâmpagos, Pirítoo de Órion, e o cavaleiro de prata do fogo, Quíron de Centauro, travam uma batalha mortal que deixa um rastro de destruição no Monte Pélion, Jasão tem que lidar com os seus próprios problemas ao tentar sobreviver contra Electra, uma amazona rasa.



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Jasão corria o mais rápido que podia. Viu nos olhos de Quíron que a sua vida estava em perigo. O garoto mal havia descido dez metros ladeira abaixo, porém, quando ouviu uma explosão às suas costas. Olhou assustado sobre o ombro, e viu um paredão de fogo subindo do outro lado do morro o qual ele havia deixado para trás. Um segundo depois, presenciou um vulto saltando sobre a muralha de chamas. Era uma das guerreiras que acompanhavam Pirítoo.

— Merda...

O rapaz se virou e rapidamente escolheu a melhor rota de fuga, correndo por entre arbustos em uma parte mais íngreme do terreno, em direção ao sopé da montanha. Apesar de não ver se a Plêiade ainda o seguia, podia ouvir os saltos entre os troncos das árvores acima de sua cabeça. Jasão sabia que dificilmente despistaria alguém sobre-humano como aquela mulher. No final da ladeira, tropeçou e rolou para dentro de uma clareira. Levantou-se todo arranhado pelos galhos e ofegante, mas preparado para correr de novo. Entretanto, sua perseguidora já o aguardava logo a sua frente.

— Como é que... Como é que... — arfava entre grandes puxadas de ar; seu coração estava disparado após a corrida. — Como é que você me alcançou tão rápido? — perguntou limpando o suor da testa.

— Ora, alguém como você não...

A guerreira assumiu uma postura passiva para respondê-lo, e Jasão aproveitou esse momento para correr em outra direção. A mulher suspirou, considerando Jasão tolo por abrir uma distância insignificante entre eles, e deu mais três saltos entre as árvores, antes de pousar no solo e interceptar a rota de fuga do garoto mais uma vez.

— Mas que droga! — amaldiçoou o rapaz. — Por acaso você é filhote de esquilo? — questionou indignado.

— Chega de bobagens, garoto. Ou você me enfrenta como um homem, ou eu vou matá-lo como um covarde — ameaçou.

Com a respiração acelerada, Jasão repousava as mãos sobre os joelhos, aguardando a sua frequência cardíaca diminuir. Enquanto isso, analisava a sua oponente. Garoto? Quem ela pensava que era? Ela parecia ser tão jovem quando ele. E apesar de ser muito forte e veloz como demonstrou alguns instantes atrás, a aparência física dela não era tão ameaçadora. Ela era uma guerreira esguia, um pouco mais baixa que Jasão, e até que não era feia. Os olhos cor de mel, quase amarelos, combinavam com o cabelo castanho claro.

— Tudo bem... Eu vou lutar — respondeu finalmente.

— Ótimo.

— Mas qual é o nome da guerreira a quem eu devo a honra de enfrentar?

— O meu nome é Electra. Eu sou uma das sete alunas de...

Mas Jasão não esperou pela resposta. Aproveitando-se da nova distração, mais uma vez tentou enganar a oponente, e correu em direção a um grupo de árvores e arbustos mais fechados. Naquela mata mais cerrada, Electra talvez não pudesse se movimentar tão rápido. No entanto, Jasão não conseguiu adentrar essa rota. Uma rajada de cosmo-energia atravessou seu caminho, forçando-o a deter-se, e arrancando um pedaço do tronco da árvore logo a sua frente. Chocado com aquele ataque mágico, virou-se para Electra e viu que ela estava com o punho em riste e fumegando, como se ele tivesse acabado de disparar um raio.

— Esta é a última chance que estou te dando de não morrer como um covarde. Tente fugir de novo, e o meu próximo golpe vai arrancar um pedaço da sua cabeça — definitivamente, era assustadora, e um pouco sexy, a maneira com que ela se portava ao tecer essas ameaças.

— Maldição. Eu mal pude ver o seu golpe — resmungou, enquanto sentia-se um pouco idiota por ter achado aquela psicopata atraente.

— Surpreso? — perguntou rindo. Ela parecia estar se divertindo. — Você tem alguma noção da velocidade de um Cavaleiro ou de uma Amazona de Zeus?

Antes que Jasão pudesse sequer piscar, quanto mais pensar em uma resposta, Electra já havia se movido tão rápido que estava apenas um passo a sua frente, e aplicou-lhe um golpe de palma aberta em seu diafragma, lançando-o a cerca de cinco metros de distância. O rapaz despencou no solo, aturdido e sem ar. Não podia escutar bem, e a visão estava turva. Tapeando as mãos pelo chão a procura de algo que pudesse usar como uma arma, percebeu que pegou nos pés de Electra. Sem conseguir afastar-se a tempo, recebeu um chute contra o abdômen e rolou mais alguns metros, até colidir com uma árvore. Se não reagisse logo, essa maluca iria matá-lo, pensou, enquanto apoiava as mãos sobre o tronco, usando-o como suporte para colocar-se de pé. Sentiu algo quente subindo por suas entranhas, ardendo, até que vomitou sangue. Enquanto olhava para a mancha vermelha que limpava com as mãos, procurou desnorteado em todas as direções de onde viria o próximo ataque.

— Eu vou te ensinar antes de te matar — sussurrou as suas costas, fazendo um choque correr por sua espinha. Electra então o agarrou pelos cabelos e começou a arrastá-lo pelo chão. Jasão se contorcia e esperneava, em vão. Tentou agarrar galhos e raízes no caminho, mas ela era muito mais forte que ele, e o arrastou até trazê-lo de volta para a clareira. Electra então o arremessou contra outra árvore, onde Jasão caiu sentado. A velocidade dela era incrível – tão rápida que Jasão nem podia ver seus movimentos. Ele com certeza só estava vivo ainda pois a Plêiade devia estar dosando a força dos golpes. — Os cavaleiros mais poderosos, os cavaleiros de ouro, podem se mover tão rápido que superam até mesmo a velocidade do som. Essa é uma velocidade tão absurda que você nem mesmo é capaz de imaginar — explicou, agarrando-o pelos cabelos mais uma vez e pressionando a sua cabeça contra o tronco. Jasão urrava de dor, e só contava os segundos para ela matá-lo logo e acabar com o sofrimento. — Para você ter uma ideia, um homem comum pode desferir socos a uma velocidade equivalente a apenas 1% da velocidade do som. É por isso que a força nos punhos de um cavaleiro de ouro, que são cem vezes mais rápidos, é tão grande que pode rachar o céu e abrir a terra. Mesmo um exímio lutador de artes marciais, mas sem domínio nenhum do cosmo, só consegue atingir até 4% da velocidade do som com seus socos. Muito pouco ainda se comparado a um cavaleiro de ouro.

— Tá... E quando é que vamos falar da sua velocidade... Argh! — exclamou de dor, após Electra o repreender pela interrupção, batendo a sua cabeça contra a árvore de novo. Talvez provocá-la não fosse uma boa ideia.

— A minha velocidade, garoto, pode-se dizer que é equivalente ao de uma flecha. Meus golpes chegam facilmente a 20% da velocidade do som. Não é nem próxima da velocidade de um cavaleiro de ouro, prata ou mesmo bronze, mas é o mínimo necessário para eu ser reconhecida como uma amazona rasa, ainda que sem armadura, e mais do que o suficiente para acabar com um verme como você.

— Interessante. Isso quer dizer que você... É só quatro vezes mais rápido do que eu!

Jasão tentou contra-atacar com um soco, mas Electra, soltando os cabelos de Jasão, esquivou-se facilmente. O garoto ainda tentou uma sequência de socos, todos sem sucesso, terminando seu ataque com um chute na altura do rosto, o qual a Plêiade também evitou com uma esquiva simples.

— Ora... Você realmente é rápido para alguém que não domina o cosmo. Você foi bem treinado. Talvez seus golpes atinjam mesmo os 4%... Seu chute foi até mais rápido. Eu diria que 6%.

— Eu posso não ter um cosmo, mas o Quíron me ensinou todo o resto. Se você é só cinco vezes mais rápida do que eu, eu tenho uma chance de vencer!

Jasão mais uma vez a atacou com um soco, mas Electra parou o golpe no ar apenas com os dedos indicador e médio de uma mão.

— O quê?! Com apenas dois dedos...

— Dizem que quando um rato fica encurralado, o desespero pode fazê-lo atacar o gato. Ainda assim, você não passa de um rato. Nem que eu quisesse você conseguiria me machucar.

Com a outra mão, Electra rapidamente tocou o indicador no peito de Jasão. O garoto sentiu uma descarga elétrica percorrer todo o seu corpo, e foi repelido alguns metros para trás, desabando no chão com dolorosas contraturas musculares. Músculos que Jasão nem lembrava mais que existiam agora ardiam bastante.

— Ah... O que foi isso? É como se o meu corpo todo tivesse sido percorrido por uma força involuntária...

— O que você sentiu foi um choque elétrico. Eu posso usar o meu cosmo para criar essas descargas, como os raios das nuvens — esclareceu, pisando com força sobre o peito do rapaz, que rugiu de dor. — Eu esperava parar o seu coração, mas acho que não usei carga o suficiente.

— Pelo menos eu vou ter uma bela vista antes de morrer... — Por mais imprudente que fosse fazer isso com uma maníaca que estava o torturando, Jasão olhava por debaixo da saia de Electra.

— O quê?! Como ousa?! — protestou visivelmente constrangida, enquanto o pisoteava mais vezes. Apesar de urrar de dor, Jasão riu mentalmente ao perceber que, mesmo ela sendo muito forte, Electra ainda era uma garota como todas as outras. — É decepcionante que ao invés de você ter o cosmo esperado do filho de um cavaleiro de ouro, você não passe de um garoto tarado! Mas devo reconhecer que você é bem resistente — elogiou, antes de voltar a punir Jasão com mais pisões no estômago.

“Decepcionante”. Ouvir toda hora que ele era uma decepção se comparado a um pai que nunca conheceu, o deixava extremamente irritado. Que direito ela tinha de julgá-lo sem conhecer sua vida, seus ideais e sua história? Sua fúria por estar morrendo dessa maneira, injustiçado pelos deuses por não ter acesso ao poder que devia ser seu por direito, o poder que deveria ter herdado de seu pai, foi crescendo em seu peito como uma reação em cadeia impossível de ser detida, como o fogo espalhando-se pela palha seca. Até alguns instantes atrás, Jasão estava pronto para morrer, mas essa fagulha de ira em seu âmago, em seus instantes finais de vida, o fez lembrar da sua razão de viver, a sua razão de lutar. Como largar tudo agora, quando sua irmã precisava de sua ajuda mais do que nunca? Hele era a única coisa boa que ainda restava do antigo mundo que Jasão conhecia, o mundo de antes de virar de cabeça para baixo com toda essa história de Cavaleiros de Zeus. Ser filho de um traidor, ter sido criado por um fugitivo, decepcionar a sua ascendência nobre... Nada disso do que Jasão havia descoberto nas últimas horas realmente importava se comparado a Hele. Em seus momentos finais de vida, tudo o que desejava era ter o poder necessário para salvar a sua querida irmã. Se era seu destino enfrentar todos esses infortúnios, que ao menos tivesse as ferramentas necessárias para encará-los. Jasão precisava ter o seu cosmo para lutar!

— Últimas palavras, antes de matá-lo, garotinho? — questionou antes de outra pisada violenta, fazendo-o cuspir sangue e ficar ainda mais enfurecido. — Não que eu vá me recordar delas. — zombou.

— Eu... Eu...

— Vamos, diga logo. Eu posso sentir o cosmo dos nossos mestres em confronto. Não quero perder meu tempo com um oponente inútil quando eu poderia estar assistindo ao meu mestre dar uma surra naquele velho.

— Eu... Eu... — Jasão não encontrava palavras para descrever toda a sua ira. Tudo o que queria era que aquela garota calasse a boca. O surto de fúria em seu coração despertou algo a mais, algo que Jasão nunca havia sentido. Um rompante de energia estourou de seu peito e se espalhou por todo o seu corpo, dando-lhe a sensação de que todas as dores haviam sumido, de que todo o mundo havia se tornado mais leve, e que seus músculos podiam levantar qualquer coisa. Tomado por esse ímpeto de energia, Jasão reagiu com toda a ferocidade que pode. — Eu não estou pronto para morrer!

Segurando Electra pelo tornozelo, Jasão a empurrou para o alto, lançando-a alguns metros para trás, onde a guerreira aterrissou segura, porém chocada. Havia algo de diferente em Jasão. Conforme se colocava em pé novamente, podia sentir essa disposição imensa fluindo através de seu corpo. Era como se todas as estrelas do universo estivessem fundindo energia através de suas células. De repente, todos os seus sentidos estavam mais claros, seus ossos mais fortes, e seus músculos mais potentes.

— Não é possível... De onde surgiu esse cosmo?! — questionou incrédula.

Jasão finalmente compreendeu. Aquele calor eufórico que sentia explodindo em seu peito e espalhando-se por todos as suas células só podia ser o cosmo. Tudo o que ele precisava fazer agora era canalizar aquela energia em um único movimento e, assim, finalmente ser capaz de atingir Electra com um golpe. Elevando o punho, Jasão avançou contra a Plêiade, que continuava paralisada pela surpresa. Pela primeira vez ele podia observar cada movimento sutil do corpo da amazona, como se ela estivesse movendo-se em câmera lenta, praticamente congelada no tempo. A cada passo que Jasão golpeava o solo, em direção à inimiga, podia ver a vibração no ar se propagando a partir de seus pés, podia ver a gota de suor no rosto da amazona, descendo apenas um milionésimo de milímetro a cada instante, e milhares de outros detalhes no ambiente ao seus redor. Quando aproximou-se da adversária, disparou um soco contra ela, e sentiu toda aquela energia fluindo através de seu corpo e para o seu punho, formando uma torrente tão poderosa quanto um gigantesco rio, escoando toda a magia de seu cosmo para fora. Nesse momento, entretanto, ao se desfazer de toda aquela quantidade absurda de cosmo-energia recém-adquirida, os sentidos de Jasão sofreram um blecaute.

Tudo apagou-se, até mesmo o pensamento. Era como se o universo tivesse deixado de existir. Vários segundos se passaram sem que pudesse ver ou ouvir qualquer coisa. Não tinha certeza se estava dormindo ou até mesmo morto. Seu espírito estava simplesmente vagando no vazio. Após o que pareceu durar uma eternidade, finalmente, pequenas estrelas começaram a acender ao seu redor – sua consciência estava despertando.

— O que... O que aconteceu? — sussurrou, totalmente desorientado.

Os sentidos começaram a voltar, mas a visão ainda estava obscurecida, e não podia ouvir nada além de um forte zumbido. Mais algum tempo se passou até que a percepção dos sentidos voltassem ao normal. Apertou a terra entre os dedos, e percebeu que estava ajoelhado sobre o chão. Havia muita poeira no ar, e somente após ela baixar, pode ver que estava dentro de uma enorme cratera, bastante larga e com pelo menos dois corpos de profundidade. Com dificuldade, escalou a parede e arrastou-se para fora do buraco. Sentia-se extremamente fraco. Todo o poder que possuía até alguns momentos atrás havia desaparecido. Ouviu uma voz gritando seu nome, mas não conseguiu reconhecê-la. Quando olhou para o vulto que chamava-lhe de longe, toda a sua força acabou, e perdeu a consciência novamente.


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Notas finais do capítulo

Eu espero que o despertar do cosmo tenha ficado bem detalhado. Foi bastante trabalhoso de explorar. Para elogios ou críticas, agradeço comentários. Nos próximos capítulos teremos a conclusão desse arco, que está quase no fim.



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