Era uma pequena forma negra. Uma criatura escondendo-se da floresta, ferida após ser atacada por um grande Vulpix. Um pokémon incapaz de se defender, desacostumado a ideia de não ter um treinador para o acompanhar, para o ajudar a se safar.

O felino tinha em condições normais pelos azuis pelo corpo, porém negros da cintura para baixo. Nas patas dianteiras carregava duas marcas amarelas, um dos poucos detalhes que chamava a atenção em suas cores frias. Ao redor do pescoço também havia uma mudança na pelagem majoritariamente azul: uma marca que cobria seu pescoço inteiro, formando um colar de pelos sobre boa parte de seu peito, a mesma cor da curta franja que o Shinx possuía.

A descrição não era tão verdadeira naquele momento em que ele se escondia da raposa em meio a folhagem, escondendo-se desta. Seus pelos estavam cheios de falhas, em que o vermelho se sobrepunha ao azul, o sangue escorrendo aonde o Vulpix lhe mordera. Outros tantos arranhões cobriam boa parte de seu corpo. Estava derrotado, prestes a desmaiar pela exaustão, a respiração curta e ofegante. E se isso acontecesse sabia que não iria acordar novamente.

Ele via luzes a sua frente. A presença de humanos o assustava tanto quanto a raposa de quem fugia derrotado após o combate por comida, se não mais do que do pokémon ígneo.

Lembrava de seu treinador, como jamais poderia esquecê-lo. Viajavam juntos havia certo tempo, ele, o garoto e o Vulpix. Fazia muito tempo, tanto que não conseguia mais se lembrar de muitos detalhes. Alguns momentos lhe voltavam para a memória, dores de quando se via incapaz de vencer uma batalha, dores em dobro pelos chutes que recebia do garoto, que o chamava de incapaz, de inútil. Não era diferente com sua companhia pokémon. A criatura avermelhada não vivia situação muito melhor, sendo também maltratada após as derrotas.

Ele achava que as coisas seriam melhores se ele pudesse viver livre, um desejo de acabar com seu sofrimento. Mesmo assim, surpreendeu-se quando foi abandonado pelo treinador aos berros. Podia ver na face do garoto a frustração, o choro. Apenas jogou as duas pokébolas e se foi, correndo, a frustração tomada também pelo Shinx e pelo Vulpix. Teriam que sobreviver juntos dali em diante, vivendo em uma floresta completamente estranha para eles.

Os dois se entendiam razoavelmente bem no começo, mesmo com as limitações do Shinx. O Vulpix, um pouco mais capaz, era normalmente o responsável por encontrar comida. A amizade entre eles, forte quando eram treinados por aquele garoto, começou a ruir. O felino tentava fazer sua parte, procurar por comida, defender-se. Mas era sempre seu colega quem tinha que salvá-lo do perigo.

Até que naquele dia a raposa se revoltou. Conseguira uma pequena porção de frutas, um alimento cada vez mais escasso, mas se recusou a dividir com ele. Um ultimato que os colocou um contra o outro. Ele tentou se defender mais uma vez, brigando com o Vulpix, mas era incapaz. Levou vários arranhões, mas não se dava por derrotado. Ele tinha que se impor, tinha que mostrar que era capaz de ajudar. E cada vez mais se feria.

Até que desistiu, e fugiu. Era um inútil, fraco demais para viver na floresta. O Shinx se pegou desejando ter outra vez um treinador. Era difícil, era sofrido, mas não teria que se preocupar com comida, companhia e ataques de pokémon selvagens contra si mesmo. Se não tivesse sido abandonado, não estaria morrendo.

Um ruído se fez com o movimento da folhagem a sua frente. Estava delirando, prestes a morrer. Sequer conseguia se mexer. Duas mãos humanas se punham em sua direção. Seria essa sua visão do paraíso?

Sentiu o toque quente das mãos que lhe pegaram, o humano gritando. Outro deles se aproximava, atraído pelo grito. Era bom demais para ser verdade.

Mas o era.