Encontros, Acasos e Amores escrita por Bell Fraser, Sany, Gabriella Oliveira, Ester, Yasmin, Paty Everllark, IsabelaThorntonDarcyMellark, RêEvansDarcy, deboradb, Ellen Freitas, Cupcake de Brigadeiro, DiandrabyDi


Capítulo 20
Eclipse Total


Notas iniciais do capítulo

Olá, tudo bom vocês?!

Primeiro, desculpem a demora, minha vida está aquela coisinha chamada “caos”, mas cá estou eu para mais um capítulo.
Nessa rodada, lancei a proposta para a Paty, que tão gentilmente aceitou, mas sugeriu que algum elemento (uma tábua ou colar) fosse adicionado à história, que tem quê sobrenatural.
Espero mesmo que gostem, foi escrita com muito amor, sobre um dos meus casais preferidos da saga THG: Finnie.

E não poderia deixar de agradecer em nome de todas à NightStar, que nos deixou uma linda recomendação essa semana!! Amamos cada letrinha, tá bom?

Segue a sinopse, boa leitura!! Bjs*

Sinopse: Finnick e Annie tiveram um relacionamento rápido há alguns anos, mas desde um término conturbado não se suportam. Ambos até têm feito um bom trabalho em se evitar, então tudo piora quando eles têm que trabalhar juntos em um caso no hospital onde são cirurgiões. Mas o que começa como um plantão comum, pode ser tornar sobrenatural, quando um eclipse total do sol promete deixar o dia em trevas, e mexer com a cabeça e com vida dos dois.
Gênero: Romance
Classificação: +16



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 A emergência estava uma loucura, e tudo naquela manhã parecia conspirar para um desastre. Macas eram arrastadas, pacientes chegando, sendo transferidos, gritando de dor ou apenas fazendo drama. Mal havia começado o plantão e Peeta iria surtar. Ainda havia a bendita festa beneficente à noite e o tal do eclipse solar que havia virado notícia nas últimas horas. Tudo que o diretor do hospital de Panem não precisava era de dez minutos inteiros de escuridão no meio daquele dia.

Enquanto só ocupava as funções na gerência há seis meses, ainda tinha que lidar com o problema de sempre. O loiro soltou um suspiro profundo antes de bipar os dois médicos e caminhar em direção ao quarto da paciente prioritária.

― Odair, você comigo ― chamou a loira baixinha e de grandes olhos verdes, que franzia a testa e tentava entender um prontuário encostada na bancada.

― Diga, chefe. ― Ela fez uma continência desnecessária o acompanhando caminhando rápido, que só não irritou ainda mais Peeta, porque este tinha problemas maiores pra lidar do momento.

― Saíram os resultados dos exames do 207, preciso de um cirurgião ortopédico e eu não estou com paciência pro seu irmão hoje ― explicou, e a residente fez uma careta. Ela também não estava com paciência para Finnick. ― Também preciso de uma cirurgiã vascular, então você pode imaginar a confusão que estou criando.

― E você me chama pra encarar Finnick e Annie juntos num cubículo de 2x2m? Me manda pra triagem, patologia, mas isso não! ― ela suplicou inutilmente com as mãos em prece, o que arrancou um pequeno sorriso do homem.

― Eu preciso de alguém que impeça que eles se esfaqueiem com os bisturis, você é a mais indicada. Você e Annie não são amigas?

― Somos, desde que não envolva o Finn ― Madge retrucou emburrada. ― E existe uma dezena de ortopedistas aqui, por que ele?

― Estou sentindo que isso aqui é mais complicado do que parece, e preciso do melhor. ― A caçula dos Odair cruzou os braços e fez um biquinho de birra. Ela não tinha argumentação contra aquilo, seu irmão era mesmo o melhor no que fazia.⁠⁠⁠⁠

― Qual é o caso? ― perguntou rendida, já sabendo que o Mellark não desistiria. Se Finnick e Annie eram teimosos, Peeta tinha que ser bem mais para suportá-los.

― Johanna Mason, lutadora, 26 anos, lesão na perna direita em um acidente de moto.

― Mason, tipo a antipática da Glimmer?

― Irmã da nossa querida obstetra. E a garota ainda tem uma luta em dois meses, precisa se recuperar a tempo. Entendeu porque preciso dos dois nessa?

Madge já havia aceitado que seu dia naquele caso seria péssimo, quando uma lembrança lhe atingiu.

― Mas hoje é dia de eclipse solar! Traz mal presságio colocar personalidades como de Finn e Annie para trabalhar juntos!

― Odair, não temos tempo de pensar nisso! E se quer minha opinião, o que traz mal presságio é a safadeza do seu irmão com a mania de controle da sua amiga.

― Eu vou querer umas folgas depois de hoje! ― a baixinha ralhou, mas se encaminhou em direção ao quarto, com o tablet que Peeta lhe entregou em mãos. ― Bom dia, sou a... Ei, eu conheço você! ― A reação foi tão espontânea e genuína que, mesmo um pouco grogue da medicação, Johanna riu. ― Você não ganhou a luta da temporada ano passado? Meu Deus, meu namorado é obcecado por você!

― Obrigada, eu acho. Essa é a médica que vai salvar minha perna? ― A última pergunta foi pra Peeta Mallark, que tinha acabado de entrar no quarto.

― Ela vai ajudar. Na verdade, eles estão chegando... ― Nesse momento, Annie entrou. O sorriso no rosto tentava disfarçar o aspecto cansado de quem já estava tirando um plantão duplo, feito três cirurgias e ainda tinha muitas horas pela frente. ― Johanna, essa é a doutora Cresta. Ela é a melhor cirurgiã vascular da cidade e vai garantir que sua perna volte ao normal o mais rápido possível.

― Linda assim, e ainda competente? Como só te conheço agora, doutora? ― Os analgésicos estavam fazendo efeito, e como se ainda fosse possível, Johanna estava com a língua mais solta. Annie sentiu as bochechas enrubescerem com o galanteio inesperado.

― Nosso chefe gosta de se gabar dos seus funcionários. ― A médica se aproximou do leito, estendendo a mão à paciente. ― Pode me chamar de Annie.

― Pode me chamar de solteira ― a morena respondeu de volta.

― 'Tá arrasando, hein, Ann? ― Madge deu uma cotovelada amistosa no braço da amiga. ― Isso é pra você não se queixar mais de não ter companhia.

― Eu tenho companhia, Mad. ― Annie disfarçou com um sorriso sussurrando de volta.

― Você sabe que a Netflix e seu cachorro não são seres humanos, não sabe?!

― Por que ainda sou sua amiga, Odairzinha?

― Pra não perder oportunidades de me ver, é claro. ― A voz soou da entrada, e Annie fechou os olhos com força, acreditando que aquilo era apenas um pesadelo e logo ela acordaria na sala de repouso. ― Como vai, Love?

Johanna abriu a boca observando o belo ser masculino à sua frente, o sorriso zombeteiro no rosto, o olhar esverdeado provocativo para a outra médica, que sequer se deu ao trabalho de olhar para trás.

― Me diz que esse também é meu médico!

― Você não é gay? ― Madge questionou realmente confusa, mordendo o bocal de sua caneta.

― Não me prendo a limitações, doutorinha. Mas ele é?

― Muito prazer, doutor Finnick Odair, melhor cirurgião ortopédico do Estado. ― Annie não pôde conter seus olhos de rolarem por trás dos óculos. Maldito narcisista! ― Meninas, eu assumo daqui ― ele continuou, não dando a mínima ao fato de todos ali terem ignorando sua arrogância.

― Na verdade, o caso é de vocês três. Qualquer coisa, me chamem. ― Peeta soltou a bomba e saiu do quarto, deixando Finnick e Annie perplexos.

― Ei, Ei! Eu não vou trabalhar com ele! ― Annie foi a primeira a alcançá-lo, logo na saída, seguida de perto por Finnick. ― Temos um acordo, Peeta.

― Johanna precisa de você. Precisa dos dois.

― Eu não me importo! ― o médico retrucou. ― Não é só que eu não queira, mas é humanamente impossível alguém fazer algo produtivo ao lado dessa ruivinha encrenqueira.

― Encrenqueira é a sua avó! ― Foi a vez de Annie bradar. ― E já havíamos conversado, Peeta. Eu continuaria no hospital se não fosse obrigada a trabalhar com esse aí.

― Vocês dois tinham um acordo nas minhas costas? ― Agora era Finnick que estava possesso.

O acordo tinha sido formado anos atrás. Annie havia acabado de se formar e tinha uma dezena de propostas de emprego, mas o diretor não queria perdê-la, principalmente pelo fato de que isso aconteceria apenas por um ato de cafajestagem de Finnick. Peeta era o chefe da cirurgia geral na época, e, por ser amigo de Annie, ajudou a mediar o bendito acordo.

― Claro que eu tinha um acordo! Acha que eu me arriscaria a ter que dirigir a palavra a você, peste?

― O tanto que você se esforça pra se afastar só pode ser muito amor reprimido e falta do quanto eu te fazia gemer.

― Argh! ― Annie berrou. ― Idiota!

― Já chega, os dois! Eu sei do acordo, sei das briguinhas de vocês, e também sei do maldito eclipse, Madge! ― o diretor quase gritou pra residente que já erguia a mão pra falar. ― Mas vocês não se formaram em medicina para serem assunto de fofoca em hospital, muito menos para trabalhar apenas com o que lhe convém. Aquela garota lá dentro é uma lutadora que precisa dos melhores, e esses são vocês, os dois. ― Apontou os indicadores para ambos. ― Então engulam a marra e ressentimento e vão trabalhar! Me avisem quando marcarem a cirurgia, e que seja ainda hoje.⁠⁠⁠ ― E saiu.⁠

― Você fez mesmo um acordo? ― O humor dele voltou ao modo brincalhão-safado e o médico abriu seu maior sorriso para Annie.

― Argh! ― A riuva bufou, pegando o tablet das mãos de Madge e voltando ao quarto da paciente, sendo seguida pelos dois Odairs. ― Então, Johanna, pode me dizer o que houve?

― Eu que quero saber o que houve aqui! Me deixa adivinhar: ex namorados? ― A lutadora apontou para os dois médicos. ― Foi traição? Mentiras? Ciúmes?

― Eu te conto a história toda de como a Ann me deu um pé na bunda quando arrumarmos sua perna, pode ser? ― Finnick desconversou e praticamente roubou o tablet das mãos de Annie. ― Johanna, estou vendo aqui que você teve uma fratura bem grave na perna, quebrou os dois ossos e rompeu vasos importantes.

― Foi o que o médico bonitão de ontem à noite me disse. Aliás, existe algum processo seletivo de beleza aqui? Todo mundo parece o elenco de uma série de TV!

― Eu adorei você! ― Finnick exclamou. ― Não se preocupe, posso consertar, e com dedicação e fisioterapia adequada, você se recupera logo. Annie vai cuidar de arrumar seus vasos sanguíneos e tudo vai voltar ao normal antes que perceba ― assegurou. ― Algo a acrescentar, doutora Cresta?

― Vou pedir mais uns exames e venho logo te ver, Johanna. Tudo vai dar certo, não se preocupe. ― Annie apertou gentilmente a mão de Johanna e acompanhou Finnick para fora do quarto. ― Doutora Odair, pode vir conosco?

― Eu vou ser a pessoa que vai ficar andando entre os dois para não brigarem? Sabem que tenho mais o que fazer, não é?!

― Mais um comentário desses e te dou peteleco que você vai parar do outro lado da emergência.

― Me respeita, Finn, aqui sou tão médica quanto você!

― Não, Madinha, aqui você é uma residente do segundo ano sujeita às minhas ordens.

― Ok, chega os dois. Madge, peça uma angiografia de contraste, repete os exames de sangue e suspende a dieta. Pede também uma ressonância magnética e agenda o uso do ultrassom com doppler, esse eu mesmo faço. Acho que só, por enquanto. ― Annie assinou as autorizações e lhe devolveu o tablet. ― Algo a acrescentar, doutor Odair? ― questionou ironicamente para o homem, que não conseguiu evitar um pequeno sorriso, mesmo involuntário.

Ela havia mudado tanto desde que terminaram, e estava tão mais linda e confiante. Ele sabia como ela havia se tornado a melhor e mais jovem cirurgiã vascular do hospital, mas desde o término, eles sequer se falavam. As provocações e brigas nos corredores e sala de repouso não contavam como conversa.

― Não, me avise quando os resultados chegarem ― pediu antes de sair de perto delas. Annie observou as costas largas dele se afastarem. Deus, ela amava aquelas costas, e amava como ele ficava incrivelmente mais bonito com as roupas azuis escuro do uniforme hospitalar.

― Eita. ― Madge olhava de um para o outro.

― Oi? Eita o quê?

― Isso vai dar uma merda! Eu achava que ia ser ruim só por causa do eclipse, mas depois desses olhares...

― Que olhares, Mad, 'tá maluca?

― Você encantou o meu irmão de novo, e pelo jeito, nunca esqueceu o bastardo.

― Não viaja, estou saindo com o Marvel, lembra? O cara legal, bonito e o mais importante, não-médico! Quero distância do tipo de Finnick, estou vacinada.

― Eu até acredito, mas hoje é dia de eclipse, amiga. As coisas podem ficar meio doidas por aqui.

― Doidas?

― Há mais de uma lenda sobre isso, inclusive uma que diz que a escuridão traz eventos sobrenaturais que não podemos controlar. ― Annie franziu o cenho, entendendo cada vez menos da conversa, sua curiosidade patológica sendo aflorada.

― 'Tá, me pescou. Qual a lenda?

― Existem muitas, orientais, africanas, europeias, sul-americanas, mas se eu fosse você, me preocuparia com a que diz que nos minutos que a lua encobre o sol e o dia se escurece, o tempo e espaço ficam fora de controle. E vocês dois têm muita coisa não resolvida para passarem por isso sem uma morte no final. ― O tom super sério da residente foi quebrado pelas gargalhadas de Annie.

― Você é mesmo maluca. Somos médicas, logo, cientistas. Não temos tempo pra acreditar nessas coisas, criatura. ― Afagou o ombro da menor com carinho. ― Quando os resultados chegarem ou a sala de exames ficar disponível, você me avisa. Vou ver meus outros pacientes.

― Ok. E só pra você saber, o eclipse total vai durar vinte minutos, a partir das duas da tarde.⁠⁠⁠⁠

*

― Me chamou? ― Annie apenas acenou afirmativamente para Finnick, a testa franzida analisando os exames à sua frente. ― Quer dizer que estamos numa trégua?

― Quer dizer que preciso que veja isso. ― Apontou para os exames. ― Não poderemos fazer a cirurgia de Johanna.

― Claro que iremos, me dá isso aqui.

― Nossa, que educado! ― a médica ironizou quando ele pegou papéis de suas mãos. ― Como senti falta disso.

― Isso está perfeitamente normal, Cresta, já reservei a sala para o fim da tarde.

― O raio-X sim, mas olha isso. ― Annie começou a expor os exames de imagens nas telas e acendeu a luz. ― A ressonância mostrou isso e a angiografia confirmou.

― Oh, merda.

Finnick chegou apenas com duas passadas logo atrás dela, e a ruivinha teve que prender a respiração. Se o cheiro dele tomava conta de onde ele estava, de tão perto, o perfume amadeirado caro era só que o que ela sentia. Isso, e a respiração quente do cirurgião batendo contra sua nuca descoberta pelo rabo de cavalo.

― Er, eu sei... Uma merda. Não vai dá de operar tudo hoje.

― Mas isso vai atrasar a recuperação dela em meses! Eu acabei de vir do quarto da Jo, prometi a ela que até assistiria a luta dela daqui a dois meses e te levaria comigo.

― Não seria a primeira garota que você decepcionaria, Finnick, mas eu realmente queria que desse certo.

― Peraí, qual exatamente o problema? ― Ele ficou à frente dela, chegando mais perto da tela.⁠⁠⁠⁠

Annie já estava ficando impaciente com o tempo que ele passou encarando a tela, os olhos fixos nos exames de imagem, a mandíbula se contraindo vez ou outra, o loiro mal piscando ou respirando.

― Já sei! ― O modo repentino que ele exclamou, deu um susto a médica, que estava quase cochilando com o rosto apoiado na mão. ― Nossa, você precisa mesmo descansar, Annie.

― Eu tô bem, o que descobriu?

― Não importa, vou precisar de você 100% nessa, e com todo esse cansaço, não vai dar. Qual foi a última vez que comeu ou dormiu?

― Não finja que se preocupa comigo, Odair. ― A postura dela ficou séria, enquanto pegava o jaleco que estava no encosto de uma cadeira. ― Se achou um jeito de consertarmos a perna de Johanna, ótimo. Se não, me deixe voltar aos meus pacientes.

― Espere. ― Finnick deu passos rápidos e grandes para chegar nela antes que saísse. ― Vou te explicar tudo, então vamos falar com Peeta. Hoje vamos descobrir se ele é tão louco quanto eu e você.

― Eu não disse que concordava com qualquer questão seja sua ideia.

― Mas você vai. Te conheço, Ann, sei que não foge à um desafio, ainda mais quando envolve ajudar uma pessoa.

Ela ia negar, mas ele estava certo. Completamente. E a ciência de quem Finnick ainda a conhecia e talvez se importasse lhe deu um frio na barriga e aquelas malditas borboletas que ela odiava e, se pudesse, mataria uma por uma, com tiros de canhão.⁠⁠⁠⁠

*

― Não sei, Finnick, é muito perigoso.

― Eu consigo, Annie também! Acredita na gente, Peeta, você não nos colocou no caso à toa.

― Mas isso foge totalmente do procedimento padrão!

O diretor coçou os cabelos loiros, tomando uma respiração profunda. O caso de Johanna Mason não deveria ser tão complicado, e poderia ser a oportunidade que ele pediu pra fazer Finnick e Annie trabalharem juntos. O hospital já havia perdido mais de um paciente por causa da briguinha dos dois. Mas agora tudo estava mais difícil. Finnick era doido e ele não sabia como o ortopedista havia convencido Annie a entrar nessa.

― O caso dela foge do padrão. Olha isso. ― Finnick estendeu os dois exames de Raio-X para Peeta. ― Esse primeiro foi feito quando ela chegou ontem à noite e o segundo, Annie fez há quase uma hora atrás. Os ossos estão se movendo, logo irão comprometer músculos e articulações de modo irreversível. Temos que operar!

― Você não vai encostar em Johanna Mason, Odair!

Um médico raivoso irrompeu na sala da diretoria, fazendo Peeta apertar as pálpebras com força. Era só quem faltava, Gale Hawthorne.

― Dá um tempo, Hawthorne, isso não é da sua conta.

― Claro que é, eu a atendi ontem! Sabe quanto tempo levou pra estabilizá-la, pra você chegar com seu bisturi de ouro e já querer foder com tudo? Não vai rolar, não tem meu aval!

― Que bom que não precisamos dele.

― Eu ouvi o que quer fazer, vai matá-la ou aleijá-la!

― Ou salvar a vida e a carreira dela ― o loiro retrucou. ― Por que ele 'tá aqui mesmo, Peeta? Até onde sei, o cara é da emergência.

― Você 'tá concordando com isso? Com ele? ― O tom levemente magoado agora era direcionado a Annie, que estava inexplicavelmente quieta o tempo todo.

― Talvez se você explicasse sua ideia melhor, Finn ― Peeta sugeriu.

― Ok. Íamos fazer a cirurgia normal, eu consertaria os ossos, Annie seguiria com o procedimento arrumando os vasos sanguíneos. Só que a artéria femoral dela está a ponto de romper! Qualquer pequena tração que eu fizesse, a dilaceraria.

― É só inverter, gênio. Ann entra primeiro.

― Você obviamente não conhece de cirurgias ortopédicas o suficiente pra saber que isso é impossível. Atrasaria em semanas a recuperação, e até aí tudo bem. Mas as coisas se complicaram. Não operar a tíbia, comprometeria tudo ao redor, nervos, músculos, articulações. Seria o fim da carreira da garota.

― Melhor o fim da carreira que da vida. Você quer fazer uma cirurgia vascular e ortopédica simultaneamente, e cortar a artéria femoral!

― Eu não, Annie vai cortar. E só por alguns minutos enquanto eu conserto o osso.

― Se a perna ficar meia hora sem irrigação, vai necrosar e você vai ter que amputar! Aí sim seria fim de carreira.

― Eu consigo, termino minha parte em vinte minutos.

― Ninguém nunca fez esse procedimento tão rápido.

― Gosto de ser o primeiro em muitas coisas, Galezito. Então se já esclareci suas dúvidas... ― Finnick indicou a porta cinicamente.

― Annie teria que fazer uma cirurgia em tempo recorde também. E ela não me parece não confiante como você, Odair.

― A doutora Cresta foi minha melhor residente, é um prodígio e uma espécie de gênio desse hospital. Claro que ela consegue ― Finnick afirmou convicto, e a ruiva se viu corando involuntariamente diante do elogio.

― É o seguinte... ― Peeta se manifestou. ― Levo em conta a opinião de todos. Finnick sabe que consegue, Gale acha que não. E como grande parte responsável, eu tenho que te perguntar, Annie: faremos a operação? Se você negar, eu vou entender, é só seu segundo ano nessa área específica. Mas se você disser que pode...

Um par de olhos verdes e um cinzento a fitaram e ela olhava de um para outro. Um era seu ex idiota, babaca e egocêntrico, mas um cirurgião extremamente competente. O outro era seu amigo, que sempre a acolheu com respeito e carinho, mas não entendia muito da área cirúrgica. O negócio de Gale era a emergência.

― Vamos fazer, eu consigo.

― Isso! ― Finnick deu um soco no ar. ― Vou agendar a sala e a equipe. Valeu, Cresta.⁠⁠⁠⁠

― É muito arriscado, você não deveria concordar com isso! ― Gale deu um tapa na mesa de Peeta e saiu da sala.

― Eu falo com ele.

Annie teve que correr para alcançar o médico, que caminhava frustrado de volta à sua área de trabalho.

― Gale...

― Nem vem, Annie! Você concordou com ele, com Finnick Odair!

― Você conheceu Johanna. Claro que quero o melhor pra ela.

― Então não deveria arriscar um procedimento que pode fazer ela perder a perna, ou morrer na mesa de cirurgia!

― Você deveria ter em mim pelo menos metade da confiança que Finn tem.

― O babaca já virou "Finn". Não foi preciso mais de algumas horas pra você já querer outro par de chifres?

― Você fala direito comigo, idiota!

― Desculpa. E desculpa por parecer que não te acho capaz, mas é que... Essa paciente... A Johanna...

― É uma Mason, irmã do seu amor eterno. Eu sei o que você sente pela Glimmer e como Finnick dificultou isso dormindo com ela, mas confia em mim, eu posso fazer isso. E por mais filho da puta que o Odair seja, ele é muito bom no que faz.

― Me preocupo com você também. E se não der certo?

― Vai dar. E logo eu vou estar livre de Finnick e tudo volta ao seu eixo.

― Pior de tudo é que hoje ainda é dia d...

― Se disser eclipse... ― A ruiva ameaçou o outro com o indicador em riste.

― Dia da festa beneficente do hospital. Vai estar tudo uma loucura.

― Ainda tem isso. Estão me forçando a ir.

― Você vai receber um prêmio, garota! Muitos não reclamariam. ― A risada de Gale ecoou pelo corredor quase vazio da sala da diretoria, o clima ficando bem mais leve.

― Pois eu prefiro meu edredom e minha TV.

― E aquele empresário que você estava saindo?

― Não deu certo. ― Ela deu de ombros. ― Mas não conta pra Madge, ela 'tá enchendo meu saco com a história do eclipse solar e esse calvário com Finnick. ― Gale franziu o cenho, então apenas negou a cabeça, parecendo deixar aquilo para lá.

― Se precisar de qualquer coisa, me avisa! E se aquele idiota encher muito seu saco, pode me chamar para socá-lo. Irei feliz da vida cumprir as funções de seu amigo.

― Obrigada, Gale, você é dez! Por que a gente não deixa esses complicados pra lá e não namora, hein?!

― Porque você é boa demais pra mim e nunca me deu bola. ― Ele lhe deu um beijo na testa, mas seu olhar se fixou em um ponto distante. ― Até mais, minha linda.

Quando Annie achou que ele iria embora, Gale a agarrou pela cintura e abraçando forte, beijando seu rosto por mais tempo que o necessário, e dando aquele sorriso quando viu sua expressão confusa.

― Por que isso?

― Apenas cumprindo a regra número quatro do meu manual.

― Que seria?

― Nunca perca uma oportunidade sequer de irritar Finnick Odair. ― O moreno beijou a mão da médica, e deu um aceno rápido de despedida.

Ao girar os calcanhares para pegar suas coisas que havia deixado na sala de Peeta, Annie deu de cara com Finn, que a observava. Ele estava irritado, e agora ela entendia a provocação de Gale. O que ela não entendia era o motivo daquela criatura ter ficado daquele jeito.⁠⁠⁠⁠

**

Já era o terceiro chamado da patologia que Annie ignorava. Até onde lembrava, ela não havia solicitado nenhum exame de lá, e seus pacientes eram mais importantes, mesmo que fosse a senhora Smith, que lhe contava pela terceira vez a história de como sua filha quebrou o braço quando tinha sete anos.

― Eu tenho realmente que ir agora, Clarissa, antes que venham me arrastar pelo braço para a sala da patologia. Mais tarde volto pra te ver.

― Pode trazer aquele médico bonitão que está te encarando da janela? Queria ser tratada por ele! ― Annie olhou rapidamente para trás, para dar de cara com Finnick, que sorriu e acenou para as duas. ― Parabéns, doutora, sabe escolher um namorado!

― Ele não é meu namorado!

― Pois devia. Um homem desse, que te olha desse jeito, que deve saber fazer aquelas coisas, daquele jeito...

― A senhora está muito engraçadinha ― a ruiva retrucou corando de leve. Ela infelizmente sabia bem o que Finnick podia fazer com as mãos e língua. ― Volto pra te ver à noite. Tenho uma cirurgia daqui a pouco, pode demorar.

― Uma cirurgia com ele? ― Apontou de um modo nada discreto pra janela. ― Aproveita, garota!

― Descanse ― aconselhou lhe afagando a mão e saindo do quarto. ― O que é?

― Às vezes, Ann, você parece uma versão ruiva de "o médico e o monstro"! Em um minuto está toda gentil e docinha, e no seguinte, já parece que vai me empalar com um suporte de soro. ― Ele testou um sorriso, que foi respondido com uma cara de poucos amigos.

― Finnick, eu não tenho nem tempo nem saco pros seus papinhos, então se me der licença... ― Ela tentou sair, mas Finnick se colocou à frente dela.

― Vou te levar num lugar.

― Eu não sei o que passa nessa sua cabeça pra achar que eu vou a algum lugar que não seja a sala de cirurgia com você!

― Custa baixar a guarda, garota?! ‘Tô tentando fazer algo legal aqui.

A paciência de Finnick se esvaiu, e ela também não estava em seu melhor momento. Annie odiava quando ele se referia a ela como "garota". Uma coisa era ser chamada assim por uma paciente carinhosa, outra bem diferente era o tom de diminuição que ela ouvia de Finnick. Mas dessa vez, ele não parecia o idiota de sempre, e isso foi estranho.

― Estou indo pra patologia, então de todo jeito, não posso ir com você a lugar nenhum.

― É essa sua desculpa? ― ele questionou de braços cruzados.

― É essa minha justificativa.

― Ótimo, porque era eu que estava te chamando de lá.

― O que você quer, Finn? ― Annie cruzou os braços com impaciência. Se alguém olhasse de longe, veria que ambos eram mais parecidos do que jamais admitiriam.

― Precisamos que essa cirurgia seja um sucesso. Pra isso, preciso você no seu melhor.

― Eu vou dar o meu melhor, relaxe.

― E se não puder? Olha, Annie, você está cansada, sem dormir ou comer há horas!

― Cuidado, doutor Odair, está começando a parecer preocupado com alguém além de si mesmo. ― Ela deu um risinho da própria provocação e ele acabou rindo de volta por ela ter cedido um pouco.

― Apenas me siga. Você tem que almoçar de todo modo, comprei comida pra gente.

― Você não manda mais em mim.

― Não é uma ordem, está mais para um pedido. Um desafio. ― Ele sabia que Annie não fugia de nada na vida quando era desafiada.

― Tudo bem, mas não temos muito tempo.

Os dois seguiram em silêncio para os andares inferiores, mais precisamente para a área do necrotério. Podia parecer estranho, até um pouco macabro, mas eles nunca se sentiram mal ali, ao contrário disso, haviam muitas lembranças.

Fora ali que Finn a encontrou chorando no primeiro dia da residência quando a supervisora a havia humilhado. Fora ali que eles passaram todas as horas livres conversando nos primeiros meses. Fora ali que Finnick roubou o primeiro beijo, e levou o primeiro tapa na cara. Também fora ali o segundo beijo, dessa vez dado por Annie, alguns meses depois, quando ela viu que não conseguia mais ficar longe do seu atual chefe.

O convite para aquele local havia sido quase inconsciente por parte dele. Annie evitava ao máximo voltar lá, enquanto Finnick ia todos os dias, quando precisava pensar, relaxar, ficar sozinho ou pensar na única que garota ruiva e marrenta que um dia chegou perto de roubar seu coração.

― O que quer comer? ― Annie questionou logo que chegaram. O local estava vazio e ela só percebeu que estavam na frente da sala onde eles davam suas escapadas anos atrás quando Finn ergueu uma sobrancelha sugestiva e abriu um sorriso safado. ― Comida. Almoço. Não pessoas, muito menos eu. ― O sorriso dele aumentou e vergonha dela também. ― Pare de rir, isso aqui é sério. Se você continuar com insinuações, eu vou te denunciar pro Peeta!

― Você sabe que eu não falei absolutamente nada de mais, tudo veio da sua mente suja, não sabe, Love? ― Ele tocou a testa dela com o indicador.

― E pode ir parando com esse apelidinho ridículo também! ― Annie tirou a mão dele de perto dela. ― Onde está a maldita comida?

― Quando vai me perdoar, Ann? Já faz quase cinco anos!

― Eu não lembro nesses cinco você ter se desculpado uma só vez, bonitão.

― ‘Tá bom, me desculpa. ― Finnick abriu seu sorriso de meio milhão de dólares, com as mãos em prece e uma piscadela.

― Não.

― Não era o que você queria?

― Você tem que falar como se realmente importasse. Dispenso desculpas falsas.

― Você é uma mulher especialmente difícil, doutora Cresta.

― Eu sou difícil? ― ela grunhiu. ― Você dorme com todo o corpo feminino do hospital e eu sou difícil?

― Eu não dormi com...

― Shiu!

― Eu não vou calar a boca só porque você...

― Shiu! ― Annie repetiu com mais ênfase. ― Tem mais alguém aqui.

― Novidade Love: nós não éramos os únicos que usávamos esse lugar pra sexo.

― São duas mulheres, idiota!

― Aí as coisas ficam mais interessantes! ― Finnick tomou a frente na direção das vozes que ele passou a ouvir distante. Annie o acompanhou, murmurando um “pervertido”.

― ...não estamos mais no século XIX, amiga. E nem sei como planeja fazer isso.

― Camisinha furada, eu digo que tomo remédio, qualquer coisa.

― Esse golpe é velho e ele não vai casar com você por causa disso.

― Pode não casar, mas teremos um laço eterno. E com o tempo e horas me acompanhando nas consultas e cuidando do nosso futuro bebê, ele vai ceder.

― Você é totalmente maluca, Glim.

― Você só fala isso porque nunca transou com ele. O cara é gostoso num nível que você não calcula, Cash. Preciso daquilo pra mim.

Finnick e Annie se entreolharam diante daquela história. Mais do que nunca, a ruiva lamentava pelas péssimas escolhas e o dedo podre do amigo. Gale era legal, merecia algo melhor do que uma obstetra que, ironicamente, pretendia dar um golpe da barriga. Mas, peraí... E se o golpe fosse nele? Ele tinha que ser avisado.

― Você sabe que ele nunca vai gostar de você. Desde que entrei o pessoal comenta pelos corredores que ele tem um caso com aquela outra cirurgiã, como é mesmo o nome da ruivinha?

― Annie Cresta? Me poupe! A garota mal parece ter saído do jardim de infância. ― Ann abriu a boca com raiva e só não revelou sua presença porque foi detida por Finnick, que estava bem mais interessado em ouvir o final da história. ― Ela não dá conta de um homem como ele. E não é como se fosse difícil levar Finnick Odair pra cama!

A revelação do nome do “futuro pai” causou reações diferentes em todos que estavam ali. Glimmer e Cashmere gargalharam com o plano. Finnick piscou repetidas vezes entrando numa espécie de estado de choque, e Annie ficou extremamente irritada.

― Parabéns, papai! ― Annie virou as costas para o médico e seguiu de volta pelo mesmo caminho que tinha vindo.

― Ei, Ann, espera! ― Antes de correr atrás da ruiva, Finnick voltou apenas alguns passos para a porta do quarto onde as outras duas conversavam. ― Nunca vai rolar, Glim.

― Me deixa, Finnick!

― Por que ‘tá brava comigo?

― Esse é seu problema, Odair! ― Annie acusou apertando repetidamente o botão do elevador, vendo esse como sendo o meio de fuga mais rápido dali.

― Qual o meu problema? ― Ele a seguiu para dentro, ignorando completamente o fato dela tentar empurrá-lo para fora da caixa metálica.

― O seu problema, é que sempre vai ter um problema! Ou é uma garota querendo engravidar de você, ou essas cirurgias malucas que você inventa, ou os meus amigos que te odeiam. Os problemas ficam rondando em volta igual satélites, mas eu não. Eu não tenho mais paciência pra isso!

― Mas a culpa não é minha, garota! Se essas malucas inventam esses planos ou se seu amigo babaca tem inveja de mim. E tenho menos culpa ainda se o meu talento e habilidade é inegável.

― Prepotente!

― E mais uma coisa: esse estresse todo é porque ainda sente algo por mim e não assume. Ficou com raivinha porque a Glimmer quer um filho meu? Pois saiba que ela não é a única.

― Você é tão... Tão... Tão... ― Annie gaguejou na tentativa de arrumar alguma palavra que expressasse o ódio que Finnick lhe causava.

― Você também é tão, Love ― ele ironizou os tropeços da fala dela.

O elevador se abriu direto no telhado, e ninguém ali lembrava exatamente quem apertou o botão para irem para lá. Annie apertou os olhos atrás dos óculos em direção ao céu apenas por alguns segundos. Já devia estar tão escuro?

― Mas podemos providenciar um pequeno rebanho de Crestas-Odair pra breve, se quiser. ― A frase de Finnick trouxe a atenção dela de volta a ele. ― Gostou da ideia?

― Eu. Odeio. Você.

― Oh, sério? ― O sorriso dele se ampliou quando percebeu o pingente que acabou saltando para fora do uniforme hospitalar diante de toda aquela agitação. ― Eu meio que senti saudades dele. ― Annie percebeu a que ele se referia. O maldito colar.

O próprio Finnick havia dado de presente a ela depois da primeira cirurgia de sucesso de sua aluna preferida. Na época, eles estavam apenas no nível “apenas amigos e colegas de trabalho”, apesar do interesse dele ir bem além da amizade. Mas o fato é que ela estava quase tento uma crise de ansiedade antes da cirurgia, e ele a acalmou, a orientou e acompanhou durante todo o procedimento. Até aí, apenas cumpriu sua função de orientador, mas ele sabia que a relação deles era muito mais, por isso o presente.

Era um colar com uma rara pedra de Turmalina Paraíba, uma antiguidade garimpada e lapidada na Nigéria, e que, segundo o vendedor, carregava em si a história de seu povo. Finnick a comprou porque o tom azul-esverdeado lembrava a cor dos olhos de Annie. E ela guardou porque era uma boa lembrança de sua primeira cirurgia. E uma boa lembrança do tempo que as coisas com Finn não eram tão complicadas.

― Pois pega pra você! ― Annie arrancou o colar do próprio pescoço. Já estava mesmo na hora de se livrar daquele último item.

― É seu, não quero. Além de que, é mais uma prova que você não me esqueceu.

― Eu não te... Não te esqueci?

― E não tem problema, porque você também não sai da minha cabeça.

Finnick não disse mais nada, sequer esperou que ela reagisse à sua última frase, ele apenas envolveu um de suas mãos na que ela segurava o colar, e com a outra, segurou o rosto da médica, para angulá-lo e lhe roubar um beijo.

Annie até pensou em resistir, ela queria resistir, mas sentir a boca dele novamente em contato com a dela foi como se todo aquele ódio se tornasse o amor que ela reprimiu por tanto tempo. Mas que droga!, ela pensava enquanto os dois ainda se agarravam no telhado vazio, debaixo do ápice do eclipse total do sol, que agora deixava tudo na mais absoluta escuridão.

Então algo estranho aconteceu.

Um vento forte, gelado e inexplicável envolveu os dois, e foi o suficiente para despertar Annie do que estavam fazendo e o empurrar para longe, lhe dando um belo de um tapa na cara.

― Mais um dedo em mim e não há acordo que ainda me faça continuar nesse hospital! ― a ruiva bradou nervosa.

― Ann! ― Finnick correu atrás dela, que já voltava para dentro do hospital pelas escadas, já que não tinha nem paciência de esperar o elevador ao lado dele.

― Nada de "Ann" pro meu lado, Finnick! Como disse, você é problema. Um traidor mentiroso patológico e sem noção.

― Você também me beijou, garota! Você ainda sente, admita! Agora é você que está mentindo pra si mesma.

― Honestamente? Não importa o que eu sinto ― retrucou. Depois daquele beijo, não adiantava negar. ― Mas eu mereço bem mais do que você tem a oferecer, então, não! Não daremos outra chance, não daremos certo. Vamos fazer logo a droga dessa cirurgia e eu me livro de você pra sempre.

Finnick jamais admitiria para qualquer pessoa como aquilo o magoou. Estava mais claro do que nunca que ele amava a sua ruivinha encrenqueira, e ouvir cada uma daquelas palavras, doía em seu coração. Uma coisa era ela o odiar e querer distância. Ele nem a culpava, tinha feito a garota sofrer mais de uma vez. Mas agora ouvi-la admitir que tinha sentimentos por ele, e mesmo assim não querer ir adiante, o fazia se sentir a pior das criaturas.

― Tem razão, vamos fazer logo isso e eu me livro de você! ― ele respondeu apenas para não sair por baixo, escondendo a amargura que sentia.

Ambos chegaram ao mesmo tempo no andar dos quartos onde ficaram os pacientes das clínicas médicas, mas algo parecia muito diferente. Não somente as pessoas, funcionários e pacientes, mas o clima geral em si. Mais obscuro, mais pesado. Mas nenhum dos dois costumava frequentar muito aquele andar, então apenas seguiram para o elevador mais próximo.

― Deseja alguma coisa, senhora? ― Uma enfermeira perguntou hesitante à Annie, que franziu o cenho com estranheza.

― Não, obrigada ― negou educadamente para a jovem e desconhecida mulher, que pareceu se sentir muito aliviada. Estranho.

Daí eles se direcionaram ao quarto de Johanna, passando por uma sequência de estranhezas. Todos absolutamente ignoravam a presença de Finnick, enquanto Annie era tratada com extrema educação e até um pouco de temor. Sem contar o fato de que, ao chegarem ao destino, não encontraram Johanna em lugar nenhum.

― Aleluia, alguém conhecido! ― a ruiva exclamou ao ver Madge recostada em um dos balcões, quase dormindo em cima das pranchetas de prontuários. ― O que diabos aconteceu com esse hospital na última meia hora?

A loira tinha grandes e escuras olheiras, e os olhos cansados bem vermelhos quase mortos, mas esses cresceram um par ao ver Finnick ao lado de Annie.

― Ok, isso é estranho. Por que a senhora ‘tá falando comigo e por que ele ‘tá aqui?

― Ficou maluca, Mad? Ela é tua amiga e eu trabalho aqui! ― Finn retrucou. ― Agora me diz onde está Johanna Mason, tinha outro cara no quarto dela.

― Johanna Mason? ― Madge arregalou se possível ainda mais seus grandes olhos verdes, idênticos aos do irmão. ― Isso não tem graça, Finn. Nem Glimmer vai gostar da brincadeira.

― Aquela maluca já espalhou pelo hospital a ideia mais maluca ainda de termos um filho?

― O qu... Vocês estão bem? ― A Odair caçula entendia cada vez menos as perguntas do irmão e da chefe, então resolveu apenas responder tudo. Ela não fazia ideia o que seu irmão fazia por ali, mas tudo que ela não queria era ser alvo do próximo ataque de fúria de Annie.

― Madge, onde está Johanna?

― Johanna Mason está morta, doutora Cresta.

― O quê? ― os dois cirurgiões gritaram em uníssono.

― O que deixamos passar, Annie? ― Finnick questionava à colega e si mesmo. ― Ela estava bem para aguentar a cirurgia. Onde está o prontuário?

― Já levaram o corpo pro necrotério? Precisamos falar com a família para realizar alguns exames pós-morte. Isso não foi normal, o que ela teve? Parada cardíaca, embolia pulmonar? ― Foi a vez de Annie se direcionar pra Madge.

― Responde, criatura! ― Finnick exigiu.

― Johanna teve uma parada e morreu na mesa de cirurgia, na mão de vocês dois. É sério, vocês estão me assustando.

― Nós não a operamos, só vamos fazer isso daqui há meia hora ― Annie atestou olhando seu velho relógio de pulso.

― Desculpe, senhora, mas vocês a operaram há anos. ― Os dois não poderiam estar mais chocados. ― Tem certeza que não prefere falar disso na sua sala, doutora?

― Minha sala? Que sala? Eu não tenho uma sala.

― Claro que tem.

― Não, eu não tenho.

Finnick resolveu mudar de estratégia. As respostas da sua irmã caçula eram estranhas, mas pela cara de Madge, as perguntas pareciam ser ainda mais.

― Ok, Mad, nos leve para a sala dela.

― Na verdade, você não pode ficar aqui, irmão.

― Ele não sai daqui enquanto não resolvermos essa confusão de Johanna. Onde está Peeta Mellark nessa zona?

― O doutor Mellark também não trabalha mais aqui.

― Só vamos pra “sua sala” ― Finn cochichou a Annie. ― Talvez lá tenha alguma pista dessa confusão toda.

A surpresa deles só se ampliou quando a tal sala, na verdade era a sala de Peeta, mas na porta estava escrito para qualquer um que tivesse dúvidas:

“Annie Cresta-Smith, MD.

Chefe de Cirurgia”

― Acho que vou desmaiar ― Annie sentiu tudo girar. Desde quando ela tinha um sobrenome a mais? E sobre esse cargo que ela não lembrava de ter assumido?

― De onde diabos você tirou um Smith? ― Finn questionou tentando conter sua irritação.

Um bip insistente começou a soar, e logo Madge olhou para o pequeno aparelho eletrônico preso à sua cintura.

― Eu tenho que ir. ― Era só impressão de Finnick ou sua irmã estava com medo de contradizer Annie? Ao contrário do que a loira achou, a Cresta apenas concordou com um aceno de cabeça e Madge saiu rápido dali.

― Quem diabos é Smith? ― Finn perdia cada vez mais a paciência ao perguntar.

― Podemos focar no mais importante? ― Annie também não estava com essa calma toda e seu colega médico não estava ajudando. ― Como eu virei chefe e você e Peeta foram demitidos?

― Se você é chefe, deve ter acesso ao sistema. Pelo jeito que minha irmã ficou, acho que tem a ver com Johanna.

― Tem razão. ― Annie entrou na sala e foi direto para a mesa, já ligando e começando a vasculhar no sistema do hospital. Finnick começou a rir do nada, e ela ergueu a cabeça para ele. ― Qual a graça, palhaço?

― Só foi preciso uma confusão sobrenatural pra você concordar comigo.

― Pare de rir como uma hiena, seja útil e procure algo naqueles armários, faz favor.

Um olhar mais detalhado ao redor, já pôde mostrar a Finnick que aquela poderia ser a sala de qualquer um, menos de Annie. Era tudo tão escuro, impessoal, super metódico e organizado. Annie não era assim, nunca foi. Nos meses que namoraram, ele se surpreendia diariamente com a garota de inteligência extrema, super talentosa para o ramo cirúrgico, mas um completo desastre em caminhar de saltos altos ou falar frases sucintas. Era fato que ela havia mudado bastante, mas não o suficiente para ser a dona daquele ambiente que mais parecia uma sala de interrogatório do que a gerência de cirurgia. Annie era uma força viva, feliz e radiante, não uma cirurgiã obscura.

― Não encontrei nada.

― Eu sim ― ela refutou, o chamando para se aproximar dela no computador. ― Achei o prontuário eletrônico de Johanna, tudo bate com o que Madge disse. Fizemos a cirurgia como você sugeriu, mas ela morreu na mesa. Houve uma hemorragia intensa, não pudemos conter, então uma parada cardíaca irreversível.

― Me diz se eu estou ficando louco ou esquecido, mas não fiz isso. Nem você.

― Você não sabe realmente o pior de tudo. Isso foi há exatos cinco anos, Finn.

― Isso não pode ser verdade.

― Acho que agora sim vou vomitar! ― Annie afirmou com a mão no estômago, buscando apoio na mesa.

― Ok, temos que ser racionais aqui. Qual a possibilidade de tudo isso ser uma pegadinha? Uma brincadeira sem graça dos nossos amigos? Madge tem dessas loucuras.

― Não, espera! Mad me falou algo mais cedo, sobre lendas antigas do eclipse. Como ele pode alterar o tempo e espaço.

― Fala sério, Annie! ― Finnick gargalhou, mesmo não achando graça nenhuma naquela loucura. ― Lendas antigas? Eclipse solar? Prefiro ficar com a possibilidade da pegadinha.

― Temos que procurar alguém que pode nos ajudar. Vou ligar pro Gale.

― Deus me livre, prefiro ir atrás da minha irmã maluca! Esse cara me odeia, vai mentir só pra me irritar.

― Ele não mentiria para mim. Mas se faz tanta questão, vamos atrás do Peeta. Ele estava com a gente na aprovação da cirurgia, deve saber mais sobre isso.

― Ok. ― E os dois seguiram para onde Peeta e Katniss moravam, com a solução mais razoável que encontraram.

**

― Deixa que eu bato.

― Não, eu bato. ― Os dois disputavam infantilmente na porta dos Mellark.

― Katniss é minha amiga.

― Claro que não, ela é mais minha amiga.

― Vocês já se pegaram, eu não chamaria isso de "amizade".

― Ela tem ciúmes de você com Peeta, também não é amizade pra mim.

― Seu idiota!

Finnick e Annie ainda discutiam quando a porta se abriu. Katniss usava terninho e parecia ter acabado de chegar do trabalho. Ela era uma das advogadas criminais que estava ficando conhecida pela cidade.

― O que os dois filhos da mãe fazem na minha porta?

― Viu, ela não gosta de nenhum de nós ― Finn sussurrou para a colega, que lhe deu uma cotovelada nas costelas.

― Peeta está? ― a ruiva abriu um sorriso.

― Não, e mesmo que estivesse, manteria os dois bem longe do meu marido!

― Kat... ― A morena lançou um olhar de repreensão para o cirurgião. ― Katniss. O assunto é urgente e não encontramos Peeta no hospital.

― Graças a vocês, ele não põe mais os pés lá e teve a carreira destruída. Então se era só isso... ― Ela já ia fechando a porta, quando Finnick a impediu, espalmando a mão no objeto.

― Katniss, por favor...

― Já disse não!

― Meu amor ― a voz de Peeta soou atrás dos dois. ― Nada de enxotar meus amigos, já conversamos sobre isso.

Havia um claro tom de brincadeira e simpatia da voz do loiro, mas ele parecia diferente. No mínimo uns dez anos mais velho do que essa manhã.

― E achei que morreria sem ver essa dupla junta de novo. Como vão?

― Confusa.

― Curioso.

― Ok, sentimentos diferentes, pra variar. ― O loiro brincou.

― Precisamos saber o que aconteceu na cirurgia de Johanna, Peeta. Entramos nesse universo paralelo e não sabemos como paramos cinco anos em um futuro que eu sou chefe de cirurgia e Finn é um desempregado.

― Ok, primeiro de tudo, ninguém disse que estou desempregado.

― Até onde sei, você está ― Peeta completou quase no automático, o que arrancou uma carranca de Finnick. ― Primeiro, não vamos ficar conversando na calçada. Querem entrar?

― Tem certeza que Katniss não vai morder a gente?

― Ela só está sendo protetora. Entrem.

Os três só deram alguns passos para dentro da bonita casa de classe média, quando Peeta foi engolfado pelo que Finnick chamou mentalmente de "família comercial de margarina". Uma menininha de uns cinco anos, mais um loirinho um pouco mais novo correram ao encontro do pai. Até um Golden Retrivier se juntou a eles, dando latidos alegres e abanando o rabo, enquanto Peeta abraçava e beijava as crianças e acarinhava o cachorro.

Era bonito, Finnick não poderia negar, mas ele se achava incapaz de ter aquilo algum dia. Peeta era paciente, cuidadoso e gentil, características que ninguém nunca atribuiu a ele.

― Crianças, cumprimentem os amigos do papai, Annie e Finnick.

― Oi ― os dois soaram em uníssono, mas logo o mais novo começou a dar pulos animados no lugar e a mais velha a arrastar o pai para dentro.

― Eu fiz um desenho pro senhor, pai.

― Vamo andar de bicicleta, papai?

― Ele vai ver o meu desenho primeiro, Will, eu já pedi. ― O loirinho começou a fazer um biquinho de choro, quando Peeta pegou ambos no colo.

― É o seguinte, meus amores: papai tem que conversar com os amigos dele. ― Com isso, a menina começou a se juntar ao irmão em uma careta de desgosto. ― Mas, eu prometo que depois do jantar, vamos ao parque tomar um sorvete, pode ser? ― As crianças mudaram o humor completamente e assentiram felizes. ― Ótimo, agora vão tomar banho pro jantar, ainda estão com o uniforme da escola!

― Você é muito bom nisso, Peeta. Incrível é a gente nem saber que você os tinha.

― Finnick quer dicas, já logo logo vem um bebê Mason-Odair por aí. ― Peeta franziu o cenho estranhando a frase. Como assim "vem um bebê?"

― Annie, apenas esqueça isso, pode ser? Estamos aqui por motivos bem mais bizarros do que seus ciúmes.

― Eu não tenho ciúmes de gente doida, ainda mais daquela lá.

― Ok, os dois! Já chega! Eu quase senti saudades de falar isso ― Peeta comentou rindo para si mesmo. ― Qual foi o problema?

― As coisas estão ficando loucas do hospital, Peeta. Você não trabalha mais lá, eu também não, Annie é a chefe. O que diabos aconteceu?

― Isso sem falar o fato de termos perdido uma paciente na mesa de cirurgia sem ao menos lembrar de ter chegado lá.

― Vocês estão mesmo falando sério? ― Peeta fechou o sorriso.

― Claro! ― Annie afirmou convicta. ― Por que você não é mais nosso chefe?

― Ah, ok. ― O Mellark friccionou as mãos. ― Preciso perguntar: qual a última coisa que vocês se lembram?

― Bom, eu e Finn estávamos no telhado na hora do eclipse.

― No telhado? Fazendo o quê? ― A inocente e inesperada pergunta pegou Annie de surpresa e a fez corar, lembrando do que ela e seu colega babaca estavam fazendo no telhado.

― Mãos passeando nos corpos alheios, saliva sendo trocada, mas esse não é o ponto aqui, Peeta. A coisa é que quando voltamos tudo estava diferente.

― Oh, nossa! Vocês não lembram de nada depois do fim do eclipse?

― A gente desceu e tudo tinha mudado. E segundo o calendário, cinco anos passaram.

― Parece que vocês perderam cinco anos de memória. Sofreram algum trauma, alguma queda?

― Fora o trauma da língua dele na minha boca de novo? ― Annie sussurrou para apenas Finnick ouvir.

― Não, não sofremos ― ele ignorou o comentário. ― Na real, precisamos saber o que aconteceu naquela tarde.

― Ok, não tem um modo fácil de dizer isso ― Peeta começou com cautela. ―  Aquele foi um dia difícil, muito difícil. Vocês seguiram com o plano da cirurgia, só que as coisas se complicaram. De algum modo, estavam sem sintonia, e discutiram durante todo o procedimento, ambos disputando quem era o melhor. E como já sabem, a senhorita Mason perdeu a vida naquela sala.

Annie não pôde conter as lágrimas em seus olhos e até Finnick estava bem afetado com o relato de Peeta.

― Fui demitido por isso?

― Não, eu fui ― Peeta atestou. ― Eu era o chefe, vocês eram minha responsabilidade, eu autorizei o procedimento.

― Katniss disse que arruinamos sua carreira. É verdade?

― Apenas digamos que ficou complicado arrumar um emprego na área cirúrgica depois disso, Annie.

Agora ambos entendiam o comportamento de Katniss.

― Mas não se preocupem, trabalho numa clínica filantrópica, tem sido bom. De todos, eu acho que foi o que fiquei melhor.

― Como assim "de todos"?

― Lembram do baile beneficente daquela noite? Gale fez um escândalo e perdeu o emprego. Ele e Johanna na verdade tinham uma coisa que ninguém sabia. Ele tomou um porre e acabou sofrendo um acidente. O hospital ficou de luto por uma semana.

Annie piscou uma dezena de vezes antes de voltar a chorar, dessa vez com mais força. Seu amigo, seu melhor amigo estava morto! Finnick envolveu o braço em torno dela a consolando.

― Eu e Annie. O que aconteceu com a gente? ― Finn questionou depois de um tempo.

― Depois da cirurgia, os dois seriam demitidos junto comigo, mas você, Finnick, convenceu a todos que a culpa havia sido sua e apenas sua. Não havia motivos para Annie sair também, então ela continuou no hospital e foi crescendo. Soube que foi escolhida pro meu antigo cargo ano passado, a mais jovem da história. Só tem um porém ― o loiro parou e ficou tempo demais em silêncio.

― Fala, Peeta! ― ela exigiu.

― Ouvi dizer que você lidera aquele hospital com mão de ferro. É rígida, mal humorada e exigente. Eu não acreditei, é claro, até quando tive que levar William, que estava doente. Nos encontramos nos corredores, você estava mais fria que o gelo.

― Eu?

― E eu? ― Finn quis saber.

― A última vez que te vi, foi no funeral de Gale. E, apesar de tudo, vocês dois fizeram outro escândalo por lá. Parece que o jogo da culpa é o preferido dos dois.

― Finn... ― Annie choramingou. ― E se isso for tudo verdade? Se essa realidade paralela for agora a nossa realidade?

― Fica calma, ok? ― ele tentou tranquilizá-la, emoldurando seu rosto com as mãos e lhe olhando fundo nos olhos. ― Vamos resolver isso.

― Um conselho ― a fala de Peeta quebrou o contato visual que durou bem mais do que o normal, mas bem menos do que eles realmente queriam. ― Vão pra casa, durmam um pouco, relaxem. As memórias de vocês vão voltar aos poucos, então poderão lidar melhor com isso.

― Eu me recuso a me conformar com uma vida em que eu sou uma chefe babaca e meu melhor amigo está morto!

― Ann... Vamos resolver ― Finnick repetiu. ― Mas ainda precisamos saber mais sobre como acabamos desse jeito.

― Tem razão. ― Ela enxugou as lágrimas que ainda desciam e respirou fundo. ― Obrigada, Peeta. E desculpa.

― É, cara, valeu. ― Os homens trocaram um aperto de mão caloroso.

― Espero que consigam resolver essa confusão. ― Os dois assentiram e já iam saindo quando o loiro os chamou. ― E eu fico feliz de ver os dois pelo menos concordando um pouco. Até onde eu sei, foi a falta de sintonia de vocês que nos colocou nessa bagunça em primeiro lugar. ― Ninguém falou mais nada, mas era exatamente isso que Finnick e Annie estavam pensando.

**

― Uau! ― a ruiva exclamou impressionada olhando para o gigante arranha-céu localizado no centro da cidade. ― Eu moro aqui? No prédio mais caro da cidade?

― Você é a chefe agora, claro que teria se mudado daquele apartamentozinho no subúrbio.

― Não despreze meu quarto-sala. Anos atrás, você vivia mais lá do que na sua casa.

― Não saíamos do quarto, o tamanho do seu apartamento realmente não fazia diferença.

― Só cala a boca, Odair!

― Você deu sorte que seus vizinhos tinham seu endereço atual, Annie.

― Realmente. Agora só preciso ter uma cara de pau o suficiente para perguntar pro meu porteiro qual o número do meu apartamento. A gente se fala, Finnick.

― Espera. ― Ele a deteve pelo braço. ― Estive pensando numa coisa que Peeta disse. Sobre nós termos começado isso.

― Sim, com a cirurgia de Johanna.

― Não, bem antes. Tudo começou no telhado.

― E daí?

― Não vê? Tudo começou com um beijo, Ann. Talvez um beijo resolva. ― A Cresta até tentou ficar com raiva, mas apenas conseguiu gargalhar. E muito.

― De todas suas cantadas, pode marcar essa como a pior de todas, Odair.

― É sério!

― Finnick Odair, não vou beijar você com a desculpa de consertar o tempo-espaço e ressuscitar duas pessoas! Eu, hein?!

― Eu acho que vale a tentativa. ― Um sorriso malicioso desenhou-se nos lábios dele.

― E eu acho que você não poderia ser mais safado. Dá licença.

― Só um beijo, ok? Já trocamos milhares, o último um pouco mais cedo. Vai te matar se tentar? Admita que quer!

― Admito que quero me ver livre de você.

Em apenas dois passos, ela o alcançou, e já uniu os lábios, segurando firme a gola da jaqueta do médico. Ele até tentou prolongar o contato, mas logo os dois foram interrompidos por uma grito.

― Annie!

O homem parado na calçada com uma pasta executiva em mãos era um total estranho para Finnick, mas bem conhecido de Annie. Marvel Smith, o cara que ela havia dispensado no dia anterior ao eclipse.

Espera, Smith? Ela tinha casado com ele?

― Mas que diabos?

― Eu posso explicar ― ela falou a primeira coisa que lhe veio à mente, surpreendendo o tal "marido" e irritando Finnick.

― Você não precisa explicar nada, Ann! Deixa esse cara aí, vamos pra minha casa.

― Eu não vou a lugar nenhum com você, Odair! Ele é meu marido. ― A última frase saiu sussurrada, mais como uma explicação.

― Pior ainda!

― Deixa que com o Marvel eu me resolvo. Você, vai pra sua casa e qualquer coisa, me liga.

Depois da saída a contragosto de Finnick, os outros dois subiram em silêncio para o apartamento, sob os olhares curiosos de todos ao redor. Quando as portas do apartamento de fecharam, a reação de Marvel não pôde ser mais surpreendente para Annie, quando seu cônjuge começou a rir, muito e alto.

― Não estou entendendo.

― Ah, vai me dizer que minha performance de marido ciumento não convenceu?

― Você estava fingindo?

― 'Tá maluca, Ann? Claro que sim, esse é nosso combinado. Eu tolero suas infidelidades e você é minha linda e bem sucedida esposa que sabe apoiar e esconder bem minhas preferências.

O homem já saiu arrancando as roupas ainda na sala, enquanto se dirigia ao local que ela achou ser o quarto.

― Ei! Como assim, preferências?

― Aliás, quem é o seu amigo, será que ele não toparia um menàge a trois? ― Marvel soou realmente excitado apenas em lembrar. ― Se você quiser, não precisa nem participar, minha flor.

Agora ela entendeu. Ela era uma adúltera, seu marido era gay, e pra completar, tinha ficado afim de Finnick! Esse mundo não tinha como ser mais maluco.

**

Finnick reconheceu seu carro logo que se aproximou do condomínio que morava. Pelo menos sabia para onde ir. As chaves em seus bolsos combinaram perfeitamente com a fechadura da sua casa, que já não parecia mais a mesma. Quando ele ficou tão desleixado com seus bens? E sem trocar de carro por cinco anos?

― Olá? ― ele perguntou pro nada, quando colocou apenas a cabeça para dentro da sala. Menos mal, ele pensou, sem esposas surpresa.

Finnick estalou o pescoço e tirou a jaqueta. Era sua casa, no fim das contas. E diante desse dia, ele só precisava de uma boa noite de sono, então acordaria de volta no mundo onde ele era o rei da cirurgia ortopédica e tinha o mundo ao seus pés.

Seu queixo caiu aberto ao entrar em seu quarto e dar de cara com uma Glimmer Mason semi-nua quase chegando nos finalmentes com um total estranho.

― Ei! Mas que porra é essa?

― Finn! ― A loira tentou ajustar as roupas, enquanto empurrava o cara para fora. ― Eu posso explicar. O fato da frase ter saído igual a de Annie para seu "marido" acendeu uma luz na cabeça dele.

Não, não, não! Ele não tinha feito isso!

― Eu não quero suas explicações, Glimmer, eu só quero acordar desse pesadelo! ― Ele começou a dar batidas espalmadas na própria cabeça.

― Meu amor... ― Ela se aproximou dele.

― Ah, não. ― Finnick começou a andar de costas, apontando um dedo para Glimmer. ― Não me chama assim.

― Foi a última vez, eu juro! Eu sei que prometi que não aconteceria mais, mas não pude evitar. Esse cara não significou nada!

― Ok, vamos esclarecer as coisas aqui. Eu não poderia me importar menos para quem você abre as pernas, apenas não faça isso no meu quarto.

― Nosso quarto! ― o corrigiu.

― Só não me diz que somos casados.

― Casados não, mas... Temos uma família.

― Não, não temos. Agora dá o fora daqui.

― Não, amor, não faz isso ― Glimmer suplicou. ― E nossa filha?

Finnick paralisou onde estava. Filha?

― Como assim "nossa filha"? Eu não tenho uma filha!

― Por favor, Finn... Já passamos dessa fase, o exame de DNA já provou, e ainda tem o fato de que a pestinha é sua cópia.

― Onde ela está?

― No parquinho com a babá. Ei, espera! ― Glimmer gritou para ele, que já corria para fora da casa. ― Não vamos conversar mais sobre... Esquece, babaca!

O parque do condomínio nunca foi um dos motivos pelos quais Finnick Odair comprara aquela casa. O local era um santuário para crianças e bichinhos de estimação, mas ele nunca pretendeu ter nenhum dos dois. Na verdade, se ele veio um ou duas vezes ali, foi muito, apenas para flertar com algumas babás.

Mas agora tudo era diferente. Na verdade, tudo ainda estava igual, ele estava diferente. E Finnick soube disso no momento que pôs os olhos na garotinha de cabelo castanho claro, grandes e sorridentes olhos verdes. E o modo como seu coração acelerou, não deixava dúvidas.

Papi! ― ela gritou assim que o viu, e correu ao seu encontro com os braços abertos, e sua reação não foi nada além de apertá-la junto ao peito. ― Pensei que estava viajando.

― Não, eu... Eu não... ― ele perdeu as palavras. ― Meu Deus, você é tão linda! ― falou impressionado, acariciando o rosto da menininha, que sorriu em resposta, lhe dando beijinhos no rosto.

― Vamos brincar, papi? A tia Rue não me deixa subir no brinquedo alto. ― A pequena arrastou o pai para junto da babá, uma garota que ainda parecia estar no ensino médio. ― Titia, papi chegou, ele vai brincar comigo.

― Senhor Odair, não esperava que voltasse tão cedo.

― Rue, certo? ― A garota estranhou a pergunta, pois já trabalhava como babá de Marie há quase um ano, mas assentiu. ― Está liberada por hoje, deixa que eu fico com ela.

Era estranho, muito estranho o que ele estava sentindo. Em um segundo estava rindo de Peeta e sua família perfeita, e no seguinte não conseguia parar de olhar para a criaturinha que ele sequer sabia o nome.

― Tem certeza?

― Tenho.

― Ok, então. Marie, se comporte, amanhã nós vemos. ― Rue deu um beijo estalado na testa da menina, e saiu, mesmo estranhando ao extremo a reação do patrão.

Rue sempre achou Finnick Odair sempre foi o melhor pai do mundo, todo mundo ali sabia. Trabalhava como representante farmacêutico, mas sempre que estava em casa, ficava com Marie Odair, sua pequena cópia. Ela nunca vira alguém tão dedicado e amoroso, o total oposto da sua patroa, já que Glimmer gastava todo seu tempo livre dos plantões em compras e dias de spa.

― Qual o brinquedo que você quer ir?

― Aquele! ― Marie apontou para o escorregador mais alto, e Finn sentiu seu coração apertar. Era perigoso, e ele sentia que devia proteger seu bebê com tudo que pudesse.

― Não, você pode se machucar.

― Você me segura, papi, eu não vou cair. Vamos?

Era uma sensação totalmente nova. Uma coisa eram seus pacientes confiarem nele numa sala de cirurgia. Outra bem diferente (e bem melhor) era aquela coisinha que enfrentaria qualquer coisa se ele estivesse ao seu lado. Ser pai era isso?

Os dois brincaram por um tempo que ele não soube calcular. Através da filha, Finnick descobriu praticamente toda a sua vida, já que sua filha era bastante inteligente e falante. Ele descobriu que agora trabalhava como representante farmacêutico, ou vendedor de remedinhos. Sua relação com Madge era quase inexistente, apesar da menina amar a tia. Glimmer trabalhava em outro hospital e eles moravam ali desde o nascimento de Marie, mas não era uma mãe tão presente, ou sequer se esforçava para ser. Esse último detalhe lhe deu raiva. Como não tentar ser a melhor pessoa do mundo para essa garotinha?

O telefone de Finnick começou a tocar com insistência nas mãos de Mar (apelido que o próprio Finnick havia lhe dado), enquanto ele estava comprando pipoca doce para os dois e ela brincava de um joguinho eletrônico.

― Alô? ― a pequena atendeu.

Quem 'tá falando? ― Annie perguntou do outro lado da linha. ― Posso falar com Finnick?

Papi 'tá ocupado brincando comigo. E comprando pipoca doce.

Quem?

― Ele chegou. Tchau, moça. ― E desligou.

― Com quem você estava falando, meu bem?

― Uma moça ligou.

― Que moça?

― Não sei. ― Deu de ombros. ― Daí você me disse para não falar com estranhos, então desliguei.

― Muito esperta, mas me deixa ver quem ligou pro papai, Mar. ― Antes que ele sequer olhasse as chamadas recentes, a foto de Annie começou a piscar, indicando uma nova ligação. ― Oi, Ann.

Quem era no telefone, Finnick?

― Se eu te contar, você não vai acreditar. Mas saiba que estou começando a achar essa realidade bem menos horrorosa.

Podemos falar disso depois, você precisa vir pro hospital agora!

― Eu descobri outros prazeres além de consertar ossos, doutora Cresta. Acho que podemos deixar para resolver a nossa confusa situação amanhã, hoje à noite tenho compromisso com uma certa mocinha. ― Ele olhou de relance para Mar, que comia sua pipoca como se não houvesse amanhã.

― Seus flertes podem esperar, Odair ― Annie retrucou, sua voz muito preocupada. ― Você tem que vir pra cá agora, sem discussões. É a Madge.

**

― Annie, você não vai acreditar em quem eu acabei de conhecer - Finnick falou animado quando Annie veio encontrá-lo no corredor do hospital. ― É maravilhoso, acabei de conhecer minha filha! ― Ela ficou surpresa, mas isso durou apenas alguns segundos, pois logo a preocupação voltou pra sua face.

― Finn...

― Ela é linda, tem quatro anos, e é a criança mais inteligente que eu já vi.

― Finnick, me escuta...

― O nome dela é Marie, mas a gente chama ela de Mar. Passamos o resto da tarde brincando, e...

― Madge teve uma overdose e está em coma! ― Annie disparou, e ele parou instantaneamente de falar, sua boca ainda ficando aberta em choque.

― O quê?

― Foi uma overdose de medicamentos ― explicou. ― Ela vinha roubando anestésicos do centro cirúrgico há alguns meses. Essa tarde a encontraram desmaiada numa das salas de repouso.

― Onde ela está?

― Na UTI, mas você não pode...

― Qual UTI? ― A médica apenas olhava com dó o desespero dele. ― Qual UTI, Annie?!

― Eu vou com você lá.

― Como isso foi acontecer? Ela nunca usou drogas, nem na adolescência! E você... Quer dizer, a outra você, a você de agora. Como não sabia disso? ― Annie abaixou a cabeça envergonhada.

― Me disseram que eu sabia, e não me importava.

― Mas ela é minha irmã, sua amiga!

― Eu sei, me perdoa. ― Annie começou a chorar.

― Ei, ei! ― Ele segurou o rosto dela entre as mãos. ― A culpa não é sua, me desculpa, eu só estou nervoso. Se tem alguém culpado, esse sou eu. Eu sempre fui a única pessoa que ela tinha, e simplesmente a abandonei à própria sorte.

― Eu também podia ter evitado, Finn, eu sei que podia.

Os dois chegaram à UTI ao mesmo tempo que começaram a soar o que pareceu ser milhares de sirenes e luzes vermelhas.

Código Azul. Código Azul.

Finnick e Annie assistiram impotentes quando a equipe médica trabalhou por um bom tempo tentando, sem sucesso, reanimá-la. A linha constante e o barulho fino e irritante levaram Madge, ao mesmo tempo que Finnick disparou desesperado para longe dali, com Annie logo atrás.

― Finn...

― É minha culpa, tudo minha culpa! Eu sou tão egoísta! ― O médico tinha as duas mãos na cabeça. ― Ela morreu por minha causa!

― Não foi não.

― Eu só preciso ficar sozinho.

― Eu não vou te deixar assim no meio do corredor, Finnick Odair! ― retrucou convicta. ― Vem, vamos sair daqui.

Logo ambos chegaram ao telhado, Finnick sentando no chão e abraçando os joelhos, chorando como uma criança. Aquela cena partiu o coração de Annie, que caminhou em sua direção envolvendo os braços em torno dele.

― Essa realidade alternativa é uma droga ― ela comentou, mas não obteve resposta alguma.

Um brilho estranho a cegou por um instante, e quando a ruiva procurou a origem, viu, ao longe, seu colar jogado no telhado. Instintivamente ela levou a mão ao pescoço, encontrando o lugar vazio. Annie soltou Finn, e pegou a joia entre os dedos.

― E pensar que tudo começou com isso. ― Ela deu um riso sem humor.

― Perdemos Johanna, Gale e agora Madge. Tudo porque não conseguimos trabalhar como uma maldita equipe ― Finn apontou.

― E eu ainda sou uma vadia adúltera, péssima chefe com um marido gay.

― Eu tenho mais chifres que seu marido, Ann, e sou um médico completamente fracassado.

― Você não é. Você conseguiu uma coisa boa: sua filha.

― Eu perdi minha irmã!

― Finnick...

Ela não sabia mais o que fazer para consolá-lo. E ver o sempre altivo e determinado Finnick Odair tão quebrado, doeu seu coração. Suas pequenas mãos envolveram o rosto dele, que aceitou o carinho, cobrindo a mão dela que tinha o colar enrolado com a sua. Seus rostos se aproximaram, e foi novamente ela que tomou a iniciativa de beijá-lo.

Logo o mesmo vento estranho soprou no telhado e a mesma sensação diferente envolveu os dois. Eles se separaram alguns centímetros olhando fundo nos olhos um do outro. Foi naquele olhar que souberam que precisavam um do outro, sempre precisaram.

― Aleluia, achei vocês! ― A porta do telhado abriu de repente, Madge passando por ela. ― Ok, eu sei que devo ter interrompido algo, ou quem sabe um beijo que viria por aí, mas precisamos ir. A sala de cirurgia está pronta, Johanna também. Vocês estavam aqui o tempo todo? Na hora do eclipse?

Os dois cirurgiões olhavam para a jovem médica com a boca aberta, as palavras presas na garganta.

― Ma-Madge! ― Finnick gaguejou antes de praticamente engolir a irmã caçula em um abraço de urso. ― Eu amo tanto você, Madinha!!

― Ah, ok. Também te amo, Finn. ― Ela retribuiu ao abraço, até ver Annie ao seu lado também chorando. ― O que 'tá rolando aqui?

― Ele te ama, amiga. Eu também.

― Mano, por mais que eu esteja curtindo essa inédita demonstração de amor, temos que ir pra cirurgia de Johanna. ― Madge tentou se soltar. ― E você 'tá me machucando um pouco, abraça mais de leve?

― Você é minha bastardinha preferida, garota! ― Finnick beijou a testa da irmã. ― Vamos fazer isso.

Os três correram em direção às salas de cirurgia, onde Johanna já esperava pronta para ser anestesiada. Madge foi direto para a pia para se lavar, quando Annie congelou na porta.

― Vem, Ann!

― Não sei se posso, Finn. Eu não quero a morte de três pessoas nas minhas mãos!

― Você consegue, ok? Eu acredito que sim, você também deveria.

― E se não conseguir, a gente tranca o Gale pra não fazer besteira, coloca a Mad na reabilitação, você me amarra pra não dormir com a Glimmer, mas daremos um jeito. Só precisamos fazer isso juntos, certo?

― Tudo bem. ― Ela assentiu. ― Mas você vai assumir a culpa de novo.

― Feito. ― Ambos concordaram sorrindo. A volta deles ao presente, uma nova chance. Ela tudo tão emocionante, que a taxa de adrenalina ainda circulava alta em suas veias.

A cirurgia foi um sucesso e com certeza entraria para os livros de medicina. Uma dezena de estudantes assistia do mezanino enquanto a dupla (ou casal) de médicos loucos fazia o que parecia ser impossível e devolvia a saúde completa à uma promessa do mundo das artes marciais.

― Então? ― Gale estava impecável em seu smoking esperando os dois na saída da sala. ― Deu tudo certo, ela está bem!

― Nossa, você está realmente muito lindo ― Annie elogiou e o moreno riu.

― Eu tento não ficar, mas é automático. ― Aquele era seu amigo. O brincalhão, extrovertido e gentil Gale.

― Convencido! ― Ela o abraçou, sob o olhar atento de Finnick que estava logo atrás. ― E sim, ela logo vai acordar. Você deveria estar lá quando acontecer.

― Por que eu estaria, você sabe que eu prefiro a Glimmer ― ele comentou sem graça e Annie deu um riso descrente.

― É, você sabe que não. Um conselho: fique com ela.

― E o baile? Você é uma das homenageadas e eu seria seu acompanhante.

― É só um estúpido baile. Posso me virar. ― Deu de ombros.

― Com ele? ― Apontou com a cabeça para o Odair. ― Não me diz que vocês ficaram?

― Eu só digo que preciso mesmo ir me arrumar agora. Aquele vestido foi caro demais pra não ser usado ― desconversou.

― Olha, Ann... Eu não digo que apoio a ideia, porque não apoio. Me dá vontade de arrastar a cara dele no cimento só por se aproximar de você, mas...

― Ei! ― Finnick reclamou, mas foi prontamente ignorado.

― Mas quero que seja feliz. E hoje você provou que sabe assumir riscos e tomar boas decisões.

― Obrigada pela confiança, meu moreno preferido.

― Amo você, ruivinha.

― Eu também. Obrigada por cuidar de mim.

― Sempre à disposição. ― Gale deu um beijo no rosto dela e já ia saindo quando parou de repente. ― Ei, cara. Valeu por salvá-la.

― Sempre à disposição. ― Finnick deu uma piscadela provocativa para Gale, que saiu murmurando palavrões para ele.

― Você não deixa passar uma, não é, Odair?

― Ele estava me devendo por ficar me difamando. ― Deu de ombros e quase pode ver sua filha fazer isso. Ela tinha herdado dele, fato. ― Mas então quer dizer que por hoje ele me odeia menos?

― Vocês ainda podem ser grandes amigos um dia, que tal?

― Daí já sou eu que arrasto minha cara no cimento voluntariamente. ― Ele gargalhou e ela não pode evitar rir também. Foi um bom final, no fim das contas. ― Só me esclarece uma coisa: você ficou sem companhia pro baile? Saiba que eu fico uma visão dos céus de smoking!

― É muito ego inflado pra pouca Annie! ― Ele segurou o braço dela quando a médica começou a se afastar.

― É sério, posso te acompanhar.

― Estou muito atrasada, Finn. A gente se vê.

**

Finnick entrou sem bater no vestiário dos médicos, e parou na porta ao ver que tinha companhia. Annie dava uma última conferida no espelho. Até que estava bem, para quem se arrumou em menos de uma hora.

Seu vestido vermelho longo era coberto de paetês brilhantes desde as pequenas mangas até o tecido esvoaçante próximo aos pés. Seus cabelos estavam soltos e sua maquiagem bem simples, com destaque apenas para o batom tão vermelho quanto a roupa. De joias, usava apenas uma discreta pulseira e brincos, presentes de sua mãe.

Finnick não conseguia tirar os olhos dela, e, na opinião dele, nunca a havia visto tão deslumbrante.

― Uau! ― não conteve a exclamação.

― Você também não está nada mal, doutor Odair. ― Isso era claro para quem tivesse olhos que Finnick vinha arrastando ainda mais olhares para si desde que colocou o smoking.

― Quando você for chefe, pode mudar a política de roupas do hospital, que tal? ― ele sugeriu com um sorriso.

― Talvez eu faça isso. ― Sorriu de volta.

Era a primeira vez que tocavam no tema da sua maluca viagem no tempo, mesmo que indiretamente. Mas a menção do evento, fez ambos quererem falar. Eles estavam procurando um meio de entrar no assunto há horas, mas com a cirurgia de Johanna e o baile beneficente, não tiveram tempo ou oportunidade.

― Finn...

― Annie... ― os dois começaram ao mesmo tempo.

― Pode falar ― ele ofereceu.

― Eu sinto muito por sua filha, sei que se apegou a ela, mesmo com o pouco tempo.

― Madge, Gale e Johanna estão vivos, é o que importa. ― Deu de ombros.

― Eu sei, mas... A menina devia ser adorável, eu gostaria de ter conhecido sua pequena Mar. ― Era impressão ou ela viu os olhos do médico marejarem?

― Talvez eu deva dizer que também sinto por você não ser mais a chefe e não morar mais no prédio mais caro na cidade ― Finn desviou o assunto.

― Isso é estranho. É como se nesse futuro, a gente tivesse fodido com tudo, mesmo assim ainda dado um jeito de ser feliz. ― Finnick arqueou as sobrancelhas e deu dois passos grandes na direção dela.

― Eu não sei você e seu marido gay, mas eu não era feliz. Marie me fazia feliz, mas faltava algo. Alguém. ― O olhar dele fixou-se no dela, como cadeias cor de esmeralda, de onde a ruiva simplesmente não conseguia escapar.

― Finn...

― Isso é sério, Annie. Eu achava que não podia ter isso, uma casa, filhos, família. Tem sido apenas eu e Madge há tanto tempo, e quando meus pais ainda eram vivos, gastavam mais tempo se traindo do que brincando com a gente. Mas eu posso, e além de tudo, eu quero.

― Não deu certo da primeira vez, porque tentar de novo?

― Somos pessoas diferentes, especialmente eu. Você também mudou.

― Você vai me machucar. ― Os olhos dela encheram-se de lágrimas. ― Eu não vou aguentar de novo, Finn.

― Eu não posso prometer que não, mas eu juro que tentaria ao máximo. Eu faria de tudo pra fazer você a mulher mais feliz do mundo, daria minha vida pra não te ver sofrer.

― Nós somos bons juntos, hoje provamos isso naquela sala. Mas será que somos bons o suficiente pra sermos um casal de novo?

― Não foi por acaso que caímos nesse delírio duplo, ou sei lá. O ponto é que... O ponto aqui...

― O quê?

― Eu amo você, Ann, sempre você. Sabe qual o maior defeito da Mar? ― Annie negou com a cabeça, ainda digerindo o que tinha acabado de ouvir. Era a primeira vez que Finnick falava aquilo a ela. ― Você não era mãe dela. Meu consolo quando voltamos e eu não tinha mais minha filha, é que, de algum modo, eu poderia tê-la com você algum dia.

― Finnick...

― Não precisa me responder nesse minuto. Mas está na sua mão agora, é sua decisão. Vou esperar.

― Finnick! ― ela quase gritou quando ele já estava com a mão na maçaneta.

Mas quando ele se virou para ela com aquele sorriso no rosto, Annie teve medo, muito medo. Foi aquele sorriso que a colocou em problemas e quase a fez desistir da carreira anos atrás. Foi aquele sorriso que quase a fez ferrar com todo o seu futuro. Ela não conseguia simplesmente aceitar.

― Me ajuda com o colar? ― Ann estendeu o cordão pra ele, que apenas assentiu com o claro olhar decepcionado. ― Acho que entortei o fecho quando arranquei o coitado mais cedo. ― Sorriu sem graça.

― Claro.

O médico se posicionou atrás dela, e com suas habilidosas mãos de cirurgião, arrumou a joia no pescoço alvo. O olhar dele caiu bem na nuca dela, e não pode resistir quando deixou um beijo ali. E outro no pescoço. E outro na clavícula.

― Finn... ― Nem Annie sabia ao certo se aquilo era um pedido para que ele parasse ou continuasse os carinhos.

Finnick a girou para ficar frente a frente com ele, as mãos de ambos se encontrando, os dois pares de olhos verdes varrendo cada detalhe do rosto do outro, as respirações aceleradas chocando-se com a distância diminuída.

― Ann, você 'tá... Ow! ― Madge entrou de repente na sala. Qual a coisa que esses irmãos não sabem bater em portas? ― Desculpem interromper outro quase beijo, mas mandaram te procurar, amiga. 'Tá na hora de você receber seu prêmio.

― Ah, ok. ― Ela colocou os cabelos nervosamente para trás das orelhas. ― A gente conversa depois, Finn.

― Eu acompanho as duas. ― Ele deu um último beijo no dorso da mão da ruiva, antes de soltá-la.

― Foi mal, Finn ― Madge se desculpou sussurrando apenas para o irmão. ― Não sabia que...

―- Você tem passe livre para ser insuportável hoje, maninha. Só hoje. ― Ele passou o braço pelo pescoço da loira, deixando um beijo nos cabelos dela.

**

― E para receber o último prêmio da noite, na categoria revelação científica, pela pesquisa em uso de celular tronco no reparo de pequenas artérias, temos doutora Annie Cresta!

Annie sentiu o rosto corar com aquelas centenas de pessoas a olhando, mas ela respirou fundo e levantou de sua mesa, caminhando em direção ao palco. Se ela achava que já tinha passado por emoção demais naquele dia, e o prêmio não seria nada de mais, estava muito enganada. Suas mãos suavam frio quando ela pegou o microfone.

― Boa noite! ― a maioria a cumprimentou de volta, sorrindo amigavelmente para aquela médica que parecia jovem demais para o prêmio, mas que acabava conquistando a todos com seu sorriso tímido e olhar inteligente. ― Eu lembro quando comecei a pesquisa. Eu estava em meu primeiro ano de residência aqui e metade das pessoas achavam que não daria certo, que era uma perda de tempo e dinheiro. A outra metade não fazia ideia da minha existência. Então essa noite, eu quero apenas agradecer. Aos meus residentes que foram meus braços e pernas durante os últimos anos. Ao diretor do hospital, doutor Abernathy, que era o chefe de cirurgia quando comecei e me deu todo o apoio que pôde e ao doutor Mellark, meu atual chefe, que também foi essencial nisso tudo. Aos meus amigos, que mesmo não sendo da área cirúrgica, estiveram do meu lado, e aos pacientes que forneceram meios para concluirmos isso. Afinal, não é tudo por eles? ― Uma salva de palmas ecoou no local, mas ela sentia que não poderia finalizar o discurso assim. ― Obrigada. Mas há mais uma pessoa.

Finnick endireitou a coluna quando o olhar de Annie caiu nele, que estava com o ombro apoiado em um dos batentes da porta, mas agora a olhava com atenção.

― Uma pessoa que estava comigo na minha primeira cirurgia, me ajudou a escrever as primeiras páginas desse trabalho, e acreditou que eu poderia fazer coisas impossíveis. Para ele, eu nunca foi invisível. Essa pessoa confia em minhas capacidades bem mais do que eu mesma o faço e mesmo quando não está perto, serve de incentivo para que eu seja uma médica melhor. Então... ― Ann deu uma respirada funda. ― Finnick Odair, eu amo você, mais do que eu gostaria, mais do que eu deveria, mas amo. Sobe aqui, esse prêmio também é seu!

Finnick a olhava abasbacado, sua reação limitando-se a olhos arregalados e a boca levemente aberta em surpresa.

Love, é melhor subir aqui agora, 'tá começando a ficar constrangedor. ― A plateia explodiu em palmas quando ele caminhou a passos lentos até o palco até chegar perto o bastante para ser ouvido apenas por ela.

― Deixa eu ver se te entendi. Você guarda sua declaração para um lugar com duzentas pessoas, ao invés de fazer quando estávamos sozinhos?

― Você vai me beijar ou terei que fazer todo o trabalho nesse relacionamento? ― O sorriso dele aumentou quando envolveu os braços em torno da cintura dela.

― Você vai continuar querendo mandar em mim?

― Algum problema com isso? ― ela o desafiou erguendo uma sobrancelha.

― Absolutamente nenhum. ― Os dois então se beijaram, sendo cercado pelas pelo alvoroço das palmas e assovios de todos ao redor.

**

#5 ANOS DEPOIS

Finnick depositou a bolsa no sofá e se esparramou no sofá. Ele estava morto, aquela semana tinha sido cansativa como o inferno e ele só queria fazer um monte de nadas pelo resto do dia. Mas se ele conhecia bem sua família, seria impossível.

― Papi, papi! ― as duas ruivinhas apareceram gritando na sala e o agarrando, logo que ouviram que seu pai havia chegado. ― Estamos ajudando a mamãe no jantar de Ação de Graças!

― Mamãe na cozinha, que perigo, minhas raposinhas!

Ele colocou as duas no colo, indo até a cozinha, suas energias se renovando apenas com um abraço de suas pequenas.

Não é como se ele fosse esquecer sua Mar algum dia. Tinham sido poucos momentos, mas o suficiente para marcá-lo. Mas agora ele tinha mais, muito mais. Suas gêmeas eram a alegria da casa. Fora os cabelos ruivos de Annie, elas eram a cópia exata dele, até no jeito de fazer birra pra conseguir as coisas. E como se a alegria não fosse o suficiente, agora eles tinham seu caçula, o pequeno bebê Adam, que com seus sete meses já conquistava mais mulheres com seu sorriso sem dentes do que ele fizera a vida toda.

― Tomara que o que tinha naquela panela não seja importante.

Annie ergueu o rosto para a entrada da cozinha, para ver seu marido encostado lá, e suas meninas se soltarem dele indo em sua direção.

―- Droga, as vagens! ― Annie exclamou, correndo até o fogão e desligando. Ela mais uma vez se distraiu brincando com Adam e deixou panelas queimarem.

― Graças a Deus não é o peru. Seria um inferno conseguir outro a essa hora. ― Finn tirou a panela carbonizada e jogou na pia.

― Pote do palavrão! ― Ann indicou. ― Um dólar.

― O que eu disse, Love? ― Finn se defendeu. ― Inferno não é palavrão!

― Agora são dois dólares. ― Ele bufou, mas apenas depositou o dinheiro lá.

Finnick ainda precisava se acostumar com aquilo. Desde que as meninas receberam uma notificação da escola por estarem falando palavras inapropriadas, Annie impôs aquilo, que estava sendo uma tortura para os três.

― Como estão as coisas no hospital?

― Você é uma chefe essencial, mas aquilo pode sobreviver um dia sem você. E eu sou seu co-chefe, claro que está tudo maravilhoso.

― Sério, Finn, deu tudo certo por lá hoje?

― Sim, deu. Só Madge que implantou um pênis ao invés de tirar um apêndice, mas tudo bem.

― O quê? ― a ruiva berrou.

― Brincadeira, brincadeira.

― Palhaço! ― acusou. ― E pode ir colocando mais um dólar no pote.

― Pênis é uma parte anatômica!

― Pênis do inferno, pênis do inferno! ― as duas ruivinhas começaram a cantarolar. Agora ele via o problema que havia criado.

― Viu?! Conserta! ― A médica apontou para as duas.

― A culpa disso é sua, Annie, que me ajudou a fazer filhas tão inteligentes.

― E todo mundo confirmou que vem hoje? ― Annie questionou, tirando o bebê da cadeira enquanto Finn ainda repreendia as meninas. ― Gale e Jo, Peeta, Katniss e as crianças, sua irmã e novo namorado?

―- Sim, mais tarde eles chegam. Onde precisa de mim aqui?

― Digamos que a única parte que eu havia feito do jantar acabou de queimar ― assumiu.

― Pra sua sorte, você tem o melhor marido. Eu cuido do jantar, olho o bebê, você se arruma e arruma as gêmeas. Depois eu e Adam vamos tomar banho, você põe a mesa e recebe as pessoas, pode ser?

― Desde que você não dê mais trabalho que nosso bebê pra sair da água como da última vez!

― Estava quentinho, você deveria ter juntando a nós!

― Finnick...

― Feito. Vai time! ― Os dois tocaram as mãos no ar.

E com eles, era bem isso. Mais que um casal, eram uma equipe. Faziam cirurgias juntos, e, depois que Peeta resolveu abrir a própria clínica, assumiram a chefia juntos, cuidavam da casa e das crianças juntos.

Eles ainda discordam bastante, não seria Finnick e Annie se não o fizessem, mas agora ambos entenderam que o amor pode superar isso. E, com a pequena olhada que eles deram em um futuro que os dois estavam separados, eles não pensam em nada além de manter essa parceria para sempre.

― Ah, só mais um coisa ― Annie voltou quando já estava na sala. ― Amo você, insuportável.

― Também te amo, minha chatinha.


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Notas finais do capítulo

Então é isso, pessoal!!
A boa notícia sobre ter atrasado, é que não iremos esperar muito pelo próximo capítulo, o qual já estou ansiosa e que está na mãos da Diandra!!

Até mais, galera!! Bjs*

p.s.: Não poderia deixar de lado meu agradecimento à Sil que fez a capa e à essas meninas maravilhosas que compartilham comigo a escrita dessa história. Vocês são topper!!



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