(NOVO LINK! Leia as notas da história!) escrita por Acquarelle


Capítulo 13
CAPÍTULO 3, Epi.4: A memória que me foi tirada


Notas iniciais do capítulo

Conceito. Criação. Runas. O que significa ser um vesper?
"Por que eu preciso saber quem é essa criança?" ☆



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Ao entrar na cabine de comandos, Rashidi percebeu que Void analisava algumas anotações no monitor principal, mas não deu muita importância para isso.

Silenciosamente, o vesper puxou uma cadeira para perto de Void, passando a digitar algumas coisas em um dos quatro monitores secundários. Seus toques eram ágeis e precisos, como se ele quisesse terminar aquele serviço o mais rápido possível.

Em teoria, Arcadia foi feita para transportar de três a cinco indivíduos, e a julgar pelas criaturas responsáveis pela sua construção, os reptilianos de Kolasurr, com altura de até três metros e peso próximo aos 500 kg.

Não era uma espaçonave própria para combate, então sequer tinha bons canhões instalados em sua lataria, que se deteriorava à medida que o trio visitava planetas fora do comum, assim como a própria Atlansha. Os motores já não funcionavam como antes, e com as inúmeras peças obsoletas, a missão se tornava cada vez mais difícil.

Porém, Arcadia era tudo que aqueles três tinham.

— A fadinha favorita de vocês está de volta!!

A voz de Ribbon ressoou pela sala, chamando a atenção dos dois.

— ...

— Bem-vinda de volta, Ribbon.

Void deu uma pausa nas suas anotações.

Ele se levantou repentinamente, fazendo alguns alongamentos em seus braços e coluna. Mesmo que o seu corpo já estivesse se acostumando com aquela armadura, usá-la a todo momento era desgastante.

Um estalo quase inaudível foi dado quando ele flexionou os ombros.

— O relatório está quase pronto… o que vocês dois estavam fazendo?

— Rashidi fez um chá para a senhorita sereia e ficamos conversando!

— Oh! Então o Rashidi estava praticando gentileza?!

— Sim!! Coisa estranha, não?

Ribbon abafou uma risadinha enquanto Void gargalhava.

— ...

Rashidi não estava com ânimo para participar da conversa.

Ele apenas continuou digitando com uma expressão apática.

Ribbon aproveitava os últimos segundos naquela forma para rodopiar.

— Para onde iremos desta vez, capitão?

O vesper concluiu o que estava fazendo e finalmente se pronunciou.

— Vamos voltar para Khürmandha.

— Sério?! Khürmandha?

A empolgação de Ribbon se esvaiu com a pronúncia daquela palavra.

Void, por outro lado, não parecia surpreso com o comando de Rashidi.

— Isso era o esperado… A garota disse que era imune a veneno.

— E por isso vocês vão afundá-la em um oceano envenenado?

Pelo tom de voz, era nítido que Ribbon estava decepcionada com os dois.

Rashidi bateu um dos punhos no monitor repentinamente, fazendo algumas anotações na tela dançarem com o impacto. Eles não tinham tempo para perder com aquelas tolices.

— Sinceramente, lacinho… Quem te programou?!

— ...

— Se aquela sereia vai ficar aqui tomando o nosso chá, comendo a nossa comida e dormindo na cama do Void, nada mais justo que nos ajude em algumas missões.

— Eu não o tiro da razão. Se essa oportunidade surgiu, nós devemos aproveitar.

Void se intrometeu na conversa, estranhamente ficando do lado de Rashidi.

Ribbon até pensou em discutir, mas seus níveis de energia já estavam baixos.

Ela voou até o monitor principal, desintegrando a forma holográfica como poeira.

Logo em seguida, a voz infantil voltou a ser transmitida pelos alto-falantes.

— Entendido. Estarei traçando a rota mais próxima para Khürmandha.

— Quanto tempo a viagem vai demorar?

A análise de Ribbon foi rápida, e logo a resposta estava no monitor.

Em um dos cantos, uma contagem regressiva começou.

— 128 horas e 25 minutos.

— Tudo isso?!

O que ela poderia fazer? Viagens mais rápidas estavam fora de questão.

As limitações de Arcadia eram os maiores problemas para aquele grupo.

— Se quiser que eu leve menos tempo, atualize algumas peças da nave! Apenas um comando é suficiente para que eu liste quais precisam ser substituídas. Também posso informar exatamente onde encontrá-las, assim como o preço em moeda local.

— Você sabe que esse pedido é impossível, Ribbon…

Void se sentou novamente enquanto observava os números diminuindo.

Ele apoiou a cabeça em uma das mãos, e um suspiro foi abafado por seu elmo.

— Se pudéssemos fazer alguma coisa, já teríamos tomado providências.

— Então procurem algo interessante para fazer enquanto isso! Eu recomendo que você dê uma olhada no livro “7 tortas e 1 sobremesa” dos chefes da dinastia Quon. Tenho certeza que você vai adorar fazer as receitas deste livro, Rashidi!

— …

Rashidi e Void apenas se entreolharam, silenciosos.

— Talvez a trilogia “Olhos da Mente” de Yumehara Saeko? Ele foi um best-seller bem conhecido nos planetas da área Kastel. Dizem que a artista colocou a alma nessa obra!

— Ribbon…

Void apenas sussurrou o nome da inteligência artificial.

Aquilo foi suficiente para Ribbon perceber a sua atitude.

— O que?! Vocês não estão reclamando por que não sabem como ocupar o tempo?

Ao terminar sua frase, uma carinha triste aparece no monitor.

Void relaxou na cadeira, esticando os seus braços para cima.

Ele se sentia cada vez mais exausto daquelas viagens.

— Apenas se concentre em dirigir até Khürmandha, ok?

Rashidi se levanta, dando uma última olhada na contagem regressiva.

— Acho que vou seguir o plano da peixinha e ir descansar também.

Antes de sair do cômodo, o vesper tira alguns segundos para encarar Void.

— Você também deveria descansar...

— Eu vou ficar bem.

— Não se esforce muito.

— …?!

Mesmo o vesper não vendo, ele percebeu que Void ficou confuso.

Rashidi, por outro lado, não queria que o assunto rendesse mais.

— Se precisarem de mim...

Ele deu uma pequena pausa e franziu uma das sobrancelhas.

— Não... não precisem de mim. Me deixem em paz.

— Bom descanso, Rashidi!

Ribbon, então, fez um rostinho radiante surgir na tela.

Ela jurou ter visto Rashidi revirando os olhos, mas ficou silenciosa.

O vesper deixou os dois naquela cabine e se dirigiu ao banheiro. Àquela altura, ele já tinha perdido a pouca noção de tempo que tinha, e tudo o que desejava era um banho bem quente e uma boa noite de sono.

Ao entrar no cômodo, Rashidi trancou a porta imediatamente.

Não que Void tivesse o costume de incomodá-lo ali, mas a presença de mais dois viajantes em Arcadia fazia com que a sua desconfiança passasse dos limites. A última coisa que Rashidi precisava era de mais alguém esgotando a sua pouca paciência.

Enquanto tirava as suas roupas, ele encarava o seu reflexo no espelho.

Com tons ainda mais escuros que a sua pele, as olheiras curvavam em seus olhos, destacando os seus cílios alvos em sua expressão de cansaço e a indiferença.

Os cabelos que antes eram de um branco puro, pareciam estar ganhando uma cor acinzentada que só seria percebida por alguém com uma visão muito boa.

Para ele, aquilo era no mínimo engraçado.

Afinal, vesperes sempre tiveram cabelos brancos.

Rashidi bagunçou os seus cabelos ainda mais e suspirou.

“Parabéns, Altair… você está um lixo”, pensou inquieto.

Altair.

O nome de sua estrela.

O seu próprio nome.

Vesperes nascem de estrelas.

Com uma das mãos sob o olho direito, ele observava o seu reflexo.

“Só queria que tudo isso acabasse. Quando terei um pouco de paz, Dama Branca?”

O rapaz jogou as suas roupas em um dos cantos do cômodo e finalmente se dirigiu à banheira, se acomodando nela enquanto esperava a água quente preencher todo o interior do objeto perolado.

Apesar de não ser muito grande, aquela banheira tinha tamanho suficiente para que Rashidi pudesse esticar as suas pernas. Pensou se o mesmo acontecia com Void, mas logo aquele pensamento deixou a sua cabeça.

A temperatura da água não estava agradável.

25 ºC.

Rashidi concentrou os seus poderes, e logo seus olhos tomaram a característica cor branca. A runa solitária que o vesper desenhava no ar era, sem sombra de dúvidas, uma de suas favoritas.

Aprendê-la foi um desafio surreal que lhe exigiu muita paciência e força de vontade, mas o resultado de seus esforços se tornava recompensador cada vez que ele a desenhava.

Em cada uma de suas linhas retas, o conceito se fazia presente.

Causa e efeito. Energia termodinâmica. Calor. “Temperatura”.

Ao ser finalizada, a runa mergulhou nas águas da banheira.

28 ºC.

30 ºC.

35 ºC.

A temperatura da água aumentava gradualmente.

Ainda com o seu poder concentrado, Rashidi desenhava uma outra runa. Assim como a anterior, seu formato era reto e imperfeito, assim como os galhos de um velho salgueiro.

40 ºC.

Aquela era a única runa que o vesper tinha a plena certeza de seu formato.

“Memória", pensou ele, enquanto observava todo ambiente sendo tomado pelo brilho sereno da runa que agora afundava naquela água quente, fazendo com que pequenas ondulações se formassem.

44 ºC.

Os olhos brancos se mantinham fixos na água, e sua mente parecia distante.

As águas da banheira perolada revelavam as imagens de suas memórias.

— O que você está fazendo, Altair?

Uma voz infantil ecoou na mente do vesper, fazendo com que seu coração palpitasse de maneira rápida e quase torturante. Sua respiração parecia se tornar mais pesada e difícil à medida que as imagens dançavam com as ondas formadas por seus movimentos inquietos.

50 ºC.

Um garotinho se aproximava de um Rashidi mais novo, pequeno e frágil.

O rosto da criança era um grande borrão, como se a mente do rapaz não fosse capaz de identificar os seus traços e formato. Mesmo o nome dela não era lembrado, e parecia acionar alguma memória dolorosa e corrompida.

A sua voz era a única coisa que Rashidi lembrava sem muito esforço.

Era ritmada como o canto dos pássaros que os dois criavam com runas.

55 ºC.

Rashidi observava aquela memória com um olhar concentrado e sério.

No fundo, ele sentia que precisava saber quem era aquela criança.

— Você está praticando sozinho, Altair?!

— …

O jovem Rashidi não deu uma resposta, e a criança insistiu.

— Nós não iríamos fazer isso juntos?!

— Eu não queria te incomodar, **********…

Aquele nome soava como algo perfurando os seus ouvidos.

Rashidi sabia o significado daquela dor.

Era um conceito que não existia mais.

— Isso não é incômodo algum, Altair!! Afinal…

— Nós somos amigos.

Sua versão atual respondeu em um sussurro melancólico.

Não importava quantas vezes Rashidi desenhasse aquela runa.

Não importava quantas vezes Rashidi acessasse aquela memória.

Tanto o nome quanto o rosto daquela criança nunca eram lembrados.

— Altair, olha…!! Hoje eu aprendi essa runa!

A criança-borrão parecia estranhamente animada.

A resposta dessa vez veio de uma voz feminina.

— Uma runa nova?! Nos mostra ela, **********!!

A dor voltou a perfurar os seus ouvidos.

Uma garota de cabelos brancos e olhos com a íris colorida se aproximava dos dois com um sorriso animado no rosto. Atrás dela, uma garota mais tímida se escondia entre as rendas do vestido da primeira, e elas pareciam estar de mãos dadas.

A garota da frente tinha uma expressão mais confiante e intensa;  o otimismo parecia envolvê-la com uma aura tão bela e pura quanto um jardim de rosas brancas.

A garota mais tímida, porém, tinha o mesmo problema da criança de sexo masculino que aparecera anteriormente: sua face era uma grande mancha envolta de sentimentos negativos e dolorosos.

68 ºC.

— Você já deve conhecê-la, Merope!!

Merope.

Por que esse nome aparecia nas memórias, mas os outros não?

— Não seja malvado, **********! O Altair também quer ver, não é?

— S-sim… Por favor… **********.

A dor não impedia Rashidi de observar aquelas águas.

A insistência de todos fez o garoto se dar por vencido.

— Então eu vou mostrar pra vocês, olhem só!!!

O garotinho sem rosto desenhava uma única runa no ar.

Rashidi sabia o quão incrível aquela runa poderia ser.

72 ºC.

— Isso é…?!

O que geralmente era feito com mais de sete runas, só precisou de uma.

Assim como em suas memórias, um fraco arco-íris surgiu naquele cômodo.

Ele iniciava no local onde as memórias eram transmitidas, subia na reflexão de cada um dos azulejos e finalizava ao tocar no teto, banhando todo o cômodo com cores vibrantes.

As crianças pareciam maravilhadas com aquela pequena descoberta.

— I-incrível, **********!!!

Os olhos coloridos de Merope pareciam se misturar com o arco-íris.

A outra garota finalmente se manifestava com um sorriso borrado.

— Que bonito!!! Ele é todo coloridinho!

— Qual é o nome disso, **********?!

— É um arco-íris, Altair!!

— Você me ensina a fazer?

— Mas é claro que sim!

85 ºC.

A porcelana parecia estar se quebrando, assim como o coração de Rashidi.

As memórias nas águas se foram, levando com elas todas as cores do arco-íris.

“Mais uma vez.”

Aquelas cenas foram repetidas mais uma vez. Duas. Três.

E em nenhuma delas Rashidi se lembrou daquelas crianças.

... ★✮☆✯★ ...


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Notas finais do capítulo

Capítulo 3, parte 4/4. ʕ•̀ω•́ʔ✧

Eu estava MUITO hypada para postar esse capítulo. Algumas coisas escritas nele são peças chaves para as coisas que virão a partir daqui! E vocês notaram uma certa homenagem no capítulo? Na época que escrevi ele, a Saeko apareceu na minha vida! Pretendo fazer uma homenagenzinha do tipo a cada um dos meus leitores mais antigos! ☆

Hoje mesmo eu estava fazendo uma revisão e copidesque nesse capítulo, então pode ser que ainda existam alguns erros que eu não consegui identificar com uma revisão simples. Se você conseguiu identificar algum erro, sinta-se livre para me avisar por comentário ou private (caso você se sinta incomodado em fazer isso publicamente). ♡

Nos vemos na semana que vem!

Obrigada por ler Stellarium~!

Feedbacks são apreciados. ☆



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