Only You escrita por Lari


Capítulo 1
Capacete




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Era isso, era o fim.

Não havia nada mais a se fazer. Era como se ela já estivesse morta, como se Hannah Baker já não existisse mais, como se ela fosse apenas uma pequena chama de vida que estava morrendo, se esvaindo aos poucos daquele mundo, caminhando para a morte, caminhando lentamente durante aquele dia para o fim de sua existência.

Não era como se ela não tivesse procurado ajuda, como se não tivesse tentado manter aquela chama viva, acesa, tentado transformá-la em mais do que agora sua vida, sua alma, era. Ela tentara um grito de socorro – fora mais um sussurro do que um grito, e estava ciente daquilo, mas já não tinha mais forças, nem mais para gritar, além do que, era difícil acreditar que alguém a escutaria – e ninguém se importara o bastante para tentar ajudá-la a manter a pequena chama acesa.

Estava indo para casa e já não estava longe. Sentiu quando seu coração acelerou um pouco seu ritmo, enquanto ela pensava no quão perto estava de acontecer, no que estava prestes a fazer.

Era isso, era o fim.

Mas ela não se importava – não tanto quanto deveria. A chama estava se esvaindo cada vez mais rápido agora, e ela podia senti-la indo embora, sentir todas as esperanças se acabarem dentro de si, enquanto se aproximava mais de casa.

Entraria na banheira, a encheria até a borda, cortaria os dois pulsos em vertical, e sangraria até a morte.

Hannah respirou fundo. Uma morte lenta e sem volta, ela pensou, e sentiu seu coração novamente, como se estivesse implorando pela vida, como se pudesse chamar sua atenção e clamasse por continuar vivendo.

É uma metáfora engraçada, mas não vai funcionar. Ela se pegou soltando um risinho completamente nervoso no meio da calçada, e olhou para os lados para se certificar de que não havia ninguém ali.

Quando ela olhou para trás, avistou uma bicicleta se aproximando, e se forçou a voltar a olhar para a frente de novo depois de ter o pensamento nada realista que sua mente lhe infligiu.

É só uma bicicleta, Hannah. Não seja idiota, não é ele.

Ela fechou os olhos com violência e abriu-os de novo. Não podia ser ele.

Ele não havia se importado o bastante com ela antes, não ao ponto de procura-la, de ir atrás dela e conversar, impedi-la ao menos de ter chegado àquele ponto. Por que iria agora, então?

Hannah parou de andar quando observou que a bicicleta se aproximava dela, e se virou apenas para descobrir que estava certa da primeira vez.

Era ele.

De qualquer forma, não importa. Ele provavelmente vai apenas me dizer oi e me deixar seguir meu caminho, nada vai mudar.

Mas ela mesma não parecia acreditar muito nos próprios pensamentos, e seu corpo também não. Estava ansiosa, as mãos suando e a respiração levemente acelerada havia se tornado mais pesada, seu coração, ao invés de ter se acalmado, agora batia ainda mais rápido, como se pensasse “ei, aí está minha chance de sobreviver, quero agarrá-la”.

—Capacete – ela disse, cumprimentando-o, nenhum sorriso em seus lábios, o olhar se desviando do dele, não queria encará-lo antes de morrer.

—Oi, Hannah... Indo pra casa?

Sim, seu idiota, eu estou, e por favor não me impeça, não me ofereça acompanhamento...

Ela assentiu.

—Se importa se eu te acompanhar?

—Não, tudo bem.

Ela tinha que ser educada, afinal, o que diria? Que ele não podia acompanha-la por quê? Por que estava a ponto de cometer suicídio? Não. E não conseguia pensar em nenhuma desculpa convincente, tudo no que sua mente conseguia focar era em suas mãos, molhadas e uma prova concreta do que estava sentindo.

Por que, Clay? É uma total falsa esperança essa que você está me dando... sei que não vai passar disso.

Ele desceu da bicicleta e se postou ao seu lado enquanto eles andavam, sorriu para ela, um sorriso notavelmente desconfortável.

—Passeando por aqui? – ela perguntou, casualmente.

Eles não haviam se falado direito desde aquela festa, desde aqueles acontecimentos horríveis e nojentos... Clay parecia estar com raiva e rancor dela, e Hannah não sentira que aquilo passaria logo quando tentou conversar com ele, quando tentou buscar ajuda também com ele...

Mas ela não o culpava, sabia que de uma forma, a culpa era dela. Ela fora quem o afastara, mesmo que não tivesse sido sua intenção, mesmo que ela quisesse que ele ficasse e cuidasse dela... Que ele tivesse se importado o bastante a ponto de ter ficado.

—Na verdade eu estava esperando te encontrar por aqui... E se não tivesse tanta sorte, teria ido até sua casa, provavelmente.

Hannah lhe lançou um olhar, e permitiu-se realmente observá-lo daquela vez, deixando para trás sua regra de não encará-lo. Ela sentiu aquela chama se agitar dentro dela, como se estivesse recuperando um pouco de sua força.

Ele havia ido atrás dela, havia a procurado. Se tivesse ido um pouco mais tarde, será que teria chegado até sua casa antes que ela estivesse morta? Será que a teria encontrado sangrando e moribunda, ou iria simplesmente embora novamente, quando ninguém atendesse a porta? Provavelmente teria, ela não podia esperar que ele simplesmente arrombasse a porta de sua casa e entrasse, não podia esperar que ele soubesse o que ela estava fazendo.

—Bem, estou aqui – ela disse, levantando os braços para fazer ênfase.

Eles haviam chegado e estavam em frente à casa dos Baker. Clay estava encarando-a, aqueles olhos azuis fixos nela, como se ele quisesse e estivesse tentando dizer algo, mas de alguma forma não conseguisse.

Ela entendia, Hannah sabia exatamente como era aquilo, e naquele exato momento. Uma parte dela queria dizer à ele, ei Capacete, por favor, me ajude, eu preciso de você, não me deixe ir, ouça meu sussurro como se fosse um grito, me ouça.

—É... Bem, na verdade eu só queria dizer... Queria pedir desculpas pelo que aconteceu na festa da Jessica, eu achei que estava tudo bem e... Bem, você sabe, enfim, desculpe.

Hannah sentiu seu coração murchar novamente, aquela chama voltando a morrer mais rápido do que tinha começado a se recuperar.

Menina tola, você não achou mesmo que ele ia adivinhar o que você está sentindo, o que aconteceu à você, não é? Hannah fez um gesto, um sorriso de disfarce em sua expressão.

—Tudo bem, capacete – ela disse, e ele assentiu, parecendo triste. – Você não fez nada de errado.

A expressão de confusão em seu rosto deu a Hannah a ousadia de esperar, de esperar que ele perguntaria, que ele insistiria naquele assunto, que ficaria com ela.

—Bom, acho que vou indo então... – Hannah assentiu, ao mesmo em que uma dor pungente lhe atingiu no peito, e a sensação de que estava sozinha ali novamente, e de que aquela esperança que Clay lhe dera fora sem sentido, falsa e sem motivo, e no fim de nada adiantaria.

Ela se virou, pronta para entrar em casa, pronta para seguir para o destino que havia traçado para si mesma. Pronta.

—Ei, Hannah – ele gritou novamente, e ela teve medo de ficar minimamente feliz de novo, porque sabia que provavelmente não era nada. – Pensando bem, será que eu poderia entrar? Queria conversar com você um pouco.

Conversar... Ah, capacete...

—Claro – ela sorriu, dessa vez um sorriso mais verdadeiro, e indicou a ele que entrasse, fechando a porta atrás de si.

Eles rumaram para a sala, e Hannah se sentou ao lado dele, que pigarreava e olhava para baixo o tempo todo, entre olhares lançados para ela.

—Então?

Clay reparou nas mãos dela, que não parava de mexe-las e estralar os dedos, como se estivesse ansiosa por algo, e sua perna também impaciente.

Era como se ela estivesse mais ansiosa do que ele, com o que ele estava a ponto de dizer. Mas não era possível, é claro que não. E ele se perguntou o que estaria a incomodando, o que ela estava sentindo e se isso seria ruim, e se pegou pensando que queria muito saber, para poder fazer algo a respeito e ter a certeza de que não era ele quem a fazia mal.

—Hannah, eu... Não sei como dizer isso – ele passou a mão pela nuca, visivelmente nervoso e ansioso, e ela sentiu uma leve vontade de rir dele. Ah, capacete... ele era tão doce, tão diferente de todo mundo, e no fundo, ela só queria que ele se importasse o bastante para impedi-la, simplesmente se importasse, por favor, Clay.

—Você não matou ninguém, foi, Clay? – ela perguntou, e foi como se algo estivesse preso em sua garganta, desconfortável com a piada que ela mesma fizera, e que para ela, que sabia o que estava determinada a fazer minutos antes, tinha um toque de humor negro. Mas apenas o fato de estar conseguindo fazer algum tipo piada talvez já significasse um aprimoramento – mesmo que pequeno.

Clay engoliu em seco, mais nervoso do que nunca em sua vida, mas ele tinha que superar aquele medo, aquela insegurança, tinha que dizer que a amava, que demonstrar isso à ela.

—Hannah – ele disse, e foi mais como um sussurro, e sentiu sua respiração acelerada enquanto sua mão se aproximava da dela, ambas postadas em cima do sofá, e ela viu enquanto ele fazia aquele gesto, e sabia o peso que aquilo teria, e sentiu seu coração bater fortemente no peito, a mão dele finalmente entrelaçando a sua.

—Capacete? – ela sussurrou também, e não era como se tivesse sido de propósito, sua voz apenas saiu falhada quando ela falou, e subitamente sentiu vontade de chorar.

Clay se aproximou dela, e seus lábios tocaram os de Hannah tão delicadamente, antes mesmo que ela pudesse absorver o que estava acontecendo.

E então ela sentiu as lágrimas. Elas caíram tão devagar no começo, tão lentamente, e Clay demorou a percebê-las. Mas Hannah não estava incomodada com o beijo dele, não eram os lábios macios dele nos seus, o carinho que ele demonstrava para com ela, que estava fazendo aquilo acontecer.

—Ah, meu deus, me desculpe, Hannah... Eu sabia que não devia... Mas eu sou idiota e... Quando você disse que eu não fiz nada de errado, eu achei que poderia tentar de novo, me desculpe.

Ela encarou-o, seu rosto molhado, esperando que ele, por algum milagre, entendesse.

—Você não quer ficar comigo, não é? Aparentemente eu só te faço mal... – ele continuou, e Hannah apertou sua mão, que ainda estava entrelaçada na dela, e Clay pareceu surpreso. – Eu te amo, Hannah... só queria que soubesse, e me desculpe se eu te machuquei de alguma forma, nunca foi minha intenção.

O olhar dele transmitia tanta dor, como se realmente estivesse arrependido por algo – algo que não havia feito, que não era seu fardo. E ela estava tão machucada também, mas não por ele, e Clay... Clay até ali havia salvado sua vida, e nem sabia disso.

—Você não machucou, você não, capacete— ela murmurou, e ele finalmente entendeu, repentinamente puxando-a para um abraço, um tão apertado e tão cheio de aconchego, amor... ele se importa.

—E eu nunca vou, então – ele sussurrou em seu ouvido, e abraçou-a ainda mais forte. – O que aconteceu?

Ele afastou-a de si, o bastante apenas para poder olhar em seus olhos marejados e inchados. Hannah não conseguia olhá-lo nos olhos sem se sentir extremamente emocional e ao mesmo tempo, agradecida.

Seus sentimentos estavam extremamente confusos, e sentiu que dizer à ele o que estava prestes a fazer antes dele aparecer não era uma boa ideia, não naquela hora, não sem antes lhe contar todas as outras coisas, mesmo que aquilo fosse difícil.

Alguém queria a ouvir, e não apenas alguém, ele. Ah, capacete... Você me ouviu, afinal, me salvou.

Ele levou sua mão até os cabelos curtos dela, e acariciou-os, colocando-os atrás de sua orelha. Hannah engoliu em seco, fechando os olhos quando sentiu o toque de suas mãos caminhando por seu rosto, limpando suas lágrimas, e ele a abraçou mais uma vez, o que a fez desabar novamente, tudo o que havia acontecido a atingindo como um baque.

E ela sentiu o fardo de sua tristeza, o fardo do que teria feito e de como ela não deveria mais estar viva àquela hora, o peso do que faria se recaindo sobre ela, como soluços e lágrimas. Ele a salvara, sim.

Ele tomou o rosto dela em suas mãos e beijou-a na testa, tão protetoramente.

—Eu te amo Hannah, queria que soubesse disso.

Os lábios dela se estreitaram em um pequeno sorriso, aquelas palavras significavam tanto, tanto.

—Quer me dizer agora? – ele perguntou, e ela tomou coragem para falar enquanto se arrumava no sofá, nervosa.

E ele escutou, e a entendeu, e a abraçou, se importou. E Clay não hesitou, a raiva expressa em todo seu ser, quando Hannah lhe contou o que Bryce lhe havia feito, e não duvidou dela, não a fez duvidar de si mesma e nem se sentir alguém inferior que havia merecido aquilo. Em nenhum momento, Clay dissera que fora sua culpa, ou que ela havia consentido, e em todos os outros, ele mostrara compaixão para com o que ela estava sentido, e mostrara que estaria ali com ela, não importava o que acontecesse.

Clay lhe dissera que eles deveriam ir prestar queixa contra Bryce imediatamente, que não deveriam esperar mais um só segundo – e ele sentia a raiva e o senso de justiça dentro de si, crescentes e vividos, não conseguia acreditar no que Hannah havia passado calada e sofrendo, sozinha. Ele queria poder socar Bryce, queria ter a força e a coragem para fazê-lo pagar.

—Espera... – Hannah lhe disse, enquanto ele já estava se levantando, pronto para leva-la até a delegacia. Ela segurou a mão dele, puxando-o novamente para o sofá, fazendo com que ele se sentasse.

E ele a olhou dessa vez, olhou-a tão profundamente, que poderia jurar ter sentido sua dor em seu próprio peito – ao menos uma parte dela. Ele sentiu que Hannah precisava de tanta ajuda, de tanto cuidado e amor, que ela precisava dele, e seus olhos lhe transmitiam exatamente isso.

Clay a abraçou novamente, e Hannah fechou os olhos, absorvendo o perfume e o toque dele, suspirando, um tanto aliviada. A chama parecia estar voltando a viver novamente – e, desta vez, não era uma falsa esperança.

—Não vou te abandonar, Hannah, vou ficar aqui – ele sussurrou ao seu ouvido, e sentiu-a aperta-lo mais contra si.

Ela lhe dissera o quanto todos a machucaram muito, e como todos a abandonaram e deixaram-lhe sozinha, como não se importaram, ela lhe contara tudo o que fazia seu coração doer, e pela primeira vez havia libertado tudo aquilo para fora de si.

—Nem agora, nem nunca.

—Clay, tem mais uma coisa, algo que não lhe disse... – ela começou, e não olhava para ele enquanto falava, parecia envergonhada ou com medo, e ele apertou-lhe a mão na sua, um gesto para lhe dizer que estava tudo bem. E ela voltou a olhar para ele. – Quando você me encontrou, eu estava vindo para casa e... bem, se você não tivesse me encontrado, se não tivesse me procurado, eu não estaria mais viva.

Ela viu quando a boca dele se abriu, uma expressão surpresa e apavorada, e quase se arrependeu de ter lhe dito aquilo, até que ele lhe respondeu:

—Ah Hannah, eu não teria me perdoado nunca – seus olhos estavam tristes, e Clay sentiu o impacto do que ela lhe dissera como se fosse um caminhão lhe atravessando, se Hannah se matasse e ele não tivesse lhe ajudado, não tivesse lhe salvado, ele não sabia o que faria. – Por favor, me prometa que vai me procurar todas as vezes que sequer pensar nisso, que sentir vontade, que... Eu vou sempre, sempre estar aqui por você Hannah, sempre, okay?!

Ela assentiu, os olhos marejados novamente. Ah, capacete...

—Obrigada, capacete – ela acariciou seus cabelos, e colou seus lábios nos dele novamente, muito levemente, muito ternamente, sentindo a respiração dele na sua. Respiração, estou viva, capacete, graças à você. — Eu te amo. – ela se ouviu sussurrar contra seus lábios, os olhos fechados. Clay colocou sua mão sobre a dela, e sorriu, um sorriso meio triste por conta dos acontecimentos, e ela abriu os olhos a tempo de ver seu sorriso, e retribui-lo, verdadeiramente.

E a chama, ela estava se ascendendo, estava renascendo, estava ali, viva. Graças à você, capacete.


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