Prólogo

Tempos atuais - Achlys

Foi como se todos prendessem a respiração em uníssono e o mundo tivesse entrado em câmera lenta. Nem mesmo os longos discursos e avisos incessantes de Poseidon poderiam ter preparado sua tripulação para aquela cena, afinal não era todo dia que seu capitão aparecia, trajando sua armadura completa, com uma olimpiana ferida e desmaiada em seus braços. O choque durou poucos segundos, porque logo o silêncio foi rompido pela voz estridente e alarmada de um Poseidon muito nervoso. Os olhos inquietos do deus foram o suficiente para que Helena corresse em sua direção, empurrando o aglomerado de curiosos que se amontoavam no deck, para ajudar. Poucos segundos depois e os três estavam dentro de uma cabine, onde Poseidon colocou a deusa ainda desacordada na cama. 

Quando os gentis olhos azuis pousaram na deusa, Helena arfou em susto pela situação crítica de seus machucados. Um corte grande fazia icor dourado escorrer de sua cabeça se misturando com os cachos loiros de seu cabelo, o rosto perfeitamente esculpido que só podia pertencer a uma deusa estava coberto com hematomas que começavam a inchar e adquirir tons arroxeados. Era estranho pensar que alguém que parecesse tão delicada poderia ser ao mesmo tempo uma guerreira tão forte, o contraste era gritante, mas quem olhasse para a deusa não teria dúvida do quão perigosa era. Os sons de Poseidon andando ansioso de um lado para o outro da cabine estava deixando Helena irritada.

— Poseidon, não consigo trabalhar com você aqui no meu pescoço - resmungou meio nervosa - Vá buscar Dafne e peça que ela traga o material que eu a orientei.

O deus nunca se acostumaria na audácia daquela mortal em falar com ele, um dos três grandes, mas naquele momento não poderia entrar em mais uma de suas discussões implicantes. Sendo assim, o deus disparou pelos corredores e deu o silêncio que Helena precisava para trabalhar. A chegada da deusa já era de muito esperada e apesar de ninguém saber ao certo que dia seria, imaginava-se que ela estaria em condições parecidas. Helena tinha dons formidáveis para cura e já havia ajudado mais pessoas que chegavam ali em situações terríveis do que poderia ser lembrar, mas com exceção de poucas vezes que convenceu o teimoso Poseidon nunca havia tratado de um outro deus antes e, por isso, suas mãos estavam até um pouco trêmulas.

Com um pouco de dificuldade, conseguiu retirar o que restava da armadura da deusa de cabelos cacheados, deixando-a apenas com uma vestimenta ao redor dos seios e outra em sua intimidade. Seu colo estava coberto de arranhões e hematomas, assim como a barriga lisa, próximo ao ventre havia um corte extenso e possuía alguns ferimentos feios nos membros superiores e inferiores que começavam a cicatrizar. As hábeis mãos de curandeira começaram a limpar os cortes e estancar os sangramentos de icor dourado enquanto mais machucados arroxeados tomavam forma e juntavam-se a alguns mais antigos. 

Meus deuses, eu não fazia ideia que a guerra no Olimpo estava assim tão ruim. Quantos combates ela lutou recentemente? O metabolismo de uma deusa não deveria demorar tanto assim para curar… 

Helena parou com o pano com água próximo ao rosto perfeitamente desenhado da deusa e o mais delicadamente que pode limpou o corte na maçã do rosto e o do lábio inferior. Por fim, enfaixou sua cabeça que sangrava próximo a têmpora dando trato ao grande corte que tanto sangrava antes. Suspirou quando a resposta a atingiu pesada, seus machucados continuavam evidentes porque ela mal tinha tempo de se curar antes de voltar a lutar novamente.

— O que fizeram com você, Atena? - sussurrou tão baixo que mesmo acordada, a deusa não ouviria.

Poucos minutos depois Dafne entrou no quarto com a maleta que havia pedido, Poseidon não estava com ela e Helena sabia que fora preciso muita insistência da menina para que ele ficasse do lado de fora. Ainda em silêncio, as duas continuaram o trabalho e começaram a passar uma espécie de pasta esverdeada com ervas especiais que ajudariam no processo de cura. 

[…]

— Fizemos tudo que poderia ser feito - Helena se apoiou na extremidade do barco em que o deus estava, ventava muito e os rebeldes cabelos pretos cobriam-lhe o rosto assim como a capa escura que ele usava - Agora, temos que esperar que ela acorde… Pode levar um tempo, você sabe... 

Poseidon assentiu, sua testa estava fincada, um claro sinal de que o deus não estava satisfeito com a situação. Estava preocupado e cansado, toda aquela situação o deixava extremamente desgastado e Helena podia ver o quanto seus olhos ficavam sem brilho. Não havia realmente nada de bom naquela guerra e o fato de finalmente ter chegado o dia em que Atena estava naquele navio só indicava que tudo iria piorar. O tempo estava acabando. Em silêncio se afastou dela dirigindo-se aos que o esperavam agitados lá embaixo.

— Tripulação - sua voz grossa saiu ainda mais arrastada pela quantidade de coisas que assolavam sua mente - Eu já os tinha avisado que esse dia chegaria, eu sei que vocês já estão cansados de ouvir e eu sei o quanto essa guerra tirou de vocês. Agora começamos a nova parte da nossa jornada, por favor, não se esqueçam de serem extremamente cautelosos, qualquer informação, mesmo que irrelevante para vocês, pode ser fatal para que ela descubra a verdade. Tomem cuidado, Atena não pode saber de nada ou estaremos todos condenados. Preciso que permaneçam calmos. O jantar será as 19h, dispensados.