Stigma escrita por Mizuki Shimizu


Capítulo 1
Stigma


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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숨겨도 감춰도 지워지지 않어

                                                         Stigma – V

 

Certa vez, um amigo proferiu a seguinte frase: Estou apenas andando e andando na escuridão. É o que sinto agora. O que tenho sentido durante toda a minha vida desde que me entendo por este ser miserável que sou, que me tornei, que me deixei transformar. Não que eu pensasse diferente, a vida nunca me pareceu ter um final feliz como ela costuma acreditar. Apesar disso, gostaria que ela pudesse desfrutar de seu conto de fadas, como toda princesa.

Enquanto caminho a longas passadas rápidas, aperto os cordões do capuz um pouco mais forte. Sei que ela nunca me entregaria, e, como um bom criminoso, certifiquei-me de não deixar nenhuma prova em evidência. Não poderiam interrogá-la mais vezes, não deixaria que nada a atingisse novamente. Já havia feito isso por demasiado tempo, e a dor que sentira era tanta que quase enlouqueci.

Refletindo um pouco, talvez eu já tenha enlouquecido, pois ninguém em plena consciência mataria outra pessoa. Ou o fizesse, caso descobrisse o que aquele imundo fazia.

O que ele não faria mais, graças a mim.

Não gostaria de abocanhar todo o crédito por ter livrado o mundo dessa aberração, pois a culpa me torturava mais dia após dia, culpa essa que estava me guiando desde aquele dia. O psiquiatra Kwon foi quem felizmente me entregou o maldito que arruinara a vida dela, que a deixara naquele estado sombrio do qual eu não podia salvá-la.

Caminhei apressado para o consultório do doutor Kwon, as gotas da futura tempestade molhando a minha jaqueta de couro velha e imunda. No meio de tanto barulho de carros e com os pingos se fortalecendo, não me importei em procurar abrigo. Apesar do local de trabalho de Kwon fechar um pouco mais tarde que os outros, assim eu podia finalizar o meu serviço e ainda conseguir conversar com o psiquiatra sobre ela, não podia me dar ao luxo de atrasar. Estava grato o suficiente por poder conseguir pagar um profissional tão bom quanto ele.

Decidi correr e a chuva me feria pouco a pouco, tentando fazer com que eu enfraquecesse. Não voltaria atrás. Uns quatro quarteirões e consegui avistar uma casa branca e aconchegante, com uma grande placa escrita: Consultório Psiquiátrico. Meu destino estava perto, eram apenas mais alguns metros.

Parei ofegante na entrada. Abri a pequena portinhola na entrada, locomovendo-me entre o quintal amigável repleto de lantanas amarelas, e empurrei a porta de madeira. Respirei fundo poucas vezes e observei as gotas caindo do meu corpo e molhando o tapete azul celeste, onde eu estava. Não precisei ficar na sala de espera, o doutor Kwon me aguardava em seu cômodo de atendimento.

Fiquei um pouco tímido quando abri a porta e o vi. Ele era um senhor de idade, de um metro e cinquenta, fiz um cálculo certa vez, e seus cabelos lisos eram brancos. Dr. Kwon tinha um sorriso amigável e acolhedor. Com certeza, ela se sentia confortável naquela sala repleta de livros e com duas poltronas de cor azul bebê porque ele sorria daquela forma para qualquer pessoa. Perguntei-me, por um breve instante, se aquele pequeno idoso tinha uma família que sorriria da mesma forma para ele.

— Sente-se, senhor Kim. – ofereceu o doutor Kwon, gesticulando com as mãos para que eu me aproximasse da cadeira.

Contentei-me em balançar a cabeça negativamente.

— Como ela está? – perguntei, pois era essa a minha forma de cumprimentá-lo.

Ele sorriu, um sorriso mais confiante que o normal, o que era surpreendente para mim, e por um momento eu me permiti ter esperanças.

— Ela apresentou melhoras. Contou-me que sente sua falta. – Eu me sentia culpado. Toda vez, ela dizia isso. Eu precisava trabalhar para ajudá-la.

— Quais foram as melhoras? – Eu questionei, desviando o assunto.

Dr. Kwon se inclinou na poltrona, o seu moletom cinza esticou um pouco.

— Não foram melhoras no comportamento dela – As esperanças que desenvolvi foram dissolvidas em um segundo. – Porém, tenho a hipótese de que ela está nesse jeito por ter sofrido algum trauma. Consegue se lembrar de algo?

Algum trauma? Eu havia pensado naquela hipótese inúmeras vezes, e o doutor Kwon só foi considerá-la agora? Se eu soubesse, já teria feito algo a respeito daquele trauma.

— Eu não faço ideia, doutor. – respondi um pouco frio. Meu corpo estava gelado graças a chuva e agora eu também estava frustrado.

O doutor Kwon me olhou e senti que, através do seu olhar, ele podia ver minha alma. Ou pior, estaria ponderando se eu tomaria a decisão que eu tomei? Quando ele murmurou, preocupado, a sua seguinte frase, foi como se o meu chão tivesse aberto e não sobrasse absolutamente nada para eu me segurar:

— Seu comportamento é semelhante ao de pessoas que sofreram abuso por um longo período de tempo.

Não lembro direito o que eu fiz. Apenas lembro-me de estar gritando na rua, engatinhando e parando para socar o chão. Ninguém nunca poderia entender o ódio que senti. Dele, de mim. Os céus, que antes fizeram uma tentativa de me impedir de enxergar a verdade, agora choravam comigo, por mim, e por ela. Principalmente por ela.

Cambaleei durante todo o percurso até chegar a casa. Não sabia quem tinha sido até então, e a cada passo dado, um peso maior surgia sobre meus ombros, pois a culpa era minha. Se eu tivesse sido mais cuidadoso, se eu fizesse ideia de que isso acontecia com ela, nunca teria trabalhado tanto, ao contrário, passaria mais tempo com ela. Pois eu poderia protegê-la caso o fizesse. Todavia, não o fiz.

O corredor estreito que dava acesso a vários cubículos chamados de apartamentos foi onde eu caí pela primeira vez. Eu não queria vê-la. Não queria vê-la me pedindo ajuda através de seu olhar. Tentando me dizer o quanto estava ferida. Não queria que ela me amasse, pois não merecia seu amor. Apenas seu ódio por nunca ter desconfiado.

Olhei para a garrafa vazia de cerveja ao lado da porta de nosso apartamento e rapidamente descobri o monstro que tinha feito aquilo para ela. Que tinha destruído a vida dela e a minha.

Com uma fúria inexplicável, empurrei a porta e o vi gritando para ela. Avistei algumas garrafas vazias em cima de nossa pequena mesa e agarrei uma, correndo até o monstro que se dizia nosso pai, empurrando-o com uma mão até a janela, enquanto levantei a garrafa vazia com a outra. Sem dó, desferi um golpe em seu rosto com o objeto.

Afastei-me um pouco apenas para apreciar sua expressão envolta em dor. Ao contrário do que pensei, não consegui sentir nenhuma satisfação, apenas mais ódio. Aproximei-me dele, a quem desferi golpes violentos com a garrafa contra o seu estômago. Só parei quando percebi o sangue dele em minhas mãos.

Recuei alguns passos, soltando a garrafa quebrada e ensanguentada. Nosso pai despencou na nossa frente. Eu comecei a me desesperar. Por que eu tinha feito aquilo? Sabia, pelo seu vício irrefreável em bebida que ele havia sido o culpado pela condição de minha irmã, mas o que eu me tornava ao fazê-la presenciar uma cena daquelas?

Olhei para as minhas mãos, transtornado. Em seguida, meus olhos percorreram o minúsculo cômodo e só pararam quando acharam minha irmã, no canto, em lágrimas. Eu só pude murmurar: Desculpe, minha irmã.

 Balancei a cabeça com intuito de tentar não me lembrar do passado. Precisei fazer um retrospecto para saber se fiz a decisão certa. Assim que chego perto do mar, lembro-me de ter ligado para os meus amigos em desespero. Eles cuidarão bem de minha irmã. Após nossa mãe e nosso irmão mais novo terem morrido em um acidente, Myunghee desenhava uma família contendo nosso abominável pai, ela e eu, nós dois sempre de mãos dadas. Com aquela ligação, ela ganhou uma família melhor do que o que possuíamos, ou acreditamos possuir.

Enquanto subi a enorme escada, observei o sol se pondo. Quando cheguei ao topo, fiquei um pouco parado na plataforma. Segurei o moletom do Nirvana que Myunghee ganhou de presente de uma vizinha, e decidiu dá-lo a mim. Olhei para baixo, tentando visualizar seis amigos e a minha pequena irmã. Dei um sorriso.

Ao correr pela plataforma, pensei em como poderia me libertar e, ao mesmo tempo, deixar Myunghee livre. E então, pulei, encontrando na água asas para me livrar da culpa. Deixei que a água me abraçasse e puxasse para as profundezas, levando toda a minha dor embora.


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