Janta escrita por Dark_Hina


Capítulo 6
Sejamos cruelmente delicadas




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Eu precisava conversar com a Alex mas não sabia como. Meu jantar com a Lena foi extremamente desconcertante. Ela voltou da ligação vinte minutos depois, e não parecia muito feliz. Eu estava sem saber como reagir, nós passamos um tempo assustadoramente grande caladas. Simplesmente não era o mesmo clima de antes. Havia um gigantesco elefante branco na sala e não conseguíamos, nem sequer tentamos, falar a respeito. O único momento ameno da noite foi quando Consuelo, a empregada da Lena, trouxe a sobremesa, o sorvete italiano. Nós comemos em sua sala assistindo a um filme que imagino ser muito especial pra ela.

Desde que começamos nossa rotina de jantas e filmes ela me falava sobre esse clássico, Jejum de Amor, e finalmente nós iríamos assistir. Haviam elementos peculiares demais para ignorar, o fato de ser na casa dela, o fato de ter sido minha comida preferida no jantar, dela ter pedido para preparem a varanda para que comêssemos sob as estrelas, porque, nas palavras dela “acompanhada do meu sorriso a altura ficava menos assustadora”. Eram detalhes extremamente sutis que me faziam entender que ela estava esperando uma noite especial. Me assustava pensar que seria algo como um encontro. E me assustava ainda mais pensar em como tudo tinha dado completamente errado.

Assistimos ao filme em uma distância segura da outra, e sempre éramos mutuamente pegas olhando para a outra pelo rabo do olho. Bem da verdade, o filme terminou misericordiosamente rápido e o alívio que senti, estava estampado em sua cara ser recíproco. Ela fez questão de ir com seu motorista me deixar em casa, antes de sair do carro eu lhe dei um abraço e ela não retribuiu muito bem, alguma  coisa estava diferente, nós duas sentíamos. E aquilo, de alguma maneira, doía.

Eu pensei que só precisava dormir e falar com Alex na manhã seguinte, ela saberia o que dizer. Mas naquela madrugada J’onn entrou em uma missão secreta fora da terra e Alex passou a chefiar o DEO até que ele voltasse. Nós não conseguimos conversar durante todo o final de semana, e quanto mais o tempo passava mais eu não conseguia processar direito o que tinha acontecido, mais me faltavam palavras para descrever aquela noite desastrosa.

Bom, se a minha noite tinha sido desastrosa, a vida de Alex não tinha ficado muito diferente, desde o incidente com a ladra, nada no DEO foi como antes. Maggie, ao contrário de mim, era a pessoa mais paciente do universo. Ela não se importava de ter uma namorada desaparecida, inclusive era ela quem levava a comida de Alex no DEO todas as tardes, nós duas nos encontrávamos pelos corredores, ela com uma sacola de papel de algum fastfood, eu com pressa para responder a alguma emergência que Winn me indicava.

Ninguém queria dizer em voz alta como estava tenso e desconfortável por lá, como a insegurança nos assombrava. Uma única pessoa conseguiu colocar a baixo todos os sistemas internos. Winn não conseguia entender como os vídeos de monitoramento simplesmente apagaram e ainda era um mistério como o gerador nuclear havia desligado. E eu sabia que deveria estar preocupada com essas coisas, como todo mundo, mas a única coisa que ocupava minha cabeça eram as mensagens friamente respondidas por Lena.

Winn pediu que eu levasse as últimas análises do cofre para Alex, ele me contou que pelo horário ela já deveria estar se escondendo em um dos almoxarifados do segundo andar tentando comer alguma coisa. E lá estava ela: espojada em uma das mesas comuns com uma daquelas sacola de papel lhe esperando. Alex estava uma pilha de nervos mas ainda assim sorriu para mim e perguntou como estava sendo meu dia.

—Eu queria muito falar com você. – Eu fiquei me sentindo extremamente culpada, ela não precisava de mais coisas pra se preocupar. Eram nesses momentos que eu via como eu precisava da Lena, uma amiga que estivesse longe dessa bolha de tensão de como salvar a Terra e o universo ao mesmo tempo.

—Pode falar. – Ela começou a abrir o pacote, eu fiquei em dúvida se ela realmente estaria prestando atenção ao que eu falava.

—Aconteceu umas coisas comigo e com a Lena... Eu não sei bem o que foi. – Ela manteve-se calada esperando que eu continuasse, e eu percebi que não sabia como colocar em palavras. -Ela me levou pra ver estrelas. – Eu disse num impulso

—Você está falando sério? – Seus olhos reviraram. – Tão clichê.

Balancei a cabeça, rindo nervosa

—Foi bem legal na verdade.

— “Ver estrelas” foi “bem legal” para alguém que conhece galáxias e veio de outro sistema solar? – Eu tive vontade de quebrar seus dedos melados de molho barbecue quando ela fez aspas no ar.

—Esse definitivamente não é o foco.

—Qual é o foco? - Meus lábios entreabriram para dizer “nós quase nos beijamos”, mas o olhar de desdém de Alex me dizia que ela não conseguiria entender o quanto eu estava surtando naquele momento. – Então...?

—Eu conheci a casa dela também.

—E como é a mansão?

—Não é uma mansão, mas é uma cobertura gigantesca. – Eu engoli a seco. Fugir do assunto não nos levaria a nada. –Alex, eu e Lena estamos muito próximas, e eu gostaria de falar com você sobre isso, mas eu sinto que não importa o que eu diga você sempre vai interpretar as coisas de uma maneira negativa toda vez que eu trouxer Lena à tona.

—Eu não tenho nada contra ela, - ela disse na defensiva - eu só acho muito estranho o jeito que você fala sobre ela. – Ela parou, tomou um gole de seu refrigerante, mais para ganhar tempo que para se hidratar. Ela demorou propositalmente para pensar o que dizer e em como isso iria soar. –Eu só não acho que você consegue ser honesta comigo quando o assunto é Lena, às vezes eu acho que você não consegue ser honesta consigo mesma quando o assunto é ela. Kara, você, que conhece meio universo e ficou encantada por... O que mesmo? “Ver estrelas”?

O seu tom não foi ofensivo ou debochado como eu pensei que seria, na verdade foi cruelmente delicado, aquele beliscão no meio do pior dia da sua vida que te faz entender que você não está sonhando.

Eu me senti contrair. A mão úmida de Alex, toda melada de molho, avançou sobre a minha, seu olhar preocupado sobre mim.  Ofereci um guardanapo para aquela cena grotesca, quando a vi limpando as mãos e ela percebeu como estava suja, começamos a rir – nós éramos muito parecidas nesse ponto, comíamos como crianças de 8 anos. Não havia tensão forte o suficiente acontecendo comigo que se mantivesse perto de Alex, talvez fosse por isso que eu precisava tanto conversar com ela.

Todo o ponto de ter Lena na minha vida era que isso me deixava feliz e Alex entendia isso, entendia tanto que gostaria que eu encarasse aquilo mais seriamente. Ora, eu já tinha brigado com metade dos meus amigos por causa da Lena, era compreensível que Alex encarasse aquilo por outra perspectiva, uma perspectiva que nem eu estava preparada para analisar.

—Desculpa, eu não queria insinuar nada. – Ela admitiu por fim.

—Tudo bem, nem eu sei bem o que eu queria dizer com isso tudo.

—Você queria me dizer que tem uma amiga que te leva pra ver estrelas e mora numa cobertura chique. – Falou antes de enterrar a boca em mais uma mordida daquele sanduíche estratosférico, o queijo caia por entre seus dedos.

Balancei a cabeça. Ela assentiu, jogando o guardanapo dentro da caixa lambuzada de molho, juntou as batatas que estavam no fundo do saco e vagarosamente foi comendo uma a uma, formulando sua linha de raciocínio. Sua expressão mudou, era mais carinhosa que preocupada, mais pedagógica que provocativa.

—Você se lembra como eu fiquei nervosa como Maggie? - Minha cabeça pendeu para o lado com a pergunta, estreitei os olhos sem saber exatamente o que aquilo significava. -Eu surtei com a Maggie, eu passei dias, semanas pensando no que estava acontecendo comigo...

—Lena não é a Maggie. Eu não sou você – Eu a cortei imediatamente, balançando o dedo num gesto de “não”. Se fosse para eu sair de qualquer armário que eu fizesse isso sozinha e no meu tempo.

—Como eu disse, eu não quero insinuar nada. – Ela pegou novamente o refrigerante e voltou a tomar goles generosos. –Mas você realmente deveria considerar discutir consigo mesma o que significa a Lena na sua vida, num questão prática. - Ela disse entre os goles no refrigerante.

—Quando, exatamente, foi a última vez que você comeu?

—Ontem, quando a Maggie trouxe meu almoço.

—Nós vamos atribuir toda essa conversa a isso, a sua fome. Todas as suas sugestões são resultados de fome e sono. – O bipe do meu celular tocou e eu quase pulei de susto. –Droga! –Peguei o celular no cós da saia.

—O que foi?

—Eu me esqueci completamente do jantar que eu ia ter com Lena. – A sobrancelha de Alex contraiu em uma elevação, eu tentei ignorar sua cara sugestiva enquanto discava o número de Lena.

—Kara? – Sua voz surpresa me atendeu.

—Oi, pra variar eu vou chegar atrasada no nosso jantar. – Um silêncio constrangedor lotou a linha, ela começou a balbuciar até calar-se novamente e finalmente conseguir falar.

—Desculpa Kara, eu esqueci completamente nosso jantar. Posso ficar te devendo essa? – Sua voz soou preocupada, e novamente me senti um pouco mal por preocupar desnecessariamente uma pessoa visivelmente ocupada.

—Claro. – Falei limpidamente, tentando usar meu melhor tom para que entendesse que eu não estava chateada nem nada. – A gente faz alguma coisa depois.

—Tá certo, Kara. Obrigada e desculpa mesmo, depois eu te conto o que aconteceu. Beijos.

—Tchau. – Eu disse para a linha já muda.

Alex tinha o olhar concentrado em minha reação e sem dúvidas estava esperando uma brecha para soltar algum comentário inconveniente.

—Ela esqueceu que íamos sair. – Tentei usar um tom casual, mas sei que não me saí muito bem.

—Decepcionada?

—Não, acho até que estou um pouco aliviada, eu teria feito ela esperar horrores. – Menti pensando na memória borrada de seu quarto, naquele gesto interrompido, o gelo na espinha e a sensação esquisita no estomago de “aconteceu merda”. –Mas é estranho, a Lena nunca se esquece de seus compromissos. – Enveredei por essa declaração mais segura, mais distante dos comentários venenosos de Alex.

—Não se esquece dos compromissos ao contrário de você? Que quase sempre a deixa esperando? – Estreitei meus olhos lhe encarando.

—Qual o propósito desse comentário completamente desnecessário?

Ela se levantou juntando os vestígios de sua alimentação desregrada, seu dedo avançou rapidamente sobre minha testa exatamente para o meio das minhas sobrancelhas.

—Ruga de irritação. – Alex disse respirando pacientemente, como se esperasse que eu percebesse uma coisa muito óbvia.

—Sério, acho que um agulha de kriptonita consegue aplicar botox em mim. – Tentei inutilmente aliviar as feições do meu rosto, mas só consegui exalar pesadamente. -Não é nada, de verdade. – Eu disse por fim, relutante.

—Claro que não é, ela só esqueceu de um jantar contigo... Como você sempre faz com ela... Só lembrando. – Ela frisou bem a última frase.

—Alex, não é a mesma coisa, sério. Lena se esquecer é... Esquisito. – Alex me encarou, com um tom de incredulidade em seu fitar. Se eu tivesse condições de contar o panorama inteiro, de falar do que aconteceu na casa da Lena, de como tudo reagiu mal, Alex entenderia minha preocupação. De fato, ela inclusive já suspeitava que havia algo de diferente nessa amizade meio troncha da gente. –Mas a voz dela... Eu não sei, estava apressada. – Eu disse como se aquilo conseguisse justificar meu incômodo.

Por que era tão difícil confessar que ela estava me evitando?

—É, é esquisito você não ser o eixo de gravitação da vida dela. É esquisito uma CEO ter compromissos no meio da semana que não te envolvam. – Seu tom tinha um exagero artificial meio ridículo. –Tããoo esquisito! – Ela disse por fim caindo na risada, sacudiu a cabeça e piscou furtiva para mim. –Eu preciso devolver esses relatórios para o Winn, o inventário de amostras não está completo. – Ela parou assim que se levantou, novamente aquela expressão séria contornando sua face. -Por favor, não vá checá-la, não fique espionando sua amiguinha.

Alex saiu e eu quis de verdade escutá-la, mas algo me mandava ir atrás de Lena. Esperei ela desaparecer no elevador indo para algum andar perdido naquele prédio gigantesco. Fugi sutilmente pela janela aberta, parecendo apenas um a brisa frisa que afastou alguns papéis do laboratório.

No outro lado da cidade escutei a voz de Lena próximo a uma janela de um restaurante executivo perto da L-Corp, voei alto para que eu não fosse vista, mesmo sabendo que eu me misturaria ao escuro da noite. Com minha supervisão observei Lena retornar a mesa de jantar reservada, guardando o celular na bolsa, no caminho. Ela estava com um vestido preto e saltos, uma roupa simples e elegante como só ela saberia usar.

—Sinto muito, eu precisava atender. – Escutei ela falando.

—Tudo bem, aconteceu algum problema?

A voz grave lhe indagou, ela sorriu sem jeito, sentando na mesa e voltando a tomar posse de sua taça de vinho.

—Não, tudo bem, só que eu me esqueci de desmarcar com uma amiga.

Ele balançou a cabeça. Era um moreno alto, de ombros largos e um rosto angular. Ele lhe sorriu servindo mais uma taça, ela sorriu de volta, seu melhor sorriso sedutor, permitindo-se o galanteio.

—Não acho restaurantes bons assim em Gotham, você vem sempre aqui?


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