O suicidio de Anna Derzi escrita por Gabriel B Corrêa


Capítulo 1
Infância




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Um dia gelado

Nossa infância (minha e Anne), vista de fora, era muito fácil, morávamos no melhor condomínio à beira lago, estudávamos no melhor colégio, comíamos das comidas mais gostosas, feitas pela cozinheira Deise, nossa casa sempre estava limpa e cheirosa graças às três domésticas: Carmem, Vanessa e Francisca, e nosso mordomo e motorista Lucas, sempre nos levava para onde quiséssemos ir, tínhamos nossos três cachorros maltês: Lucky, Bela e Mel que eu amava muito e o gato da minha mãe: O Garfield (homenagem ao personagem) que só ela amava mesmo. Resumindo, quem nos visse de fora diria que nossa infância foi magnifica.

Meu primeiro relato vai ser quando eu tinha cinco anos, foi uma idade marcante pra mim, meu primeiro dia de aula, meu primeiro dente caindo, quando aprendi a nadar, sofrendo mas aprendi e quando adquiri consciência que tinha alguém idêntico a mim só que do sexo oposto.        

Mas o segundo acontecimento mais marcante dessa idade foi quando eu completei 5 anos. Minha mãe sempre foi muito emotiva e amorosa, ela adorava nos surpreender, no dia do meu aniversário houve uma festa na piscina para meus familiares e amigos, por sorte eu tinha vários, eu e Anne ganhamos o presente igual, de praticamente todos (acho que quando somos pequenos as pessoas acham que gêmeos são as mesmas pessoas), skate bola, brinquedo, carrinho, mas o presente mais legal foi da minha mãe, ela entregou uma caixa para nós pequena à nós dois, eu estava ansioso de mais para abrir e Anne indiferente, como sempre, então eu mesmo parti pra iniciativa, retirei o laço que envolvia a caixa e puxei a caixa para mim, já vi que estava um pouco pesada, nesse momento minha cabeça explodiu de alegria, afinal, já havia descartado roupas e meias (minhas tias fizeram questão de todas as 5 me darem meias), retirei a tampa e esse foi o dia mais feliz de 1992, era um cachorrinho lindo, todos batiam palmas, eu olhei diretamente pro cachorro e disse: “Seu nome será Lucky” em homenagem  à série Star Wars, que era fã de carteirinha.

 No momento em que Lucky surgiu da caixa, todos da família tiveram uma reação diferente. Minha felicidade foi tanta que o fotógrafo fez questão de tirar muitas fotos em família, fotos que Anne não apareceu em nenhuma, meu pai estava ocupado olhando com desejos para filha de Diogo Silva, seu amigo político, a garota tinha 16 anos, Amanda largou seu toca discos e fones de ouvido e foi correndo ver Lucky, minha mãe bateu palmas e gritou meu nome com excitação, mas com certeza a reação de Anne foi a mais marcante pra mim  quando que ela viu que era um cachorro, começou a rir com canto da boca, uma risada baixa e maliciosa, uma risada que infelizmente apenas eu vi, meus pais não prestaram atenção como sempre e os convidados estavam mais interessados no Lucky. Ela sabia que eu estava vendo, de certa forma Anne e eu sempre estávamos conectados, opostos, mas conectados.

Logo no início eu percebi que Anne e eu éramos muito diferentes, eu gostava de deixar a luz da cabeceira acesa na hora de dormir, ela gostava dela apagada; Anne maltratava os empregados e eu fazia questão de comprar doces para eles, apesar que eles não aceitavam mais, desde que Anne colocou na privada e deu à eles. Mas o melhor passatempo para mim era brincar com o Lucky, quando eu fazia isso ela estranhamente o desenhava morto e morrendo, antes ela gostava de desenhar assombrações, demônios, cemitérios e quando meus pais perguntavam o motivo, ela dizia que estava desenhando o que via na TV, meus pais eram muito inocentes e fáceis de enganar. Eram manias horríveis, mas elas até então não eram tão marcantes e não chegavam perto do que vou contar agora...

Brasília nunca foi de fazer muito frio, até hoje não faz direito, porém nesse dia, o termômetro batia 9 °C e eu estava congelando no quarto, meu pai mandou fazer suéteres de lã preto com a sigla da família dourada para todos nós, incluindo Lucky e nossos funcionários, ele era muito bitolado com status e para ele nossa família deve mostrar força e união, apesar de eu ter achado muito feio, eu tinha de usar aquele dia pois estava muito frio. Às dez e meia da noite, meus pais, que eram empresários, saíram juntos para resolver um negócio para empresa de meu pai e Amanda havia saído com o namorado, ela tinha 15 anos na época, então eu, Anne e Lucas (o mordomo) ficamos sozinhos em casa, Lucas havia ficado na sala de jantar em frente à porta de entrada, aquela coisa que mordomos fazem, eu e Anne estávamos na sala de estar em frente à lareira, eu estava tentando conversar com ela sobre meu incrível dente que estava caindo, quando éramos crianças Anne nunca prestou atenção em absolutamente nada  que eu dizia, mas mesmo assim eu tentava falar com ela, foi quando começou a ficar estranho mesmo, ela do nada passou a rosnar para mim, como um cão enfurecido, e eu, inocente, achei que ela finalmente estava me dando atenção e fazendo graça, soltei gargalhadas, mas achei errado... Anne partiu violentamente e me pegou pelas mãos, foi me levando pra mais perto da lareira e atirou minhas mãos contra o fogo, eu gritei com toda a força possível num ato reflexo, eu as olhei por um instante e vi que estavam vermelhas e sangrando muito,  Lucas rapidamente veio da porta para lareira me pegou no colo e levou para o banheiro para eu molhar as mãos, ele pegou o kit de primeiro socorros em cima do armário da pia e começou a passar uma pomada e fazer curativos nas minhas mãos, foi quando eu senti um cheiro de churrasco, achei estranho,  afinal quem estaria fazendo churrasco às dez e meia da noite numa terça feira? Mas não estava bem para pensar muito sobre isso e voltei aos ferimentos, Lucas disse que estava tudo bem agora e que iria me levar no médico, ele me pegou carinhosamente no colo e estava me levando para fora, quando passamos do banheiro da sala para a porta que dava na rua, eu vi um suéter que meu pai fez pra gente pegando fogo na lareira, olhei para o lado e vi Anne que estava interessada e calma, olhando para as chamas, virei meu rosto de volta para lareira, agora num ângulo melhor, e vi a cabecinha de Lucky, metade inteira e metade queimada, seus pelos brancos pegando fogo, não havia nem sinal do resto do cachorro. Só entendi mais tarde que Anne havia jogado ele na lareira enquanto estávamos no banheiro, no final as únicas coisas que sobreviveram foram as letras do suéter e esse foi o acontecimento mais marcante para mim de 1992.


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