O Céu Continua Azul escrita por Just a writer


Capítulo 5
Capitulo 5




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Aquilo era muito diferente de usar um celular.

Com os dedos deslizando em frente aos seus olhos, Laura brincava com a interface do ArcPad. Logo depois de Dexter ter instalado o dispositivo em seu sistema nervoso, uma tela aparecera diante de seus olhos, saudando-a. Sentindo uma irritação atrás dos olhos, Laura passou pelas etapas de configuração sem problema, selecionando preferências e ajustando o visual ao que mais a agradava. Havia uma configuração anterior, pertencente a outro usuário, mas Laura decidiu não utilizá-la. Não queria xeretar no que era dos outros. Mas aquilo despertou a curiosidade de Laura. A quem mais o ArcPad tinha pertencido? Estava em posse de Jim, mas não poderia ser dele, considerando que ele tinha um próprio. Não havia percebido um dispositivo em Ronnie, mas não duvidava que ela também possuísse um. Quem tinha sido o dono anterior?

Depois de outra rodada de milk shakes e xícaras de café, Laura e Jim foram para casa. Não houve nenhuma troca de palavras significantes enquanto entravam em seus respectivos quartos, apenas um simples "boa noite". Não havia necessidade de intimidade. Chutando os tênis para um canto do quarto e jogando o casaco para outro, Laura se esparramou sobre a cama. Girando a cintura, ela encarou o teto. Com um comando mental para seu ArcPad, a interface apareceu novamente. Selecionou a lista de contatos. Apenas Jim e Ronnie estavam listados. Duas semanas num lugar novo, e conhecia apenas duas pessoas. Aquilo era deprimente. Seus dois contatos tinham permissão de solicitar uma conferência e de fazer ligações emergenciais, exigência de Jim, mas o mesmo valia se ela ligasse para eles. Teriam que trabalhar muito a questão de confiança, aquilo era claro. Principalmente com James. O rapaz de cabelos prata esbranquiçados ainda era uma incógnita para Laura. Duas semanas e não sabia nada sobre ele, a não ser seu costume quase inconsciente de estralar seus dedos. O som seco dava arrepios em Laura. Saiu da lista de contatos e se aventurou na internet. Se adaptar a maneira de navegar via ArcPad não foi difícil para ela. Tudo era muito instintivo e simples. Visualizou alguns sites de vídeos e redes sociais. Nada que já não tenha visto em sua própria Terra. O comportamento das pessoas com esse tipo de coisa era bem parecido em todas as Terras. Desde a obsessão em ser visto como algo relevante entre estranhos e fazer sucesso falando o que vinha a cabeça sobre determinado assunto. Fechou o navegador e começou sua procura por músicas. Laura se impressionou pela vasta biblioteca disponível. Ia desde "Músicas tradicionais do século onze" até "Sonatas para acalmar bebês andróides da Terra-14". Decidiu procurar algo da própria Terra. Cinco séculos de musicas de todos os cantos do planeta se encontravam ali. Demoraria uma vida inteira para escutar todas, e Laura não sabia pronunciar o nome de metade do acervo. "Se mantenha no conhecido" ela pensou. E foi o que fez.

Depois de duas horas, Laura sentia o sono se instalar em seu corpo. Coçou o olho e bocejou. Enquanto encerrava as tarefas, entrou novamente na área designada para as configurações dos usuários. O layout que havia escolhido não havia agradado ela por tanto tempo. Optou por algo mais discreto, e fechou a janela. No canto, ainda havia a configuração do dono anterior. Mordeu o interior da boca e selecionou a configuração. O ArcPad perguntou qual ação tomar, e Laura escolheu "Apenas abrir". Uma janela apareceu diante dos seus olhos, mostrando pastas, contendo contatos, aplicativos, jogos, e perfis. Situada ao lado da pasta "Dia-a-dia" Laura selecionou a pasta "perfis" e uma única pasta apareceu. "Riley Thompson" era o nome da pasta. Riley era o nome do dono ou dona, do ArcPad que Laura usava. Mas quem era Riley Thompson?

...

Pesadelos estavam se tornando cada vez mais freqüentes para Jim. E era sempre o mesmo pesadelo.

O ar estava carregado, e a terra tingida com sangue. Dois anos combatendo as rebeliões nortenhas, dois anos batalhando em nome do Ministério com seu machado de guerra de duas mãos. Os dedos abriam-se com muito esforço, e a adrenalina ainda fluindo. Ronnie estava na capital, negociando provisões e uma possível volta para casa das legiões de soldados. "Uma garota entre gigantes, que esperança de ir para casa eu poderia ter?" Balançava a cabeça, repudiando a idéia. Ronnie era capaz. Ele sabia disso, conhecia sua capacidade em primeira mão. Seja em batalha ou política. Faltava apenas mais uma área para acabar com a rebelião. Roderick, o líder dessa algazarra toda, estava confinado lá, em sua fortaleza pessoal. O cerco durava meia semana, e a moral dos mil e quinhentos soldados lá dentro permanecia inabalável. Em cada ponto alto da fortaleza, havia um exímio atirador. Mas o Deus da guerra presente, encarregado de acabar com aquela loucura, tinha uma vontade de ferro. Ares queria aquela fortaleza em seu domínio até o final de semana. Então traçou um plano.

A batalha dentro da fortaleza já durava três horas. Jim já não diferenciava inimigos de aliados. Ele tinha sido parte da linha de frente, liderada pelo próprio Ares. Canhões de pulso disparavam no lado de fora da fortaleza, fazendo toda a estrutura balançar e quebrar. O machado negro dilacerava a cada balançar, e o cansaço de Jim aumentava. Mas os defensores não davam sinal de desistência. E ele continuou abrindo caminho por aquela carnificina generalizada.

Jim não acordou arfando ou com as mãos tremendo. Aquilo tudo já era familiar para ele. Limpou os olhos, e suspirou. Fechou os olhos e prestou atenção aos arredores. A casa estava um pouco barulhenta, escutou o batimento do próprio coração, e de óleo fritando na cozinha, Laura provavelmente. Abriu os olhos e encarou o céu além da janela. "Continua azul" pensou consigo mesmo. Riu com o pensamento. O cobertor pinicava a pele desnuda do seu tórax, enquanto deitava novamente com os braços embaixo da cabeça. Era final de semana, então não teria que trabalhar. Explicaria os detalhes de Blacksteel e do Ministério para Laura, e depois analisaria o plano geral novamente. Não iriam bater de frente com os Juízes. Destruiriam todo aquele império de dentro. Uma derrubada de governo. Aquilo fez ele ficar inquieto.

O seu ArcPad fez um som de bip, avisando a chegada de uma ligação. Visualizou quem era, e o nome de Laura aparecera. "Mas ela está aqui do lado!" resmungou baixinho. Não querendo gritar, aceitou a chamada. Jim piscou, e Laura se materializou em seu quarto. "Ela já aprendeu como fazer uma conferência" ele pensou.

Ela olhou em volta, maravilhada, até que viu Jim deitado.

— Isso é muito maneiro! – ela exclamou, estendendo as mãos. – Menos você, claro.

Ele deixou a cabeça pender para o lado onde a imagem dela estava. Parecia mesmo que ela estava mesmo no quarto, a não ser pelo fato que de vez em quando a imagem falhava por um milissegundo.

— Você sabe que ainda esta perto do fogão, não é? – Jim falou esboçando um meio sorriso.

Ela cobriu a boca com a mão, surpresa.

— O que ta acontecendo com o meu corpo?

— Você deve estar parada, encarando o nada. Aprender a estar aqui e lá ao mesmo tempo depende de prática. Por isso ontem eu falei para ir devagar e apenas utilizar ligações normais. A conferencia é algo mais complicado.

Ela olhou para o lado, assentindo com a cabeça. Piscou mais uma vez, e expressão de surpresa voltou.

— Tá, isso é muito esquisito. Eu estou vendo a cozinha, e ao mesmo tempo estou com você, como se eu estivesse assistindo a dois canais de tevê de uma vez. – ela levantou uma mão e fez um gesto para pegar um objeto. Com a mão fechada, virou-se para a direita, e largou o objeto invisível.

Jim gargalhou, e Laura o fuzilou com o olhar.

— Laura, mesmo que você já tenha pegado um pouco da manha, ainda te falta pratica. – Ele se ajeitou mais nos braços, evidenciando o peitoral. Laura foi ficando vermelha, enquanto fitou rapidamente o corpo de Jim. Sacudindo a cabeça, ela olhou para um canto, envergonhada.

— Por favor, veste alguma coisa e vem logo tomar o café da manhã. – Ela respirava rapidamente, e sentiu uma gota de suor escorregando por sua testa.

— Me dê cinco minutos. Já vou para aí. Vou encerrar a conexão. – Ele disse se sentando na cama.

— Ótimo. – Laura respondeu firmemente.

— Ótimo. – Jim levantou as sobrancelhas.

Com um comando mental, a conexão se desfez. Ele piscou novamente e Laura tinha sumido. Outro comando mental, e ativou o sistema de armas, compactado em dois pequenos triângulos, um em cada antebraço. Os triângulos se abriram e se expandiram, indo para as mãos de Jim. Mentalizou a imagem e materializou suas pistolas. Manuseando ambas, fez a inspeção matinal. Havia virado um hábito desde a época em que estudou em Arshten fazer isso. Sentia falta da cerveja de lá. Uma notificação de mensagem apitou, e Jim visualizou-a. Apenas dizia que Ronnie iria ate a casa dele. Estava se tornando um evento muito comum ela ir vê-lo. "Ela está levando tudo isso a serio mesmo?" Jim pensou. Lembrava da época em que ela fazia avanços para cima dele, mas não havia como ficarem juntos. Ele a amava, mas não da forma que ela gostaria. Toda essa situação estava fazendo Ronnie e Jim interagirem ainda mais, levando eles a ter que confiar ainda mais um no outro e como conseqüência, trazendo eles mais perto um do outro. Ronnie poderia não estar completamente focada, distraída pela relação dos dois. Seria um grande problema. Havia também Laura. James preocupava-se que a amizade e a admiração dela por Ronnie crescessem para algo mais. Não que Ronnie não correspondesse os sentimentos de Laura. A aristocrata já teve casos assim em Arshten, mas não passaram de casos. "Não temos espaço para romances".

— E muito menos para corações partidos. – Jim resmungou baixinho para si mesmo.

...

Ele parecia ter gostado de sua comida.

Quando James disse cinco minutos, foram exatamente cinco minutos. "Pontos positivos de não precisar ser tão exigente com a própria aparência" Laura pensou consigo mesma. Ele vestia uma camiseta preta simples, uma calça jeans e os pés estavam descalços. Ele mastigava com vigor, aproveitando ao máximo o sabor do café da manhã. Ele não admitia em voz alta, mas passara a amar rápido a comida de Laura. "Muita pratica, talvez" ele pensou. Segurou o dedo indicador com o polegar e estralou. Laura se segurou para não repreende-lo. Tinha vontade de cortar os dedos fora para fazê-lo parar com esse hábito.

— Eu acho que vou para a cidade hoje – Laura disse para Jim.

Ele levantou os olhos da comida e ergueu uma sobrancelha.

— Com que propósito? – ele estralou outro dedo, tentando disfarçar a mudança quase imperceptível na voz para um tom preocupado. – Não precisamos comprar nada.

Em uma das vezes que os dois foram fazer compras juntos, uma simples discussão sobre preços, o mercado quase se transformou num ringue de luta. Laura não ligava se ainda não tinha a mesma força que Jim, e ambos não queriam admitir que achavam a opinião do outro melhor.

— Quero conhecer pessoas. Quero ver pelo o que lutarei.

Jim pegou outra garfada e mastigou silenciosamente.

— Está pedindo permissão? – ele limpou o canto da boca.

— Não sei. – Ela deu de ombros – Só achei que você deveria saber.

James exalou ar pela boca. Passou a língua atrás dos dentes, e ajeitou o cabelo.

— Você não precisa avisar se for sair. No tempo que estiver aqui, essa é a sua casa também. Confiança lembra?

— Bom, você quis saber para onde eu iria. E devo dizer que notei um tom alarmado na sua voz. Não preciso de mais figuras paternais, devo dizer de antemão.

— Alguém está desesperada por aprovação? – Jim esboçou um meio sorriso.

— O quê? Não!

— Então estamos entendidos. – Ele pegou o prato e levou até a pia.

— Sim... – Laura respondeu serrando os dentes.

Depois de lavar a louça, Jim foi para seu quarto. Laura foi para o dela, e pegou algum dinheiro que James tinha dado a ela. Quando saiu do quarto, encontrou-o parado junto à porta, vestindo agora um tênis e uma jaqueta marrom claro. Seus olhos iam de um lado para o outro, e seus dedos dançavam. Percebeu a presença de Laura e desligou o ArcPad. Caminhou em direção a ela, e lhe deu um pequeno papel. Laura ergueu o papel e leu o que estava escrito.

— Para que isso? – ela perguntou.

— É alguém de confiança. Antes de voltar para cá, dê uma passada nesse endereço – Jim apontou para o papel. – O nome dele é Roy. Peça para ele instalar a configuração de defesa em você. Diga que vou ficar devendo um favor a ele.

— Configuração de defesa? – Laura estava confusa.

Jim levantou os braços, evidenciando pequenos triângulos nos antebraços. Torceu o nariz, e os triângulos desfizeram-se e se expandiram, deslizando até as mãos dele. Antes duas massas informes, num piscar de olhos tomaram a forma das duas pistolas de Jim. Laura segurou a respiração.

— Configuração de defesa – ele disse calmamente.

Laura tinha se perguntado no quinto dia de estadia, onde James tinha escondido as armas dele. Mais perguntas respondidas

— Tudo bem. Roy, não é? – Ela perguntou. Jim assentiu. – Provavelmente vou chegar às oito da noite, ok?

Ele esfregou a nuca, e olhou para um canto, embaraçado. Agira um pouco fora dos limites mais cedo e queira arrumar isso.

— Se você chegar mais cedo, faço o jantar para nós. Ronnie também virá. Não sei se ela ficará, mas pode ser bom para todo mundo. Com relação à confiança e tudo o mais. – Ele abria e fechava os punhos, nervoso. Todos sentiam que para haver confiança, teriam que criar algum tipo de laço entre eles. James não se sentia à vontade com mais laços envolvendo sua vida, desde as rebeliões nortenhas. Laços acabaram com ele. Mas ele tinha que criar um novo com Laura. Ele necessitava dela.

Laura percebeu o nervosismo de Jim. Relaxou os músculos, e caminhou em direção a ele. Pôs uma mão tranqüilizadora sobre o ombro dele, e o beijou na bochecha. Jim se segurou para não dar um pulo. Ele fitou Laura, que sorria, mas ela percebeu esse gesto involuntário e logo parou de sorrir.

— Volto assim que eu puder, tudo bem James? – a mão dela deslizou pelo braço dele, e apertou o pulso suavemente.

— Tudo bem Laura. – ele respondeu comprimindo os lábios

Seus olhos se encontraram por um segundo longo demais.

— Nos vemos mais tarde, então – Jim falou, quebrando o silencio.

— Sim.

E Laura saiu com outro sorriso que Jim não notou.


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