Você é meu mundo escrita por Blue Butterfly


Capítulo 15
E no fim do caminho havia um KuroFay


Notas iniciais do capítulo

Epílogo parte 1



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A neve caía do lado de fora da mansão com força total, rajadas de vento circulando pelas estradas faziam as janelas mais fracas tremerem com vigor enquanto o fogo na lareira crepitava com força, lutando para sobreviver e impedir que o frio congelasse os moradores. Vestindo elegantes vestidos de lã, duas meninas sentadas no tapete aconchegante conversavam baixinho voltadas para o fogo que ardia sem cessar naquela noite gélida, uma era pálida como a lua com cabelos longos e negros que derramavam a vontade pelo chão, contrastando com a cor creme do tapete, a outra mantinha os cabelos num corte curto e elegante, um sorriso sincero pairando em seu rosto.

Do outro lado da sala um barão encarava com ódio o jovem visitante, ele chegara há menos de um mês e fora acolhido naquela mansão desde então. No dia em que ele vira a irmã mais nova do barão, a mesma garota sorridente de cabelos curtos sentada próxima à lareira, o jovem tinha decidido que nada, nem mesmo a formidável carranca do barão o impediria de descobrir o nome da donzela. Ou pedir uma dança. O fato que o jovem príncipe gostara do menino e o acolhera também não tinha ajudado muito para mudar a opinião do barão.

Além deles, dois homens faziam seu caminho para o andar de cima após desejar boa noite a todos, fora ideia do jovem príncipe reunir todos os sete na casa de campo para passar o Natal juntos, era a primeira vez que o príncipe não apareceria no baile de inverno da família real e isso chamara quase tanta atenção quanto o fato que o duque solteiro mais cobiçado do momento também não iria dar o ar de sua graça. O príncipe tivera cuidado especial para não despertar nenhuma suspeita, até onde todos sabiam, o barão estava viajando com sua irmã e a garota de cabelos longos e negros – que também era conhecida como a irmã do conde, o duque estava visitando alguns parentes na França, o conde tratava de assuntos comerciais no Japão e o próprio príncipe se recolhera junto com seu primo distante, o jovem que olhava apaixonadamente a irmã do barão, para recuperar um artigo de luxo na casa de campo que seu tio pedira.

Todos eles, inclusive as garotas, sabiam a verdade e sabiam a importância de ser discretos, durante um ano eles tinham feito tudo com cuidado e atenção para não erguer nenhuma suspeita, mesmo o jovem desconhecido tinha sido estudado cuidadosamente antes de ser convidado para passar o Natal com eles. Se tudo desse certo – e após planejar e replanejar tantas vezes, não tinha como não dar, no próximo ano tanto o duque quanto o conde se mudariam de vez para o campo após o casamento do duque com uma parente distante e desconhecida da corte inglesa, o barão seria convidado para morar no castelo junto com sua irmã e, quando chegasse a hora do príncipe se tornar rei, o barão viraria seu conselheiro pessoal.

Não era perfeito, mas naquela época e naquele mundo era tudo o que eles podiam ousar sonhar obter.

No andar de cima, o conde empurrou o duque contra uma porta, devorando o sorriso que brincava na face do loiro. Fay riu, ofegante, seus dedos pálidos se fechando ao redor da maçaneta para que o quarto abrigasse os dois amantes antes que alguém passasse pelo corredor. Antes que o conde voltasse seu ataque, o duque apoiou uma mão em seu peito gigantesco, encantado com o som do coração batendo.

—Kuro-king anda muito apressado – Fay brincou acariciando a face do homem que ele amava.

—Fay, não – Kurogane pediu tentando afastar a mão que o tocava tão gentilmente.

O loiro fingiu não escutar. Ele amava aquele rosto, e cada imperfeição marcada nele, mesmo a parte deformada era absolutamente amada.

—Você ainda é a coisa mais linda do meu mundo, Kuro-king – o duque confessou sem um pingo de vergonha.

—Seu tolo – Kurogane brincou levemente constrangido, às vezes era difícil se acostumar com o hábito que Fay tinha de sempre encontrar um motivo para elogiá-lo.

—Mas é a pura verdade. Principalmente seus olhos, eles são lindos, ainda mais quando eles estão famintos como agora.

E lentamente, como um gato se espreguiçando ao sol, o duque desabotoou o casaco branco e azul que protegia seu corpo magro. Com a boca seca, Kurogane olhou cada pequeno botão sendo desfeito, suas mãos tremendo pela vontade de ajudar o loiro.

—Ou seus cabelos negros. Eles são tão macios que eu passaria o resto dos meus dias apenas os tocando. Assim como seu corpo.

O casaco caiu no chão, revelando uma camisa larga e branca que o moreno tinha absoluta certeza que pertencia ao seu guarda-roupa e uma calça de algodão visivelmente cara.

Os dois homens se olharam, Fay de uma forma casta que ainda era a coisa mais provocante que Kurogane já vira, o moreno com tamanha fome e desejo que faziam o loiro estremecer, aguardando inquietamente por seu toque.

—Você é meu mundo – Kurogane confessou num raro momento de romantismo.

E dando as costas para o duque, ele cerrou a porta, desabotoando com rapidez seu próprio casaco antes de se voltar para o homem que ele amava.

Nada mais foi dito naquela noite.

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—Hyuu, que versão mais sexy minha.

Fay vibrou rindo para si mesmo enquanto seus dedos agitavam a água na bacia de prata e a imagem do duque e do conde se dissolviam.

Eles estavam em um novo mundo, Shoran e Kurogane tinham saído para buscar a pena da princesa e Fay ficara em casa com o Mokona branco, ambos reclamando do calor e usando-o como desculpa para beber e ficar o dia todo na banheira. Mokona tinha caído no sono uma hora atrás e Fay ficou entediado, ele odiava ficar sozinho e um Fay entediado não era algo que o mundo simplesmente podia ignorar.

Reconhecendo-se como uma arma mortal, o loiro tinha decidido espiar alguns mundos alternativos e ver o que ele estava aprontando, e o primeiro mundo provou ser digno de sua total atenção e curiosidade – o Universo respirou mais aliviado agora que o mago não estava mais entediado.

—Kuro-pon ficou ótimo naquele casaco, eu realmente tenho que fazer com que ele vista um daqueles. Agora que mundo será esse?

E se concentrou na próxima imagem que surgia na bacia.

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—O cheiro de sangue queimando é único, depois que você o respira algumas vezes nunca mais é capaz de confundi-lo com outra coisa. E também nunca mais é capaz de esquecê-lo, assim como a visão dos corpos descanados, dos homens amputados carregando metralhadoras, a visão de seu amigo sangrando até a morte enquanto o exército inimigo o tortura. E mesmo quando você volta para casa, a guerra vem com você, uma cicatriz em sua mente que não te deixa dormir. Eu sonho com isso toda noite, sabe. Vejo Touya morrer na minha frente repetidas vezes das mais diversas formas. Em algumas noites não é ele, é meu melhor amigo. Em outras eu sonho que volto para casa e a guerra atravessou os mares e chegou até aqui, e não há ninguém para quem voltar.

Ele se calou, respirando fundo, odiava falar daquilo, cada vez que ele abria a boca para contar seus pesadelos era como se revivesse cada um deles. Porém, por mais que odiasse, a verdade é que desde que as sessões de terapia começaram, ele se sentia bem melhor. Na noite passada ele tinha conseguido adormecer por seis horas direto antes que o primeiro pesadelo viesse, era praticamente uma noite inteira!

Ele estava melhorando, pouco a pouco, num caminho lento cheio de frustração e momentos que ele queria desistir, mas estava melhorando.

—Além dos pesadelos, eu ainda não consigo ficar em lugares pequenos ou fechados. Na semana passada eu precisei sair de casa para comprar pão, eu normalmente não faço isso, mesmo que o mercado seja ao lado do apartamento, eu quase nunca saio sozinho, só que eu queria tanto comer pão… Já teve uma vontade dessas? Do tipo que te consome e te obriga a ir atrás de um tipo de alimento específico? Eu senti que ia morrer de fome se não comesse pão, então eu fui até o mercado. Não sei bem o que aconteceu, no começo estava bem, não consigo localizar o momento em que surtei, só sei que quando me dei conta, estava no chão berrando e gritando sempre que alguém chegava perto de mim. Só consegui parar de surtar quando meu melhor amigo apareceu duas horas depois, ele estava ocupado trabalhando e teve que sair mais cedo para me buscar.

Fay apertou uma mão na outra com ansiedade, respirando profundamente antes de prosseguir.

—O novo apartamento é bom, sabe. Ele é bem espaçoso, tem poucos cômodos e eu acho que meu amigo andou quebrando algumas paredes antes de nos mudarmos para lá, eu me sinto bem nele, as paredes não parecem ansiosas para me engolir – e riu amargamente – Mas no geral, é melhor do que antes. Eu já consigo tomar banho com a porta fechada e dormir enrolado nos cobertores.

—Isso é bom – o terapeuta disse.

—Também já consigo ter contato com outras pessoas sem sair por aí berrando. A sugestão de adotar um gato também foi de grande ajuda, meu amigo me lembrou de agradecê-lo por isso. Mokona-chan adora afagos, mas dificilmente me ataca para obtê-los e isso é um padrão que posso aplicar aos seres humanos, se o contato for tranquilo, de preferência com um pequeno aviso antes, eu consigo aceitar sem maiores problemas. Mesmo outro dia um garotinho deve ter me confundido e saiu correndo em minha direção e me abraçou com tanta força… Faz tempo que alguém não me abraça assim, muito tempo. Foi assustador no começo, mas depois foi bom. Meu amigo ficou feliz e me levou para tomar sorvete para festejar – e então ele começou a rir com carinho – Ele sempre faz algo parecido, a cada pequena conquista ele me leva para sair e comer algum doce que sabe que eu gosto. Eu brinco que é uma espécie de adestramento, o cão deita, ele recebe um biscoito, se ele rolar, outro biscoito.

—Isso te incomoda?

—Não. Eu sei que é a forma que ele encontrou de me ajudar, ele acha que não pode fazer muito por mim, o que é tão ridículo, quer dizer, ele paga o aluguel por nós dois, mantém a geladeira cheia e foi ele quem encontrou o senhor e me fez vir até aqui. Ele faz mais do que deveria e mesmo assim acha que é pouco, quando eu aceito que ele me leve para tomar sorvete, por exemplo, ele se sente útil e isso é tudo o que ele precisa.

E o sorriso carinhoso estava de novo lá. O terapeuta nunca perguntou o porquê do sorriso e nunca perguntaria, era através da quantidade de vezes que ele aparecia que o médico averiguava a progressão de seu paciente. Talvez nem o ex-soldado percebesse, mas naqueles anos de terapia ele tinha melhorado muito. Quando a sessão acabou, um moreno alto com olhos vermelhos o esperava já na sala de recepção, nem sempre ele o trazia devido aos horários de seu emprego, mas sempre estava lá para buscar o loiro, uma decisão sábia uma vez que nem sempre Fay saía das sessões bem o bastante para andar sozinho por aí.

—Hey – Kurogane chamou com a expressão séria.

—Kuro-pi – Fay respondeu sorrindo de leve, o peso do mundo, as memórias da guerra, tudo isso desaparecendo com a simples visão daqueles olhos vermelhos.

—Como foi? – o moreno pediu os guiando pelas ruas lamacentas e sujas pós chuva.

—Foi bom. Eu estou ficando melhor – contou com orgulho – No começo ele me passou o contato de um amigo que pode me dar um emprego, parece que é bem tranquilo, mais classificar papelada de escritório e eu só tenho que aparecer duas vezes na semana, podendo trabalhar em casa. O salário não é grande, mas é um começo.

—Você sabe que não precisa fazer isso – Kurogane lembrou tomando cuidado para que ninguém esbarrasse em Fay enquanto eles caminhavam de volta para casa – Mas se quer fazer, eu acho ótimo, depois me diga quando você tem que ir e onde é, dependendo de como for eu posso mudar alguns horários e te levar no começo até você se sentir confortável para ir sozinho.

—Até onde você está disposto a ir por mim?

Kurogane parou de andar e se virou um tanto surpreso com a pergunta, mas o rosto de Fay estava tranquilo como há muito tempo ele não via, os olhos azuis suaves com apenas algumas manchas de escuridão que o moreno suspeitava que sempre ficariam ali depois da guerra. Não era uma pergunta irritada, era apenas uma curiosidade pueril que lembrava imensamente um Fay doce e alegre que gastava horas de seu dia fazendo coroas de flores e colorindo cartazes.

—Eu não sei – Kurogane foi sincero – Uma vez me disse que toda vez que pensava em desistir no campo de batalha, pensava que eu estava te esperando e descobria que tinha um pouco mais de força para gastar antes de desistir por completo. Acho que é parecido comigo, só que toda vez que parece demais eu lembro que há um você para eu redescobrir e que até agora eu amo, até um pouco mais do que eu amava o você de antes. Isso me faz andar uma milha a mais.

E voltou a andar, Fay logo ficou ao seu lado e eles continuaram seu caminho em tranquilo silêncio. Talvez naquele dia Fay cozinhasse curry para o jantar e eles compartilhariam um mesmo espaço na poltrona, envoltos em um enorme cobertor. Ou talvez o garoto loiro só quisesse sentar sozinho e ler um livro enquanto Mokona ronronaria aos seus pés. A escolha não importava muito, eles estavam vivendo um dia de cada vez e ter a garantia que os olhos vermelhos encontrariam olhos azuis devolvendo o olhar carinhoso que recebiam era o bastante.

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—Um Fay que tem tantos problemas quanto eu – Fay notou pensativo – Talvez eu devesse fazer terapia também. Teria que ter uma introdução fantástica para que o médico se interessasse no meu caso, algo do tipo: oi, eu sou Fay. Eu congelei o corpo do meu irmão gêmeo por vários anos para revivê-lo. Ou oi, eu sou Fay, quando era pequeno, eu e meu irmão gêmeos fomos separados do resto do mundo para morrer lentamente porque de onde venho, gêmeos são símbolo de maldição. Melhor ainda: oi, eu sou Fay, meu colega de viagem comeu um olho meu, meu outro colega arrancou o braço para que eu não morresse e eu matei a garota que viajava conosco e que era minha melhor amiga. Ah, e eu sou um vampiro, embora agora eu não tenha que me alimentar tanto de sangue como antes.

Fay reclinou a cabeça, os cabelos loiros caindo por sua face, eles estavam mais longos do que nunca, até mesmo mais longos desde a vez que foram para Nihon, caindo em seu corpo magro, pequenos cachos nas pontas douradas. Era triste ver que em outro mundo ele também tinha enfrentado o inferno e tinha que lutar contra o desejo de desistir de tudo, assim como Fay tinha feito antes. Mas o Fay do mundo da guerra tinha um Kurogane ao seu lado, constante, firme, forte o bastante para os dois, assim como o Kurogane de Fay que agora estava procurando a pena da princesa.

—Você vai ficar bem – Fay murmurou para a bacia enquanto via os dois homens caminhando pelas ruas imundas – Ele sabe exatamente como cuidar da gente. Eu prometo que você vai ficar bem.

E como se pudesse ouvir, o garoto loiro mostrado na bacia de prata olhou para trás. Em seus olhos azuis o mago viu um pouco de confusão, medo, dor, traumas, mas também esperança, confiança e amor.

—Sim, você vai ficar bem – Fay repetiu emocionado.

A cena refletida na água se desfez, outra surgindo enquanto seu dedo pálido mergulhava no líquido.

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—Eu juro que vou matar o infeliz que fez isso. Com minhas próprias mãos.

O loiro olhou com desespero para Yukito, os gritos estavam cada vez mais próximos e se ele não achasse o feitiço de reversão o loiro sabia que não viveria para ver o sol nascer mais uma vez. Yukito estava cercado por imensos livros, Touya ao seu lado ajudando a levar e trazer os volumes cada vez mais pesados, eles estavam lá há mais de duas horas e até àquele momento nenhum livro ajudara.

—Algum deles vai te matar – Yukito cantarolou folheando o centésimo volume sobre azarações.

—Isso não é útil, Yuki – Fay choramingou.

—Você entrar em desespero e fazer sua magia emanar por todos os poros também não. Sério Fay, ou você se acalma ou eu vou exigir uma sala de contenção para sua magia. Caso você sobreviva, é claro.

Por mais que fosse brincadeira, Fay sabia que ele precisava se controlar, Touya já estava tenso, pronto para sair da biblioteca correndo caso a magia de Fay ficasse ainda mais violenta, o que definitivamente não era um bom sinal.

—Me explique de novo por que você tinha que fazer aquilo? – Yukito pediu exasperado, fechando o livro com brutalidade.

—Ele estava sendo um completo idiota, se exibindo para os amiguinhos imbecis, então eu tinha que fazer alguma coisa. Você sabe o quanto ele me irrita. Eu só não imaginei que ia sair do controle.

—Fay, você esquecer de colocar mandrágora em uma poção é sair do controle, você errar o alvo de um feitiço e acertar um animalzinho indefeso é sair do controle, você inundar o corredor  que leva à sala do diretor e fazer nossa casa perder quinhentos pontos é sair do controle – e agora Yukito estava praticamente berrando – Agora criar um feitiço inédito que fez todos da casa de Grifinória sair por aí revelando seus segredos mais ridículos, sem falar que eles estão azuis e tem orelhas de cachorro e até mesmo um rabo, isso não é só perder o controle da situação.

Fay se encolheu, ele não tinha a intenção de fazer tudo aquilo, mesmo que a ideia de transformar em um cachorro fosse encantadora. Não era para atingir todos os estudantes da Grifinória, muito menos os professores ou o vice diretor, Talvez, só talvez, ele tivesse exagerado daquela vez.

—Pelo menos ele não vai mais tentar roubar o que é meu – Fay resmungou lutando para parecer arrependido.

—E NÃO MOSTRE ESSE SORRISO ORGULHOSO, VOCÊ ESTÁ MUITO ENCRENCADO FAY!

Touya quase saiu correndo, sempre que Yukito estourava, o moreno queria fugir para as montanhas, quem achava que Yukito era tranquilo e bondoso certamente nunca tinha o visto passar tanto tempo ao lado de Fay.

—Você não consegue simplesmente criar mais um feitiço? – Touya sugeriu mantendo uma distância mínima dos dois bruxos.

—Eu posso recriar tempo e espaço, voltar no começo do dia e me impedir de lançar o feitiço – Fay respondeu com simplicidade – Mas eu realmente não queri…

—Como assim você pode criar um feitiço para voltar no tempo? – Yukito gritou jogando o livro na parede mais próxima, tremendo da cabeça aos pés com aquela revelação, eles tinham sorte da biblioteca estar deserta aquela tarde, se não com toda certeza já teriam sido expulsos – Fay, nós tivemos essa conversa antes, nada de feitiços que afetem o tempo, que destruam Hogwarts, que mate qualquer coisa viva, que precise de uma oferta de sangue e muito menos que transforme a casa inteira de Grifinória. Por que você não pode obedecer essas regras?

—Se eu obedecesse essas regras, eu teria destruído Hogwarts logo no primeiro ano – Fay revidou.

—É por isso que não destruir a escola está no conjunto de regras – Yukito devolveu desesperado – Por que sua magia tem que ter essa proporção absurda? Quer saber, eu desisto! Volte no tempo agora e se impeça de lançar esse feitiço. E da próxima vez que alguém dar em cima do seu namorado, arrume outra forma de se vingar, de preferência uma que não envolva seu namorado também virar um cão raivoso querendo me atacar.

E saiu da biblioteca antes que perdesse de vez a calma.

—Eu queria falar que ele realmente não queria dizer tudo o que disse e que ele não está tão bravo com você quanto parece – Touya começou – Mas dessa vez você exagerou, Fay. Se realmente pode voltar no tempo, faça isso. E Fay, existem outras formas de mostrar que algo é seu,

E Fay, existem outras formas de mostrar que algo é seu, você devia mudar de estratégia antes que nem mesmo um feitiço do tempo consiga consertar as coisas.

E deixou o loiro sozinho na biblioteca.

Fay afundou numa poltrona. Ele tinha exagerado.

—Recordis tempus temprana ectus – ele cantarolou, a varinha em sua mão girando graciosamente no ar – Que meu feitiço viaje no tempo.

O garoto loiro piscou, a luz na biblioteca tinha mudado indicando que era início da manhã, suas roupas estavam completamente limpas e seu cabelo ainda úmido do banho. Um jovem gigantesco e moreno estava parado na porta da biblioteca olhando ao redor, procurando alguém, do seu lado um calouro olhava seu veterano com um misto de admiração e segundas intenções que Fay odiava, aquele moleque era o culpado de tudo, se ele mantivesse as mãos para si mesmo e não ficasse se gabando por ser o preferido do capitão de quadribol, Fay não teria perdido a calma e amaldiçoado toda a casa de Grifinória – tudo bem, ele disse que tinha sido apenas um feitiço simples, mas tanto Yukito quanto Touya não eram imbecis, eles sabiam que tinha sido uma maldição. Do tipo bem amaldiçoante.

—Hey – Kurogane chamou ao encontrar o loiro afundado em uma poltrona, um livro no colo e vestindo um blusão que certamente não pertencia a ele, fosse pelo tamanho quatro vezes maior ou pelo leão costurado perto da manga.

Já que ele não podia lançar uma maldição, Fay teria que tomar outra atitude drástica.

—Oi Kuro-meow – o bruxo respondeu com um sorriso brilhante, saltando de onde estava e saltitando graciosamente até chegar ao moreno.

—Fa… Fay?

Kurogane quis se chutar por gaguejar na frente do loiro, ele não devia ter medo de Fay, mesmo que o loiro estivesse tão feliz ao vê-lo – ultimamente o loiro sempre mostrava uma careta ou era rude quando Kurogane estava por perto, ainda mais se alguém do time estivesse junto.

—Como foi o treino? – Fay pediu com suavidade, seus dedos removendo o cabelo negro e sujo da testa suada.

—Bem, estamos progredindo? – era para ser uma afirmação, mas a atitude do loiro estava embaralhando qualquer pensamento normal que Kurogane pudesse ter, Fay jamais o tocava quando ele estava suado.

—Que bom – e sorriu abertamente – Sei que não devia dizer isso, mas traga a taça para a Grifinória de novo, tá bem.

—É claro que vou – o jogador sorriu com orgulho.

E passou um braço suado ao redor do loiro, puxando seu corpo para perto e arriscando um beijo em sua bochecha. Quando Fay não reclamou, o jogador se animou e puxou o loiro ainda mais perto.

—Quer almoçar perto do lago hoje? Quero aproveitar enquanto as provas não começam e passar um tempo de qualidade com você. Sei que tenho treinado muito e a gente mal se vê.

—Tá bem, Kuro-meow. Mas eu quero alguns doces.

—Tudo o que você quiser. Sempre.

E os dois se afastaram, deixando um calouro fervendo de raiva e totalmente esquecido para trás. Talvez Touya estivesse certo e havia outras formas de resolver as coisas. Não que isso fosse impedir Fay, ele só precisava de uma maldição mais precisa, algo que só atacasse o calouro estúpido. Porém isso ficaria para mais tarde, agora ele tinha um almoço perto do lago com um jogador totalmente suado e fedendo a cachorro molhado. E era totalmente romântico.

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—Hyuu, eu sou perigoso – Fay gargalhou rolando no chão – Aquele calouro vai se arrepender do dia em que ele ousou ficar no caminho de um Fay com ciúmes.

Ele continuou rindo por um tempo, não apenas pelo que tinha visto, mas pelas novas ideias de vingança que se formavam em sua mente. Ele estava quase conjurando um novo feitiço para aquela garota intrometida da padaria que sempre errava seu pedido e dava pãezinhos de graça para seu Kurogane quando a bacia começou a emitir uma luz suave, mudando o mundo nela refletido – às vezes, o Universo tinha que agir diretamente para impedir que Fay saísse do controle. Curioso, Fay ficou de pé e correu para a bacia a tempo de ver o novo mundo se formar.

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Risadinhas suaves vinham do quarto, fazendo o policial querer rir também. Ele estava exausto, era fim de semana e ele tinha passado os últimos dias de plantão, tudo o que ele queria era voltar para casa e encontrar seu médico favorito na cozinha usando algumas roupas do policial e cozinhando um prato quente. E ver o garotinho de dois anos agarrado a perna de Fay ou sentado ao redor de algumas almofadas enquanto o loiro cozinhava era apenas um bônus pelo qual ele jamais conseguiria agradecer o suficiente por ter.

Só que quando ele chegou, não havia ninguém na cozinha e o cheiro do apartamento estava mais relacionado com leite, flores desabrochando e fraldas do que uma refeição pronta. O policial seguiu o som das risadinhas tomando cuidado para não fazer barulho e interromper o que quer que estivesse acontecendo no quarto, a porta estava entreaberta e ele podia vislumbrar duas criaturas incríveis deitadas na cama. Um homem loiro vestindo uma camiseta preta que o policial usava para dormir cutucava a barriga do garotinho, ganhando uma risada gostosa a cada cutucada. O menininho segurava com todas as suas forças o dedo mindinho do loiro, seus olhos azuis jamais perdendo o homem de vista, totalmente encantado. Sem avisar o loiro assoprou a barriga do bebê, fazendo-o se remexer, rindo loucamente, o som fez o policial congelar no lugar, sua mente gravando aquela cena com cuidado e a guardando na caixa de momentos preciosos.

Nessa caixa também estava o dia em que reencontrara Fay depois da faculdade, quando os dois decidiram vir morar em Tomoeda, a amizade com Touya e Yukito, o dia assombroso em que eles finalmente descobriram que Yue não era apenas uma dupla personalidade, mas a forma verdadeira de Yukito e que o boneco de pelúcia que a irmã mais nova de Touya carregava para todos os lados, mesmo após ser uma mulher adulta e casada, também era a forma falsa de uma fera poderosa e tanto o boneco quanto Yue estavam relacionados com um baralho mágico e um mago poderoso – essa informação sempre dava dor de cabeça no policial, era um pensamento que ele evitava a todo custo.  Ela só estava guardada na caixa de momentos preciosos porque um dia Fay estava entre a vida e a morte e foi a magia de Yue que o sustentara no mundo dos vivos.

E desde o dia em que Fay trouxera um garotinho minúsculo, com cabelos pretos iguais ao de Kurogane e olhos azuis adoráveis, vários momentos foram adicionados àquela caixa. O garotinho tinha perdido a família e não tinha para onde ir, Fay e Kurogane tinham estabilidade financeira, moravam num apartamento grande o bastante e queriam começar uma família, Fay encontrou o garoto, Kurogane se apaixonou em apenas um olhar, Yukito deu uma pequena ajuda usando sua influência como juiz e agora Yoou Fluorita Suwa ria cada vez mais para Fay, balbuciando alegremente e babando no travesseiro de Kurogane.

—Yoou, olha só quem chegou e está nós espionando furtivamente? – Fay avisou ao bebê encontrando os olhos vermelhos de Kurogane com carinho – Parece que o papai chegou, ele está cansado, vamos lá dar um beijo nele?

E colocou o garotinho em seus braços com cuidado, aconchegando-o ao seu corpo antes de se mover em direção a porta. Kurogane se apoiou no batente, a cabeça levemente reclinada olhando as duas criaturas fantásticas se aproximando, Yoou chegou a estender os bracinhos em sua direção, quase perdendo o equilíbrio em sua ânsia em chegar até o policial.

—Ele sentiu sua falta – Fay informou entregando o pequeno que tratou de se agarrar firmemente ao policial – E eu também – e beijou lenta e demoradamente o homem que amava.

—Tadaima.

—Okaeri, Kuro-chan.

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—Hyuu, tão fofo! Eu sou um pai incrível! É claro que eu sou, por isso Sakura-chan e Shoran-kun são tão bons. E eu definitivamente tenho que começar a usar as roupas do Kuro-pi, elas ficam ótimas em mim, na verdade eu deveria usar todas elas, já que eu fico incrível nelas e ele fica perfeito sem elas.

Com esse novo plano em mente, ele tocou a bacia novamente, não sem antes roubar uma camiseta preta que definitivamente não era do seu tamanho.

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Fay fechou a porta de sua casa, desenrolando o cachecol de seu pescoço magro enquanto retirava as botas encharcadas de lama, o fogo na lareira estava quase morto e o frio impregnava cada pequeno canto. Ele se arrastou até o sofá velho cheirando a mofo e se jogou nele, cansado demais até para jogar mais lenha na lareira ou buscar um cobertor.

Era um homem velho, já tinha vívido mais do que a maioria e estava marcado para sempre de uma forma que as gerações posteriores não seriam, ou ele ao menos rezava para que não. Sendo o que os alemães chamariam de puro ariano, ele vivera numa Alemanha nazista e vira cada atrocidade cometida e cada conquista proclamada através de seus cansados olhos azuis.

Quando era mais jovem e entre seus melhores amigos havia um judeu e um japonês, ele tinha esperanças em um futuro melhor, ajudara seu amigo judeu a fugir com outro amigo e sua pequena irmã, fora todos os dias para a escola consolar o coração de suas crianças e ensinar mentiras para que elas pudessem crescer sem ter que temer o governo. Talvez um dia ele pagasse por ter enganado aquelas criaturas puras que confiavam em cada palavra que ele dizia, em sua defesa ele só queria que elas sobrevivessem, ainda mais depois que Shoran morreu mesmo sendo uma criança. Fay não estava pronto para a morte de alguém que ele amava, ele nunca esteve, e se para manter seus alunos vivos ele tinha que mentir, ele mentiria.

Sua mão tremulou até o pequeno tsuru amassado jogado no chão, a cor desbotada apontava a idade em que ele tinha sido feito, uma era antiga onde ele ainda conseguia se sentir seguro quando ele estava por perto.

A guerra tinha levado tudo o que ele amava para longe, Touya e Yukito estavam na América, incomunicáveis com aquela parte do mundo, Fay sabia que eles jamais voltariam, a Alemanha não era mais seu lar. Pouco a pouco seus amigos partiram, alguns levados na calada da noite, outros fugindo na calada da noite, a maioria que ficou não suportou o inverno rigoroso e sucumbiu, os que ficaram eram como Fay, vendo o mundo com cansaço, sem esperança de que as coisas melhorariam. Não era um desencanto com o mundo, nem de perto, Fay tinha fé que o futuro seria bom para alguém, mas para ele a vida já tinha mostrado sua suprema doçura e como destruir uma alma com delicadeza letal. Agora ele vivia na esperança de que tudo terminasse.

Os livros na estante velha estavam empoeirados, assim como o resto da casa, Fay se arrumou melhor no sofá, apertando o pequeno pássaro de papel contra o peito.

“Há uma tradição, quando você faz seu milésimo tsuru, você pode fazer um pedido e ele se realizará.”

—Eu fiz mil tsurus duas vezes, na primeira eu desejei que Yukito e Touya conseguissem fugir e encontrassem um lugar bom. A segunda vez, eu queria desejar o mesmo para você. Desculpe por não ter tido tempo de lhe entregar o último, Kuro-tan – e lágrimas vazaram em seus olhos azuis sem brilho.

Fay nunca tinha dito que o amava. E agora jamais diria. Fechando os olhos pela última vez naquele mundo cheio de ódio que levara seus amigos para longe e ousara levar ele para um lugar inalcançável, o desejo que ardeu em seu peito até a última batida de seu coração é que em nenhum mundo Fay teria que viver quando Kurogane não estivesse mais nele.

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—Eu… Morri.

Fay despencou no chão, o rosto molhado pelas lágrimas que ele não tinha certeza de quando começaram a escorrer em seu rosto.

Uma vez ele quis morrer, ele tinha tanto ódio no coração, ódio pelo que Kurogane tinha o transformado, ódio por ser obrigado a viver…

Ele conseguia entender o eu daquele mundo, o eu que aceitava a morte como uma velha amiga e descansava em seus braços com tranquilidade.

—Você teve coragem o bastante para esperar – ele disse vendo sua figura inerte na bacia – Eu não posso cumprir seu desejo, mas garanto que nesse mundo ele sabe o quanto eu o amo. E um dia talvez eu conte como todos nós amamos todos eles.

E com esse pensamento ele tocou a bacia novamente.

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—Papa? Posso entrar?

Fay gritou um sim antes de voltar para o que estava fazendo, um sorriso sereno estampado em seu rosto, a porta foi movida com cuidado e um jovem de vinte anos apareceu, cabelos loiros espetados em todas as direções e olhos dourados e quentes acompanhando um rosto sério e orgulhoso. Na sua mão esquerda uma fita estava entrelaçada do punho ao cotovelo num suave tom de lilás, a tatuagem de um dragão recém-elaborada marcava seu pulso e a pele acima de seu coração. Era o dia da sua cerimônia de conclusão, finalmente ele deixaria a Academia e assumiria seu papel de Cuidador.

—Lembro que na cerimônia de seu Oto-san eles usavam uma espada para os Lutadores e uma bolsa para os Cuidadores, Yukito realmente inovou com a ideia de fitas em braços diferentes e a tatuagem – Fay recordou com carinho.

—O que você recebeu, Papa? – o jovem perguntou pela primeira vez.

—Nada, eu não sou um Lutador e não sou um Cuidador.

—Você é mais do que isso – Yoou afirmou com convicção.

—Um Dominador não é melhor do que ninguém, Yoou.

—Sim. Mas você é você Papa, e segundo Oto-san isso faz de você o melhor dos melhores.

Fay riu, se divertindo com aquela declaração sincera e simples, seu filho era tão absurdamente parecido com Kurogane que ele só podia olhar o jovem e amá-lo cada vez mais.

—Se serve de consolo, seu Oto-san me deu entrada grátis por um ano no berçário de dragões de Nihon.

—É bem melhor do que uma espada – Yoou admitiu com os olhos brilhando, ele amava filhotes quase tanto quanto seu Papa os amava.

—Sim. Mas não é isso que você queria saber.

O jovem corou meio sem jeito, ele tinha escolhido Papa para fazer aquela pergunta, e agora ele não tinha certeza se tinha coragem suficiente para fazê-la.

—Yoou, você pode me perguntar qualquer coisa – Fay prometeu com cuidado, tentando deixar o garoto à vontade.

—Você acha que está tudo bem para Oto-san eu ser um Cuidador e não um Lutador como ele?

Fay parou o que estava fazendo, surpreso com a pergunta.

—Eu tenho certeza que Kurogane não vê problema algum em você ser um Cuidador. Pelo contrário, nós dois estamos muito orgulhosos por isso. Você é o que temos de mais importante no mundo, Yoou, e mesmo se você fosse um Terreno nós sempre teríamos orgulho de quem você se tornou. Você tem honra, é inteligente, é educado e sabe como ser bom. É o melhor de nós.

O jovem assentiu, respirando fundo, aquela pergunta tinha tirado seu sono nos últimos dias e mesmo que no fundo ele já soubesse a resposta, ouvi-la de seu Papa tirou um peso gigantesco de seus ombros. Muito em breve ele não seria mais só um estudante, a vida no mundo adulto começaria e saber que ele não estava decepcionando seus pais era um bom começo.

—Eu vou para o salão de cerimônias. Vejo você e Oto-san mais tarde?

—Na primeira fileira – Fay garantiu com carinho – Nós te amamos Yoou.

—Amo você, Papa – o jovem respondeu emocionado.

Ele saiu da sala apressadamente antes que as lágrimas surgissem, Fay sorriu ainda mais, satisfeito com o garoto que criara.

—Ele é um bom garoto, né Kuro-pi.

O homem moreno saiu da sala ao lado, os cabelos grisalhos ainda eram arrepiados como no primeiro dia me que eles se conheceram.

—Sim – respondeu laconicamente se aproximando do loiro, suas mãos o segurando pela cintura de forma possessiva – Eu nunca tive problemas por ele ser um Cuidador.

—Ahh, ele sabe. Yoou só está nervoso com o dia de hoje. Se eu não me engano, na sua formatura você também me fez uma pergunta tola para a qual já sabia a resposta.

—Hey, perguntar se você me amava e queria casar comigo não foi uma pergunta idiota. E como é que eu ia saber sua resposta?

Fay abraçou o Lutador, contente por sempre achar conforto naqueles braços.

—Você sempre dominou o coração de um Dominador, com vinte anos você deveria ser mais confiante – Fay brincou.

Kurogane não revidou, apenas apertou seus braços ao redor do homem que ele amava.

—Bem, pelo menos ele não veio perguntar como pedir alguém em casamento, não sei se meu coração aguentaria ver meu filhinho sair da Academia e propor para alguém no mesmo dia – Fay continuou.

—Ele é jovem, vai achar alguém para amar quando for a hora certa. Nem todos tem a sorte que nós tivemos.

—Ahh, Kuro-pi é tão romântico!!!

—Correção, o azar que tivemos. Por que eu ainda estou casado com você?

Mas nenhum deles se afastou do abraço. Lá fora Kurogane seria só mais um Lutador e Fay seria o lendário Dominador que faria o discurso de formatura como sempre fazia nos últimos quinze anos. Lá fora eles seriam os pais de Yoou, o Cuidador aprovado com louvor na Academia.

Mas ali eram apenas Fay e Kurogane, duas pessoas que se conheceram quando ainda eram pirralhos e que desde então decidiram passar cada dia de suas vidas ao lado um do outro. Ali era um Dominador que tinha entregado o controle para um Lutador e um Lutador que tinha decidido lutar em nome do Dominador.

—Eu ainda te amo. E me casaria com você novamente se fosse possível – Fay cantarolou.

E Kurogane o abraçou ainda mais apertado.

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—Ahh, eu quero esse Kuro-pi. Eu quero que meu Kuro-tan me abrace tão apertado como esse Kuro-pi.

Fay chorou totalmente arrasado. Estava quente, ele estava bêbado e Kurogane não estava lá. E usar a blusa que o moreno vestia para dormir não estava melhorando a saudade que ele estava sentindo.

—Eu tenho que mudar de mundo, esse Fay tem sorte demais para ser um Fay, a vida dele é toda bonitinha e tem o filho crescido que é super parecido com o Kuro-pi e tudo parece dar certo. Eu quero ser esse Fay! E quero o abraço do Kuro-pi. E do Kuro-tan.

E enquanto suas lágrimas totalmente sinceras passavam por seu rosto ele mudou o mundo.

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—Então é você quem mora junto com meu primo – Tomoyo reconheceu com um sorriso apertado.

O loiro sorriu brilhantemente, seus olhos azuis faiscando na manhã de primavera enquanto sua pele de porcelana ganhava um tom de rosa suave. Ao lado dele, Kurogane permanecia firme e sério como sempre, uma carranca pairando em sua face e enganosamente passando uma imagem de ódio e desdém que a menina sabia não estar lá. Além disso, havia claramente em sua postura uma atitude protetora e possessiva que afastara alguns parentes dos dois homens, pois era uma marca registrada do comportamento de um Suwa e mesmo que alguns que estavam ali não viam Kurogane há anos, nenhum deles era idiota a ponto de provocar a ira de um Suwa.

—É um prazer conhece-la, Tomoyo-san – Fay cumprimentou estendendo a mão para a garota.

O coração de Tomoyo perdeu uma batida. Céus, aquele homem era adorável. Kurogane não teve nenhuma chance de resistir aos seus encantos, ela estava com eles há apenas dez minutos e já sabia que faria qualquer coisa que Fay pedisse sem pensar uma segunda vez. Tentando manter o rosto impassível ela aceitou a mão que lhe era estendida, torcendo para que o calor em sua face não estivesse acompanhado de rubor. O olhar de morte em sua direção provou que Kurogane sabia que ela estava corando.

—Ele é totalmente adorável – a garota precisou dizer em sua defesa.

A carranca do primo melhorou um pouco, Kurogane sabia que podia confiar em Tomoyo, ela podia ser muitas coisas, mas sua lealdade nunca deveria ser questionada. Naquele momento duas pessoas se aproximaram, fazendo a respiração de Fay acelerar.

Há mais ou menos um ano Kurogane tinha sofrido um acidente e perdera boa parte de suas memórias. Durante quase dez meses ele não fazia ideia do que acontecera nos últimos cinco anos de sua vida e muito menos quem era o loiro sorridente com quem ele dividia um apartamento. As memórias tinham voltados há dois meses e desde então Kurogane gastara seu tempo entre passar cada segundo que podia ao lado de Fay, mimando o namorado sem se importar com o monstro que ele estava criando, e organizando aquele encontro. No inicio era para ser apenas os dois e seus pais, Tomoyo talvez poderia estar junto, entretanto o convite de casamento de um de seus primos chegou e ter toda a família reunida era uma oportunidade boa demais para ser desperdiçada. Então Kurogane arrastou Fay com ele e agora eles estavam lá, esperando no jardim o começo da cerimônia e conversando com Tomoyo.

—Kurogane – a voz de seu pai chamou com autoridade e frieza.

Sua figura imponente permanecia a mesma de anos atrás, o semblante duro e rígido que Kurogane tinha herdado nunca demonstrando um sorriso em público, ao lado do homem sua mãe deslizava com graciosidade, fluida e bela como a lua. Os dois olharam atentamente para Fay, medindo o homem de cima a baixo com cuidado.

—Oto-san, Oka-san – Kurogane respondeu envolvendo a cintura de Fay com um braço, um olhar decidido e firme em direção a seu pai – Quero que conheçam Fay.

O loiro respirou fundo, internamente apavorado com tudo aquilo. Desde que chegaram ele vira uma versão de Kurogane que ele não estava acostumado. Quando estavam em sua casa, Kurogane era sempre carinhoso e risonho, muitas vezes parecendo um moleque arteiro se Touya estivesse junto. Era um Kurogane que passava madrugadas acordado jogando vídeo game com Kinomoto enquanto Fay dormia em seu colo ou cozinhava com Yukito, um Kurogane que sempre tinha um sorriso terno quando Fay estava por perto, um Kurogane que o mimava em público e aguentava todas as palhaçadas de Fay. Era seu Kuro-chan fofinho e meloso e totalmente apaixonante.

Mas desde que chegaram ali, Kurogane mudara, parecendo mais o homem sem memórias que morara com ele por dez meses, frio, sério, ele não tinha sorrido uma única vez, nem mesmo para sua prima, não buscara nenhum parente para conversar e mantivera Fay ao seu lado numa postura tensa. Vendo seus pais se aproximarem e observando com cuidado parte dos convidados que ele acreditava ser da família Suwa, Fay estava começando a entender, um enigma enorme sendo revelado aos poucos. Quando perdera a memória Kurogane tinha mudado muito, tanto que Fay chegou a pensar que ele nunca mais teria seu namorado carinhoso de volta e acreditou que aquela mudança era mais um efeito colateral do acidente. Só que ali, pela primeira vez Fay se perguntou se na verdade o homem que ele desconhecia na verdade fora o Kurogane de toda a vida, o Kurogane criado por seus pais que carregava a mesma frieza de sua família, e seu namorado sorridente era uma novidade, algo que o moreno tinha criado no ano anterior antes deles se conhecerem e aprimorado conforme eles conviviam.

Kurogane tinha se tornado muito mais receptivo e doce depois que eles começaram a namorar, mesmo assim ele nunca imaginara aquele tipo de postura fria de seu namorado, não até aquele momento.

Fay respirou fundo, eles tinham chegado até ali então ele apenas tinha que ser confiante e manter seu sorriso.

—Muito prazer, senhor e senhora Suwa – e mostrou seu sorriso “Eu sou totalmente adorável nº2” – Sou Fay Fluorita.

A mãe de Kurogane quase sorriu para o loiro, totalmente encantada, até Tomoyo a quem o sorriso não fora direcionado estava atordoada com aquela visão. Mas o pai de Kurogane nem se quer piscou.

—Venha, tenho que falar com você – o homem mandou olhando diretamente para seu filho.

—Eu não vou deixa-lo sozinho – Kurogane contrariou trazendo Fay ainda mais perto e respondendo o olhar duro de seu pai com um olhar desafiador.

—Eu não vou falar uma segunda vez – e a ameaça fria fez Fay estremecer.

—Eu não vou a lugar algum sem ele.

Os dois homens se encararam por um longo tempo, Fay sem entender o que estava acontecendo. Que tipo de pai tratava seu filho com tanta frieza após anos sem vê-lo?

Mas Kurogane sabia exatamente o que estava acontecendo.

Trazer Fay para uma festa onde sua família estaria presente tinha um significado muito mais profundo do que trazer seu namorado para a festa, muitos de seus primos namoravam alguém e mesmo assim estavam desacompanhados. Para os Suwa, relacionamentos eram levados com extrema seriedade, por mais que os jovens se aventurassem, só uma pessoa deveria ser apresentada para os pais, que dirá para toda a família, ele tinha sido educado daquela forma e era completamente a favor daquilo, o casamento de seus pais e seus tios era algo sagrado porque as pessoas envolvidas sabiam exatamente o que queriam e o que um significava para o outro. Kurogane tinha feito uma escolha muito séria ao levar Fay ali, o loiro poderia ter sido apresentado para sua família de outra forma e em outra ocasião, Fay poderia ser apenas o amigo com quem ele dividia o apartamento e que cuidara dele quando ele perdera suas memórias, o cara com quem ele estava saindo e que ele gostava, mas não o cara com quem ele pretendia se casar. Ao trazer Fay, ele estava dizendo a sua família que o loiro era e sempre seria sua escolha, e agora seu pai só estava verificando se seu filho realmente sabia o que estava escolhendo do jeito frio e brutal dos Suwa.

—Então – o homem mais velho começou, o semblante suavizando um pouco – Bem vindo a família Fay – e acenou brevemente para o loiro antes de abrir os braços para receber seu filho – Bem vindo de volta, meu filho.

Aliviado com aquela aceitação, Kurogane largou a cintura de Fay e abraçou seu pai com apenas um braço, a mão do outro braço presa na mão do loiro.

—Senti sua falta, oto-san – Kurogane sussurrou segurando suas emoções com força.

—É bom ter você de volta – o mais velho confessou apertando seu filho uma vez mais antes de soltá-lo – Nós vamos para nossos lugares, sentem conosco durante a festa, então conversaremos melhor.

E se afastou, dando tempo para que a mãe de Kurogane abraçasse seu filho com ternura e finalmente sorrisse para Fay. Tomoyo seguiu os tios, dando espaço para os dois homens conversarem livremente, a confusão no rosto de Fay indicava que Kurogane precisava explicar algumas coisas e a menina não ia ficar lá para atrapalhar.

—Tudo bem. O que foi tudo isso? – Fay exigiu num tom baixo, mantendo o sorriso agradável – Eu achei que você e seu pai iam começar a brigar de verdade.

—Lembra que o médico disse que algumas memórias ficariam perdidas para sempre, principalmente aquelas bem próximas ao acidente? – Kurogane pediu voltando a passar um braço ao redor da cintura magra do loiro e os guiando pelo imenso jardim.

—Sim. O que isso tem a ver?

—Um dia antes do acidente – Kurogane começou enquanto as lembranças voltavam, brilhantes e nítidas como se ele tinha acabado de vivenciá-las – Eu pedi para que se casasse comigo. E você disse que sim.

O sorriso no rosto de Fay caiu, surpresa e emoção borbulhando em seus olhos azuis.

—Você se lembra – ele soluçou lutando para manter as lágrimas.

—Foi uma das primeiras coisas que eu lembrei. Eu também lembro de colocar uma aliança em sua mão naquele dia e deixar que você colocasse outra na minha.

E então ele se ajoelhou, não havia ninguém por perto, só os dois da mesma maneira que tinha sido quando ele pedira da primeira vez, ele só podia rezar para que a resposta ainda fosse a mesma. Com cuidado ele tirou do terno uma caixinha de veludo e a abriu revelando duas alianças douradas.

—Yukito me ajudou a encontra-las – ele confessou olhando com amor absoluto os olhos azuis brilhantes – Fay, eu realmente quero colocar essa aliança em seu dedo e não fazer essa pergunta de novo, porque se você disser não eu não sei o que vou fazer com minha vida. Então, por favor, não diga não – e os dois riram com emoção, lágrimas rolando no rosto pálido – Fay, você aceita dividir seu amor e seus sonhos comigo, para sempre?

—Eu adoraria.

E sorriu, seu sorriso brilhando como a luz de um bilhão de sóis. Kurogane sorriu pela primeira vez desde que chegaram, se erguendo com rapidez e pegando o loiro nos braços, tirando-o do chão enquanto Fay ria como uma criança na manhã de Natal. Desceu o loiro com cuidado, um beijo lento e sincero trocado assim que suas bocas estavam na mesma direção. Quando faltou ar Fay se separou, as bochechas coradas.

—Eu te amo – ele disse como se fosse um segredo.

—Eu te amo – Kurogane devolveu com um sorrido idiota.

—Mas você é quem vai ter que contar pra sua família sobre isso – Fay brincou acariciando os cabelos negros arrepiados.

—Na verdade, eu meio que já fiz isso – Kurogane revelou corando de leve – Mais cedo, eu e meu pai? Aquilo é o jeito Suwa de informar a família que eu ia me casar com você.

Fay riu, totalmente divertido e emocionado.

—Estou tão feliz por você não ter esquecido a primeira vez – Fay sussurrou repousando a testa no peito largo do moreno.

—Eu não me lembro de tudo – Kurogane devolveu num tom baixo, os braços fortes envolvendo o corpo magro – Tem muitos espaços em branco e eu não faço ideia do porque eu era um pedaço de merda com você. Talvez porque eu estava o tempo todo com ciúmes, talvez porque eu sabia que você estava sofrendo e não conseguia tornar as coisas melhores… Eu não sei Fay, mas eu não quero esquecer você, não quero esquecer tudo o que vivemos, cada dia fantástico que tivemos e como tudo se encaixa quando você está por perto. Eu estava falando sério quando pedi para não dizer não, porque eu sei o que é viver sem você, eu passei dez meses assim e eu não quero ter que passar mais nem um dia dessa forma.

—Você não vai – Fay prometeu, o coração acelerado com a volta do seu namorado carinhoso – E mesmo que você se esqueça de novo, eu vou ficar do seu lado até você se lembrar, Kuro-chan.

—Idiota.

E eles sorriram carinhosamente com os apelidos, aproveitando os últimos raios de sol aquecendo seus corpos, seus corações mais do que aquecidos com a presença do outro.

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—Existem memórias do corpo e memórias do coração – Fay sussurrou, os olhos fixos no casal espelhado na bacia – Às vezes você perde as memórias do coração como a Sakura, ou este Kuro-chan, mas as memórias do corpo permanecem. Você nunca esquece totalmente, e enquanto houver qualquer tipo de memória, mesmo que seja uma pequenina, vocês vão achar um caminho para continuarem juntos.

De repente ele piscou, assustado com o peso de suas próprias palavras. Seria verdade? Eles sempre se achariam? Mesmo que no começo o desejo deles e tudo o que eles buscassem fossem tão opostos que chegava a ser engraçado? O que ele estava vivendo era sólido o bastante para se tornar pra sempre?

Ele queria muito acreditar que sim. E talvez, se o desejo fosse do fundo do coração como era o dele, o preço não seria tão caro a ponto dele não poder pagar. Ainda mais agora que ele não tinha mais que pagar sozinho.

O próximo mundo surgiu e ele sorriu carinhosamente para o loiro sentado entre papéis.


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Notas finais do capítulo

Só resta mais um capítulo e então está história terminará. Por que não me contam o que acharam das histórias até aqui? Como perceberam, o epílogo se trata de dar uma continuidade a todos os mundos que o Watanuki viu, desta vez com Fay assistindo e comentando o que tem visto. o que vocês acharam? Qual seu mundo favorito?



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