16.

— Bom... - começou Nico.

Ele se sentia meio incomodado. Conhecia muito bem o temperamento de seu pai, e sabia que ele não ficaria feliz em vê-los ali para salvar o dia. Uma parte do seu corpo queria descer e falar com ele, mas a outra queria voltar para a superfície com os amigos, fingindo que estava tudo bem. Jason falou antes que Nico pudesse planejar as palavras com cuidado.

— Vamos descer! - Exclamou o garoto segurando Nico e Piper pelos braços. 

Ele deu um impulso e desceram levemente pelo ar até o piso do salão. Nenhum dos dois tiveram tempo de protestar e já estavam frente a frente com Hades. O deus pálido levou alguns segundos para parar de andar de um lado para o outro resmungando. Quando percebeu a presença dos três ele estancou abruptamente no lugar e os olhou, impassível. 

— Oi, pai. - cumprimentou Nico.

Jason deu um passo à frente. 

— Senhor Hades, fomos enviados até aqui por Hermes. Inicialmente, nossa intenção era te avisar a respeito dos últimos acontecimentos lá em cima - ele ia falando de forma calorosa e decidida, digna de um verdadeiro líder - porém, notamos que o senhor já está consciente da situação. Queremos então pedir a sua ajuda para arrumar a bagunça das últimas horas, alguém ou alguma coisa está...

Ele parou de falar ao ver a mão de Hades levantada. O lábio do deus tremia e seu olhar tinha uma raiva contida.

— Primeiramente, como foi que entraram aqui? - perguntou de maneira bem baixa. 

Jason olhou para os amigos por cima do ombro.

— Recebemos ajuda de Hipnos - apressou-se Piper a dizer - talvez nem conseguissímos entrar se não fosse por ele. 

— Sabemos também que há dois dos Cavaleiros logo adiante, guardando a porta - disse Nico. 

Hades olhou para seu filho, que sustentou seu olhar. O deus virou de costas e balançou a cabeça.

— Não deveriam ter vindo. - disse quase num sussurro.

Jason o olhou com curiosidade.

— Senhor?

Hades deu um sorriso amargurado.

— Você é o filho de Zeus, não é? Não, Júpiter. A semelhança é evidente. Deixe-me contar uma coisa a vocês três. Devem partir imediatamente, o que está acontecendo é algo fora de proporções. Não será como os titãs e os gigantes, aqui não há cerimônias. Os nossos adversários estão em pleno poder, prontos para a guerra, não é como as coisas que vocês viveram.

— Tem razão! - disse Nico.

Piper o olhou abismada.

— Nico...

— Ele está certo. - continuou o garoto - Não é como as coisas que vivemos. Nós passamos por coisas bem piores, sabemos as consequências de ser o que somos, do fardo de nossos nascimentos neste mundo. Suas palavras não fazem sentido, pai. Simplesmente iremos lutar e enfrentar o que vier pela frente.

— Não seja tolo! - vociferou Hades se virando. 

— Se acha que estou sendo tolo, por favor nos explique o porquê - disse Nico se aproximando mais do pai.

Hades tampou o rosto com uma das mãos, como se estivesse cansado.

— Agora não é hora para explicações, precisam sair daqui. E é melhor que façam isso o quanto antes.

Ele agora olhava para Jason. 

— Seu pai. Ele sabe, não sabe?

— Sabe, ele mandou deuses para ambos os acampamentos. Nunca o vi se preocupar tanto antes conosco. 

— Como eu disse, a situação é diferente desta vez. 

Hades olhou para o chão, refletindo. Os três olharam entre si silenciosamente. O que estaria preocupando tanto assim os deuses? É certo que receberam ataques diretos de inimigos declarados que nunca viram antes, mas além disso nada parecia estar fora do comum. Sempre tinha alguém com raiva do Olimpo, alguém querendo guerra. Mas por que agora a situação era diferente? Hades levantou o olhar e os avaliou por longos segundos.

— Temos de arranjar um jeito de tirar vocês daqui. Há magia em torno do palácio, métodos convencionais como viajar pelas sombras não irão funcionar.

Piper achou certa graça em pensar que viajar pelas sombras seria algo convencional. 

— O que o senhor sugere, pai? - perguntou Nico.

Hades olhou em volta. Parecia estar estudando as paredes obsidianas de seu palácio negro. Ele andou um pouco e tocou uma das colunas que se estendiam pelo salão. Depois de mais alguns segundos deu um longo suspiro. 

— Teremos de fazer estrago. - anunciou, conformado. 

— Estrago...? Está querendo dizer... destruir tudo? - Indagou Jason, não querendo interpretar erroneamente as palavras do tio.

— Sim, resumidamente. A magia se limita apenas ao objeto encantado, quando ele é destruído a magia vai junto. Teremos de criar um golpe definitivo que fará com que surja uma abertura. Muito provavelmente os dois idiotas na minha sala adiante irão perceber e virão imediatamente para cá. Vocês precisarão sair e fugir o mais rápido que conseguirem quando isso acontecer - explicou Hades.

— Espere, o senhor não vai junto? Precisa vir com a gente - disse Piper. 

— Me reunirei com Zeus no Olimpo assim que possível, filha de Afrodite - disse ele fazendo um gesto displicente com seu manto.

— Irá mesmo? - ressoou uma voz grave pelo salão. 

Os quatro se viraram depressa. Parados em frente a grande porta principal que leva a sala do trono estavam dois homens. Um era corpulento e tinha uma cara rabugenta, assemelhando-se muito a um gorila. O outro, menor, de olhar frio e puxado. Ambos usavam as características vestes brancas do Exército Branco.

— Pergunto-me como vocês conseguiram entrar aqui - adiantou-se o menor dos dois - acreditei fielmente que minha magia seria suficientemente forte que para medíocres semideuses não fossem capazes de penetrar no palácio. 

Hades abriu os braços em frente aos três.

— Fiquem atrás de mim! - gritou.

— Ora, vamos - continuou o cavaleiro - já provamos mais cedo que o resultado de seus esforços serão inúteis e ineficazes contra dois de nós. 

Ele correu o olhar frio e penetrante pelos rostos dos intrusos. 

— Ah - ele suspirou - então ele não está aqui. Que pena, seria muito proveitoso se o garoto Jackson tivesse vindo com vocês. Tenho certeza que Vossa Majestade me concederia as maiores das honras e dos privilégios se eu o entregasse tal prêmio.

O grandalhão deu a ele um olhar raivoso. 

— Aposto que a ideia de ter a glória somente para você é uma vontade que prevaleça em todos os sonhos. Não é mesmo, Yahuzza?

— Todas as noites, Belmont - disse Yahuzza com a voz fria. 

Nico olhou para os lados. A porta da sala do trono estava aberta atrás dos dois Cavaleiros. Do outro lado do salão estava outra grande porta, mas que com certeza ainda estaria selada. O uniforme branco dos inimigos fazia um incrível contraste com a negritude do ambiente, como duas velas claras na escuridão. Não tinham opção de fuga a não ser que o atraíssem para longe da porta, e mesmo se conseguissem ainda teriam de ser rápidos o suficiente para escaparem. Jason já estava com a espada de ouro em suas mãos.

— Deixe que lutemos com o senhor, tio. - pediu Jason.

O Cavaleiro chamado Yahuzza deu alguns passos para ficar mais próximo. Seu olhar cortante era intimidador, mas havia o vestígio de um sorriso nos seus lábios. 

— Aceitar a ajuda dos seus familiares parece ser o mais sensato a se fazer, senhor dos mortos. A não ser que esteja convencido de que a rendição pareça ser um caminho melhor agora.

Hades estremeceu de fúria.

— Eu nunca me rendo! - disse ele, lívido. 

— Bom, então acho que devemos...

Yahuzza não chegou a terminar a frase. Dois vultos pularam no ar e se encontraram no meio da distância entra Hades e ele. Piper só conseguia enxergar duas opções. Ou Jason e o grandalhão Belmont tiveram o mesmo pensamento de atacarem repentinamente, ou - e ponderar isso a assustava um pouco - o Cavaleiro percebera a movimentação em milissegundos antes e agira prontamente. 

— Garoto petulante. - resmungou Hades. 

O deus agora avançou para lutar com Yahuzza. Hades invocou uma espada negra muito parecida com a de Nico e investia fortemente contra o adversário. Eles se moviam tão rapidamente que só se viam borrões, um muito claro e brilhoso, o outro fortemente escuro. Nico olhou apressado para Piper.

— Vá ajudar Jason! - disse se afastando para uma das colunas.

— Mas e você? - ela perguntou.

— Vou seguir o plano do meu pai. - Nico gritou por cima do ombro.

Ele alcançou a coluna mais próxima. Era muito grande, provavelmente tinha uns 13 metros até o teto do palácio. Puxou a espada até acima de sua cabeça e, com um grito, a cravou o mais fundo que pôde. Por alguns segundos ele apenas ficou parado, fazendo força para afunda-la o máximo que conseguia. Dava rápidas olhadas para trás a fim de ver a luta. Aparentemente seu pai conseguia manter a luta equilibrada lutando de um contra um. Yahuzza movia seus braços velozmente, e luzes de cor azul e verde surgiam no ar. Nico imaginou se seria algum tipo de magia. Ele olhou para o outro canto, onde o grande Belmont segurava Jason pelo pescoço e dava gargalhadas.

— Pensei que fosse mais desafiador, filho do rei! - urrou o Cavaleiro com alegria - Mas vejo agora que não passa de uma boneca de pano.

Jason se debatia corajosamente. Piper, mais abaixo, tentava inutilmente causar danos às pernas de Belmont com cortes de adaga. Ele apenas ria e a afastava com chutes. Nico precisa se concentrar para acabar com isso o mais rápido possível. Ele fechou os olhos e respirou fundo. Toda a sombra e escuridão no palácio pareceu ter criado vida. Elas se moviam impercebivelmente pelo chão até a coluna onde a espada negra estava cravada. As sombras começaram a subir e a se enroscarem como cobras, rachando a coluna. Dentro de alguns instantes ela quebraria e uma parte do teto desabaria. 

— Belmont! - chamou Yahuzza, afastando-se momentaneamente de Hades, que ainda brandia sua espada e falava coisas não muito gentis - O garoto pálido! Está tentando fazer alguma coisa. 

Ele ainda tentou fazer algo. Balançou o braço e do movimento surgiu uma onda fina e verde em direção a Nico, como se fosse um corte sem espada. Hades foi mais rápido e fez o golpe desaparecer com um forte sopro do movimento de seu manto negro. 

— Depressa, Nico! - disse o deus.

Nico não sabia se o seu pai tinha entendido suas intenções, mas sabia que agora estava encrencado ao ver Belmont se aproximar rapidamente segurando Jason com uma mão e Piper com a outra. O Cavaleiro saltou no ar e parecia querer aterrissar em Nico. O garoto teve de largar a espada e recuar para evitar de ser esmagado. A parte do chão onde Belmont caíra de pé estava rachada e um pouco funda. 

— O que está querendo fazer, filho de Hades? - perguntou o grandalhão.

— Estive esperando você terminar de brincar para lutar com alguém que realmente lhe ofereça perigo. - respondeu Nico, que agora se preocupava com a cor sumindo do rosto de Jason e Piper.

Belmont levantou uma das sobrancelhas.

— Está falando de você? Não parece ser menos escória que esses dois lixos. 

— Pois você também não parece grande coisa. - Nico estava tentando colocar o máximo de determinação e confiança em sua voz - Na verdade, de todos vocês que vimos até agora, você parece ser o mais fraco. Aposto que o seu parceiro ali é muitíssimo mais forte, não? Afinal, é ele quem está lutando com meu pai.

Uma veia latejou na cara feia de gorila de Belmont. 

— O mais fraco? Eu? - sussurrou, impassível. 

— Sim.

— Você ousa me dizer isso?

— Sim.

Na verdade, Nico já estava começando a perder a confiança em seu plano. Belmont deu a ele um sorriso malicioso e doentio.

— É de se admirar. Provável que pela sua convivência contínua com os mortos você tenha perdido o medo da morte, vermezinho - disse Belmont controlando a voz.

Nico balançou a cabeça fingindo incredulidade. 

— Não sinto pena, apenas pena em ver que você se acha melhor do que realmente é.

Foi o estopim. Belmont largara Jason e Piper e, sem cerimônia, partiu para atacar Nico. Seu uniforme branco esvoaçando conforme corria feito um touro. Nico também correu, partiu para onde seu pai e Yahuzza ainda trocavam golpes. Aproveitando que o Cavaleiro estava distraído, o agarrou pelas vestes e se atirou com ele no chão. Hades parou, perplexo. 

— Mas o quê... - começou a falar, mas Belmont já chegava berrando de fúria.

Nico e Yahuzza se levantaram e se fitaram por rápidos segundos. O Cavaleiro estava surpreso e com raiva. Como esperado, ele fez o mesmo movimento de antes. Nico se abaixou rapidamente e o golpe, como o corte de uma espada invisível, avançou para Belmont que corria de encontro aos dois. O Cavaleiro, impossivelmente rápido para o seu peso, desviou-se para um lado assim que percebeu que o que o colega tinha feito. Ele se levantou triunfante. 

— Então esse era seu plano? Fazer com que o ataque dele me atingisse? Pois saiba que foi inútil, sou o mais rápido e forte dos Cavaleiros, sou o...

— Belmont, seu estúpido, olhe para trás! - vociferou Yahuzza. 

Belmont se virou e viu que o golpe do qual se desviara acertara uma das colunas e agora ela se partia e desmoronava. Agora era a vez de Nico de gritar. 

— Piper, Jason, a espada! - disse ele.

Os amigos se levantaram e tinham recuperado a cor nos rostos. Juntos, pegaram o cabo da lâmina negra ainda encravada na outra coluna e a empurraram mais para dentro. Imediatamente essa coluna rachou-se inteira e caía em pedaços. Com duas colunas a menos, o teto do palácio começou a ceder um pouco, e grandes pedaços de obsidiana caíam no chão. Hades, apressando-se, agarrou Nico pelo colarinho e correu para pegar Jason e Piper. Num impulso, ele levantou os três do chão e agora voavam envoltos de negritude até a abertura que surgiu no teto. 

— NÃO!

Yahuzza levantou os dois braços e fez com que o resto do teto também desmoronasse, na esperança de acertá-los. Outros grandes pedaços começaram a cair, mas Hades desviava com destreza, até alcançar o topo e sair do palácio segurando três semideuses e deixando seu lar para trás, aos destroços.