Novamente Alice escrita por Sol


Capítulo 1
Novamente Alice e White Rabbit


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem, não deixem de comentar o que acharam :3



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Alice

 Quando eu era criança, acreditava que o mundo, tão grande e complexo, era como um globo de neve, ele podia ser chacoalhado por alguém e virado de ponta cabeça, que no fim tudo voltava a ser como antes.

    Eu ouvia as histórias sobre como o mundo era inexplorado, diversificado e colorido, mas o mundo que eu realmente conhecia era pequeno, regrado e sempre igual, que mesmo chacoalhando e chacoalhando, lá continuava ele, sempre girando no mesmo ritmo.

     Um mundo confortável, mas sempre tão vazio...

.  .  .

  Jade, uma joia bela e viva, que traz consigo histórias e tradições, lendas sobre a eternidade.

Jade...” Pensei enquanto ouvia alguém bater na porta do quarto, era sempre o mesmo e eu a ignorei, voltei a jogar a joia para cima e retomei os pensamentos.

 O que havia naquela joia que me fascinava tanto?

Ouvi o som da maçaneta a girar.

—Alice? Estou falando com você!

 Se eu acreditasse em magia...

  A pessoa então pegou a joia de minha mão, irritada, meus olhos se guiaram até os dela e eu suspirei, sorrindo de lado como sempre, ela já estava acostumada.

— Bom dia, Judith, a que devo a honra de sua ilustre presença?

Judith revirou os olhos, sua pele alva como a neve se destacou quando o sol, que passava pela fresta da janela, tocou seu rosto, ela era nossa empregada, cuidava de mim desde quando eu era criança, já que meus pais não tinham tempo para bobagens e isso deveria incluir criar a própria filha, afinal, desde que me entendo por gente Judith estava ao meu lado e eles estavam bem longe.

— Seu tio Marcos veio vê-la, isso não é ótimo? – Seus olhos castanhos brilharam e ela escancarou um sorriso sonhador no rosto, como sempre fazia ao ver o tio Marcos, francamente, suspirei me levantando da cama, ela estava cansada de saber que desde que sua antiga noiva esnobe, Ely, o abandonou no altar e sumiu no mundo, ele não estava querendo nada com essa coisa romance.

  Sorri comigo mesma me lembrando dessa história, tio Marcos sempre a contava com lágrimas e mais lágrimas quando costumava ficar bêbado.

— Até ele começar a contar os causos de suas viagens, é sim, com certeza! – Reclamei, me virando para Judith, que, como sempre, se emburrou.

Andei até ela e rapidamente peguei minha joia de volta, me sentando em frente ao espelho, a pequena pedra de jade em minhas mãos pareceu cintilar em contraste com meus olhos verdes, verde sempre foi a minha cor e pelo visto só a minha cor, todos diziam que era engraçado eu ter nascido com cachos loiros que embolavam fácil, olhos verdes e a pele um pouco parda, quando a única pessoa com a aparência similar na minha família era a minha avó.

— Não fale assim Alice, seu tio gosta tanto de você!

—Sei.... Sei...

    Eu sempre gostei muito do meu tio, ele sempre me trouxe os melhores presentes, me levava para parques de diversão e me fazia sorrir, mas sempre achei que ele inventava muito em suas histórias, suas viagens pareciam sempre fantasiosas de mais, o que me fazia perder um pouco da paciência.

— E a sua avó também está aqui! – Judith complementou sem se abalar e eu me permiti a surpresa por um momento.

—Minha avó? Pensei que ela não quisesse mais ver a casa antiga... – Ela apenas deu de ombros, olhei para o espelho, vendo o reflexo de Judith ao arrumar minha cama com calma, quem a visse assim, com seus cachos castanhos presos de mal jeito com um coque, com seu sorriso doce e seu olhar meigo, não poderia nem imaginar quão medonha ela ficava quando sentia raiva de verdade. ―Se bem que...  - Desviei o olhar para o chão. -Não faz diferença o que ela pensa. – Respirei fundo. –Ela está cada vez mais doidinha da cabeça, não sei por que me comparam com ela, até o nome teve que ser o mesmo. – Resmunguei baixinho e Judith me lançou um de seus olhares fatais, parecendo querer me socar.

— Não fale assim, ela é uma senhora muito respeitada!  - Judith cruzou os braços. — Seus pais estão contando com você, já estão te esperando na sala de visitas, seu tio e sua avó vieram de longe só para te rever e eles certamente serão bem recebidos, não é, mocinha?

"E eu por acaso tenho opção?"

     Pensei enrolando o dedo em um dos meus cachos rebeldes, como sempre teria que ser a garota ideal e perfeita, teria que viver sob uma máscara de encantamento e beleza enquanto sonhava acordada com o dia em que vou poder me livrar do salto alto e das aulas de etiqueta.

 — Isso não muda o fato de que ela é louca... – Tentei em vão não soar rude, não é como se eu de fato pensasse assim, mas quando se cresce em uma sociedade tão preocupada com a autoimagem você aprende que o que você pensa não significava muito em vista da opinião de quase todos, passei a vida toda sendo comparada a minha avó e minha avó passou a vida toda iludida com contos de fadas e sendo chamada de louca.

   Pensar nisso me irritava, olhar para a expressão de felicidade de Judith me irritava e falar da minha avó não melhorava em nada meu humor.

—Não importa o que pense da sua avó, ela ainda é a pessoa mais incrível que eu conheço, imagino se é bobagem sonhar com o dia em que você finalmente vai abrir os olhos para isso.

—Abrir os olhos e ver que ela é louca? E que vocês querem que eu seja igual a ela? Ou que daqui a pouco vai vir o coelho branco me levar para o país das maravilhas?

— Alice! - Gelei ao ouvir uma nova voz, olhei para a direção da porta do quarto e notei minha mãe parada, me encarando com uma mistura de fúria e ressentimento. — Chega!

Judith me lançou um olhar compreensivo, mas logo saiu rapidamente, passando por minha mãe com a cabeça baixa.

— Desculpa... – Murmurei quando percebi que ela parecia bastante chateada de verdade, seus olhos castanhos pareciam brilhar intensamente e ela parecia um tanto enrubescida.

— Pare de falar o que não sabe! Você não pode julgá-la dessa forma, não pode julgar alguém só porque ela acredita em alguma coisa que você não acredita! Uma hora você vai aprender que a vida é mais do que isso, de hoje para amanhã talvez eu possa não estar mais com você, e então? – Os olhos dela agora pareciam um pouco entristecidos. ―Se você precisar da ajuda de outros, o que vai fazer se eles não te ajudarem por te acharem louca? Ou será que você não vai aceitar a ajuda por ter achado eles loucos? Você tem que aprender a respeitar aqueles que são diferentes de você, as pessoas têm sentimentos que são muito mais complexos do que você imagina e você tem que aprender a respeitá-los. Ouviu bem?

— Sim... – Resmunguei sem muita opção, minha mãe raramente perdia seu tempo me dando sermão, então a coisa era realmente séria, ela suspirou um pouco cansada e me abraçou, seu abraço aconchegante me deixou mais calma, eu adorava seu perfume delicado, pois sempre me lembrou do tempo da minha infância, em que ainda era aceitável eu ser feliz do jeito que queria...  Ser criança, ser amada como eu era.

— O futuro ninguém sabe querida! – Ela sorriu uma última vez, ajeitando meu cabelo e, com um novo suspiro, saiu do meu quarto.

—Fácil falar... – Resmunguei meio emburrada e me voltei ao espelho, tinha que compensar me arrumando o mais rápido possível.

. . .

   Minha mão se encontrava segurando a joia esverdeada que agora eu usava como um colar, minha avó foi quem havia me dado a pedra de Jade, para, por suas próprias palavras, “ajudar a sempre me lembrar do quanto eu amava minha família, mesmo ela sendo conturbada, estranha e confusa. ”

— Ora, vejam se não é a minha linda sobrinha Alice! – Meu tio exclamou ao me ver descendo a escadaria de pedra em direção ao primeiro andar, eu estava vestida, para meu desgosto, como uma dama perfeita, certamente meu vestido verde não era tão longo quanto deveria, mas ele já me incomodava o suficiente, eu não precisava piorar.

— Olá, tio Marcos, há quanto tempo! – Exclamei após respirar fundo, o abraçando e forçando meu melhor sorriso, na luxuosa sala de estar eu já encontrei meus pais e os visitantes sentados no sofá próximo a janela.

   — Digo o mesmo querida! – Ele começou a me guiar até perto do sofá, sorridente e animado como sempre. —Eu queria ter vindo antes, mas você não vai acreditar em quanta coisa aconteceu! Foi simplesmente.... Mágico!

— Ó, mas eu imagino! - Comentei ao me sentar ao lado de minha mãe, ela se portava elegante e sorria ternamente para todos.

Meu tio e minha mãe eram gêmeos idênticos, os dois possuíam o cabelo cor de mel, os dois possuíam um olhar vibrante, os dois possuíam a mesma pele parda, a mesma altura mediana. O que os diferenciava era que minha mãe fazia de tudo para ser como os outros e o tio Marcos fazia de tudo para ser diferente e único.

―Alice querida, seus primos adorariam ter vindo te ver, mas a maioria está lotada de compromissos, sabem como são esses jovens! – Vovó comentou em seu tom casual, seus olhos eram azuis, seu cabelo durante a vida toda foi loiro e liso, por pouco eu escapei de ser uma cópia exata dela. —Marcos, conte para sua irmã sobre a sua última viagem!

  Ele se levantou para narrar seu último caso, como sempre começou a gesticular e imitar enquanto falava, eu suspirei, sentindo minha mente vagar para bem longe como se eu estivesse na mais irritante aula de geografia com algum dos mil tutores que meus pais me arrumaram.

 —Isso não acaba nunca! – Resmunguei, olhando ao redor incomodada e sentindo um pouco de sono pesar, encarei meus pais concentrados nas visitas, eles não perderiam nenhuma chance de parecerem uma família perfeita e eu poderia me aproveitar disso.

  Sorri e sem pensar duas vezes eu levantei com a desculpa de ir ao banheiro e sai de fininho, logo correndo em direção a saída.

. . .

     A brisa estava suave naquele jardim, eu sempre fugia para ele quando queria um pouco mais de paz, gostava de me sentir livre, de correr e respirar, de poder ouvir o som dos pássaros sem nada para interferir...

  Por isso me sentei embaixo de uma roseira e fechei os olhos, sentindo a brisa leve daquela tarde tocar meu rosto e me deixando levar pelo momento, muitas vezes eu sentia falta de simplesmente me permitir, sem pressão, sem tarefas, apenas olhar para frente e decidir qual caminho seguir.

  —Alice? - Eu ouvi o som de um galho quebrando, seguido de um murmúrio de alguém e imediatamente abri os olhos atordoada, procurando a fonte, não parecia ser a voz de ninguém que eu poderia conhecer, então me levantei um pouco tonta e encarei uma das árvores a minha frente. 

Novamente ouvi som de um galho sendo pisado e resmungos.

  Me aproximei da árvore com cuidado, evitando fazer o máximo de barulho possível, seja quem for que estivesse por ali, parecia em dúvidas se aparecia ou não.

— Quem está aí? – Perguntei, encostando no tronco da árvore e encarando o outro lado, a pessoa se afastou rapidamente da arvore e eu, finalmente, pude vê-lo com clareza. —Quem é você? 

   Ele me olhou nos olhos, parecia possuir a mesma idade que eu, mas era um garoto um tanto estranho, seu cabelo era curto e branquinho como a neve e os seus olhos possuíam um estranho tom cor-de-rosa.

— Tudo bem Alice, não vou te machucar... - Sua voz pareceu falhar por um instante, mas ele rapidamente se recompôs, notei suas roupas sociais, era como um pequeno projeto de Lorde em ascensão.

— Eu nunca te vi por aqui... Espera! Como sabe quem eu sou?

— Eu estive te observando, é um belo nome no fim das contas. -Ele pareceu refletir, eu arregalei os olhos, não sabia o que me chocava mais: sua naturalidade no assunto ou o fato de eu estar sendo observada.

 Recuei alguns passos.

— Não! Não fuja! Eu vim te ajudar, eu juro! Eu sei que pode parecer confuso para você agora, mas eu realmente estou sem tempo!

— Quem raios é você? De onde veio? Como assim me ajudar? Estou muito bem até onde eu sei.

—Desculpe aparecer assim, mas eu não poderia ter vindo antes, eu tenho que terminar essa missão logo, é complicado, mas se eu não voltar ainda de manhã vão perceber que fiz tudo errado!

   O estranho me encarava com um olhar aflito, ele não tentou me seguir ou qualquer coisa do gênero, mas era obvio seu desespero em não ficar sozinho. Ele começou a caminhar até mim com calma, respirando fundo e ajeitando o próprio cabelo.

  — Eu sei que não me conhece, sei que nunca me viu, mas eu não deveria estar aqui, eu preciso muito da sua ajuda e se continuarmos aqui perdendo tempo creio que você também vai precisar da minha. 

— Isso foi uma ameaça?

— Claro que não! - Ele suspirou. — Eu preciso de ajuda!

 Mordi os lábios e cruzei os braços, o garoto parecia confuso e perdido, talvez fosse louco ou simplesmente perigoso, me lembrei das palavras da minha mãe: Não julgar simplesmente sem conhecer. Mas, ainda assim....

 —Eu nem sei o seu nome, nem de onde veio. O que realmente quer?

— Quero que me leve a Alice!

— Mas Alice sou eu, ah espere, está falando de minha avó? 

— Como vou saber se é ou não sua... Avó? Ela já está tão velha assim?

— É... - Olhei ao redor meio sem jeito, a preocupação e a ansiedade dele já começava a me dar nos nervos, ele parecia simplesmente estar fora de si. — Sim, ela está, o que é algo que todo mundo por aqui sabe... Se você não é daqui, então quem é você? - Insisti.

— Se quer tanto saber... – Ele baixou os olhos por um segundo, poderia jurar que vi uma faísca de tristeza passar por sua expressão, porém ele apenas balançou a cabeça e tornou a me encarar. —Me chamam de White Rabbit!

—Isso lá é nome de gente?

Havia pensado alto demais, isso mesmo, Alice, você e sua mania de falar, White revirou os olhos, parecia indignado e, sinceramente, eu não o culpava, até eu me irritava comigo mesma as vezes.

— Eu tenho que encontrar sua avó e sua família agora! - Ele falou em tom de autoridade.  —Poderia fazer o favor de me ajudar?

  — E por que eu faria isso? - Perguntei sem um pingo de paciência e cruzando os braços.

— Porque se não fizer isso sua família pode morrer! 

Estremeci sentindo algumas lágrimas involuntárias caírem, aquela brincadeira de faz de conta tinha ido longe demais e a fúria que cresceu em meu peito foi quase incontrolável, estava pronta para começar meu escândalo e expulsar aquele estranho de vez da minha casa quando um grito agudo e assustado ecoou e me fez travar.

A voz era feminina e terrivelmente conhecida...

—Isso foi... A minha mãe?

White prendeu a respiração e sua expressão se tornou lívida:

— Eles se adiantaram, os soldados estão aqui!


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