Cervos escrita por Gaby Uchiha


Capítulo 1
Em um auto-de-fé


Notas iniciais do capítulo

YOOOOOOO!!! Voltei só para dizer FELIZ NATAL (atrasado mas ainda tá valendo) e como presente, hoje temos uma one ShikaTema/SasuSaku fruto de um desafio feito em conjunto à mais duas autoras lindas que eu admiro muito e tenho grande carinho: Mirys e Hitsatuke
Bom, esse desafio surgiu de um grande desejo meu de ler uma NejiTen e como não dá para apenas ganharmos, em troca fui desafiada a escrever um casal que eu nunca sequer escrevi, mas que eu admiro bastante e esse casal não poderia ser outro do que ShikaTema!
Por isso eu dedico essa fic à essas meninas maravilhosas:

— Mirys, a diva que me desafiou
— Brenda, a linda que sempre beta minhas fics
— Alê, o anjo que sempre me acompanha nas análises das fics *---*

Obrigada por tudo minhas lindas! Obrigada por todo o apoio e agora, depois de várias semanas, finalmente eu dou a minha ShikaTema com bônus de SasuSaku!
Divirtam-se...



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Barcelona, 1492

 

Os olhos verdes estavam estáticos na grande passeata que transcorria à sua frente. O momento do sermão já havia se encerrado e agora, as punições eram impostas aos condenados pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição.

Os gritos e as ofensas saídas das bocas dos aragoneses em direção aos homens e mulheres que caminhavam de maneira corcunda, vestidos com seus sambenito, eram ensurdecedores, mas a mulher de cabelos loiros fingia não ouvir. Fingia que não existiam e que também não eram contra ela.

Sua hora estava chegando, ela sabia. O centro com os amontoados de toras anunciava o futuro onde ela seria uma das principais estrelas daquele auto-de-fé. Anunciava o momento em que ela receberia a punição máxima enquanto os populares vibravam e a ofendiam, não se importando com o seu corpo agonizando em chamas.

Seu olhar se estreitou com aquele pensamento e sob o capuz do seu sambenito, Temari olhou ao seu redor buscando uma fuga da sua penitência, porém, mais uma vez ela ratificou o número de algozes e guardas do reino fazendo a escolta dos prisioneiros.

Não havia saída, ela sabia; mesmo assim, apesar dos pesares, a vida lhe ensinou a não desistir. Lhe ensinou a manter sua cabeça erguida, diferente dos outros homens e mulheres que também iriam para fogueira – esses tinham seus corpos retorcidos de maneira submissa, choramingando rezas de diversas religiões, pedindo por clemência e salvação.

— Hereges! Marranos! Bruxas! – A população gritou mais alto quando as primeiras mortes vieram.

Temari desviou o olhar para as fogueiras apagadas e por enquanto esquecidas, não querendo ver a agonia dos réus condenados a punições menores que a sua.

Ouviu populares rindo e menosprezando os condenados.

Ela quis gritar e bater naquelas pessoas apesar dos seus pés descalços e corpo tão machucado devido às sessões de tortura dos dias anteriores, além da insalubridade das prisões, no entanto, permaneceu em sua posição estática, tentando bloquear seus ouvidos para o que escutava.

Mais um grito agudo reverberou pela praça pública. Um grito de dor, desesperança e desespero. E nesse momento ela se lembrou do dia em que emitiu um som como aquele. Se lembrou de quando os irmãos do seu falecido marido a arrastaram pelos cabelos:

 

— Me soltem, por favor! – Suplicou se debatendo enquanto era arrastada pelas ruas estreitas e de pedra das vielas de Barcelona.

— Cale-se, sua bruxa! – O mais velho dos homens cuspiu em sua direção. – Vamos nos livrar de uma herege como você que trouxe a desgraça para dentro da nossa casa!

— Eu não fiz nada – balbuciou sentindo suas mãos ralarem na pedra fria quando tentou se erguer, mas o puxão voraz do mais novo a derrubou e a arrastou mais uma vez.

— Não se faça de santa, sua bruxa! Até parece que não sabemos que se deita com o diabo e por isso trouxe a ruína para as nossas famílias e a lepra ao nosso irmão! Uma bruxa como você deveria ir para a fogueira, mas a Santa Inquisição daqui é muito benevolente com bruxarias. Só não a envio para outro Reino porque sua praga destruiu nossas fortunas! Lá sim você receberia o que merece – concluiu sua frase empurrando a mulher machucada sem cuidado contra o trapiche.

Temari gemeu de dor, enquanto seus olhos verde escuros eram inundados por lágrimas.

Ela não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo consigo. Não acreditava nas barbaridades que a acusavam. Não tinha culpa, porém, por mais que gritasse que era inocente, apenas o fato de não ter tido um filho durante seu casamento e a família de seu marido ter falido, era prova incontestável para eles que ela era uma bruxa.

— Não é uma fogueira, mas é pútrido igual a sua alma, bruxa – o mais velho dos dois falou de maneira mordaz.

Temari ergueu minimamente seu olhar choroso para o rio onde dejetos vindos dos esgotos eram jogados.

O cheiro pútrido lhe dava náuseas e a brisa da madrugada aragonesa provocava tremores de frio e terror pelo corpo minguado e feminino.

— Por favor – pediu por clemência mais uma vez, porém, a última coisa que escutou antes do mais novo lhe segurar pelo braço e jogá-la no rio, foi:

— Morra, Bruxa!

A mulher agonizou em desespero quando seu corpo acertou aquelas águas poluídas e escuras. Tentou gritar, submergir, mas o máximo que conseguia era se debater e ouvir as risadas infames dos seus cunhados que partiam dali.

Ela não sabia nadar e a falta de ar a desesperava.

Seus olhos estavam arregalados de horror diante das milhares bolhas de ar em contraste com a parca luz da lua que atravessava aquele rio escuro enquanto seu corpo afundava mais e mais.

Ela tentou esticar as mãos para alcançar a luz em uma última tentativa, mas a inconsciência a acertava e naquele momento ela soube que morreria, mas por meio dos seus olhos cerrados, ela viu uma sombra na luz antes do caos se instaurar nas águas calmas por mais um corpo cair contra o rio.

Temari não conseguia mais raciocinar, mas sentiu quando braços a rodearam e a tiraram daquele rio imundo.

Uma sucessão de tosses e tremores a assolaram enquanto se encolhia sobre o trapiche que o estranho a havia depositado.

O terror dos últimos instantes vividos e a alegria de poder preencher seus pulmões com ar eram a revoada de sentimentos que a envolvia.

— Você está bem? – A voz masculina vinda de trás a trouxe de volta para a realidade e em um ato impensado de pensar ser um dos seus cunhados, ela se encolheu ainda mais, arrastando-se para longe.

— Por favor, me deixem em paz! – Mas de nada adiantou suas súplicas pois seu braço foi duramente puxado fazendo com que Temari visse pela primeira vez o homem que havia a salvado do afogamento.

Não era um dos seus cunhados, muito menos algum bêbado daquelas redondezas. Era um homem jovem, talvez alguns poucos anos mais velho que ela, porém, dono de traços que denunciava que ele não era pertencente àquele gueto. Seus olhos negros, um pouco repuxados, demonstravam inteligência e análise crítica em direção à mulher vestida com trapos, machucada e trêmula; o rosto tinha traços leves e o cabelo preso em um rabo de cavalo alto em conjunto a barba ao estilo Petit Goatee em seu queixo, era a denúncia de que aquele homem não seguia a moda vigente na Europa.

— Se acovardar não vai lhe proteger de nada – o homem disse em um tom baixo, quase desleixado, mas ela sentiu o tom de repreensão.

— Você não sabe o que é ter medo – disparou com raiva, puxando o seu braço das garras do homem; encolhendo-se ainda mais.

— Acredite, o que eu mais sei é o que é o medo. Principalmente quando vejo o medo no olhar de alguém – comentou enquanto se erguia, deixando à mostra como suas roupas elegantes estavam ensopadas, antes de pegar seu sobretudo seco do chão, voltando-se mais uma vez para a mulher trêmula que ainda o encarava: – Toma! Vista-se com isso. A noite está fria.

Ela olhou para o sobretudo de veludo vinho antes de ver o deserto que se encontrava aquele trapiche. Pensou em negar, mas se viu agarrando o casaco quando o vento intensificou.

Temari viu um sorriso breve se formar no rosto do homem quando ela se vestiu de maneira tão desesperada. Fingiu não ver por orgulho, ignorando a existência do mesmo, mas assim que ouviu os passos dele se afastando, o desespero a abateu, forçando-a a segui-lo.

— O que está fazendo? – A voz sempre calma dele ressoou sem que os passos cessassem.

— Não tenho para onde ir – ela admitiu em um sussurro, não parando de segui-lo por uma viela estreita.

— E achou que acharia uma resposta para a sua situação me seguindo?

— Se não tinha a intenção de me ajudar, que me deixasse morrer! – A raiva de tudo dava coragem para que ela expressasse sua dor, fazendo com que o homem parasse com os passos e a olhasse por cima do ombro.

— Posso levá-la para a casa dos seus pais.

— Meus pais são de Toledo e perderam suas fortunas antes de me darem em casamento à família do meu falecido marido. Tinham a intenção de se livrar da filha mulher para que não tivessem gastos desnecessários. Agora, expulsa pela família do meu marido também falida e sem um filho como herdeiro para ser minha estadia naquela família, não tenho para onde ir – disse a verdade antes de se ajoelhar diante do homem que ainda mantinha o olhos analíticos sobre ela: – Meu senhor, posso reconhecer apenas pelas suas vestes e maneira de se portar que és um homem da Corte. Por favor, seja misericordioso comigo e eu juro que servirei de bom grado para ti e para sua esposa.

Apesar da segurança de suas palavras e da posição tão submissa, tudo o que recebeu foi um:

— Tsc.

Aquilo fez a raiva borbulhar dentro de Temari. Ela havia sido criada como uma mulher de família de posses e agora estava se humilhando diante de um homem. Preferia mil vezes o afogamento do que ouvir aquele:

— Problemática.

Suas mãos se fecharam sobre suas saias molhadas, enquanto seus dentes perfeitamente brancos mordiam o lábio inferior com raiva.

— Tenho certeza que não gostará para onde eu vou – a voz masculina soou como um desafio, agora voltando o corpo masculino totalmente para a mulher ainda ajoelhada.

— Não me importarei – tentou soar firme. – Apenas me ateei a servi-lo, nunca a questioná-lo.

Os passos sobre as botas estreitaram a distância entre os dois antes dele se abaixar e erguer com dois dedos o queixo fino da mulher.

— Para onde vou não preciso de servos, muito menos de empregados para servir uma esposa que nem tenho. Para onde vou as pessoas não devem se ajoelhar e pedir clemência para outras. Elas devem erguer o queixo e lutar por si próprias.

— A Corte... – tentou questionar, mas foi interrompida:

— Não estou indo para a Corte!

O silêncio perdurou pelos segundos que os verdes de Temari ficaram presos no negro daquele estranho homem, sem saber o que dizer. Porém, não precisou, pois foi ele quem destruiu o silêncio, sem destruir a conexão do olhar:

— Se você vier comigo, terá que decidir se lutará ao meu lado ou se terei que executá-la por traição.

— O quê? – Ela balbuciou sem entender o que ele queria dizer. Nada fazia sentido, mas ele insistiu:

— Ainda quer me seguir? – O aviso era claro, ela poderia morrer se continuasse a segui-lo, mas o que ela tinha a perder? Já não tinha mais casa. Ou era o destino por trás daquele misterioso homem ou era a vida de mendigação pelos guetos de Barcelona.

— Quero – respondeu com segurança, engolindo toda a insegurança que poderia estar exposta em seu rosto. Tentou mostrar determinação em seu olhar, algo que só fez o homem sorrir um pouco de lado, erguendo-se com elegância.

— Se quer mesmo ir para onde eu vou, devia começar a se portar como alguém de lá. Deveria se erguer e mostrar confiança em suas atitudes.

Era estranho ouvir aquele homem dizer tais coisas, ainda mais depois de Temari ter passado a vida inteira escutando como uma mulher deveria ser submissa aos homens. Mas ali estava um homem que ela não conhecia, dizendo para agir como uma igual e foi isso que ela fez ao se erguer e apressar seus passos para acompanhar seu andar.

— Para onde estamos indo? – Ela perguntou assim que fincou seu andar ao lado do homem mais alto que si.

— Não posso dizer, mas mostrarei – se limitou a dizer, enquanto contornava mais algumas vielas, parando somente diante de uma porta velha e simples de madeira.

O homem deu três batidas baixas. Temari pensou que ninguém atenderia, mas se enganou quando uma luz baixa dançou pelas frestas escuras antes dos trincos enferrujados rangerem alto e uma passagem ser aberta.

A princípio não viu nada, mas logo duas pessoas surgiram na passagem, olhando aliviados para o homem ao lado de Temari.

— Finalmente retornou, irmão! – Uma loira alta e esbelta suspirou alto puxando o recém-chegado para um abraço aliviado.

— Foi apenas algumas horas de atraso, Ino! – Resmungou o homem assim que se desvencilhou da irmã e trouxe a novata para dentro com certa pressa em fechar a porta.

— Você sabe muito bem, irmão, algumas horas de sumiço não planejado pode significar uma grande desgraça – o outro anfitrião, um homem grande e gorducho que segurava duas lamparinas, comentou.

— Tudo bem. Tudo bem. Vocês estão certos. Apenas tive um contratempo – explicou se referindo à mulher ensopada ao seu lado.

— Quem é ela? – A mulher loira de olhos incrivelmente azuis questionou intrigada pela visão da recém-chegada.

— Uma judia ou uma moura? – Questionou o homem gorducho, levando a lamparina para o mais próximo possível do rosto de Temari, franzindo o cenho com a visão. – Ela não tem característica de nenhum dos povos – comentou pensativo.

— O quê? – Temari ficou confusa com os questionamentos. – Eu sou católica! – Disse um pouco alto demais, surpreendendo os anfitriões.

Ino foi a primeira a sair do torpor e questionar o irmão que a havia trazido:

— Irmão! Explique o que isso significa!

— Ela foi expulsa pela família do marido. Vi quando os cunhados dela a jogaram no rio e eu a salvei. Desde então ela está me seguindo. Disse que se ela continuasse teria que escolher em ser leal ou a execução.

— Ela não sabe onde está? – O maior de todos perguntou um pouco preocupado.

— Onde estou? – Temari questionou com receio.

Os três pares de olhos a olharam com certa compaixão antes de Ino ser a pessoa a dizer aquilo que ela menos esperava:

— Você já ouviu falar nos Cervos?

 

Cervos. Aquela expressão mudaria sua vida e mudou por longos três anos onde ela aprendeu a ver a realidade sobre aqueles que pelas conversas da sua antiga “família” eram tidos como assassinos, bárbaros e hereges. Na verdade, Temari aprendeu que os Cervos, assim como vários outros grupos anônimos e independentes, era uma resistência contra as atitudes da Inquisição – um local que fugitivos, mouros, judeus e até mesmo cristão-novos poderiam se esconder, lutar e realizar as suas manifestações religiosas sem que alguém os questionasse; o único pagamento era estar em prol dos ideais dos Cervos e de seu líder eleito de maneira unânime, Shikamaru – o homem que tinha a salvo no passado e até mesmo a treinado para sobreviver nas missões que eles tinham que executar.

E ela sobreviveu, até que durante uma missão de infiltração no castelo onde se encontrava os reis de Aragão e Castela, ela foi delatada e presa. Se lembrava perfeitamente da luta sem chance de vitória que ela teve contra os guardas do castelo até ser contida e arrastada para a sala do trono onde Fernando V, o rei de Aragão, Castela e Leão estava sentado em seu trono ao lado do seu "fiel" Chanceler, Shikamaru.

O rei riu por ser uma mulher a atentar contra o seu reino, por ter mulheres em grupos de resistência como os Cervos, a qual o reino secretamente temia. Ela foi vítima de escárnio enquanto Shikamaru permanecia impassível ao lado do rei, em nenhum momento demonstrando qualquer sombra de reconhecimento ou preocupação no olhar em direção à mulher que por tantos anos lutou ao seu lado na resistência.

Ela sabia que estavam em uma situação crítica, sabia que não poderia delatá-lo diante do rei, mesmo assim, no fundo ela se sentia traída, ainda mais quando o Chanceler disse que a melhor forma de lidar com tal situação era entregando o caso ao Tribunal do Santo Ofício da Inquisição.

Aquilo foi a maior de todas as traições, sabia que assim que fosse julgada, o Tribunal imporia a maior das sentenças para alguém que lutava contra eles, e ouvir essa ideia saindo da boca que ela tanto escutou por anos e confiou que suas formas de batalha eram melhores do que as dos brutais Águias, era ultrajante.

Ela foi julgada, sentenciada, torturada, posta em uma cela pútrida, agora estava ali, na praça pública, assistindo aquele show de horrores enquanto escutava a risada infame do rei em um palco elevado atrás de si.

Temari olhou discretamente por cima do ombro e viu a silhueta firme de Shikamaru ao lado rei, assistindo a tudo como se estivesse acostumado àqueles atos de impiedade.

O puxão que ela não esperava em suas correntes a levou ao chão. Um guarda gritou algum impropério em sua direção, mas antes que o mesmo pudesse infligir mais alguma tortura em seu corpo já tão machucado e coberto pelo sambenito, um algoz, vestido da cabeça aos pés de preto a ergueu com um puxão em seu braço, conduzindo-a para a fogueira onde seu corpo agonizaria sem chance de fugas.

O povo foi ao delírio com a chegada do último ato do entardecer de Barcelona.

Temari tentou se libertar, mas o algoz, muito mais alto e corpulento que ela, conseguiu conduzi-la com certa facilidade para o tronco onde a amarrou.

A mulher sentiu-se sem ar com o aperto forte em seu peito, os pés miúdos procuravam equilíbrio sobre as toras preparadas para o seu fim.

Viu pelo canto dos olhos os outros também serem amarrados diante do rei sorridente. Ela reconhecia alguns rostos como aliados e outros até mesmo pertencentes à outras resistências.

Estavam ali pelo mesmo delito, estavam ali por ir contra à Inquisição e aquela era a maneira de mostrar ao público o que acontecia com os que se rebelassem contra à Coroa e a Santa Inquisição.

Ela se debateu mais um pouco antes de desistir. Percebeu que estava se desesperando igual há três anos e Temari não era mais a mesma mulher para agir daquela forma. Se ela iria morrer, então morreria de queixo erguido e foi o que ela fez, erguendo seu olhar duro para o rei entretido, mas que logo se incomodou com o olhar sério da mulher em sua direção.

Não era um olhar submisso ou pavoroso, era um olhar desafiador que deixava claro que nem na morte ele a faria recuar. Poderia ter sido traída por Shikamaru, mas ela não traía as suas convicções.

Foi assim, estufando o peito e desviando o olhar profundo em direção à Shikamaru que ela permaneceu escutando a declaração dos crimes que um dos servos do rei fazia há poucos metros dela. Não prestou atenção em tudo, mas ouviu claramente o homem de roupas elegantes dizer:

— É isso o que ocorre aos que se opõe àqueles que julgam de acordo com a palavra divina – o homem apontou em sua direção, mas uma voz mais alta, grave e perigosa soou do seu algoz que segurava um perigoso machado poucos metros atrás de si:

— E é isso que acontece aos que se opõe aos abusos da Inquisição!

O discurso terminou com o machado descendo e cravando na tora onde Temari estava.

Ela arfou sentindo o impacto, mas caiu sobre o palanque de madeira pois suas amarras haviam sido cortadas.

O instinto a fez ficar alerta e se erguer apesar das dores em seu corpo. Olhou ao redor tentando entender o que estava acontecendo, mas o caos já havia sido instaurado por toda a praça pública.

Os populares corriam em desespero, os guardas do reino tentavam entender o que estava acontecendo, mas eram abatidos com facilidade pelos rebeldes disfarçados na multidão.

— A resistência está atacando um auto-de-fé – balbuciou descrente, vendo os outros prisioneiros sendo libertados.

— Corra! – A voz fria como uma lâmina saiu do seu algoz que se aproximava a passos largos e decididos em sua direção. – Corra ou eu mesmo me certifico de matar você! – Ameaçou erguendo uma espada.

Temari não pensou duas vezes antes de pular do palanque. Seus tornozelos latejaram com o impacto e seu corpo desequilibrou.

Era sua chance, ela precisava fugir apesar da carnificina que havia se tornado aquele auto-de-fé. Por instinto, enquanto se reerguia, ela olhou para o camarote do rei, mas ninguém da família real ou o Chanceler se encontrava ali, possivelmente haviam fugido por temor.

A raiva borbulhou em seu peito, fazendo-a pegar a adaga de um guarda morto. Não sabia para onde iria, mas tinha a noção que precisava encontrar o líder dos Cervos e acertar as contas antes de partir de Barcelona.

Era uma pessoa marcada. A Inquisição já sabia quem ela era e pelo que lutava; não podia mais viver ali.

Por isso, com coragem ela golpeou um guarda com facilidade. Quando o segundo se aproximou, antes que pudesse usar sua arma improvisada, viu o corpo cair sem vida no chão devido a um punhal lançado contra o seu pescoço.

Por puro instinto ela se voltou contra o culpado atrás de si, mas apenas encontrou a pequena camponesa de olhos gentis e verdes escondidos parcialmente pelo capuz marrom.

— Precisamos sair daqui – a mulher estranha comentou antes de segurar o pulso de Temari e a arrastar para uma das inúmeras vielas de Barcelona.

Havia vários corpos e destruição devido ao desespero da fuga.

Não questionou a mulher que portava mais punhais, apenas queria sair daquele tumulto e depois se livrar da estranha, mas o grito de guardas atrás de si a alertou:

— Ali! Fugitiva!

Temari olhou por cima do ombro vendo dois guardas corpulentos em alta velocidade. Pensou que ela e a estranha estariam em apuros por se direcionarem à um beco sem saída, mas tudo mudou quando uma quinta figura pulou de um andar acima deles o golpeando por trás com adagas.

A mulher loira parou de correr assim que viu aquele golpe. Conhecia muito bem alguém que tinha habilidade em tal emboscada, por isso perguntou incrédula:

— Ino?

Os olhos azuis contornados pelos longos cabelos loiros logo sorriram para a companheira de resistência.

— Finalmente você está livre, Temari. Ainda não consigo acreditar que foi apanhada com tanta facilidade – comentou com humor ácido, mas com toque de preocupação enquanto limpava o sangue das adagas e se aproximava escondendo-as em seu longo vestido de camponesa.

A antiga réu ainda estava atordoada trocando olhares entre Ino e a estranha que havia derrubado o capuz revelando os cabelos curtos e estranhamente cor-de-rosa.

— E quem é você? – Perguntou com desconfiança.

— Uma membra dos Águias – Ino disse com certo desgosto, fazendo a outra rolar os olhos e dizer com certa rispidez:

— Meu nome é Sakura, para a sua informação – voltou os olhos para Temari suavizando seus traços. – É um prazer conhecê-la, Temari – sorriu largamente, não sendo acompanhada pela resgatada que estreitava o olhar desde que o termo "Águias" havia sido dito.

— O que vocês estão fazendo aqui?

— Ajudando os Cervos a resgatar os prisioneiros dos grupos de resistência? – Foi petulante e irônica a mulher dos Águias.

Temari rebateria, mas estava surpresa com a revelação, deixando a cargo de Ino interromper o diálogo:

— Depois resolvemos esses mal-entendidos, agora precisamos fugir.

Sakura e Temari não se opuseram a correr atrás de Ino, contornando incontáveis vielas e golpeando remanescentes da guarda real.

Não sabia para onde estava indo, mas confiou nas mulheres que a conduziram para uma casa comum que ao fundo tinha uma passagem para o enorme emaranhado de túneis que se escondia sob a cidade de Barcelona.

Ela já havia os usado várias vezes em suas missões, por isso sentiu-se aliviada e protegida quando reconheceu a rota que seguiam.

Assim que chegaram ao seu destino, subiram as escadas e passaram pela porta que dava para o interior do mosteiro que era a localização dos Cervos.

A tontura e o alívio fizeram Temari cambalear para o desespero de Ino que correu para segurar a amiga.

— Ajude-me, Sakura! – Pediu à mulher que prontamente ajudou a conduzir Temari pelos vários corredores de pedra até alcançarem uma porta de ferro e empurrá-la.

Temari se sentia aliviada por chegar em um quarto, mas assim que seus olhos grudaram na silhueta das costas que admirava a cidade pela janela, seu corpo ficou tenso.

— Finalmente você chegou, Temari – comentou o líder dos Cervos voltando seu corpo e sorriso prepotente em direção à mulher que há poucas horas iria ser sentenciada em praça pública.

— Você – a mulher rangeu os dentes, libertando-se das outras enquanto corria em direção ao homem com o intuito de acertá-lo com a adaga que ainda empunhava, mas com habilidade e elegância, ele a deteve, girou e derrubou com força contra uma mesa de madeira.

A mulher gemeu de dor enquanto era mantida com o rosto contra a madeira devido a mão grande em sua nuca e a outra que torcia o seu pulso forçando-a a soltar a adaga.

— Pensei que havia treinado você melhor – o comentário a deixou enraivecida.

— Passe alguns dias na prisão da Inquisição sofrendo torturas e não sendo alimentado, depois venha até mim e tente me matar, quero ver se você ainda terá condições de se manter em pé! – Rebateu com petulância se debatendo contra a mesa estranhando o silêncio prolongado do homem, mas não se importou, apenas continuou se debatendo até que um algoz adentrou no recinto.

Ela ficou paralisada com a figura de um algoz totalmente de vestes negras a analisando, seu pânico apenas diminuiu quando o algoz retirou o capuz revelando o homem extremamente jovem que era com seus cabelos negros e rebeldes e olhos extremamente escuros como a noite.

— Então foi por essa mulher que eu perdi tantos homens? – A voz fria foi opressora, deixando claro que ele não se abalaria por ameaças contra si.

Temari nunca havia visto tal rosto, mas reconhecia a voz do homem que havia gritado contra a Inquisição e a libertado da pena de morte na fogueira.

— Nossos dois grupos tiveram perdas na busca pelos nossos membros capturados, mas ganhamos o temor da coroa.

— Isso não trará meus números de volta.

— Sabe que estou em dívida com você, Sasuke. Quando precisar, os Cervos estarão à disposição dos Águias.

— Espero que não se esqueça da sua dívida – sua voz saiu fria como uma ameaça incontestável antes dos olhos negros percorrerem mais uma vez o rosto de Temari com certa reprovação.

A mulher se sentiu ultrajada com o olhar que não durou mais que um segundo antes do homem prepotente dar as costas aos anfitriões e se voltar para a saída dizendo:

— Vamos embora, Sakura. Não temos mais nada a fazer aqui.

Só então Temari se lembrou da mulher de traço exóticos que assistia toda a cena e tinha aquele homem frio como líder. A mulher pensou que a outra se acovardaria diante da ordem, mas estranhamente viu ela apenas assentindo para o homem e voltar a olhar para Shikamaru:

— Deixei estocado algumas ervas medicinais para o cuidado das vítimas. Se precisarem de mais podem me chamar – ofertou seu sorriso mais uma vez.

— Obrigado, Sakura – a loira ouviu o homem que a prendia dizer com genuíno agradecimento em direção à mulher que somente deu as costas e seguiu o líder que aguardava impaciente na porta.

Assim que partiram, Shikamaru disse para a última remanescente:

— Ino, vá cuidar dos feridos, por favor.

Sem contestações, a loira partiu deixando apenas o casal para trás.

Com o baque da porta, o moreno libertou a loira.

Temari gemeu um pouco pela dor no pulso que era ínfima em relação às demais, no entanto, fingiu impassividade assim que viu o olhar analítico em sua direção.

— Deveria tomar um banho antes de cuidar dos seus ferimentos – o homem propôs e ela não se opôs por mais que desejasse ser petulante.

Desejava um banho que não tomava há dias, por isso apenas deu as costas para o Chanceler que resmungou:

— Problemática.

Aquilo havia se tornado rotineiro nas conversas de ambos, por isso ela não se ateve ao pequeno detalhe, apenas continuou com os passos firmes para o quarto de banho onde uma banheira com água previamente aquecida a aguardava.

Aquilo a desarmou de tal forma que fez a mulher retirar as vestes da cerimônia que ela tanto odiava e adentrar com satisfação na água morna que relaxou seus músculos com o contato tão desejado.

Ela gemeu de prazer e se permitiu deslizar pela superfície lisa, deixando à mostra apenas sua cabeça de cabelos curtos e soltos.

— A água parece realmente boa – o comentário a fez abrir os olhos de maneira incrédula em direção ao homem que a observava da entrada, carregando alguns sais e toalhas.

— O que está fazendo aqui? – Gritou se encolhendo por vergonha já que estava submersa nua.

— Vim ajudar em seu banho, não é óbvio? – Comentou impassível diante do constrangimento da mulher.

— Não preciso de ajuda.

— Você teve um dia difícil.

— Por que você me mandou para o Tribunal! – Gritou o que estava entalado em sua garganta só então recebendo a atenção do homem que parou o movimento das mãos que misturavam um produto esverdeado e desconhecido.

— Você preferia ser degolada diante do rei? – Ele perguntou num tom extremamente baixo e frio, enquanto seu corpo se voltava para a mulher dentro da banheira de madeira.

— O quê?

— Se eu não a mandasse para a prisão da Inquisição, o rei mandaria cortar sua cabeça naquele instante ou a mandaria para o tribunal secular que tem condições muito piores do que as dos Inquisidores. Isso tudo foi para te salvar – disse tudo de uma vez, mostrando uma raiva que ela nunca havia visto no homem tão centrado que muitas vezes era visto distraído com as nuvens.

— Me enviar para os Inquisidores foi o seu plano para me salvar? – Tentou manter o tom de voz centrado, apesar de por dentro ter se encolhido por causa da última explosão do moreno de eterno rabo de cavalo.

— Não foi o melhor plano, mas era tudo o que eu tinha no momento – foi o tom dele que se abaixou, antes das mãos masculinas pegarem uma escovinha com sabão e quebrar a distância deles.

— O que os Águias têm a ver com essa história? – Ela questionou, retraindo a mão que com persistência ele agarrou e puxou para poder esfregar o braço feminino que exibia tantas escoriações e até perda de peso.

— Cale-se. Apenas coma enquanto eu cuido de você – comentou empurrando uma alta mesa com o pé para que ela alcançasse.

Temari reclamaria e continuaria em busca das suas respostas, mas a fome que a assolava fez com que se calasse e agarrasse o pão para comer de maneira voraz enquanto Shikamaru continuava a esfregar a pele tão suja, tendo cuidado para não provocar dor nas feridas abertas.

Ele inspirou profundamente, enquanto centrava-se no seu ofício, porém, não pode deixar de se lembrar do seu encontro alguns dias antes com o líder dos Águias:

 

— Minha resposta é não – a voz fria de Sasuke reverberou pelo recinto como uma decisão incontestável para o líder dos Cervos e para a mulher que o acompanhava.

— Sasuke... – o murmúrio da mulher foi cortado por um líder que já previa as próximas atitudes dela:

— Não comece, Sakura.

— Não comece? – A voz feminina se exaltou. – Essa é a grande oportunidade que temos para que finalmente Cervos e Águias trabalhem juntos e você diz não?

— Não vou arriscar meus homens, as pessoas que confiam em mim como um líder para que ele resgate uma mulher.

— Não é só o resgate de uma mulher, significará muito mais do que isso e você sabe!

— E você sabe que a motivação principal desse homem foi apenas o resgate dessa mulher, não negue.

Aquilo calou a mulher miúda por alguns instantes. Shikamaru era um exímio analista e só com um olhar, soube que os Águias eram numerosos e perigosos, principalmente em batalhas, diferentes dos Cervos que eram mais discreto e atuavam de maneira indireta para atingir a Inquisição. No entanto, como o estrategista que ele havia sido treinado a ser, ele sabia que tudo tinha sua falha e a grande falha na estrutura de ferro que era o líder dos Águias, era aquela mulher. Era Sakura. Por isso, de maneira analítica, Shikamaru permaneceu curioso pelo que ela faria.

— Antes ter a motivação de resgatar uma mulher do que não resgatar nenhum dos seus seguidores como todas as resistências sempre fizeram, inclusive os Águias! – Ela disse com coragem, surpreendendo até mesmo o líder dos Cervos que achou as palavras de Sakura, mesmo que verdadeiras, longe demais. Buscou o olhar de Sasuke e via a fúria estampada ali, mas de maneira incomum, sua voz saiu fria como sempre:

— Minha resposta permanece não.

Sakura se irritou, voltando seu corpo para o líder dos Cervos:

— Deixe-me ir com você. Quero ajudar.

Antes que qualquer palavra pudesse ser dita, o soco contra a madeira da mesa reverberou sobressaltando tanto Sakura quanto Shikamaru que viram o líder dos Águias erguido com o punho cerrado contra a mesa.

— Se fizer isto, será declarada traidora – a voz saiu fria e ameaçadora.

Shikamaru entendeu que por mais que apreciasse a ajuda de Sakura, sabia que ganharia o ódio do líder dos Águias se ela virasse um dos Cervos, algo que ele claramente não almejava.

O chanceler do rei permaneceu em alerta, mas a mulher se pôs em sua frente e se ajoelhou virada para o líder dos Águias antes de começar com o discurso e o queixo erguido:

— Se é tão errado assim, quero que me puna nesse exato momento, pois não abdicarei das minhas convicções de que isto é o certo a fazer. Se o senhor não vê a evolução em nossa batalha, eu vejo. Prometi que serviria aos Águias e ao senhor, mas se negar à essa aliança, creio que não poderei seguir com as minhas palavras de honra ao senhor, pois antes de tudo fiz um juramento a mim que lutaria por uma causa antes de qualquer homem ou resistência.

O discurso silenciou a sala, deixando-os sob a aura carregada da tensão.

Por menor e escura que fosse a sala, sob a parca luz da vela, Shikamaru podia ver a linha da mandíbula trincada de Sasuke além dos nós apertados dos seus dedos. Um líder sanguinário, como ele era denominado pelas outras resistências, apenas se livraria da insolência da mulher, mas como espectador, o líder dos Cervos poderia jurar que o líder dos Águias estava a ponto de pedir para que ela não fizesse aquilo.

Por isso, intercedendo por ambos e sentindo-se um mero espectador, Shikamaru quebrou o silêncio:

— Sakura, admiro sua coragem, mas você poderia nos deixar a sós por um momento? – As palavras suaves que saíam do líder dos Cervos intrigou aos dois membros do Águias.

— Tem certeza? – Ela perguntou com certa preocupação antes de aceitar a mão que o cavalheiro estendia em sua direção para que se erguesse.

— Tenho, senhorita – ele a tranquilizou ofertando um sorriso.

— Qualquer coisa o senhor pode me chamar – ofertou antes de lançar um último olhar para o seu líder como um aviso e partir deixando os dos líderes à sós.

— Você não vai levá-la como aliada – Sasuke se limitou a dizer em tom baixo assim que a porta foi fechada.

— Eu sei que não poderei ter o apoio de Sakura se não tiver o apoio do líder dos Águias.

— E isso é algo que você não tem – Sasuke foi lacônico, voltando a se sentar folgadamente em sua cadeira.

— Mas há algo que ela realmente tem razão. Seria uma evolução em nossa batalha se juntássemos os esforços dos Cervos e Águias contra um auto-de-fé.

— Não tente usar as palavras dela, você não me convencerá – o cortou.

Shikamaru sorriu um pouco com o desafio antes de começar a falar:

— É interessante como as resistências começam e os motivos dos seus líderes.

— O que está querendo dizer? – Sasuke questionou com suspeita.

— Estou me referindo ao seu passado, ou acha mesmo que eu não estudaria todos os participantes desse jogo?

— O que acha que sabe de mim?

— Sei que tem grande ódio pelo rei Fernando V – ele sorriu com segurança vendo o lampejo de raiva perpassar pelo olhar negro do líder dos Águias. – Sei que seu sobrenome é Uchiha, uma das várias famílias judaicas abastadas que financiaram o casamento entre o rei Fernando II de Aragão e a rainha Isabel I de Castela e Leão com o intuito de re-unificar a Hispania. No entanto, após o casamento, a Inquisição que já existia no Reino de Aragão se espalhou para Castela e Leão, além de obrigar os judeus a se converterem ao catolicismo, tornando-se cristão-novos, ou como os algozes pejorativamente dizem, marranos – a expressão endureceu ainda mais o rosto do líder dos Águias. – Mesmo assim, sua família continuou a praticar o judaísmo e como o agora então rei Fernando V havia proclamado, os cristão-novos seriam investigados e se provado a prática religiosa das outras religiões seriam punidos pelo Tribunal da Inquisição e seus pais foram, deixando apenas os dois filhos que conseguiram fugir por pedido de ambos. Você e seu falecido irmão Itachi viram a execução dos seus pais na fogueira em um auto-de-fé.

— Onde quer chegar? – Disse frio e sem emoções.

— Nós dois sabemos que a Inquisição não é só para ter um reino católico, a ideia do rei é muito maior do que isso, é uma questão política e economia. Executando os judeus que financiaram o casamento dos reis retira a dívida do reino além do poder e influência que os judeus e mouros têm sobre os reinados, inclusive sobre o Reino Mouro de Granada ao sul da Península Ibérica. Ou seja, sua família foi destruída por um rei que tinha medo da influência da sua família e também por não querer arcar com as dívidas que tinham com a tão respeitada família Uchiha. Sua família foi envergonha e destruída e por isso, você e seu irmão criaram os Águias, a maior resistência em número e poderio militar do Reino de Aragão, quiçá dos reinos da Península Ibérica. Mas há algo que você quer acima da luta pela liberdade das minorias, você quer a sua vingança contra o rei que sentenciou a sua família.

Se possível, o olhar de Sasuke se tornou mais obscuro.

— Acha que vai me convencer a jogar os meus homens em uma batalha com uma conversa sobre o que eu desejo em relação ao rei?

— Só quero deixar claro que você pode ter a resistência mais forte, mas eu tenho a mais astuta. Eu consegui me tornar o Chanceler do rei e muitos dos Cervos fazem parte da Corte e de cargos importantes da Igreja. Se você me ofertar a ajuda dos Águias, eu ofertarei a ajuda dos Cervos para que vocês se tornem ainda mais fortes e próximos do rei.

— Por que está indo tão longe? – O líder dos Águias perguntou curioso ao erguer uma sobrancelha.

— Você estava certo antes, há uma mulher.

— Por uma mulher você está entregando o serviço dos Cervos? – O tom irônico de Sasuke era menosprezante Como resposta, Shikamaru sorriu minimamente.

— Creio que até mesmo você pode compreender a minha situação – foi astuto, fazendo o homem sentado à sua frente estreitar o olhar – porque até mesmo você tem alguém especial – os traços de Sasuke se tornaram duros. – Ou acha que eu também não pesquisei sobre a senhorita Sakura antes de vir procurá-lo? Acha que eu não sei que ela foi vendida pelos próprios pais para um prostíbulo para onde seus companheiros lhe levaram e pagaram pela mais cara da noite que por sinal era a mais nova virgem ou melhor dizendo, Sakura, a mulher que não aceitou a situação e até mesmo tentou acertá-lo com um castiçal e tantos outros objetos antes de você a ajudar a sair daquele lugar pagando pela compra dela? Acha que eu não sei que nutre afeto por ela e que Sakura é a única pessoa próxima do verdadeiro Sasuke?

— Você não sabe nada sobre mim e a Sakura – alertou de maneira perigosa.

— Posso não saber tudo, mas sei que faria a mesma coisa se estivesse no meu lugar.

— Sakura não seria tão estúpida de ser pega com tanta facilidade – o timbre aumentou, a raiva inflando no peito do moreno que se erguia de maneira perigosa. – Sakura não é essa tal de Temari.

— Sim, assim como Temari não é Sakura – a segurança inabalável de Shikamaru fez o outro líder permanecer em silêncio, enquanto ele continuava: – Eu também a salvei e a protegi. No início pensei que ela era só uma mulher que eu salvei da morte ou de uma família falida, mas com o tempo percebi que era algo maior. Foi minha culpa não ter previsto a traição dentro dos Cervos, mas não serei culpado por não tentar impedir o próximo auto-de-fé, seja com a ajuda dos Águia ou não. É por isso que eu estou ofertando uma aliança com os Cervos, pois mesmo não aprovando os métodos que vocês usam contra a Inquisição, sei que é a melhor forma de impedir o próximo auto-de-fé.

Sasuke permaneceu pensativo, antes de questionar em um tom mais controlado:

— Qual é o seu plano?

— Transferir todos os membros pertencentes às resistências para a punição na fogueira e então, naquele dia, com nossos homens e mulheres infiltrados no povo, na guarda e entre algozes, começarmos uma rebelião para tirá-los de lá.

— Perderemos homens, sabe disso, não sabe?

— Sim. Mas o rei se tornará temeroso e sua guarda será atingida.

— A Inquisição fortalecerá a atuação depois do ato – Sasuke foi analítico.

— É o nosso risco. Um risco que um dia teremos que passar caso queiramos uma mudança no atual cenário.

Sasuke compreendia perfeitamente o que Shikamaru estava lhe explicando. Já havia pensado nisso antes e sabia que um dia, mais cedo ou mais tarde, teriam que viver aquilo e nada melhor para os Águias viver tal situação tendo os Cervos como grandes aliados. Por isso, com certa dureza ele saiu detrás da simples mesa de madeira e parou diante do homem menos corpulento que ele.

— Não se esqueça da dívida que tem com os Águias a partir de hoje – anunciou contornando o corpo de Shikamaru para abrir a porta da saída, revelando a mulher que ainda aguardava ali sobressaltando com os trincos sendo abertos abruptamente.

Shikamaru viu o corpo de Sasuke parar assim que a viu dançar os olhos verdes claros entre eles dois.

— Não me diga que você não... – ela começou com certa preocupação.

— Esqueça isso, está na hora do jantar – Sasuke foi bruto em deixá-la para trás caminhando sob o seu pesado casaco de pele de animal.

O líder dos Cervos viu a mulher mudar a feição surpresa por uma raivosa pronta para ameaçar o seu líder quando ele próprio resolveu se pronunciar:

— Ele aceitou o acordo, Sakura.

Os verdes se tornaram incrédulos com a notícia antes que o líder dos Cervos fizesse uma mesura e se retirasse para o caminho oposto aos dois membros do Águias; tendo em mente que Sasuke só havia concordado por causa daquela mulher...

 

— Não vai mesmo me contar o porquê de os Águias estarem transitando pelo mosteiro? – A voz baixa e um pouco cansada da mulher o despertou para o ofício de passar a mistura esverdeada de Sakura sobre os ferimentos de Temari.

Ele parou a tarefa por um segundo, admirando a costa alva, nua e de tantas cicatrizes. Pensou por um momento o que dizer, mas se limitou às palavras:

— Isso mudaria alguma coisa?

— Me faria entender o que está acontecendo – ela disse com firmeza, girando o corpo na direção do homem, mas tendo o cuidado de manter sua nudez submersa. O longo tempo com o homem cuidando do seu corpo a fez se acostumar com a sua presença, mas ainda estava alerta e queria suas respostas.

— Problemática – Shikamaru resmungou vendo os olhos verdes, inteligentes e perigosos da mulher que apoiava os braços sobre a borda da banheira, deixando a mostra os ferimentos cobertos pela gosma esverdeada.

Ele sabia muito bem que ela não desistiria até ter sua resposta, por isso ele se limitou a usar dos mesmos artifícios que ela, apoiando as mãos masculinas na borda da banheira, aproximando seu rosto perigosamente do feminino.

— Tem certeza de que gostaria de saber dos meus motivos para fazer um acordo com os Águias? – Inquiriu com uma sobrancelha erguida.

— Sim – sua voz saiu firme, por mais que por dentro ela estranhasse a aproximação repentina e o sorriso prepotente diante de si após sua confirmação.

— Não tenho certeza de que gostará da resposta – comentou em um tom mais baixo, desfazendo o sorriso enquanto a mulher permanecia calada.

Shikamaru tentou se afastar, mas ela foi mais rápida segurando o pulso masculino com força, não permitindo que ele fugisse dela.

— Conte-me.

O olhar sempre despreocupado de Shikamaru caiu sobre o seu pulso direito segurado pela mão feminina molhada. Ficou admirando o som das gotas ecoando sobre o chão de madeira antes de finalmente erguer o olhar para a mulher que havia mudado tanto em poucos anos, tendo coragem de mostrar o furor que antes ficava enclausurado dentro de si.

Ele suspirou fechando os olhos, antes de em um golpe rápido romper a distância de ambos e puxar a nuca feminina de encontro a sua boca.

O arfar surpreso saído da boca feminina foi a desculpa para que sem gentilezas o homem aprofundasse o beijo bruto.

Temari se debateu diante do agarre do homem. Socou o peito dele, empurrou os ombros, mas antes que percebesse, seus protestos de maneira inconsciente se tornaram uma busca incansável por um maior contato enquanto sua boca duelava contra a masculina.

Com a força que ele tão bem sabia que ela tinha, Temari o puxou pelos ombros derrubando-o dentro da banheira.

Água derramou e se espalhou pelo chão do quarto de banho, mas os corpos em busca de maior contato não se importaram com a bagunça ou com a inconveniência dos seus atos, apenas desejavam satisfazer o desejo e anseio que por muito tempo havia sido nutrido secretamente dentro de cada um deles, não dando chances para que o outro desconfiasse que era correspondido.

Mas ali, naquela sala de banho mal iluminada por uma janela, eles se entregavam por atos e Shikamaru finalmente realizou seu desejo de segurar com firmeza a cintura fina, puxando-a para si.

Temari gemeu quando a boca dele deslizou para o seu pescoço enquanto suas mãos desfaziam o rabo de cavalo, libertando os cabelos negros que iam até os ombros largos e masculinos.

— Foi por sua causa – ele admitiu de encontro ao ouvido da mulher que um dia ele salvou de um afogamento e agora estava em seus braços. – Foi para te salvar. Por isso eu fiz um acordo com os Águias.

— Por quê? – A voz dela dançou pelo ar com satisfação, apertando o abraço em torno dos ombros dele.

Shikamaru sorriu um pouco, admirando suas mãos grandes segurando as costas femininas antes de admitir o que exatamente resumia a sua situação:

— Porque você é tão problemática.

Ela riu ao escutar aquilo, não era bem o que esperava, mas era o melhor para definir os dois.

Ela nada mais disse, apenas permaneceu abraçada ao homem de roupas ensopadas que acariciava ternamente suas costas nuas.

Temari sabia que aquele não era o romance que uma moça de família que um dia ela foi sonhou ter. Ela sabia que a Inquisição ainda estava à solta e com certeza revidaria o último atentado. Compreendia perfeitamente que agora tinham aliados inesperados e que com certeza não poderia se casar com o homem que era o Chanceler do rei após o reino conhecer seu rosto prestes a ser queimada na fogueira; mas, naquele instante, ela não se importava.

Se era aquilo que a vida havia guardado para si, ela viveria daquela forma, até porque...

Nenhuma Inquisição a fará temer!

 

FIM!


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Notas finais do capítulo

*Betado por Hitsatuke

*Simbologia dos animais:
— Cervos - símbolo da piedade, da devoção e da segurança dos cuidados de Deus.
— Águias - símbolo da ressurreição.

*Mapa dos reinos hispânicos:
http://www.arteguias.com/biografia/mapareyescatolicos.gif

Eitaaaaa!!! Agora 'to tremendo de medo e nervosismo para ouvir a opinião de vocês hahahaha Como eu já disse, é a primeira vez que eu escrevo ShikaTema e posso dizer que levei bastante tempo para descobrir o que escrever. Não sei se ficou bom ou pelo menos razoável, mas o resultado foi esse hahaha
Sobre o tema, eu tive base em algumas pesquisas e no documentário da BBC sobre a Inquisição Espanhola. Lógico que não sou uma especialista na longa história espanhola e nem coloquei a Catalunha na história que fica na região onde fica Barcelona, pra não complicar ainda mais a história.

Obrigada por terem lido e mais uma vez:
FELIZ NATAL!

Leiam as fics escritas por Mirys (NejiTen) e Hitsatuke (SasuSaku) ^^

Qualquer nova informação sobre as fics informarei na Página do Face:
https://www.facebook.com/gabyfanfiction/



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