Qui Vivra Verra escrita por Lawliette


Capítulo 1
Comme de la soie


Notas iniciais do capítulo

ALÔ, ALÔ, QUERIDOS, AMIGOS, CONTERRÂNEOS! HÁ QUANTO TEMPO, GENTE DO CÉU, quantos meses fazem que não venho postar nada, nem capítulo de fic? gente do céu, me salvem da minha miséria

*cahem*

Para os curiosos, o título da fic é um ditado francês que significa, literalmente "quem viver, verá". O título do capítulo traduz para "como seda", e é referência a uma música bonitinha que me inspirou a continuar revisando issaque. Se quiser ver, aqui o link: https://www.youtube.com/watch?v=cHtffUKIF7g

Deixei as falas de Pokémon entre aspas para diferenciar das normais e deixar claro que, quando a fala está entre aspas, é um Pokémon que está se pronunciando. O motivo pra isso pode ficar claro na fic em si~

Antes de desejar boa leitura, peço que relevem os erros aqui da fic. Não fiz uma revisão muito elaborada, mas resolvi postar antes que perdesse a coragem de novo e deixasse a fic mofar por mais seis meses. Com o tempo, isso será devidamente organizado. u_u

Agora sim, boa leitura~



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A manhã de domingo se descortinava como qualquer outra manhã preguiçosa; a única folga que Désirée tinha durante a semana, dia em que podia se permitir a dormir até mais tarde.

Uma preguiça interrompida mais cedo que de costume, infelizmente. O telefone que teimava em chamar roubava-lhe as últimas horas de sono, por mais que não tivesse a menor vontade de se retirar do conforto que a cama lhe permitia. Céus, quem em sã consciência queria acordá-la na pouca folga que possuía?

Por não ter se levantado da cama para atender a ligação, a secretária eletrônica terminou por fazê-lo ao final do sexto toque: Você ligou para Désirée Cabarne, não posso atender agora, por favor deixe um recado após o sinal.

— Desy, aqui é a Camille. Estou aqui em Lumiose, que tal tomarmos um café mais tarde?

Désirée praticamente pulou da cama, tamanha sua surpresa pela voz e o nome citado. De todas as pessoas que podia imaginar que tirariam o seu sono assim tão cedo, nenhuma lhe traria tanta alegria quanto Camille, tampouco tanta surpresa. Fazia um bocado de tempo já que as duas não se falavam, por conta de uma decisão precipitada que a própria Camille tomara: anos atrás, na época em que estudavam juntas e já se identificavam como amigas inseparáveis, lá estava a garota, decidindo que iria largar tudo para se dedicar as jornadas Pokémon. Não tinha dado outra: pouco tempo depois, Camille arranjou seu jeito de levar uma Pokémon consigo, pegou sua licença, sua passagem de navio para Kanto, e desde então, só conversara com a amiga por meios eletrônicos: internet, telefone...

Saber agora que a amiga, depois de tantos anos, tinha voltado para Kalos... Agora isso sim era uma notícia e tanto.

Imediatamente, jogou as cobertas para o lado, aproveitando-se da súbita energia que a acometera, e pegou o telefone. Discou o número tão conhecido com um tanto de afobação, e passou a aguardar pelos toques vagarosos que anunciavam a chamada sendo feita. Dois toques depois, Camille atendeu:

— Desy, ma ange, é você? — Veio a voz do outro lado da linha, uma conhecida, suave, que há muito não era ouvida.

— Camille! — exclamou Désirée, no auge de sua animação. Estava quase rindo de si mesma, imaginando se não iria começar a dar pulinhos ali mesmo. — Camille, há quanto tempo não conversa comigo, garota? Deus, que saudades de você.

— Realmente, ma ange. Diga, está livre hoje pra conversar comigo?
— Claro, claro, melhor conversarmos pessoalmente... Se prepare, tenho muitas perguntas pra te fazer. — Ouviu-se uma risada divertida do outro lado. — Tem algum lugar em mente para nos encontrarmos?

— Ai, não faço ideia mais do que tem aqui. Estou hospedada em um Centro Pokémon, mas você sabe como é... Tanto tempo fora de casa dá nisso. Onde está morando agora?

— Num apartamento, bem confortável, por sinal. Era aquele que tinha te dito eras atrás que queria. Enfim... Sabe pelo menos me dizer onde está, criatura? — Ah, Camille, sempre tão avoada... Désirée realmente não fazia ideia de como a garota não se perdera todo esse tempo em Kanto, do jeito que o seu senso de direção era e sempre fora.

— Mais ou menos... Posso pedir pra te acharem por mim, tenho um amigo voador comigo agora, acredita? Um Pidgeot... Como está hoje em questão de aparência, ma ange?

No momento, nem um pouco aceitável, quis dizer ela, a mão livre imediatamente indo para a bagunça que seus cabelos loiros estavam. Roupas nem um pouco aceitáveis também, considerando todos os amassos que sua camisola de flores deveria estar. Deu-lhe uma breve explicação de um modo simples que se vestiria, no entanto, ao qual Camille disse que faria questão de guardar consigo para descrever corretamente ao Pokémon. Havia um café próximo de sua casa bem peculiar, que provavelmente serviria de ponto de referência.

Completamente animada om a possibilidade de reencontrá-la, não demorou muito para que Désirée estivesse fora de casa, roupas arrumadas e os cabelos devidamente apresentáveis. No trajeto todo pelas ruas movimentadas da cidade de Lumiose — uma das maiores e mais movimentadas de todo o continente, por sinal —, andava imaginando que é que havia mudado sobre a amiga durante todo esse tempo, seja em aparência ou em personalidade. Algumas coisas não haviam mudado, como os carinhosos apelidos e a desatenção natural da amiga; às vezes, Désirée pouco acreditava em como tinham sido amigas na classe avançada de seu antigo colégio, coisa que necessitava de ótimas notas e um ótimo rendimento. Quem sabe essa característica não teria melhorado?

Mas uma coisa era certa: Désirée definitivamente queria saber o que a amiga andara fazendo todo esse tempo, incluindo todos os detalhes de sua jornada Pokémon. Foi até de seu agrado quando o Pokémon citado não demorou a aparecer, sobrevoando o café e soltando um agudo piado quando encontrou a menina. Um enorme pássaro de penas marrom e bico ameaçador de tão afiado. Quase teve medo de que o Pokémon fosse levá-la voando até

Camille, no entanto, ele apenas lhe guiou pelo ar até o dito Centro Pokémon, há uns trinta minutos do café.

O prédio estava relativamente movimentado, como seria de praxe em Lumiose, a metrópole mais procurada por treinadores e turistas. Um Centro Pokémon servia principalmente como hospital para os monstrinhos de bolso, embora também houvesse a hospedaria aos treinadores. Espalhados por todo o continente, a maioria era tão movimentado quanto o Centro Pokémon atual.

A maioria das pessoas e Pokémon apinhavam-se no saguão do prédio, fazendo uma fila próximo a um balcão onde uma enfermeira estava sempre pronta para atendê-los. Eram tantas que, por um tenebroso momento, a própria Désirée se perguntou se conseguia encontrar a amiga ali. O Pidgeot silencioso havia desaparecido para o teto do prédio antes que pudesse tirar dele qualquer instrução útil.

Esses pensamentos, porém, foram varridos completamente de sua mente quando uma pessoa aproximou-se dela, acenando enquanto a alcançava.

— Désirée!

Camille não havia mudado tanto assim desde a última vez que a vira. Crescera alguns centímetros a mais que ela, porém mantinha a mesma aparência de sempre: a pele morena de quem ficava muito tempo no sol, os cabelos negros, lisos com cachinhos nas pontas, caindo por sobre os ombros, e talvez também pelas costas (então os deixara crescer, huh?). Roupas leves, consistindo numa regata simples e uma bermuda, exibindo o corpo que apenas uma única olhada deixava inútil negar sua beleza.

Um sorriso coloriu sua face assim que viu a amiga. Não conseguiu evitar de abraçá-la assim que foi possível.

— Camille! — exclamou ela, separando-se da amiga apenas alguns momentos para depositar um breve beijo em uma de suas bochechas. — Camille, há quanto tempo! Como tem andando?

— Bastante bem, como você pode ver. A vida de treinador é ótima. — Ela deu-lhe um sorriso largo, para logo depois puxar-lhe a mão. Enquanto caminhava, foi falando: — Mas e você, como está?

— Bem, bem. Trabalhando como redatora e tendo numa revista, um lugar ótimo. Mas e você, qual o motivo de Lumiose estar sendo agraciado com a sua ilustre presença?

— Ah... — A expressão de Camille se fechou. — Uma história complicada. Aqui não é lugar para falarmos disso, vem.

Franzindo o cenho, Désirée apenas foi capaz de segui-la em um resignado e confuso silêncio. Essa era uma atitude incomum até mesmo para Camille.
A amiga guiou-a para longe do saguão, indo direto para o elevador do prédio para levá-la ao andar de seu quarto. Lá mesmo, provavelmente aproveitando-se do fato de ele estar vazio, Camille voltou a falar:

— Ah, ma ange, é uma história bastante longa a minha. Viajei para todos os lugares possíveis de Kanto, conheci muita coisa boa, fui até famosa em algumas cidades, sabia? Mas... Não sei. Parece que tudo perdeu a magia, sabe?

Na verdade, não, Désirée não entendia. Nem um pouco. A confundia ouvir a amiga, que antes sempre parecia ter uma animação na voz sempre que falava de si mesma, que Pokémon possuía, que cidades visitava e em que ginásios conseguira suas insígnias, criando uma grande coleção que prometia mostrar a Désirée assim que tivesse a chance. Désirée sempre soubera que, caso pudesse ver seu rosto e sua expressão, seria exatamente a de alguém que simplesmente amava o que fazia, pois era justamente isso o que sempre sonhara. Inútil dizer que a declaração a desconcentrava.

— Decidi que vou passar mais tempo aqui em Lumiose do que deveria — continuou Camille, alheia aos pensamentos da redatora. — Talvez criar raízes, não sei. Por isso mesmo quero te pedir um favor, querida. — Désirée apenas aguardou, meneando a cabeça quando a palavra lhe foi direcionada. — Queria que pudesse conversar com meu time pra mim.

O elevador chegou ao seu destino naquele mesmo momento, tirando a atenção de Camille para a expressão um tanto aflita que Désirée havia adquirido. É claro, havia ainda aquele pequeno detalhe sobre a jornalista. Uma capacidade incomum para as pessoas nos dias de hoje, talvez algum tipo de bênção, do tipo que muitos matariam para ter: podia compreender as falas dos Pokémon como se fossem de qualquer outra pessoa normal, ao contrário da grande maioria, que apenas ouvira grunhidos ou sons característico da espécie.

Désirée, é claro, mantinha isso mais ou menos em segredo, ou então sua vida não teria aquele quê de calmaria a qual podia desfrutar. Não que ela tivesse escolha sobre usá-lo ou não; o sucesso que vinha das entrevistas onde podia melhor compreendê-los para ajudar os humanos sobre como são essas criaturas e suas próprias maneiras de viver era apenas uma consequência da suposta anomalia genética que nunca escolhera para si.

Entre as poucas pessoas que conheciam seu segredo, Camille estava incluída — e muito bem informada sobre. E estava claro que a amiga se aproveitaria de sua habilidade uma hora ou outra.

Mas, céus, Désirée precisava de um tempo para assimilar aquilo tudo. Camille desistindo de sair em viagem pelos continente, colecionando Pokémon e insígnias? Por quê? Que dera na cabeça dela para deixar de lado algo que antigamente era seu sonho, do tipo que deixava claro na voz que não havia mais nada no mundo que ela gostaria de fazer pelo resto da vida? Não. Era surpreendente demais para dar uma resposta imediata acerca do seu pedido.

Sequer teve tempo para fazê-lo, de qualquer maneira. Camille puxou uma Désirée sem palavras, de olhos arregalados, tentando assimilar as informações em direção ao seu quarto, onde imediatamente foi deixada para que a colega trancasse a porta. E nem mesmo por se ver num local mais calmo Désireé pôde parar um pouco para pensar. Bem ali no enorme espaço que parecia ser uma sala, Camille parecia ter reunido praticamente o seu time Pokémon inteiro, a exceção do Pidgeot que encontrara mais cedo. Todos eles, obviamente, bastante chamativos, espécies que pouco se via em Kalos.

Todos eles eram bastante curiosos em aparência geral, mais pelo fato de Désirée nunca ter os visto do que por aparência peculiar, pois felizmente sabia nomeá-los. Um deles, com pouco menos de um metro e vinte, era um Clefable, parecendo bastante zangando com a presença nova no quarto. Havia também um Vileplume, um Pokémon interessante por assemelhar-se muito a uma planta, dado a flor que carregava na cabeça. Havia também um gato de pelos claros e uma gema peculiar pregada a testa — Persian, se Désirée não se engava —, mas nenhum deles chamava tanta atenção quanto a maior das Pokémon ali presente.

Esta sim era bastante peculiar, se comparada a todo o resto. A exceção do Pidgeot, a Ninetales era uma das maiores Pokémon dali, com cerca de um metro e meio de altura, senão mais. Além disso, também possuía olhos azul gelo, assim como pelos creme, ligeiramente mais claro que o do restante de seu corpo, caindo por sobre o pescoço e parte da testa, como cabelos de um loiro muito pálido. Era ela que parecia ainda mais zangada com toda aquela situação, trazendo uma carranca talvez ainda maior que a do Clefable.

— Pessoal — começou Camille, abrindo um enorme sorriso para o time curioso de Pokémon —, venho lhes apresentar a Desy. Désirée, minha amiga.

“Ah, então era dela que você sempre falava?” perguntou o Persian, com uma voz meio arrastada, porém suave. Seus olhos escarlate estudaram

Désirée, curiosidade sendo a única coisa que a garota podia detectar ali.
Os outros Pokémon apenas fizeram um breve aceno, um ou outro dando-lhe um cumprimento em forma de resmungo nada caloroso para quem acabava de se conhecer. Camille, alheia a pergunta do Persian, continuou falando:

— Ela é uma pessoa especial, que pode compreender a fala de todos vocês aqui. — Imediatamente, todos os olhares se fixaram nela. De repente, Désireé se sentiu extremamente desconfortável. — E eu meio que a trouxe para me ajudar a conversar com vocês sobre um assunto muito... delicado. —

Em seguida, virou-se direito para a amiga, um olhar de súplica tingindo suas feições.

Désirée suspirou. Nessas condições, não lhe sobrava escolha. Assentiu brevemente, para o qual Camille abriu um enorme sorriso, voltando-se para os Pokémon com uma expressão incerta sobre estar feliz ou não.

— Então vai ser assim: quando vocês responderem as coisas, vou deixar que a Desy fale pra mim, tudo bem? — Mais meneios de cabeça, e lá estava indo a colega começar suas explicações: — Bom, gente... Sei que viemos para cá numa decisão meio precipitada, mas estava precisando voltar para os lugares de origem para pensar, sabe? Ultimamente... Ultimamente, as coisas não andam parecendo mais tão divertidas em relação a viajar para buscar insígnias ou participar de Contest. Viajar em geral não parece mais tão legal. Acho... Acho que chega uma hora na vida que você precisa repensar sobre o que fazer, sobre como seguir a partir de agora.

Ouviu-se um resmungo em conjunto dos Pokémon com a pequena pausa para estudar as reações dos monstros de bolso, nenhum deles parecendo tão confortável com o pequeno discurso de sua treinadora. Como não houve muito mais, continuou:

— E... Eu estive pensando... acho que quero continuar a vida dum modo mais fixo. Arranjar um lugar para ficar, resolver tudo, essas coisas. Basicamente, parar de ser uma treinadora.

“Pera, pera, pera, como assim parar de ser treinadora!?” O Clefable foi o primeiro a se pronunciar, com a Ninetales logo se juntando:

“Como assim parar? Você não pode parar!”

— É isso mesmo — respondeu a treinadora, depois de Désirée transmitir-lhe suas falas. — Quero tentar seguir outra coisa. Mas vocês não precisam vir comigo.

Mais uma vez, as palavras causaram espanto em todo o grupo. Por alguns momentos, nenhum deles conseguiu falar, apenas dirigir-lhe olhares assustados.

— Nenhum de vocês precisa continuar comigo aqui se não for o que desejam. Não quero prendê-los, muito pelo contrário: podem ser livres se quiserem. — Ela levantou um dedo, interrompendo mais protestos vindo dos monstrinhos: — Isso não significa que quem quiser ficar não será bem-vindo a dividir a vida comigo.

“Você não pode parar, Camille. Por Arceus, não pare de viajar!” Novamente, a Ninetales se pronunciou. Désirée se encolheu no lugar, tentada a falar alguma coisa. “O que vai ser da gente?”

“Anette, ela não acabou de falar que podemos ir embora se assim desejarmos?” foi o Persian dessa vez, sem perder a compostura. Perto da Ninetales, ele parecia um gato incrivelmente pequeno. “Aliás, se é isso que a Camille quer não vejo porque argumentar contra.”

“Mas eu não entendo! Achei que o que ela mais quisesse fosse viajar, e não parar assim, do nada, pra fazer outra coisa.”

Mais uma vez, Désireé transmitiu a indignação da Pokémon para a amiga. Camille deu um passo a frente:

— Anette, ma chéri, eu ainda tenho muitos anos para viver. Creio que já aproveitei o que podia das viagens, já que não tem mais tanta graça assim.

“E como assim não tem mais graça?! Viagens é a nossa vida, Camille!”

— Não mais, não mais... — E deu um sorriso meio tristonho, mais para si mesma do que para a própria Pokémon.

“Como você pode querer ficar trancada numa casa, Camille? Aliás, até no Centro Pokémon não gosto muito, e você também não.”

Mais uma vez, Désirée sentiu vontade de se meter na conversa. Não se atreveu, no entanto, até porque outro Pokémon, dessa vez a Vileplume, continuou as argumentações da Ninetales antes que sequer pudesse pensar em dizer algo.

“Acho que a entendo de qualquer maneira, pode ser bom para a Camille inovar um pouco.” Ela olhou diretamente para Désirée ao falar, um sorriso morno no rosto, assim como suas feições. “Por favor, pode dizer a Camille que vou escolher seguir meus próprios caminhos dessa vez?”

Felizmente, ela não conseguiu responder.

“O que está dizendo, Pietra?” Anette interrompeu-a, a voz parecendo falhar um pouco em contraponto à sua expressão. “Achei que quisesse viajar com a gente, para conseguir insígnias e tudo o que temos direito.”

“E ainda o quero, Anette.” A Vileplume levantou um pouco de sua cabeça para mirá-la, pelo menos o pouco que sua estrutura poderia permitir. “Mas se não é isso que Camille vai fazer, que bem tirarei disso? Sinceramente, prefiro procurar outro humano que queira viajar comigo.”

"O quê?!”

“Desculpe, Anette, mas estou com Pietra nessa.” Agora era o Persian quem falava. Mais uma vez, a expressão de Anette era de plena e total incredulidade, praticamente toda que Désirée conseguia ver em alguém.

Mas, de qualquer maneira, que é que a Ninetails podia fazer sobre o assunto?

“Pierre, não me diga que você também...” Anette voltou-se para o Clefable, praticamente suplicando sem de fato usar as palavras.

“Não se preocupe comigo, Anette” assegurou o Pokémon, fazendo um breve gesto de mãos com os seus curtos braços. “Não entendo Camille, e acho que ela vai precisar mais do que palavras melosas para fazê-la mudar de ideia. E se esse é o desejo dela, então também será o meu.” E com isso mesmo, voltou a exibir a careta zangada que lhe era caraterística.

“Mas... mas... Você vai deixar que ela faça isso, que desista dos sonhos tão fácil assim? Vai mesmo?”

“Anette!” A raiva do Clefable passara de apenas notável. Até mesmo Désirée estremeceu ao ouvi-lo, a voz estrondosa tirando a atenção de todos ali. A raposa de nove caudas, provavelmente sentindo o mesmo, se encolheu no lugar, atenta as suas palavras. “Deixe Camille em paz com sua decisão. Ela tem seus motivos, assim como Pietra e François.” Em seguida, sobressaltando Désirée, virou-se diretamente para ela. “Humana, acabe com essa discussão e conte a nossa mestra sobre nossas decisões.”

— Ah... sim. Sim, sim. — Désirée meneou a cabeça.. Todos os olhares estavam grudado nela, especialmente o de Camille, cheio de expectativa quanto ás traduções que a amiga poderia lhe fornecer. Aquilo tudo ainda parecia tão errado... Désirée, no entanto, tratou de esconder seus sentimentos numa caixinha bem no fundo de sua mente, atrás de uma expressão séria: — Ahem... Pierre, digo, o seu Clefable parece entender a situação e não tem objeções. Quer ficar.

— Oh, que ótimo! — Camille abriu um sorriso de satisfação. — E quanto aos outros, entendem também?

— Bem... O Persian e a Vileplume também entendem, mas.. Preferem ir embora, para encontrar outro treinado que os queira.
O sorriso se desfez.

— Ah... Entendo. Era de se esperar. — Camille assentiu, murmurando algo para si própria. Houve um suspiro. — Tudo bem então, se é o que querem... Só posso desejar sorte.

“Agradeço pela compreensão, Camille” miou François, suave novamente.

Houve ainda outro miado de carinho, seguido pelo Pokémon aproximando-se da agora ex-treinadora. Com um sorriso triste, Camille levou a mão até a cabeça erguida do gato, depositando ali um longo, e talvez último carinho. Os olhos pareceram marejados. Mais um miado, seguido o ruído alto de um ronronar.

Désirée desviou o olhar Definitivamente não gostava de despedidas, tampouco das que não eram suas, onde se sentia como uma interrupção do momento íntimo de treinador e Pokémon. Tentou olhar para algum outro lugar, se concentrar em algo para não ouvir as últimas palavras que os dois, agora também na companhia da Vileplume, trocavam.

O que encontrou para ver além disso foi a figura tristonha de Anette, olhando diretamente para Désirée. Ou melhor, olhando na direção dela, como quem desesperadamente procurava uma distração para uma cena que, infelizmente, era obrigada a contemplar. Désirée quase levou a mão ao peito, dado ao perto que sentira comprimir seu coração. Deus.

Despedidas terminadas, Camile guiou os Pokémon para a porta do quarto, deixando-os sair; François com um deslizar de seu corpo por entre as pernas da treinadora. Camille ainda ficou ali por mais alguns segundos, fungando antes de voltar-se para o restante dos presentes.

— Bom — começou ela, forçando um sorriso nem um pouco animado. — Parece que só ficou a gente aqui, né?

“Não!” rugiu a Ninetales, colocando-se de pé; e por Arceus, ela parecia ainda maior assim. “Eu não concordei com nada disso. Diga a ela, humana, diga a ela!”

— Mas o que... — Camille, visivelmente confusa, olhou para a raposa. Pierre tomou a dianteira da situação:

“Anete, não ouse...”

“Diga a ela, humana!” Continuou Anette, ignorando completamente os protestos do Clefable, e com a voz aumentando cada vez mais. Arceus, ela não sabia que iria acaba criando um alvoroço desnecessário caso alguém ouvisse? ”Diga!”

— Uh... — Engoliu em seco. Como Anette não havia feito nada potencialmente perigoso senão gritar a plenos pulmões, o Clefable também não fez nada. Se ao menos tivesse tido a chance de recusar... — Então, uh, a sua Ninetales... Anette, ela não concorda com isso, sabe...?

— Como assim não concorda?

“Não concordando.” Anette respondeu por ela, de olhar duro. “Do tipo que não entendo os motivos que ela tem para parar de viajar e praticamente me abandonar.” Désirée repetiu por ela. Camille franziu o cenho e, mais uma vez, foi o Clefable quem interviu:

“Anette, essa é uma decisão que Camille tem que tomar, não você.”

“Mas também não é uma decisão inteiramente dela!”

“De qualquer forma, isso não te dá o direito de gritar com sua treinadora e forçá-la a continuar viajando.”

“E quem falou que vou forçar Camille a continuar viajando? Quero é entender o que deu na cabeça dela pra parar com o maldito sonho dela!”

A discussão continuou. Suspirando, Désirée trocou um olhar conformado com Camille, certamente assustada com os gritos incompreensíveis para seus ouvidos. Também pudera, a própria Désirée estava um tanto tensa, embora tivesse certa pena da Ninetales. Não compreendia, de maneira alguma, quais as exatas razões para Camille desistir de viver o seu sonho, a sua jornada Pokémon tão almejada durante anos e mais anos. Depois de tanto tempo vendo-a insistir no sonho, mantendo-se determinada até quando seus esforços eram frustrados por alegações como a reputação duvidosa dos treinadores e do perigo que os Pokémon selvagem poderiam oferecer, era difícil vê-la desistir assim, tão de repente.

Afinal, que outra vida alguém poderia querer? Numa jornada, haviam possibilidades infinitas para se adotar, liberdade, talvez algumas complicações que decerto seriam grandes empecilhos, mas boa no geral. Não tinha de se preocupar em redigir textos cheios de regras e padrões a serem seguidos, dias para acordar cedo, tempo determinado e curto para férias, não tinha chefe, ninguém controlando, nada. Era praticamente o emprego perfeito para quem tivesse uma alma aventureira e estivesse cansado de tanto controle que a sociedade atual insistia em impor. Aliás, também não era difícil conseguir fama sendo um treinador assim que revelava potencial para lidar com os monstrinhos e as batalhas. Frequentemente a mídia gostava de falar sobre eles, numa tentativa de desconstruir a ideia errônea de que era uma vida de vagabundos, havendo até mesmo ajuda financeira quando as coisas apertavam.

Em resumo, era o emprego perfeito.

No entanto, ali estava Camille, desistindo de tudo isso, de toda a glória conquistada. Que acontecera, afinal?

“Humana!” Désirée pulou no lugar, tamanha a surpresa ante ao chamado. Anette estava encarando-a, enquanto o Clefable mantinha a sua expressão desgostosa, agora quem sabe misturada a um pouco de frustração também. “Pergunte a Camille porque quer parar de viajar, e pelo amor do nosso bom Arceus, peça detalhes!”

— Okay... — Respirou fundo. — Anette quer saber porque exatamente quer parar de viajar, Camille. Com detalhes. — Adicionou rapidamente diante do olhar irritado que recebeu.

— Oras, mas eu já disse. Já não é mais tão bom viajar por aí sem rumo. Depois de quase oito anos viajando, as coisas meio que perdem a graça, tornam-se super saturadas, sabe? Então, como sou nova ainda, pensei: “por que não aproveitar e enfim fazer outra coisa, aproveitar o que a vida tem para me oferecer?” Criar raízes, conseguir um pouco de estabilidade.. ok, eu me sinto estúpida falando assim. Ela realmente entende, Desy?

— Mais do que você imagina. — Deu um sorriso de canto.

“Mas Camille,” a raposa interrompeu mais uma vez: “O que vai ser de mim?”

— Você pode escolher ficar comigo ou não, querida. Não estarei abandonando-a.

Anette não pareceu nem um pouco convencida daquelas palavras. Fez uma careta de completa indignação e gosto, para logo em seguida erguer o queixo, assumindo uma expressão um tanto pernóstica.

“Vai me deixar aqui então, é? Vai viver no Centro?”

O Clefable voltou á conversa, os braços muito bem cruzados:

“Anette, Camille não está te obrigando a ficar. Pode muito bem seguir o exemplo de François e Pie se quer tanto assim viajar.” 

“Eu quero viajar com Camille, não outro treinador. Conheci Camille antes mesmo de começarmos a viajar, antes mesmo de você vir pro time. Estive com ela em incontáveis batalhas, incontáveis lugares e não, não me cansei de nada. Achei que íamos viajar para sempre. Sinto como se isso fosse algum tipo de traição comigo, na verdade.”

Percebendo o tom, Camille tentou intervir:

— Anette, você precisa entender...

“Não. Eu sou uma alma livre. E você também.”

— Anette...

“Se você continuar com isso, eu vou... eu... Eu vou me mudar pra casa da Désirée!”

— Quê?! — A exclamação foi conjunta. Todos imediatamente olharam para Anette, embora a vítima naquela confusão toda fosse Désirée. Como assim na casa dela? E por quê?

“Isso é ridículo!” exclamou o Clefable, jogando os braços no ar, exasperado.

“Não seja infantil assim, garota, que bem vai fazer se mudar pra casa de um inocente?” Exato, que bem isso faria?

— Que está acontecendo? — Camille enfim perguntou.

— A sua Ninetales quer se mudar pra minha casa.

— Por quê...?

— Eu sei lá. Um jeito bizarro de trair você, eu acho. — Se é que aquilo sequer pudesse ser chamado de traição. Só atrapalharia, em realidade.

— Me trair...? Mas o que foi que eu fiz?

— Não sei... — confessou, levando a mão até as têmporas. Sinceramente, aquilo era tão estúpido que sequer conseguia assimilar.

Diante da explicação de Désirée, feita no meio da nova discussão que a raposa agora travava com o Clefable, a expressão de Camille foi passando por uma quase hilária sucessão de emoções, se não fosse, é claro, a gravidade da situação em que encontravam. Anette, por algum razão, achara que a melhor maneira de se vingar de sua treinadora, e quem sabe também de fazê-la mudar de ideia, era se bandear para o lado da melhor amiga, funcionando, assim, como um tipo que amizade que frequentemente as pessoas se queixavam, rotulando como traição de amigas. Algo assim.

Sim, estúpido e bastante infantil, ainda mais considerando a idade da Pokémon e as experiências de vida que tiveram até agora, suficiente para dar-lhe ao menos um mínimo de maturidade. Désirée, obviamente era a que menos conseguia acreditar naquela ideia da Ninetales. De tantas coisas para se fazer como “vingança”, tinha que ser justo na casa dela?

Camille até tentou persuadi-lá a não fazê-lo, explicando novamente que não queria mais viajar, mas Anette recusou-se a ceder. Disse que ficaria na casa de Désirée, quer Camille quisesse ou não. Que se fodesse a opinião da jornalista tradutora, não é mesmo? Se Camille quisesse tirar dela aquela inconveniência, então que voltasse a viajar, cedendo aos desejos egoístas da Ninetales.

O pior de tudo era a certeza de que Camille não se dobraria a tais chantagens. Não agora que já havia dispensado todo o seu time, a exceção do Pidgeot. Não agora que voltara. Tomara sua decisão. E como nenhuma das duas partes cederia...

Deixa que ela perceba que não vou mudar de ideia, Desy. Tem certeza que não vai incomodar? Claro que não, meu anjo, tá tudo bem. Cuide dela pra mim, tá? Ela é teimosa, mas daqui há umas duas semanas talvez entenda e pare de te incomodar. Está bem, Mille, não tem problema, posso cuidar. Não, Mille, não vai incomodar, sério mesmo. Por nada.

A verdade? Nenhuma das duas estava satisfeita com aquilo tudo.

Anette, vendo os seus planos um tanto cruéis destruídos com a má vontade de Désirée quanto a deixá-la em casa, não tinha muito mais que fazer senão de fato se hospedar na casa da jornalista. Por um lado, estaria mais do que feliz em recusar aquele pedido de Camille para tentar lidar com a raposa até que ela própria se desse conta que seus esforços e atitudes eram inúteis. Por outro...

Era Camille. Camille, a amiga que não havia visto pessoalmente há quase oito anos. Quem ficaria mais do que feliz em dar-lhe motivos para menos preocupação, ainda mais agora quando parecia que a garota tinha coisas o suficiente para se preocupar. Como por exemplo, uma casa fixa, um emprego... Désirée não se atrevia a estragar a parcial satisfação pelas coisas estarem indo como a amiga queria. Sua gentileza excessiva não permitiria.

Aquilo ainda seria estressante para a mulher. Não importava o quanto tentasse olhar para o lado bom da situação — como por exemplo, seria a primeira vez que de fato teria algum contato contínuo com um Pokémon, e primeira que veria um de sua espécie se virar na casa de um desconhecido —, o fato dito de uma forma feia era aquilo mesmo: tinha uma raposa de nove caudas maior que o normal em casa, e não sabia como iria lidar com isso. E se descobrisse que Anette era uma chata?

Isso quase que arrancava de Désirée sua simpatia ante a sua situação. De fato, havia sido difícil ver a amiga de infância abandonando-a para seguir seus sonhos. Decerto que também seria difícil para a própria Désirée, caso tivesse participado com ela em tantas batalhas e visto tantos lugares ao seu lado, ser deixada de lado assim, apenas com alegações de que cansara de algo imensamente incrível para as duas. Simpatizava, mas ainda não aprovava. Era irritante, incômodo, e ela só queria sossego. Esperava que a Ninetales não fosse uma companhia ruim em sua casa, senão...

Não, Désriée, você está exagerando. Para um pouco com isso e pensa direito na situação. Isso, isso...

— Mille — chamou Désirée, um par de horas depois. As duas, sentadas na cama simples que Camille arranjara no quarto do Centro, conversando o que não puderam pela interrupção e os assuntos mais relevantes.

— Hm?

— Tu quer mesmo ficar aqui, Mille? Digo... — Fez um gesto abrangente para todo o quarto. — Quer dizer, vai acabar sendo um enorme prejuízo, especialmente se demorar a encontrar alguma coisa para emprego. Como vai fazer se o dinheiro acabar?

— Ah, isso? Não se preocupa, Desy, as minhas viagens me deixaram com dinheiro o suficiente pra viver um bom tempo em Centros Pokémon. Nem é tão difícil assim.

— Mas... Escuta, não quer ficar na minha casa, comigo? Assim fica menos incômodo pra você....

— Ah, não, não — constrangida, a mulher deu um sorriso amarelo. — Já estou te incomodando demais assim com a coisa da Anette, não poderia ser mais chata ainda...

“Cê já e chata o suficiente, Mille” ouviu-se a voz da Ninetales, deitada mais além do quarto, aparentemente não tão adormecida quanto dava a parecer. Nenhuma delas resolveu dar atenção.

Désirée suspirou. Que amiga teimosa conseguira arranjar, não? Decidiu não insistir muito mais, tanto pela própria saúde mental quanto pela a de Camille. Assim, as duas aproveitam o restante do dia para conversar, enfim colocando em dia as novidades e as aventuras de oito anos de viagem Pokémon. Agora que Camille não tinha que se preocupar com o gasto absurdo que os telefones do Centro Pokémon de outra região a dava, ficava muito mais fácil para ouvir as histórias que tinha para lhe contar. Batalhas, aventuras... Désirée sempre nutrira gosto por ouvir coisas do tipo.

Ao fim da tarde, teve de deixar a sua pequena felicidade em estar falando direito com a amiga de lado, pois Désirée ainda tinha que trabalhar. Havia um texto para terminar, que esperava conseguir ao menos um mínimo de progresso ainda naquela noite. Désirée sempre gostara da noite para trabalhar.

E, bem... Se tinha mesmo de alojar Anette em sua casa, por que não fazer os preparativos para isso logo?

Assim, após se despedir dela, Désirée conseguiu de Camille alguns pertences da Ninetales, além de algumas recomendações quanto a sua dieta e tudo o mais que podia lhe ser útil. Depois de alguns minutos, lá estava Désirée do lado de fora do Centro Pokémon, com uma entediada Ninetales ao seu lado.

“Então...” Anette começou assim que Camille voltou para o interior da construção. “Désirée, né?” Assentiu. “Onde que tu mora, afinal? É um lugar legal?”

— Pode-se dizer que sim — respondeu com certa naturalidade, enquanto caminhava, a Ninetales silenciosa demais para o tamanho a seguindo. — Acho que você não vai ter problemas se quiser sair pra fazer alguma coisa quando eu não estiver.

“Hum...” Não, aquilo não fora a voz de quem estava convencida com a resposta, tampouco de alguém que manteria a conversa.

Não importava. O assunto agora era outro.

Se tinha alguma coisa com que Désirée se orgulhava, esta seria a sua casa. Depois de esforço e alguns anos morando num apartamento barato e de péssima vizinhança, conseguira uma casa modesta numa área mais calma da cidade, por um aluguel cômodo. Era o melhor lugar que poderia ter encontrado, julgava ela. Com um jardim, relativamente seguro... Foram raras as vezes que a garota tivera de reclamar, às vezes pela algazarra que os Pokémon que viviam com uma doce senhora faziam a noite, às vezes pelo som de batalhas tarde da noite, impedindo-a de dormir.

O trajeto até lá foi um pouco incômodo, considerando que Désirée ficara um tanto perdida por ter ido até lá com um Pidgeot de guia. Um bom tempo de caminhada depois, lá estavam as duas, contemplando a casinha de Désirée.
Désirée analisou a expressão da Ninetales.

— Bonito, não?

“Meeeh...” Ela mostrou a língua. “Tá, confesso, bonitinho.”

Désirée permitiu-se um sorriso, pois logo depois não poupou tempo. Queria redigir o seu texto e terminá-lo logo. Amanhã seria um dia movimentado para ela. Portanto, tratou de mostrar a casa para a Ninetales, que olhava tudo com um ar cético e entediado. Se os seus planos corressem bem, então a Ninetales não faria muita bagunça e poderia dormir comodamente na sala, onde arrumou um cantinho no chão, com várias cobertas para dormir — e com a TV ligada de entretenimento ainda por cima. Quem sabe Anette não se entediasse da calmaria excessiva que era sua casa para poder ir embora logo?

Com a Ninetales acomodada e alimentada, Désirée foi direto para o seu canto na cozinha, onde deixou seu jantar cozinhando enquanto trabalharia no texto. Enfim um momento para descarregar a frustração na escrita e dar forma as ideias que viera remoendo a manhã toda.

Désirée sentou-se na bancada da cozinha, observando a página em branco de seu arquivo. Chegou até mesmo a preparar os seus dedos e as costas, os olhos atentos ao teclado. Depois, voltou a olhar para o arquivo aberto, esperando pelas palavras, e...

Deu branco.

De repente, Désirée não fazia a mínima ideia do que iria escrever. Ou melhor, até sabia, tinha a ideia e o que queria passar com ela ali, definida na mente. Mas quem disse que tinha as palavras certas? Não, agora que tinha um momento de paz, para refletir no seu trabalho, tudo o que conseguia era voltar aos assuntos de antes. Camille, o que ela lhe contara, seus Pokémon... Anette, sua decisão,a teimosia da Pokémon... É. A mente estava cheia demais de coisas. Cansada, assim como o corpo.

Pena que demorou a notar isso. Começou a escrever. Digitou, digitou, depois apagou. Voltou e digitou de novo, analisando a frase. E apagou. Reformulou, preocupou-se com uma virgula que talvez pudesse ficar melhor ali, e não aqui, e quando enfim se distraiu com os azulejos da cozinha foi que a mulher desistiu.

Resolveu ir mais cedo para a cama. Espairecer um pouco a cabeça, quem sabe.

Talvez na manhã seguinte as coisas fossem se resolver, pois afinal, não era totalmente incompreensível a sua incapacidade de escrever para a revista naquela noite. Tivera um dia cheio, estressante em certo ponto, e tinha um problema para lidar, sim, sim...

Com a cabeça no travesseiro, Désirée suspirou. Estresse, estresse. Aquela semana fora tão desgastante. Apesar da felicidade de hoje em reencontrar Camille, não podia negar que não tinha desejo algum de que o seu domingo acabasse. Teria de lidar com reuniões amanhã depois, funcionários irritados, um ambiente barulhento... Ah, se tudo pudesse ser mais fácil, se ela ao menos pudesse ter uma vida sem preocupações como Camille tivera...

Mas não. Tinha responsabilidades a serem cumpridas. A revista dependia de seu trabalho.

Apesar dessas palavras, Désirée demorou a dormir. Havia alguma coisa, bem lá no fundo de sua mente, que queria insistir em voltar. Algo antigo, algo que Désirée já descobrira que seria difícil de deixar de lado quando voltava à tona. E era óbvio que não queria pensar nisso agora.

Dormir, dormir.

***

Até que a situação não estava tão ruim assim para Désirée. Logo pela a manhã, quando estava saindo para o trabalho, encontrara Anette no jardim, aparentemente analisando as flores no espacinho que Désirée resolvera plantar, só para dar um ar mais pessoal ao quintal. Quando voltara, a Ninetales não estava lá também, tampouco dentro de casa. Uma curta ligação confirmara a suspeita de que estaria com Camille, no Centro, incomodando-a de alguma maneira.

Os outros dias também foram calmos. Désirée quase não percebia a presença de Anette na casa, e isso quando estava por lá, sempre na sala, olhando a TV que Désirée deixava ligada para o seu entretenimento. Não conversavam mais que o necessário. Désirée tinha, de certo modo, a mesma calmaria de antes, a sensação gostosa de que estava sozinha em casa, sem ninguém para incomodá-la em seus momentos de escrita. Com as coisas assim, não se via capaz de negar que estava satisfeita.

Ao fim da primeira semana, Désirée voltou a visitar Camille, encontrando Anette por lá, resmungando alguma coisa com o Clefable. Para Camille, as coisas estavam sendo um pouco mais difíceis. Nesse meio tempo, a garota utilizara seu imenso tempo livre para andar por Lumiose a procura de um emprego com que pudesse se estabilizar (novamente a proposta de ficar em sua casa fora recusada, assim como a nova de arranjar alguma coisa por ela), só que... Nem todo mundo queria contratar uma ex-treinadora sem experiência. O esteriótipo de que eram pessoas preguiçosas ainda deixavam as pessoas relutantes, mesmo que Camille se mostrasse ser boa em alguma coisa em específico. Patético por parte da população, de fato.

Agora, quanto a Ninetales e a situação dela, também estava indo o mais normal possível. Anette continuava insistindo em acompanhar Camille, porém recusando-se a ficar morando definitivamente com a treinadora, assim como o Clefable havia feito. Também continuava teimosa quanto a ficar na casa de Désirée, como um fantasma de nove caudas que estava tratando de vez em quando. Desde que não houvesse incômodo para Désirée, não estava vendo mais tantos problemas quanto a estadia da Pokémon. Continuava tudo como devia ser, então...

Foi naquela noite que as coisas mudaram. Depois de Désirée notar o horário, com risco de ser tarde demais para que voltasse para casa, foi saindo do Centro Pokémon. Como no domingo passado, na companhia de Anette. Fato estranho. Pensara que a raposa fosse preferir ficar com a treinadora, quem sabe mudando de ideia.

Não mudara, porém. Em realidade, se Désirée fosse confessar alguma coisa, diria que havia algo de... Estranho. Com Anette. E suas atitudes.

Difícil admitir, mas sim, Anette era uma presença animada no grande geral. Gostava de conversar, de brincar, de carinhos de Camille, de se intrometer no meio da conversa, ainda mais agora que sabia que havia uma humana que podia traduzir suas palavras para conversar abertamente com Camille. Tão animada que, quando exibindo uma expressão entediada assim durante todo o dia...

Havia algo errado com Anette.

"Ow, Désirée.” Até na voz estava notável sua tristeza. Désirée apenas olhou de volta, murmurando alguma coisa para sinalizar que a ouvira. “Eu tô muito entediada hoje. Não quer me entreter não?”

Désirée soltou um muxoxo.

— E como ao menos eu vou te entreter, hm?

“Ah, sei lá. Tu é uma humana. Tu me entende. Me conta aí alguma coisa interessante sobre os humanos.”

— E que coisa interessante você quer saber? Assim eu fico perdida.

“Ah, não sei... Mas quero aproveitar!” exclamou, subitamente exibindo toda a animação que já lhe era costumeira. “Nunca vi um humano que pudesse me entender, sabe? Não que eu não conversasse muito com a Camille, mas ah... É mais fácil quando tem alguém que te entende direito.”

— Mhm, deve ser. — Na verdade, ela não entendia. Tendo um dom como aquele, mesmo nas poucas oportunidades que tinha para conversar com os Pokémon para o trabalho, Désirée não enfrentava o problema de não ser compreendida, tampouco o de não ganhar resposta. — Mas diga, o que quer saber?

“Hum, deixa eu pensar... Ah, vocês humanos. Pra que que cês se escondem tanto assim da natureza afinal? Digo... Olha essa cidade, por exemplo.” Ela fez um gesto com o queixo, apontando as ruas movimentadas de Lumiose. “Não nego que é bonito de ver mas... Por que é que poucos de vocês realmente vivem na natureza, junto com o resto?”

— Ah, bem... — Ela demorou alguns segundos para responder, tanto por surpresa quanto por precisar do tempo para formular uma resposta. — As pessoas acham bem mais cômodo. É mais fácil viver em comunidade, rodeado de um lugar que julgam seguro, apesar de, tecnicamente, ser errado. A cada dia que passa, as pessoas parecem ter uma ideia cada vez mais errada de que a natureza e o que vive nela é perigosa, quando na realidade, não é. Meio que... — Parou por um momento. — Meio que as pessoas acham que os Pokémon são perigosos, sabe? Uma cidade parece mais segura em comparação.

A Ninetales demorou alguns momentos para assimilar as palavras.

“Ah, sim. A Mille já me falou disso uma vez.” Não continuou, porém. A expressão da Pokémon pareceu tornar-se um pouco mais sombria.

Désirée olhou para ela com o canto do olho. Só depois de atravessarem uma rua foi que realmente perguntou:

— E a sua situação com a Mille? Resolveu alguma coisa?

“Na verdade, não muito... Ela não me entende exatamente como você, então fica difícil tentar convencê-la. Apesar de tudo...” Um suspiro. “Ela não parece que vai ceder, né?”

— Ah, eu conheço a Camille — Désirée tentou abrir um sorriso para animar o clima. — Ela é tão teimosa quanto você.

“É...” Um sorrisinho, mas não tomou muito tempo na expressão da Ninetales.

Houve outro suspiro, ao mesmo passo em que o clima entre as duas voltava a ficar sombrio. Sentia um aperto no peito, em compaixão a Pokémon. Agora que parava para pensar, ver que seus esforços não estavam dando frutos, por mais que o objetivo não fosse exatamente bom... Devia ser frustrante.

E, ver alguém que mostrara personalidade tão animada assim, tão tristinha...

Doía. Doía porque Désirée, melhor do que ninguém, sabia como era a sensação, e porque não parecia nem um pouco certo ver a Ninetales assim. Queria ajudá-la. Por isso, tratou de buscar em sua mente alguma coisa, uma palavra de consolo quanto sua situação.

Não teve de fazê-lo, porém. Após alguns minutos de caminhada lenta, proposital ou não (parecia adequado não exigir muito da raposa caminhando rápido), a Ninetales voltou a falar:

“Sabe... Está sendo tão frustrante isso tudo...”

Por um momento, Désirée não soube o que fazer. O fato de nunca ter-se deparado com situações do gênero a deixava desconfortável. Que diria a ela sobre a situação, agora que começara a falar? Que faria para ajudá-la? Tá certo que a Pokémon fora incrivelmente infantil antes, mas que culpa Anette tinha daquilo tudo? Camille sequer havia consultado a Ninetales antes da decisão; viera a saber dela própria que vinha pensando no assunto, mas só o revelara de fato em Lumiose quando tinha um lugar e meios de conversar.

Infelizmente, Désirée só era boa lidando com sentimento quando descrevia.

“Costumava viajar tanto com Camille, sabe? Todos esses anos... Nunca tive ideia que começou a ficar chato pra ela.” Inclusive agora, quando a Ninetales continuava a falar, e tudo o que ela podia lhe fazer era oferecer sua atenção. “Não é chato pra mim. Eu ainda amo batalhar e ter a Camille como treinadora. Simplesmente não dá pra acreditar que agora a Camille... Quis parar, sabe?”

— Entendo. — murmurou, baixinho. — Deve ser horrível... 

“É sim.” Outro suspiro sentido. “Parece que ela está me abandonando. Primeiro, não disse nada sobre as coisas parecerem ruins pra ela, e agora...”

Désirée ouviu as palavras não ditas. Agora Camille não tinha muito tempo para dar-lhe atenção, por mais que a Pokémon insistisse em acompanhá-la a procura de um emprego. E Désirée sabia o quanto de tempo isso poderia consumir de alguém. A mudança de alguém que sempre tinha tempo para depois o ver tornando-se escasso definitivamente assustava.

O aperto no peito aumentou um pouco mais.

— Tenho certeza que ela não está fazendo por mal — tentou Désirée, abrindo um sorriso solidário. — As pessoas ainda tem bastante dificuldade em conversar com os Pokémon e compreender que eles nos entendem perfeitamente, só não conseguem se comunicar de volta. Camille deve ter pensado que não faria sentido conversar com você sobre o assunto sem que pudesse ouvir sua opinião.

“Ela nunca me ouve de qualquer maneira, Désirée.” A Pokémon bufou, uma careta acompanhando seu aborrecimento. “Só tomou a decisão e quis me comunicar sobre. Me ouvir, nunca.”

— Sim, de fato... — Droga, ela tinha esquecido desse pequeno detalhe. — Foi errado de Camille, mas agora que ela não vai mais mudar de ideia, só nos resta tentar lidar com a situação da melhor maneira possível.

“É, pode ser...” Ela não soou firme. Ao menos Désirée tinha conseguido dizer alguma coisa ao invés de só ficar calada caminhando, não? Melhor que nada. “Obrigada, Désirée. Você é mais legal do que pensei.”

Não havia como impedir o alívio que invadiu-lhe o corpo. Désirée abriu um sorriso.

— Oh, obrigada. Fico feliz em ter ajudado.

“Não, sério mesmo, valeu. É bom ter um humano pra conversar.” Désirée deu uma risadinha. “Mas agora chega de papo meloso que e vou me aproveitar de você. Diz aí, como é que até agora os humanos não fizeram nada em relação a não nos entender? Isso sempre me deixa confusa.”

— Mas estão fazendo, Anette. — Ela fez um gesto vago com a mão. — Realmente mais cedo não seria ruim, mas estão se aproveitando muito das raras pessoas que conseguem compreender a fala dos Pokémon para reproduzir isso, pregando como uma anomalia genética boa. Creio que se atrasam por culpa da guerra.

Ah sim, a guerra. Esse era um assunto um tanto delicado para se conversar, especialmente com os Pokémon. Anos atrás, humanos e Pokémon tiveram uma terrível guerra entre si, onde humanos, sempre julgando-se superiores aos Pokémon, tentaram dominá-los, tratando-os como bestas irracionais. Maus tratos. Dispositivos criados especialmente para domá-los — antes chamados de Pokébolas, ela ouvira. A certa paz que havia entre as espécies fora completamente destruída por conta dessa presunção excessiva. Ninguém contava que os Pokémon, em realidade, fossem tão inteligentes quanto os humanos, senão mais. Os dois lados batalharam por muitos e muitos anos, incapazes de conter a fúria diante de tamanho insulto à sua espécie. Se não fosse pelo tratado de paz criado não muito recentemente, quem sabe não houvessem mais dos dois lados para contar história.

Foi assim que tinha se criado os treinadores. Cada um dos lados resolvera ficar em seu canto; Pokémon, na natureza, e humanos em suas cidades e casas, como Anette apontara que tanto gostavam. Distintos e magoados demais, porém. Assim, o sistema de treinadores e a busca de insígnias, excluindo o sistema antigo e dominador que humanos uma vez fizeram, serviria para aproximar as espécies e torná-las companheiras mais uma vez, como bem deveriam ser. Tanto que não era difícil ver a mídia e o próprio governo humano reforçando a ideia dos Pokémon serem seus companheiros, de serem inteligentes e de dar renome a carreira de um treinador. Mídia que os ressaltava, incontáveis treinadores... Muitos eram os esforços para trazer a paz novamente. Incluindo coisas um tanto absurdas, na opinião de alguns.

A própria revista para quem Désirée escrevia era um exemplo disso. Ela redigia textos com o objetivo de fazer a população entender os monstros de bolso, suas espécies, pensamentos, todo o necessário para tirar a enorme diferença que insistia em dificultar um bom convívio. Tratava sobre assuntos meio “polêmicos”, como a recente lei no governo humano de Pokémon e humano tendo direito a um relacionamento, e até quem sabe casamento. Por isso e por uma série de outros motivos, Désirée tinha a mente aberta o suficiente para tratar esses assuntos. Agora, a grande maioria dos Pokémon e humano...? Aí já era outra história.

“Deve ser." A voz de Anette interrompeu seus pensamentos. "Mas não seria legal se desse pra conversar com mais gente assim?” A Pokémon olhou para ela, os olhos praticamente brilhando em admiração. “Imagine quantos conflitos seriam deixados de lado, quanta coisa legal ia dar pra fazer. Aí os humanos não ficam com problemas no modo de comandar deles. Aliás, como comandam, afinal?” Désirée piscou para a raposa. Anette falava um bocado. “Tô sempre ouvindo falar num tal de governo, mas ninguém nunca explica direito. Nem tem quem explique.”

Olhou para ela, o rosto clamando por uma luz. Désirée se permitiu um segundo sorriso, pondo-se a explicar como as coisas funcionavam para a Pokémon. Era um assunto meio complicado, que acabou tomando praticamente todo o restante do trajeto até a casa de Désirée. Anette também não era alguém que pegava as coisas fácil, sendo uma Pokémon. Insistia em fazer perguntas, insistia em receber explicações de cada mínima coisa, e só quando as tinha que de fato entendia seus pontos. Pelo menos era tão mente aberta quanto Désirée. Melhor assim, na opinião dela. Gostava de deixar os debates para os seus textos.

Já em casa, na cozinha, onde Anette a seguia para esperar pelo jantar, Désirée finalmente se lembrou de algo um tanto curioso.

— Mas afinal, Anette — chamou ela, recebeu um murmúrio acompanhado de um sorriso da Pokémon. — Se não te incomoda a pergunta... Por que quis vir ficar comigo hoje?

“Só queria te encher o saco mesmo.” Ela tentou dar de ombros, mas não deu muito certo. “Também quero a sua comida. Você cozinha mil vezes melhor que a Camille.”

— Espera, a Mille cozinhando?! — Ela arregalou os olhos. Não era possível. — Sério isso? Aquela lá não sabe nem fritar um ovo.

“Ih, menina, se tu viajasse também ia ver que ou você aprende a cozinhar, ou morre de fome. Mas a Mille, meu deus. A sua comida comparada a dela é mil vezes melhor.”

Désirée ergueu a sobrancelha.

— Isso foi um elogio?

“Pode-se dizer que sim.” Um sorriso marteiro surgiu em seu rosto. “Nossa, verdade. Já pensou em ser uma treinadora, Désirée?”

Ela estacou no lugar, a expressão feliz subitamente se desfazendo.

— Não...

“Bem que poderia tentar, hein? Você com essa sua habilidade ia dar uma ótima treinadora.”

— Não, eu não me atrevo — Com um riso nervoso, Désirée desviou o olhar. — Estou satisfeita com como está a minha vida já. Não sirvo pra essas coisas.

“Mas você já viu o quanto de Pokémon que preferem ter alguém que os entende viajando? Fica muito melhor pros treinos. Já viu também os que entendem? Pierre estava me contando que todos eles eram muito bons. E famosos.”

— De fato, são sim. Mas nah, ainda prefiro ficar aqui, em casa mesmo.

“Credo, como você é chata.” Ela bufou, tirando de Désirée outro erguer de sobrancelha.

— Você não estava dizendo agora a pouco que gostava de conversar comigo?

“Ainda é chata. Eu sinceramente prefiro sair, viajar por aí e ter a minha liberdade. E batalhar... Nossa, batalhas são uma coisa incrível, Désirée. Tem que ver uma ao vivo qualquer dia desses, sério mesmo.”

Outro sorriso. Bem que queria, mas não achava que realmente seria possível até que a sua próxima folga — ou suas férias — chegassem. Se tinha uma coisa que Désirée certamente gostaria de ver seria uma batalha Pokémon. Não as de Pokémon novatos e inexperientes, mais como os como Anette, que provavelmente poderiam fazer um enorme estrago se quisessem.

“Mas tu nunca pensou que poderia ser bom sair em viagem? Nunca quis ser treinadora?” Novamente, o sorriso se desfez. E o pior de tudo foi que Anette percebeu.

Se Désirée fosse ser sincera, então diria que sim, certamente gostaria de ter sido uma treinadora. Há anos. Quando era criança, quando ela e Camille ainda estudavam juntas. Basicamente, era um daqueles sonhos de infância que, depois que passava um tempo, notava que não fazia sentido insistir, especialmente porque na época os pais incentivavam-na a tentar outra coisa, investir nas notas boas que tanto conseguia com facilidade na escola. E Désirée o fez. Hoje tinha uma carreira, uma vida firme. E em sua vida não seriam permitidos sonhos de infância. Responsabilidades vinham em primeiro lugar, afinal.

Désirée abriu a boca para responder. No entanto, quem o fez primeiro foi Anette, de olhar e voz afiadas:

“Você já pensou, não é? Já quis sair em viagem também.”

— Todo mundo deve ter desejado isso algum dia, não? Ser livre de todas as responsabilidades. 

“Não é como se não tivéssemos responsabilidades como treinador e Pokémon. Tem as lutas, visitar lugares, administrar dinheiro e tudo o mais, e tudo isso piora quando é famoso. Sem dizer que sempre acordamos cedo. Eu acordo ainda antes do sol nascer.”

— Acorda, é? Duvido. Você tem uma cara de preguiçosa.

“Queria, enquanto você está pensando em sair da cama, eu já estou de pé há muito tempo.” E ergueu o queixo, assumindo a mesma presunção de antes.

— Parece difícil de acreditar. Mille nunca levantava antes do meio dia, na época do colégio.

“Que é um colégio?” interrompeu a raposa, aproximando-se de Désirée, praticamente no mesmo momento que a garota se levantava para checar o fogo de uma das panelas.

— Um lugar que os humanos tem educação sobre as coisas básicas, como fazer contas, identificar mapas, ler e escrever...

“Ah, sim. E vocês aprendem o que mais de bom?”

Bom, pelo menos era bem fácil fazer a raposa mudar de assunto. Era fácil conversar com Anette, num geral, apesar de ela certamente interromper muito e desviar demais do assunto nas explicações. Divertiu-se com ela, admirando a facilidade com que Anette fazia piadas ou caçoava dela, comentando sobre a culinária terrível de Camille ou sobre como, um dia, quando ainda eram novas na coisa de treinador e Pokémon, tiveram que servir de babá de Pokémon. Anette adorava contar coisas tanto quanto gostava de escutar. E para a surpresa da jornalista, possuía bastante histórias e informações interessantes. Inclusive demonstrou certo interesse no texto que estava redigindo para aquela semana, em que teria de falar sobre as batalhas Pokémon.

Assim, Anette acabou tão interessada no assunto que a ajudou mais do que o necessário. A raposa, sentada ao seu lado no quarto logo após de terminarem o jantar, foi lhe contando com detalhes sobre as suas próprias batalhas, as que tinha assistido e as ajudara a serem travadas.

Se tinha uma coisa que Anette tinha aos montes para contar, eram suas narrações de batalha. Tanto que, em determinado momento, Désirée se viu obrigada a pedir para que Anette parasse um pouco, ou não teria concentração o suficiente para terminar o seu texto. Não podia ficar acordada assim tão tarde naquela noite também, ou então acabaria por dormir durante uma reunião. A última vez não fora nem um pouco legal.

Foi digitando durante um tempo, com a Pokémon olhando atentamente os seus dedos pressionarem as teclas, formando as palavras cada vez mais rápido na tela. Dentro de uma ou duas horas, contemplou o seu trabalho pronto.

— Perfeito. — Désirée se recostou na cabeceira da cama, afundando um pouco mais nos travesseiros que arrumara ali. A Ninetales levantou a cabeça para ela.

“Terminou?” perguntou Anette, bocejando logo em seguida.

— Terminei. E acho que deve ter ficado muito bom. Um dos melhores textos que já fiz para essa revista.

“Que bom! Mas isso por graças de quem, hein? Quem que fez tu fazer o texto vai bonito, hein, hein?” E colocou as patas na cama, erguendo o enorme corpo para olhar para a mulher de cima.

— Sua, ué. Você quem me ajudou e me deu inspiração pra esse texto aqui — E deu-lhe um sorriso contido. — Obrigada.

“Ah não, não quero só um ‘obrigada’ sem graça não. Quero alguma coisa em troca.”

— Ué... — Ela estava se divertindo mais com aquilo do que pensava. — E o que você quer?

“Sei lá, pensa aí. Mas me dá alguma coisa. Não aceito só obrigados.”

Désirée levou algum tempo para pensar.  Segundos depois, após esticar a mão, depositou-a sobre a cabeça da Pokémon, entre os fios creme. Deixou ali um breve carinho.

— Obrigada — disse, com um sorriso. — Está bom assim?

“Mhm” murmurou de volta a raposa, retribuindo o sorriso enquanto fechava os olhos para aproveitar o carinho.

Um último carinho, e só então Désirée decidiu que tinha de dormir.

Anette certamente não gostou da ideia. Muito menos Désirée, para falar a verdade. Gostaria de conversar mais, porém suas responsabilidades e sua paranoia com horários sempre a atormentavam, atrapalhariam demais na conversa caso decidisse acabar dormindo na reunião da manhã seguinte. Portanto, Anette voltou para a sala por conta própria, enquanto Désirée se arrumava em sua cama, pensando no dia.

Talvez a companhia de uma Ninetales não fosse tão ruim quanto pensara.

Depois daquela noite, certamente que não.

***

“O que você tá escrevendo aí dessa vez, Desy?”

Désirée levou um momento para entender a pergunta da raposa, feita na segunda semana de domingo que Anette voltara em sua companhia. Estivera tão concentrada ouvindo o som das teclas afundando sobre seus dedos que nem notara as coisas ao seu redor. Era isso que Désirée gostava sobre escrever, mesmo que em momentos como esse fosse ruim o fato de não estar prestando atenção em praticamente nada senão a tela sendo preenchida por palavras.

— Oi? — perguntou, só para ter certeza.

“Que que cê tá escrevendo aí?” repetiu Anette. E adicionou: “É outra coisa do trabalho?”

— Ah, dessa vez não. Agora é coisa minha mesmo.

“Ah, então você escreve pra você? Tipo um hobbie?” Ela pareceu admirada, assim como curiosa.

— Isso mesmo. Mas é só quando me bate a inspiração. Não é sempre que meu trabalho me deixa escrever essas coisas avulsas...

“Credo.” Ela fez uma careta, junto de um breve resmungo de raposa. “Vocês humanos trabalham demais. Tem que parar com essas coisas.”

Désirée apenas riu.

— Bem, que é que podemos fazer se criamos um sistema que nos obriga a ter dinheiro pra viver? — Encolheu os ombros. — Pelo menos a maioria das coisas é divertida. Apesar de tudo, gosto de escrever.

“Desde a semana passada, não te vi parecendo feliz em escrever artigos...” A fitou, desconfiada. Désirée encolheu os ombros um pouco mais. "Ah, vocês trabalham demais. Sobre o que tu tá escrevendo aí?”

— É um pouco pessoal — respondeu. — Falo sobre um probleminha que tenho. É bom de me expressar e desestressar às vezes. — E convenhamos, Désirée andava precisando. As reuniões que tivera durante a semana foram um enorme desgaste para o seu estado mental, tanto que praticamente fora dormir cedo; inclusive dormira no meio de um dos filmes que resolvera assistir junto de Anette esses dias.

“E você vai ser legal de me dizer qual problema que é? Se estiver tudo bem pra você, claro. Eu sou curiosa. Gosto de saber de coisas.”

— Gosta mesmo. — Um sorriso. — Pra você eu conto. É um problema que se chama ansiedade. Conhece?

“Ué, todo mundo tem ansiedade.” A Ninetales lhe mostrou uma expressão confusa, porém as orelhas continuaram levantadas, atentas as suas palavras. “Como que isso pode ser um problema?”

— Às vezes, quando isso começa a ficar sério demais e você não tem controle da ansiedade, ela fica sendo um problema, e um que atrapalha muito.

De fato. Désirée tinha incontáveis histórias de como a ansiedade já lhe atrapalhara, com pensamentos demais sobre o texto que deveria redigir para a próxima semana, se estava ou não bom, se seria bom ou não sair com essa roupa meio chamativa e o que a pessoa iriam pensar dela, um monte de coisas fora do seu controle. Em geral, não a atrapalhava tanto, pois felizmente procurava ajuda para melhorar o seu caso. Dera certo. Às vezes não conseguia evitar, porém. Voltava. Sempre voltava. Ansiedade era, de certa forma, um mal impossível de evitar.

“Que treco chato.” A raposa balançou a maioria das caudas. Era quase hipnotizante vê-las. E um tanto curioso. “Eu culpo esse excesso de trabalho de vocês. Só de ouvir já me deixa cansada. Vou até ir comer alguma coisa.”

— Espera aí, vou com você. — E já foi deixando o notebook de lado para segui-la.

Anette ergueu o queixo.

“Pode deixar, fica aí escrevendo que eu vou lá buscar.”

— Ah, é? — Cruzou os braços. — Vai pegar comida como se está dentro do armário?

“Eu abro o armário, oras.”

— E exatamente como você vai abrir o armário? Você tem patas.

“Mas eu sou uma Ninetales. Dou um jeito.”

— Essa eu quero ver.

Anette fez outra careta pra ela. Depois, foi caminhando para fora do quarto, as caudas que levava consigo ondulando no caminho. Por culpa dessa mesma dificuldade em abrir as portas, Désirée tomara o cuidado de deixar tudo aberto para que ela passasse a partir de então. Da última vez que a Pokémon conseguira abrir a porta para sair de casa, Désirée quase teve um surto por pensar que seria assaltada.

Na cozinha, se sentou numa das cadeiras de uma mesa pequenina que deixara ali, mais para enfeite do que por qualquer outra coisa — não recebia visitas frequentemente, e só em raras ocasiões comia numa mesa, já que preferia muito mais o conforto de seu quarto. Anette olhou por cima do ombro, bufou, e foi até o armário.

— Quero ver pegar isso aí sem derrubar o armário todo.

“Calada” rosnou. “Eu consigo.”

— Claro.

Ela sinceramente quis rir dos esforços do bichinho. As patas de Anette estavam longe de ser apropriadas para segurar o puxador da porta. E a boca também era muito grande para fazê-lo, se o tentasse, provavelmente arrancaria a porta do armário com tudo dentro. Se é que conseguiria segurar o puxador, é claro.

Anette tinha teimosia até nisso, incrível. Ela tentou de todas as maneiras possíveis que não envolviam derrubar o armário que Désirée até se entendiou, olhando para algum outro lugar interessante. O que lhe chamou a atenção foram as enormes caudas da Pokémon. Sempre vira em livros e artigos que informavam sobre a sua espécie que possuíam nove caudas, e, surpreendentemente, contando agora, realmente eram nove grandes e longas caudas, laranja na ponta. Isso às vezes nem ao menos parecia fazer sentido.

Como Anette carregava aquilo tudo?

“Désirée, o que tu tá fazendo?”

— Hm? — Precisou de um momento para notá-la.

A raposa estreitou os olhos, e um sorriso marteiro invadiu-lhe o rosto.

“Você tava olhando pra minha bunda?”

— Quê?! Não! — imediatamente, Désirée sentiu o rosto corar e a surpresa invadi-la.

“Tava sim. Sua safada.”

— Não, caramba! Eu só tava me perguntando como você carrega isso tudo de cauda. — Desviou o olhar, fazendo uma careta. Francamente. — Digo... Nove não é muito, não?

“Que nada, elas me ajudam no meu equilíbrio. Eu gosto das minhas caudas.” E para ilustrar, fez com que todas balançassem, criando novamente aquele movimento hipnótico. Uma de cada vez, e não todas. Curioso.

— Mas elas não pesam, não? São tantas...

“Pesam nada. Aliás,” ela abriu um sorriso mais uma vez, “tá a fim de puxar uma pra ver o que acontece?”

— Não, obrigada, gosto de viver a minha vidinha curta sem ser amaldiçoada. — E gargalhou praticamente, tanto da piada quanto pela malícia que havia naquilo tudo. — Agora vai, deixa de ser chata pra eu pegar comida pra você.

“Aaaah, mas eu tava perto de conseguir!”

— Claro, extremamente perto de derrubar o armário. Eu gosto das minhas coisas, obrigada. — Ainda rindo, saiu da cadeira para ajudá-la. Apesar do aborrecimento, Anette não reclamou muito mais, só ficou bufando nas costas de Désirée, por vezes resmungando alguma coisa que não pareciam ser palavras gentis.

Pote de ração enfim pego, Désirée aproveitou para pegar alguma coisa para ela também. Tinha vontade de café, porém optou por alguns biscoitos, cobiçados de longe por Anette; sabia que comida humana provavelmente não lhe faria bem, entretanto frequentemente era pega cobiçando as coisas de Désirée com uma cara de quem considerava a possibilidade de roubar o lanche da outra. As duas foram conversando sobre qualquer coisa, num clima muito mais divertido do que fora há semanas atrás, por vezes rindo, outras tendo de interromper o próprio lanche para falar.

— Ei, Anette, é verdade que alguns Pokémon não gostam de carinho na barriga? — perguntou ela em determinado momento. Sempre tivera curiosidade com coisas como essa. De certo modo, Désirée amava informações inúteis.

“Só os mais frescos, tipo os Persians.” Deu-lhe a resposta entre uma mordida e outra de sua ração. “Mal sabem o que tão perdendo, sério. Carinho na barriga é muito bom.”

— Arceus do céu. — Fez uma cara desacreditada. — Você é muito grande pra essas coisas. Deve ter ganhado muito carinho quando era um Vulpix pequeninho. — Ou talvez não tão pequeno assim. Désirée esquecia que a raposa era um tanto maior para a espécie, que na forma evoluída, alcançava apenas um metro, no máximo um metro e dez. Eram praticamente uns 40 centímetros a mais de diferença.

“Quem disse? Vivo ganhando carinho na barriga da Mille.”

— Meu Arceus! Não acredito.

“E por que não?”

— Porque você é enorme. Parece engraçado te imaginar deitada com as patas pra cima, só pra ganhar carinho na barriga. Será que tu não acaba dando patada na Mille sem querer não?

“...Algumas vezes. Mas não é culpa minha eu ser grande, poxa!” adicionou rapidamente, vendo a mulher rir da declaração. Um bicho daquele tamanho. Por todos os deuses! “Para de ser chata. Ao invés disso cê poderia me dar carinho, olha só como é muito mais legal.”

Isso pegou o interesse da jornalista.

— É? Então você gosta tanto de carinho que está pedindo pra mim?

“Estou.”

Como confirmação, lá estava a Ninetails se deitando, girando para ficar de barriga pra cima, de um jeito ridículo e fofo ao mesmo tempo. Désirée quase considerou deixá-la ali sem o carinho, só para vê-la frustrada, mas acabou indo até lá. Precisou se sentar no chão para fazê-lo, porém.

— Que pelos macios — comentou, enquanto acarinhava-na. Anette soltou um murmúrio satisfeito, junto de algo que parecia vagamente como um agradecimento. Dentro de alguns minutos, porém, Désirée cansou e foi se levantar. — Vai, levanta daí que eu preciso dormir agora. Tenho que sair cedo amanhã.

“Ahhh... Que saco” protestou, fazendo uma voz exageradamente triste. Se fosse uma pessoa, Désirée não se surpreenderia de vê-la fazendo um biquinho. “Eu continuo dizendo que a sua ansiedade e tudo o mais é culpa do trabalho. Humanos loucos.” Não continuou. A Pokémon a obedeceu prontamente, endireitando-se com facilidade. “Te vejo amanhã, então?”

— Vê, sim. Vai ver a Mille durante a tarde?

“Talvez. Ela provavelmente vai estar ocupada, mas não custa tentar.”
— Isso. — Deixou um último carinho no topo da cabeça da raposa. — Boa noite então, bobanette.

“Tchau, sua chata.” E foi rindo para a sala, assim como Désirée.

Désirée até teve que parar um momento para pensar na cena, já na cama. Realmente, as coisas estavam sendo tão boas ultimamente... Désirée certamente gostava desse rumo que tudo tomava, particularmente falando. Se continuasse assim, suspeitava que praticamente esqueceria a sua solidão habitual, que sempre gostara tanto, e esquecia que, em primeiro momento, Anette era suposta de estar atrapalhando.

E ela ficou feliz quando o restante dos dias tiveram praticamente o mesmo rumo, com Anette voltando para casa com ela, ou mesmo passando alguns dias a mais da semana em sua companhia. Désirée não esperaria que ela o fizesse, pelo menos não quando tinha Camille para incomodar ainda. Aparentemente, Anette continuava um pouco triste com a ex-treinadora por não estar dando-lhe atenção. E como pela noite havia outro alguém para lhe dar carinho, então... Désirée estava sendo a sua nova vítima.

Não que pudesse reclamar. Era mais um daqueles casos em que acabara julgando mal uma pessoa (Pokémon, na verdade) e depois descobrira ter um caráter completamente diferente do que imaginara. Gostava da companhia de alguém em sua casa quando chegava ou nos domingos, quando tinha apenas ela própria para cuidar da casa. Até que houvesse mais alguém para compartilhar o seu espaço, Désirée não havia notado o quão solitária estava se sentindo.

E como Camille ainda não estava tendo progresso para poder incomodá-la durante a semana, aproveitou a primeira delas ao lado da raposa. Quase nem notou quando esta outra semana virou mais uma, e então três, e então um mês, e então três meses. Três meses de visitas frequentes, de certo fracasso de Camille, e de uma teimosia nem um pouco abalada por parte de Anette.

Sim, de fato o assunto acabara ficando esquecido um pouco, mas por vezes ainda a via insistindo com Camille, noutras ajudava-a na casa, dizendo palavras de consolo e tendo toda a paciência do mundo para explicar-lhe os motivos de Camile, quantas vezes fosse necessário.

A vida estava tendo um bom rumo, afinal de contas. Désirée quase nem notava o estresse diário dos dias de trabalho, pelo menos não quando podia ter companhia. Não que ela gostava dos colegas de trabalho, de qualquer maneira.

Falando a verdade da forma mais nua e crua, Désirée nunca gostara muito de seus colegas de trabalho. Eram apenas isso; colegas com os quais tinha uma relação cordial, onde apenas conversava sobre coisas do trabalho e somente respondia o que lhe fosse dirigido. Não que Désirée fosse antissocial e não quisesse amigos. Simplesmente não via motivo para tornar-se amiga deles.

Realmente, vinha se sentindo sozinha sem Camille. E talvez não quisesse arranjar algo para ela na empresa em que trabalhava apenas para ajudá-la em sua situação financeira, mas sim porque queria companhia. Porque os dias de estresse e ansiedade quanto aos seus afazeres desgastavam-a. Mais do que esperava, mais do que necessitava.

Agora não fazia mal se as coisas continuassem assim, certo? Claro, havia um pouco de incômodo quanto ao assunto que gostava de guardar numa caixinha bem trancada e protegida no fundo de sua mente, que ultimamente estava tendo forças para quebrara as suas amarras e espalhar-se de novo para a sua mente. Mas estava bom. Era o suficiente. E o que sempre funcionava para deixar a infância de lado e a ansiedade do assunto, era relembrar que estava satisfeita com o que construíra de sua vida. Não se arrependia de nada que havia feito, não se arrependia de seus textos, mesmo os que considerava ruim, olhando agora. Não se arrependia de nada, nada. Realmente não se arrependia.

Céus. Désirée tinha um problema irritantemente sério de pensar demais.

De qualquer forma... Tudo estava seguindo de uma maneira bastante confortável. Ela não estava preocupada em ter caído numa outra rotina, de noite assistindo filmes enquanto comia pipoca junto de Anette, deitada na sala exigindo carinho. Estava tudo bem.

Isso é, até chegar aquele outro domingo de folga, exatamente três meses e quinze dias depois da volta de Camille para Lumiose.

Fora um dia particularmente bom para Désirée, se ela tivesse que admitir. Encontrara Camille feliz da vida, dizendo-lhe que finalmente havia conseguido um emprego. Não era exatamente o que queria, tampouco o que esperava, mas trabalhar numa lanchonete nos dias da semana não era lá tão ruim assim. Era divertido, segundo ela. Esse domingo todo Camille ficou falando sobre o trabalho e as coisas que tinha para fazer por lá, os clientes, os colegas e tudo o mais, assim como tinha a mania de fazer sobre a própria jornada. Uma animação contagiante a dela, Désirée tinha que admitir. Tão contagiante que, só depois de um tempo, quando tinha declarado que precisava voltar para casa, é que Désirée tinha notado que havia alguém não tão feliz assim com aquela novidade. Alguém que ficara no canto, com uma aura claramente sombria, silenciosa, que sempre pareceria estranho em alguém tão animado.

Saindo do Centro e já caminhando na rua ao lado da Ninetales, Désirée já tinha sido engolida pela aura tristonha de Anette. Às vezes parecia que toda emoção da raposa tinha um que de exagero, assim como sua usual animação.

— Okay, Anette, pode parar de fazer essa cara que eu já percebi que você não está bem hoje — começou Désirée, mais ou menos na metade do caminho para casa. No momento, a rua parecia silenciosa o suficiente, dando um belo clima calmo ao fim de tarde. Os postes que iluminavam as ruas já começavam a acender as luzes, para compensar a pouca iluminação do pôr-do-sol. — Por que é que você tá tão triste hoje?

Anette pareceu surpresa com as palavras da jornalista. Désirée não quis considerar essa opção, mas parecia que Anette estava surpresa por ela ter notado seu desânimo.

“Ah, Desy, não é nada” disse ela, forçando um sorriso. “Eu só... Comi algo que não devia hoje, é isso. Não se preocupa com isso não.”

— Você não me engana, ma chéri. — Désirée cruzou os braços, fazendo a expressão mais aborrecida que podia conseguir naquelas condições. — Com essa cara que ficou o dia todo, é impossível não notar que tem algo errado contigo.

Surpreendentemente, a raposa ficou em silêncio, e desviou o olhar, algo que certamente desconcentrou Désirée. Anette nunca desviava o olhar.

Talvez pela surpresa disso, Désirée também ficou em silêncio, apenas analisando a Pokémon enquanto as duas caminhavam. Pela expressão da raposa e os passos vagarosos parecia estar remoendo os pensamentos, decidindo o que deveria ser dito à Désirée. A mulher decidiu respeitá-la. Afinal, não era sempre que podia exigir os seus pensamentos e tristezas para ajudar. Nem sempre as pessoas querem ajuda, nem sempre estão preparadas para recebê-la.

“Podemos falar sobre isso quando chegarmos em casa, Desy?” Ela finalmente virou o rosto, os olhos azul gelo parecendo ainda mais triste do que antes. Estranho. Apesar da cor, sempre se mostravam tão aquecedores.

— Tudo bem, flor. — Désirée tentou dar-lhe um sorriso, junto de um breve carinho no topo de sua cabeça. A tristeza da raposa... Deuses, devia ser algo realmente sério para Anette estar assim.

O clima sombrio continuou enquanto caminhavam, ouvindo apenas os sons da cidade. Tudo estava relativamente silencioso quando enfim alcançaram a casa, os últimos raios de sol colorindo o céu de tons roxos, rosa e laranja.

Como sempre, Désirée foi com Anette direto para a cozinha, onde arrumaram o jantar daquela noite. Ela ainda não havia dito nada.

— O que quer fazer hoje, Anette? — perguntou depois de um tempo, mais para tentar quebrar aquele clima sombrio do que por qualquer outra coisa. — Acho que a gente pode assistir alguma coisa, esses dias me lembrei de um filme de terror que talvez você goste. — Ah, terror era bom. Anette havia lhe falhado que achava divertido assistir, não?

Houve mais hesitação em sua resposta. Désirée estava quase desfazendo o sorriso do rosto para sinalizar sua derrota quando a raposa finalmente respondeu:

“A gente pode só ficar na sala, conversando? Por favor...”

— Claro, ma chéri. — Forçou outro sorriso.

Esperaram ainda mais alguns minutos para terminarem de aprontar um pequeno lanche. Désirée deixou o som ligado num volume consideravelmente alto, esperando distrair-se dos próprios pensamentos.

As duas se sentaram no chão da sala, Anette próximo do sofá, as caudas e o corpo cobrindo praticamente toda a parte do sofá e mais um pouco. Désirée se sentou ali próximo, usando o corpo peludo da Ninetales para apoio para as costas ao invés do móvel. Com uma das mãos, trouxe um copo de café para si, o qual tomou um gole antes de Anette começar a falar:

“Desy...” uma pausa. A voz de Anette estava falhando tanto, e estava tão baixa... “Desy, você acha que a Camille não me ama mais?”

Ela foi pega de surpresa pela pergunta. Até olhou para Anette, estudando o rosto tristonho da Pokémon posto entre as patas dianteiras, só para se certificar de que ouvira direito. E como não encontrou nada, expressou sua indignação por meio das palavras:

— O que está dizendo, Anette? A Mille te adora.

“Mas não parece mais” continuou ela, soando ainda mais triste. O peito de Désirée estava levando várias facadas a cada vez que a ouvia. “Mal me dá atenção. Conseguiu um emprego, e parece que está muito mais feliz assim. Me pergunto se ela não prefere isso do que ficar comigo.”

— Anette...

“Ela sempre foi feliz comigo quando saíamos em jornada. Sempre parecia feliz, me dava toda a tenção do mundo. Mostrava que me amava.” As palavras pareciam estar sendo despejadas para cima da garota. Anette agora estava olhando para ela e, deus, como era difícil desviar o olhar de tamanha tristeza de uma só Ninetales. “Mas agora não fala comigo. Só quer saber de procurar emprego. Nem pergunta mais por mim, não falou nada quando eu passei uma semana inteira na sua casa e não fui vê-la. Não está mais brava comigo porque estou te atrapalhando, ficando aqui. Me pergunto.... Me pergunto às vezes se não estou sendo um fardo pra ela, agora que a Mille achou outra coisa pra gostar.”

— Anette... — Ela teve de hesitar. Désirée tinha certeza que, se raposas pudessem chorar, Anette estaria fazendo isso agora mesmo. Doía. Doía tanto vê-la assim. Désirée não pode se conter quanto a estender uma mão em sua sua direção, acariciando-lhe os pelos. Observou-a aproveitar o gesto, descansando a cabeça em sua mão para só então dizer: — Anette, não diz essas coisas, por favor. A Mille te adora.

Ela não pareceu convencida, a julgar pelo resmungo que soltou.

— Veja bem, ma chéri — Désirée continuou. — Ela só não pergunta mais onde você tem ido porque sabe que está comigo e que estou cuidando de você, não porque não se importa. Ela te adora, muito mesmo. — Mais um pouco de carinho, agora no queixo da raposa. — Mille só mudou de ideia agora, e como mudou, tem muito pra se preocupar. Claro que conseguir um emprego depois de tanto procurar vai deixá-la feliz, querida.

“Eu ainda não entendo porque ela mudou de ideia assim, Desy” respondeu finalmente. “Simplesmente não entendo...”

Désirée parou por um momento, ponderando.

— Acho que sei porque ela quis mudar de ideia. — Os olhos curiosos de Anette a fitaram, e Désirée levou mais alguns segundos para escolher as palavras. — Sabe, Anette, nós, humanos, diferentemente dos Pokémon, não temos muito tempo de vida. Comparado com quanto tempo levamos para evoluir e quantos anos a guerra entre as duas raças durou, com o quanto de informação e coisas que há para se ver pelo mundo, é... É muito pouco. Às vezes, quando nos sentimos muito saturados de uma coisa, por mais que amamos fazê-las, temos que tentar algo novo. Aproveitar o que mais a vida tem para nos oferecer, para não o deixarmos pensando que não vimos o máximo que ele podia nos oferecer. — Outra pausa. — Acho que Camille quer tentar experimentar antes que não tenha mais tempo pra isso.

Anette continuou em silêncio após seu pequeno discurso. De vez em quando, Désirée se via forçada a encarar algum outro ponto da casa, qualquer lugar que não incluísse a Pokémon. Estava quase, quase se arrependendo de ter feito um discurso tão sentimental assim. Ela nunca fora boa em se expressar ou ajudar as pessoas. Nunca gostara de dizer coisas do tipo em voz alta; no papel era melhor, pois continuava pessoal apesar de tudo. Quem o visse estaria há milhas de distância, às vezes. Quem visse não a julgaria abertamente por tamanho sentimentalismo e nem pela voz tremida que certamente teria.

O tempo continuou passando. Anette enfim falou novamente:

“Eu já te disse que você é uma boa ouvinte?” Finalmente sorriu, e Désirée sentiu o alívio derramando-se sobre si, permitindo-na esquecer a vergonha súbita que a assolara momentos atrás. “E que é ótima pra ajudar as pessoas?”

— Que nada. — Retribuiu o sorriso. — Eu só digo um monte de coisas que escritores sentimentais dizem.

“Bom, então eu acho que gosto de escritoras sentimentais.” Désirée quis se bater por sentir o rosto esquentar pelas palavras. Disfarçou tudo com um sorrisinho zombeteiro. “Obrigada, Desy. Você realmente é uma ótima amiga”

— Oh... — O rosto pareceu esquentar mais ainda. Subitamente, a mente sempre cheia de palavras de Désirée pareceu se esvaziar. Ela se encolheu no lugar, mantendo o sorriso de antes. Nunca saberia como reagir diante de elogios. — Obrigada...

Outro sorriso de Anette, que demorou-se alguns segundos observando a jornalista.

“Sabe de uma coisa, Desy?” perguntou ela, sem esperar por sua resposta. “Às vezes eu tenho a certeza que tu daria uma ótima treinadora Pokémon, assim como a Mille foi.”

— Oh não — Uma risada nervosa. Agora as coisas estavam indo num rumo perigoso. — Eu realmente prefiro ficar aqui.

“É mesmo?” Anette arqueou uma sobrancelha. Felizmente, não insistiu no assunto. Por enquanto. “Mas me diz, qual a sua opinião sobre sair em jornada?”
Désirée passou um dedo sobre a caneca quente de café, tomando mais um ou dois goles enquanto pensava. O que ela pensava? Muita coisa.

— É uma ideia tentadora, para falar a verdade — ouviu-se dizendo, surpreendentemente. Désirée não achava que tivera uma chance de transcrever os seus pensamentos perigosos em palavras. — Gosto da ideia de ser livre, de ver tudo o que o mundo tem a oferecer durante as viagens. As batalhas, a fama... Tudo me admira muito. Gosto de me imaginar como uma treinadora às vezes. Se... — A voz vacilou. Désirée mal podia acreditar em si mesma, mas não podia mais parar. Não conseguia. — Se as coisas não fossem como são hoje, acho que eu teria gostado de ser uma treinadora.

Subitamente, a animação da Pokémon pareceu ter voltado completamente, quem sabe até um pouco maior que o usual. Ela levantou a cabeça para olhar para Désirée.

“E por que não sai agora mesmo?”

Franziu o cenho.

— Como assim agora...?

“Agora, ué.” Désirée ainda olhou para Anette uma vez mais. Ela não podia estar falando sério.

— Você tá maluca, Anette? Eu não posso sair literalmente agora. Está escuro.

“E o que que tem?”

Ela realmente não estava acreditando naquilo.

— O que tem, Anette — começou, calmamente —, é que eu não posso. Eu tenho responsabilidades a cumprir.

“Responsabilidades ou receios?” A Pokémon a interrompeu, de olhar afiado. Désirée estremeceu por um breve segundo.

— ...Responsabilidades, Anette — disse finalmente. — Não posso simplesmente deixar a empresa por um mero desejo antigo de sair. Não posso abandonar meu emprego assim, não quando construí toda uma vida em cima disso tudo. É loucura pensar nisso. — Fez uma breve pausa, apenas para adicionar outro pensamento que cruzou sua mente: — Quem cuidaria de lá, se eu realmente o fizesse?

“Alguma outra pessoa, ué.” Anette rebateu, com voz igualmente controlada. Isso quase fazia a própria Désirée questionar sua indignação. “Você não é uma parte tão essencial assim do teu emprego. Existem outras pessoas com a mesma profissão que podem suprir as necessidades deles todos.”

— Não, não é assim que funciona — tentou, e novamente foi interrompida:

“O que, você acha que eu não sei como o trabalho humano funciona, garota? É só se livrar dessas responsabilidades. Sair, deixar tudo para trás. Se soltar dessa tua vida reclusa que tu tem.”

— Não! — Ela quase gritou, apenas para se resignar novamente. Désirée tremeu. Dando uma pequena checada em seus pensamentos, ela podia ver que o pequeno monstro já havia tirado uma de suas proteções. O sinal de que as coisas estavam indo longe demais. — Eu não posso — repetiu, firmando a voz dessa vez. Não deu certo.

Anette olhou para ela um pouco mais, prestes a dizer algo. Fechou a boca logo em seguida, estreitando os olhos enquanto a estudava. Teria ela percebido?

“Você tem medo.”

— Não, eu não tenho medo — disse, a voz saindo com uma nota falha.

“Tem sim.” Ela pareceu ainda mais firme do que a própria jornalista. “Medo e receio de sair.” Certo, ela não podia mais deixar aquilo continuar. Désirée abriu a boca para retrucar com toda a sua raiva por aquela insistência sem sentido, e pela terceira vez em menos de cinco minutos, foi interrompida: “Qualé, Désirée, eu te conheço o suficiente pra saber que no fundo, bem lá no fundo mesmo, você quer sair. Sabe que as estradas pertencem a você, que te chamam para conhecê-las, mas a única coisa que você faz é ficar em casa, se preocupando demais.”

Estremeceu outra vez, sentindo o corpo tenso. De certo modo, era verdade.

Outra proteção mental foi quebrada.

— É claro que eu me preocupo. Eu... — Tremeu novamente. Em realidade, o corpo todo tremia, incapaz de parar por meros segundos que fossem, por mais que estivesse tencionando-o ao máximo. — Eu tenho ansiedade. — Verdade.

Porém era estranho dizer aquilo em voz alta, admitir finalmente. Era como admitir que o monstro que quebrara outra de suas proteções existia de fato, admitir que não conseguia controlá-lo, que ele podia e estava atacando as paredes rachadas da mente de Désirée, esgueirando-se por elas, envolvendo sua mente, seu corpo...

A respiração ficou um pouco mais pesada.

“Desde quando você usa isso como desculpa?” A Ninetales continuou falando, o olhar afiado mantendo-a presa. Désirée queria desviar o olhar. Queria muito. Mas como o faria quando Anette exercia tanto poder sobre si apenas com a cor gelada de seus olhos?

— É porque não é detalhe, já te disse.

“Óbvio que é” rebateu a Pokémon, a voz dela muito mais poderosa, raivosa, convincente. “Você está deixando isso tomar conta de você e controlar a sua vida.”

Realmente, ela estava. Mas, de novo, que problema havia nisso, que problema havia em tentar combater o monstro, escondendo-o no fundo de sua mente e na rotina monótona de seu emprego como redatora? “Você acha que tem o controle de tudo, mas na verdade quem tem o controle não é você, é o seu problema. É isso que te faz reclusa, que te impede de sair, não as responsabilidades para com uma empresa que só te deixa estressada.” Era verdade, era tudo verdade.

“Me diz, Désirée, quando foi a última vez que tu realmente gostou de falar do trabalho comigo? Ou que veio com um sorriso no rosto, ou o que saiu com uma cara animada?”

Agora isso sim já estava indo longe demais, não importando todo o corpo tremendo, toda a mente gritando que era verdade, que ela não podia negar boa parte de suas palavras. Mas o seu emprego? Não. Isso era algo que Anette não podia dizer nada sobre. Sim, a ansiedade controlava sua rotina e suas decisões, porém dizer que nunca saíra da empresa com um sorriso no rosto era a mesma coisa que dizer que Désirée não gostava do que fazia, que não tinha paixão por um de seus maiores hobbies, a escrita. E ela tinha paixão por escrever textos. Ela aproveitava os momentos. Ela gostava daquilo tudo. Ela amava.

...Não é?

Não.

Um espasmo percorreu seu corpo quando o monstro finalmente deixou o seu confinamento, tomando-a de súbito. O monstro — não, ela, ela o fez — disse que aquilo não era verdade. Mostrou a ela várias, várias imagens dos dias de estresse de Désirée, de como ela quis ficar em casa ao invés de lidar com as pessoas da empresa, de como ela não queria estar redigindo um texto repleto de regras para ser entregue e publicado. De como aquilo estava frustrando-a, de como às vezes se perguntava se realmente gostava de escrever, se realmente gostava daquele emprego. Dos dias em que, incapaz de controlar os seus pensamentos, se perguntava se fora realmente isso que quisera escolher para sua vida, se não fora apenas uma escolha de seus pais, que esperavam um emprego fixo para sua única filha do que a estúpida escolha de sair em viagem Pokémon. Quem sabe se, anos atrás, se não tivesse contrariado os pais para seguir o sonho, não estaria tudo diferente agora? Poderia ter acompanhado Camille. Poderiam estar viajando até hoje. Poderia, assim como ela, trocar de profissão quando não quisesse mais, pois afinal, não era obrigada a fazer uma só coisa durante toda a sua vida.

Perguntava-se agora mesmo se tudo aquilo valera a pena. Se estava realmente feliz. Se não estava mesmo tentada a aceitar a loucura de Anette, e simplesmente sair, sair e deixar tudo aquilo para trás.

O monstro sabia todas as respostas. Sabia do arrependimento guardado, ainda mais fundo do que o próprio monstro, porém próximo o suficiente para ele fazer uso daquilo quando bem entendesse.

Deus. Como ela tremia.

Désirée sabia que não era naquela situação, sob todas aquelas condições que queria estar. O monstro, ela, tudo em sua mente abaia que queria sim, queria sair. Agora mesmo.

Mas era covarde.

Era covarde, Désirée era covarde.

Ela olhou para Anette mais uma vez.

— M-mas eu... — Estava gaguejando agora, tanto quanto tremia. — Eu não consigo... — admitiu, enfim. Que engraçado que era fazê-lo, sinceramente. — Não tenho tanta coragem quanto você.

Covarde, covarde. Era covarde.

Anette, olhando para ela agora, sabia disso. Como não saberia, agora que literalmente estava contemplando a própria visão embaçar de lágrimas, caindo pelas bochechas aos montes, de um jeito incontrolável? Deus, a tremedeira estava tão violenta. E respirar, ela não conseguia respirar direito.

Deus. Deus, não, por favor...

Ela duvidou do medo que viu na expressão da raposa, subitamente desconcentrada com tudo aquilo. Duvidou ainda mais quando, em meio a sua respiração inexistente, o peito ardendo sem oxigênio suficiente, e sentiu o focinho da Pokémon próximo ao seu rosto, tocando uma das bochechas molhadas. Olhou para ela, e continuou duvidando.

“Désirée” sussurrou, tão baixinho que talvez não ouvisse se não estivesse tão próxima. “Désirée, respira.”

— N... N-não con... — Não consigo, foi o que tentou dizer, sem sucesso, pois sequer tinha forças para isso. Covarde, inútil. Tampouco conseguia formar palavras direito. Covarde e inútil, não fez nada da vida até agora. Sinto tanta pena de você...

A Pokémon continuou com o tom complacente, aproximando o focinho um pouco mais. Havia um sorriso caloroso nela, mas Désirée não acreditava nele, não acreditava nela, não acreditava em si mesma. Não acreditava em nada. Só em seu fracasso.

“Consegue sim, querida. Respira comigo.” E inspirou forte, os olhos pregados aos dela. Désirée tentou acompanhá-la. “Agora, expira.”

Ela o fez. Anette inspirou de novo, apenas para Désirée a companhar. Ela o acompanhou, agora ouvindo, porém não assimilando as palavras sobre expirar e inspirar novamente, expirar e inspirar. Eram nesses momentos que se perguntava como uma tarefa tão básica de seu corpo podia ser tão difícil assim, pois havia vezes em que puxava o ar rápido demais, outra que expirava rápido demais, outras que sequer conseguia segurar a respiração para fazê-lo vagarosamente. A tremedeira no corpo, sempre tão forte, parecia impedi-la ainda mais, junto do coração acelerado, palpitando com força sem fim. Estaria Anette ouvindo o quanto ele corria? Deus, estava batendo tão pesado que parecia que ela iria ter algum ataque mais sério ou alguma coisa assim.

Esperava que não ficasse tonta, não a ponto de desmaiar Já acontecera uma vez. Poderia acontecer outra. Poderia morrer por causa disso — não sabia se era possível, mas sempre havia a possibilidade —, e se ela morresse, o que faria a partir daí? O que seria de Désirée, que não poderia realizar o próprio sonho, que não poderia se desprender de todos os seus grilhões. Não, ela não queria morrer, ela não queria ter um ataque, ela odiava ataques de pânico.

Covarde.

“Respira, querida.” A voz baixinha chamou-a novamente. Désirée o fez junto dela, sentindo o coração ainda batendo forte. “Inspira, assim.” Ela puxou o ar junto da raposa. “Agora expira.”

Désirée não viu muita diferença em seus esforços, porém continuou fazendo mesmo assim, obrigando a si própria a prestar atenção em Anette, em sua voz calma, concentrou-se em tentar atingir o mesmo estado de calmaria que ela.

Assim seria melhor.

Aos poucos, a tremedeira foi ficando menor. O coração se acalmou, abaixando a velocidade de pouco em pouco, apenas para acompanhar o ritmo em que o peito se movia.

“Tá tudo bem, querida, tá tudo bem...” Anette continuava repetindo, dando-lhe carinho da melhor forma que uma raposa de seu tamanho poderia. Sentiu uma das patas em seu colo, descansando ali. “Vai ficar tudo bem.”

Por um momento, ela se permitiu acreditar naquilo. Porque, se fosse com Anette, se ela estivesse ali com ela, acreditando em sua capacidade de se controlar novamente, mesmo sem expressar isso om palavras, ela poderia, certo? Anette estaria ali para ajudá-la se algo desse errado.

Acalmou-se.

Vários momentos depois, ainda sentindo a rosto de Pokémon roçar no seu, os pelos macios às vezes secando as lágrimas que ainda insistiam em cair,

Désirée pôde dizer que não estava mais tremendo. A respiração estava normal mais uma vez. A mente? Transformara-se num espaço ermo.

Um silêncio confortável envolveu as duas. Anette, notando a calmaria de volta nas feições da mulher, de-lhe um sorriso caloroso. Désirée apenas olhou para ela, e assim as duas ficaram por alguns bons momentos.

“Acho que já faz muito tempo desde que você se deixou se soltar, ma chérie” murmurou ela, suave. Désirée continuou encarando-a, agora limpando o restante das lágrimas no rosto. “Vem comigo, Desy” pediu ela, o sorriso sempre no rosto. “Vem comigo. Vou te mostrar o que é ter liberdade.”

Ela não entendeu de primeira. Não disse muito, apenas continuou observando-a, sentindo-se, de certo modo, pequena perto dessa presença tão forte e calorosa que Anette era. Ao mesmo tempo, se sentia contagiada por toda a sua intensidade, com o peito esquentando, envolto pela aura tão gostosa e contagiante que ela trazia.

Anette se levantou, ainda de sorriso no rosto. Chamou-a para vir consigo, e apesar das dificuldades que ela sempre apresentava para abrir as portas da casa de Désirée, foram passando pelos cômodos em que sempre deixava a porta aberta, especialmente para ela. Foram para o jardim, Désirée quase tendo de correr para acompanhá-la.

— Aonde estamos indo? — perguntou, alcançando-a até os portões. Com destreza que Désirée achou surpreendente, a Pokémon havia saltado por ele, caindo com graciosidade espantosa para o seu tamanho.

“Você vai ver” disse ela simplesmente.

Désirée foi acompanhando-a, meio hesitante, feliz, receosa e confusa. Continuaram caminhando pela noite silenciosa, assim mesmo, Désirée de roupão com a camisola por baixo, toda descabelada e de chinelos. Mal tinha tirado a maquiagem ainda por cima. E estava tão frio...

Ainda assim, continuou andando ao lado da Pokémon, que não estava medindo esforços para manter um passo rápido. Passaram por ruas desconhecidas por ela, iluminadas e silenciosas. Não havia quase ninguém para vê-las.

Finalmente, estavam na saída da cidade, onde a estrada tornava-se de terra e uma plaquinha anunciava o número da rota e os fins dos domínios urbanos de Lumiose, as quais os treinadores sempre usavam em suas viagens. Sempre era a pé no começo, outra coisa que Désirée sempre admirara. Era quase uma lei caminharem a pé por aí, primeiro sem recursos para diminuir a distância que iriam percorrer.

No entanto, ver a saída da cidade ali a assustou. Désirée abriu a boca para perguntar mais uma vez, e parou apenas por culpa do olhar da raposa. Ela finalmente havia parado de caminhar.

“Vem cá, sobe em mim.”

Désirée olhou para ela de olhos arregalados.

— O quê?

“Sobe em mim.” E se deitou na grama mesmo, deixando-a na altura perfeita para Désirée obedecê-la.

— Mas Ninetales não são apropriadas pra montaria...

“Relaxa, já estou acostumada a fazer isso com a Camille. Te aguento numa boa.”

Désirée continuou hesitante, estudando o tamanho da Pokémon. Mas, ainda assim...

“Anda logo” ordenou ela, e Désirée encolheu os ombros, incapaz de desobedecer. Hesitante, montou em seu lombo, os pés apertados contra os pelos macios dela. Anette se levantou. “Segura o meu pescoço, bem forte, que assim você não cai.”

— O-okay... — Ela arregalou os olhos mais uma vez. Meu deus. Era assustador ver as coisas por aquela perspectiva. — O que você vai fazer?

“Já não tá óbvio, querida?” riu-se a Pokémon. Désirée apertou-lhe o pescoço. Os pelos ali eram ainda mais macios. “Vou te mostrar o que é ser livre. Tá segurando bem forte?” Assentiu. “Certo, continua assim. Vamos.”

Por mais que no fundo soubesse o que iria acontecer, Désirée ainda gritou quando a Pokémon enfim avançou. O grito se perdeu no ar, naturalmente, pois a partir dessa guinada violenta para frente, Anette não parou mais. Continuou correndo, avançando cada vez mais, saltando. Désirée gritava, gritava, e quase não ouvia a própria voz. Tudo estava passando tão rápido por seus olhos, virando um borrão tão imperceptível que ela não pode deixar de fechar os olhos. Sentiu o estomago embrulhar a medida que sentia o corpo da raposa se movimentar abaixo dela, com passadas calmas, porém rápidas.

E, apesar de tudo, Désirée sentiu o vento batendo com certa violência em seu rosto. mais especificamente, acariciando-lhe, jogando os seus cabelos curtos para trás. Sentia tudo estar em movimento. Tudo... Sendo deixado para trás.

“Abre os olhos, sua boba!” ouviu o grito de Anette, sobressaindo-se sobre o silvar do vento. “Vai, você tem que ver isso!”

Ela o fez.

Os borrões continuavam ao seu redor, agora todos eles verdes e escuros, já que havia apenas a lua para iluminar-lhe os caminhos. Claro que Anette tinha melhor noção de onde estava indo, mas...

Ela teve de arregalar os olhos por uns momentos. Até considerou abrir a boca, mas não o fez. A frente delas, via a floreta se aproximando cada vez mais, até mesmo quando a raposa desviava o caminho, não para seguir para a floresta. Tinha certa beleza naquilo, no vento açoitando-lhe o rosto, bagunçando os cabelos e mandando-os para trás, no movimento contínuo do corpo da raposa. Até lá atrás, onde podia ver a cidade se afastando com todas as suas luzes, às vezes a visão sendo dificultada pelas noves caudas balançando, como nove chicotes furiosos.

Naquele momento, Désirée pôde compreender o que Anette quis dizer por liberdade.

Sim, era um tanto assustador, por mais que ela tentasse negar. Mas aquele frio na barriga, as coisas passando rápido, a sensação de estar deixando tudo para trás, apenas por um momento... Era indescritível.

Ela quis abrir os braços para aproveitar a sensação. Quis rir, e não viu porque não o fazer. Abriu um enorme sorriso, sentiu até o rosto doer de tão grande que estava o seu sorriso.

“Viu?” O grito de Anette se sobressaiu de novo. A raposa sorria tanto quanto ela. “Isso que é ser livre!”

— É muito bom! — gritou de volta, achando graça quando não ouviu a própria voz. Riu novamente. Indescritível.

De novo, pensou em abrir os braços, como numa cena épica de filme, mas continuou ali, segurando firme o pescoço da Pokémon. Inclinou o corpo, porém, observando tudo se aproximar e passar.

Assim mesmo, as duas ficaram, ouvindo o próprio riso se perder no ar. Anette foi correndo um pouco mais, adentrando uma parte da floresta, onde às vezes saltava, fazendo Désirée ter a breve sensação de estar voando com ela. Surpreendia-se com cada pequena coisa, especialmente a facilidade com que Anette tinha para esgueirar-se por entre as árvores. Surpreendia-se com o vento, e com como a noite que pareceu mil vezes mais bonita vista assim, do alto só por alguns instantes.

Pararam só o que pareceu ser segundos mais tarde, quando alcançaram uma parte da floresta em que as árvores eram poucas, e o céu parecia se estender a partir de então, revelando um desfiladeiro. Foi sentindo a Pokémon desacelerar a corrida aos poucos, porém ainda assim pareceu ter sido súbito quando enfim pararam.

Anette, ofegante, foi andando para um caminho ainda mais aberto, próximo e ao mesmo tempo longe da ponta do desfiladeiro. A vista dali era linda, Désirée tinha que admitir. E o céu estrelado, tão lindo quando os que jamais prestara atenção em Lumiose. Não eram muitas, entretanto... Ela não se lembrava a última vez que vira tantas estrelas assim, na verdade. Ou da última vez que vira a lua brilhar tanto, revelando a aparência delicada do que havia mais além.

Anette agachou-se novamente, ainda ofegando. Désirée desceu, as pernas parecendo tremer. Ainda sentia como se o corpo e o de Anette estivessem avançando cada vez mais rápido, embora estivesse parada. Ela e a raposa pararam por um momento, Désirée de pé, admirando o lugar.

— É tão bonito... — murmurou, por fim. Por falta de fôlego, a raposa apenas sorriu de volta.

Depois de uns minutos, foi sentar-se com a Ninetales, as costas em seu corpo e muitas de suas caudas descansando em seu colo. Ficou ali, acariciando-a apenas, pensando e admirando a paisagem.

No âmbito de todo o silêncio, Désirée se sentiu bem. Como na pequena corrida, livre. Agora sem nenhum grilhão para impedi-la de alguma coisa, seja o que fosse. Não havia ninguém para julgá-la. Não havia nenhum ambiente de trabalho sufocante, não havia treinadores, Pokémon, nada. Só ela e Anette. Só ela, Anette e a sua felicidade.

Um sorriso brincava em seus lábios de tempos em tempos, acompanhando a carícia que deixava nas costas da Ninetales. Realmente a adorava. Ela e sua animação, que sempre fora contagiante, e que sempre lhe doía quando faltava. Havia adorado ainda mais a capacidade dela de acalmá-la, com ainda mais efetividade do que alguém que já vira este lado feio de si fizera uma vez. Amava os pelos macios, como ela era boba para pedir carinho. Amava como a sua coragem a inspirava a tentar o mesmo, admirava-lhe muito. Com um risinho, podia dizer que a amara, mesmo com poucos meses de convivência. Uma possibilidade engraçada essa. Anette tornara-se muito importante para Désirée, em todo esse tempo que ficaram juntas.

Seria aquilo o que chamavam de amor? Isso era um pouco mais engraçado de se pensar. Por isso mesmo a considerava, sorrindo enquanto acariciava-lhe os pelos.

De repente, Désirée sentiu o olhar de Anette. Virou a cabeça em sua direção, encontrando os olhos azul gelo, sempre tão gentis, encararem-na com curiosidade peculiar.

“Désirée...” murmurou a Pokémon, ainda com a cabeça entre as patas. Havia um sorriso em seu rosto também, contrastando com a certa suavidade na voz. “Désirée,” repetiu “gosto tanto de você...”

Surpresa foi tudo que Désirée conseguiu identificar no momento. Até perdeu o fôlego por alguns momentos, tanto pela declaração pela enorme sensação de que, talvez, Anette pudesse ter lido sua mente. Não, isso não era possível. Apenas Pokémon psíquicos o faziam, e Anette era uma Ninetales, de fogo, sem possibilidades de aprender uma coisa dessas do nada.

O rosto esquentou.

— Hm...?

“Gosto tanto de você, Desy” repetiu a Pokémon, parecendo divertir-se com sua reação. “Muito mesmo. Sério, eu te amo muito.”

— O-oh... — Aquilo era muito desconcentrante. — Eu também gosto muito de você, Anette — conseguiu confessar ela, sentindo o rosto queimar mais e mais.

“Você entendeu o que eu quis dizer?” indagou a raposa, franzindo o cenho, porém sem deixar o sorriso de lado. Désirée respondeu com sua expressão confusa. “Je t’aime, ma chérie. Gosto tanto de você que gostaria de passar o resto da minha vida ao seu lado. Do tipo de termos uma relação. Amantes. Essas coisas.” E riu em seguida, com o rosto já levantado para olhar melhor para Désirée. “Je t’aime.”

Désirée não conseguiu dizer nada diante daquilo. Arregalou os olhos, abriu a boca, fechou de novo, e nada de alguma frase coerente deixar seus lábios, apenas um murmúrio incrédulo. Aquilo... Aquilo ela não esperava. Melhor, pouco podia acreditar. Ela? Désirée, sendo amada por alguém? Por Anette? Alguém que queria, queria... Passar o resto da vida ao lado dela? Não podia ser possível.

E meu deus, aquilo era estranho em tantas maneiras. Désirée não era amável. Não tinha nada de atraente. Não conseguia inspirar tanta confiança, e há pouco tempo literalmente tivera um ataque na frente de Anette. E mais, ela era uma raposa. Um Pokémon. Não... Não era certo.

— Anette, o que... — tentou começar ela, finalmente. — Eu... Você... Como... Você é uma Pokémon!

“E daí?”

— Daí que.. que.. Isso não é certo. Não pode. — Certo, era mentira.

“Eu conheço as leis.” Anette manteve-se calma, porém havia certo aborrecimento em sua expressão. Aborrecimento misturado a gentileza.

— Mas... Mas não é nem um pouco bem visto, e eu... nem sei o que dizer...

“E daí ser mal visto?”

— Daí que... Meu deus, o que os outros vão pensar?

A raposa suspirou.

“Désirée, você gosta de mim?” perguntou ela, finalmente.

Ela não respondeu de imediato. Baixou os olhos, ainda em sua direção. O rosto corava ainda mais. Ainda assim, viu-a sorrir.

“O que os outros tem a ver com isso então” perguntou, novamente suave. Désirée sentiu como se tivesse levado um tapa de realidade na cara, algo que era tão óbvio que não conseguira enxergar até então. “O que importa se é mal-visto? Aliás” adicionou ela, rapidamente. “Que é que importa que somos de espécies diferentes e não vamos fazer muito?”

Era verdade. Désirée reconhecia, antes e agora, que se ela quisesse fazer alguma coisa, ninguém tinha algo a ver com isso. Não devia nada a ninguém que não fosse ela mesma, e a opinião dos outros não só não devia importar, como também não importava. Porque estava falando dela mesma. E se lhe fosse importante, apenas isso tinha que bastar.

Nada disso a impedia de não se sentir assustada com o que os outros pensariam, porém. Não impedia também a incredulidade que sentia, tampouco o seu receio de deixar-se amar Anette daquela maneira, sendo ambas de raças diferentes. Sim, a amava. Muito. A adoração, o carinho todo, nada disso era apenas fraternal, apenas uma amizade. Désirée a amava, sim.

E queria começar uma relação, apesar de tudo. Anette sabia. Vira em seu olhar.
Porque se impediria, então? Anette não o estava fazendo. Anette não se importava. Désirée gostaria de ser como ela. Gostava de como ela a inspirava para tentar ser como ela, assim, sem escrúpulos, apenas fazer porque dera vontade.

“E aí?” perguntou ela, depois de alguns vários momentos observando a expressão e rosto vermelho de Désirée. Ele teve um impeto de desvair o olhar.

“Quer ficar comigo? Podemos usar isso como um marco da sua decisão de deixar tudo para trás, se você quiser.” É claro, é claro que ela saberia que

Désirée queria deixar tudo para trás também e simplesmente ir embora.

Ela sentiu o peito aquecer ainda mais, o coração batendo forte. Havia uma pequena dorzinha ali. Dor boa, aquela. O aperto familiar do amor.
Baixinho, ela respondeu:

— Eu quero...

Anette abriu um enorme sorriso para ela, murmurando alguma coisa incompreensível. Os olhos continuaram observando-se, ambas contemplando a pequena decisão tomada. Sim. Seria um amor para aquela nova etapa da vida de Désirée.

— E agora...? — perguntou, praticamente rindo. Sentia-se tão bem.

Anette abriu outro sorriso para Désirée.

“Agora a gente é feliz.”

Certamente seriam.


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Notas finais do capítulo

ALÔ, ALÔ

Primeiramente, Anette, apesar de eu ter posto ali um link pra aparência original dela, tem uma customizada, que a Alysse desenhou pra mim. Vocês podem dar uma olhada nela neste link: sta.sh/01tuv33n440

Segundamente... Vocabulário francês procês:

Ma ange: Meu anjo
Ma chérie: Minha querida
Je t'aime: Eu te amo


Agora sim, para as notas da fic~

Eu amei ter escrito essa história, gente. Sério mesmo, todas essas palavras foram feitas no NaNoWriMo, e poso dizer que, mesmo durante os sprints e as sofrências de ter desistido dos 100k nele, amei cada momento do processo. Essa onezona meio que virou minha fic bebê agora. T.T

Tá certo, bateu a preguiça pra revisar mesmo (DESCULPA, GENTE), especialmente porque na época eu nem sabia diferenciar os 4 porquês e não fazia ideia que meu francês ao longo da fic estava errado, mas ainda é meu xodózinho, meu bebêzinho. Tenho orgulho de tê-la feito. Amo esta fic e irei protege-la. E fazer umas continuações pra ela e -n

Quero deixar uns agradecimentos aqui, porque sem essas pessoas, talvez a fic nem tivesse saído do papel (ou do telegram? ué): Muito obrigada ao Kurono, que me chantageou pra escrever e ouviu meus dramas de escritor, pelas músicas e pela sofrência conjunta em escrever a fic. A Alysse, que é uma beta e rabiscadora maravilhosa, a Barbs maravilhosa, que além de linda e musa inspiradora, me deu umas songs amorzinho pra ter o clima francês e romance fofo pra escrever. Vocês todos tem meus abraços de doge eternos ♥

Foi um vasilo grande, mas agora não podem mais me chamar de vasilona desse DeLaPa. u_u

Enfim, eu também quero saber a opinião de vocês sobre a fic. reviles, erros que deixei passar, críticas, abraços pro doge, um 3DS, mordidas amigáveis? Adoraria ouvir vocês tudo e dar um biscoito de graça. :3

*pega lencinho pra limpar as lágrimas* Until the next time~



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