Abstrato escrita por roux


Capítulo 12
A Morte




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/714930/chapter/12

A morte vem de longe, do fundo dos céus. Vem para os meus olhos, virá para os teus. Desce das estrelas, das brancas estrelas, as loucas estrelas. Trânsfugas de Deus chega impressentida, nunca inesperada. Ela que é na vida a grande esperada! A desesperada do amor fratricida, dos homens, ai! Dos homens que matam a morte por medo da vida.

Eu estava deitado em uma cama de hospital quando acordei. Fiquei fechando e abrindo os meus olhos por um tempo. Era como se não estivesse preparado para a luz, à retina ardia quando meus olhos entravam em contato com a luz forte. Somente depois de um tempo longo é que pude forcar no quarto. Era mesmo de hospital, o bipe ao lado da cama, tudo branco e com cheiro forte de álcool e remédios, eu senti vontade de vomitar. Odiava hospitais.

Havia alguém ao meu lado. Eu não me virei, sentia meu corpo fraco, não tinha força para me mexer de forma brusca.

— Mãe? — Eu chamei sentindo minha voz fraca e baixa. Eu não tinha forças nem para falar, quem diria para levantar. Não houve resposta. Então tentei mais uma vez e dessa vez fiz uma força maior para conseguir gritar. — Manhê?

A pessoa sentada ao lado da cama em uma poltrona levantou e caminhou em passos rápidos até minha cama. Segurou minhas mãos e eu senti que não era minha mãe. Então a pessoa se inclinou em minha direção.

Lucas. Ele estava com olheiras e uma aparência tão cansada. Fiquei olhando em sua direção sem piscar. Ele sorriu sem jeito.

— Fico tão feliz que você acordou. — Ele disse baixinho e se inclinou beijando a minha testa. — Eu sei que não é o momento, mas nunca mais faça isso, porra. Eu quase morri quando soube disso.

Fiquei em silêncio o que eu iria dizer? O que poderia fazer se mal conseguia chamar minha mãe. Senti sua mão em meu rosto e fechei meus olhos. Apreciei tanto aquele toque.

— Eu nunca vou deixar você de novo. Eu saí por dois dias e você faz o que? É isso mesmo você tenta se matar. Pode me dizer por que fez isso? Ou melhor. Não, conversamos depois. Eu vou chamar uma enfermeira e avisar aos seus pais. — Ele disse preocupado e me encarou nos olhos. — Eu já volto amor.

Ouvi-lo me chamar de amor foi tão especial. Eu me senti tão querido. Fechei meus olhos, não queria chorar. Fiquei respirando profundamente. Os bipes do aparelho ficaram mais rápidos.

Então eu ouvi vozes. E várias pessoas entraram no quarto, mamãe correu até mim e segurou minha mãe. Ela estava chorando quando me beijou, a mão que segurava a minha tremia descompassadamente. Papai estava nervoso também. Eu me senti muito bosta os vendo daquela forma por minha causa.

— Então vamos ver. — Disse uma médica ruiva segurando uma prancheta nas mãos, ela leu algo. — Eduardo, como se sente? Você consegue falar? — Ela perguntou.

Não... — Eu disse com dificuldade. — Mais ou menos. — Completei sentindo a voz rouca falhar.

A médica se aproximou de mim e colocou uma lanterninha em meus olhos. Fez pequenos testes com o dedo em frente aos meus olhos e depois ela checou os aparelhos. Ela se virou para meus pais e depois para mim. Sorriu satisfeita.

— Estou muito feliz com os resultados, promissores. Você está muito bem para quem está em coma induzido há cinco dias seguido. — Ela disse. — Agora você só precisa descansar.

“Descansar?” Eu tinha ficado em coma induzido cinco dias e eu precisava descansar? Porque eu tinha ficado tanto tempo desacordado? Eu olhei confuso para a médica e ela sorriu ainda mais carinhosa.

— Você perdeu muito sangue. Estávamos quase perdendo você quando chegou aqui. Precisamos fazer transfusões. Porém o seu corpo estava recusando o sangue que colocávamos em você. — Ela falou. — Por um tempo achamos que tínhamos te perdido. Estávamos todos prontos para avisar aos seus familiares.

Mamãe soltou um gemido abafado e papai a abraçou. Eu fiquei encarando a médica.

— O seu coração parou três vezes. Mas você voltou. Então continuamos, e seu corpo recebeu o sangue. Você ficou estável. Então acordou. O coração disparado, você gritava e chamava pela morte. Achamos melhor induzi-lo ao sono. — Ela completou. — Mas agora acho que não será preciso dopar você novamente. Você está bem, vou pedir para uma enfermeira o acompanhar. Agora deixarei você com sua família, você precisa desse tempo.

A mulher então saiu me deixando sozinho. As pessoas me olhavam tristes. Eu estava triste e cansando. Meu corpo fraco, eu não tinha muita vontade de ficar ali encarando. Eu queria que eles saíssem.

— Por que meu amor? — Perguntou mamãe sentando na cama. Ela me olhou chorando e acariciou meu rosto. — Eu quase morri junto.

— Eu, mamãe... — Falei com dificuldade e reuni todas as minhas forças. Segurei sua mão e fiquei ali encarando a minha mãe. Era melhor deixar esses assuntos para depois. — Eu estou com fome!

— Sim, meu amor. A mamãe vai dar um jeito nisso. — Mamãe disse e levantou bem na hora que a enfermeira entrou no quarto.

Era uma senhora gorda e baixinha, ela sorriu carinhosa. — Eu sou a enfermeira Neusa, e eu vim visitar meu paciente, como se sente? — Ela perguntou para mim.

— Ele está com fome! — Mamãe disse. E eu agradeci mentalmente, cada vez que eu falava, era como se ficasse mais cansado.

— Está bem, vou providenciar uma comida leve para nosso paciente. Enquanto vocês, o horário de visitas acabou. — A enfermeira disse meio triste e olhou para os presentes.

Mamãe foi até mim e beijou minha cabeça e olhou para Lucas estava pensativa então disse baixo. — Lucas você não quer trocar de lugar?

Lucas negou rápido. — Não dona Edna. A senhora tem a Marcela para cuidar. Eu fico com ele.

— Você é um menino de ouro, o melhor genro que eu poderia querer! — Mamãe falou e Lucas sorriu.

“Genro!” Ela disse genro? Como assim? Por quanto tempo eu tinha dormido? Anos? Eles realizaram um pedido de namoro, noivado e casamento sem mim? Fiquei encarando os dois.

— Fica bem, meu filho. — Papai falou triste. Ele havia chorado e parecia não dormir a cinco dias. Fiquei encarando meu pai e ele me beijou na cabeça. — Nós voltamos logo.

— Está bem, então vamos. — Disse a enfermeira. — O namorado vai ficar porque é acompanhante, né? Se bem que você pode ir fazer um lanche meu filho.

— Não estou bem, eu vou depois. — Ele disse e encarou a mulher. Ela por sua vez apenas sorriu e saiu puxando meus pais. Lucas virou para mim e sorriu sem jeito. — Namorado, hein? Perdão, mas foi à única forma de eu ficar. Os seus pais permitiram por isso.

Eu tentei balançar a cabeça em afirmativa e senti tontura. Eu estava mesmo fraco. Minha cara me denunciou.

— Você está ficando verde, não faça esforço. — Lucas disse carinhoso e sentou na pontinha da cama. Ele segurou minhas mãos.

Eu encarei.

— Eu gostaria...

Não conseguia falar direito. Estava com sono de novo. Olhei para ele que ficou me encarando. Então tentei novamente.

— Eu gostaria que fosse meu namorado. — Falei cansado e fechei meus olhos. Ele apertou minha mão com um pouco de força e fez carinho.

— Então você será meu amor. Então você será! — Ele sussurrou e depois me selou os lábios.

Eu abri os olhos e o encarei. Eu seria sincero quando pudesse falar. Eu seria totalmente sincero.

A enfermeira voltou e eu comi a refeição mais horrível da minha vida. Eu tenho que concordar, comida de hospital é um saco.

Não levou muito tempo para eu receber alta do hospital. Eu só fiquei mais três dias internado e voltei para casa. Os meus pulsos continuariam enfaixados por mais dias. E mamãe já tinha aprendido a fazer a higienização. Ela sempre me olhava triste enquanto limpava os cortes. Ela sabia que eu ficaria com aquelas marcas por muito tempo. Foram profundos, quem sabe ficaria para sempre.

— Pronto. Eu terminei. — Mamãe disse quando terminou de enfaixar meus pulsos novamente.

Era bom estar em casa. Eu sorri sem jeito. Estávamos todos evitando falar sobre o ocorrido e eu iria evitar o máximo que conseguisse. Ela me fez um cafuné e saiu do quarto. Lucas entrou.

— Oi. — Ele disse sem jeito e me encarou.

— Oi! — Respondi.

— Aquele dia no hospital. Aquilo que você disse, foi sério? — Ele perguntou baixinho.

Foi... — Eu disse, mas logo respirei fundo e emendei. — Mas tem um, porém, não sei se você ainda vai me aceitar...

— Por que diz isso? — Ele perguntou confuso.

— Eu vou te contar tudo. — Eu falei baixo e então voltei a falar. Contei para ele porque comecei a me isolar do mundo e porque tentei me matar da primeira e da segunda vez. Eu contei do estupro. Eu contei sobre tudo que sofri. As coisas que li, que ouvi que senti. Ele ficou o tempo todo quieto e me olhando. Eu tinha lágrimas escorrendo pela face. Eu contei sobre eu e o Guilherme. Contei sobre a minha confusão e sobre o que o Guilherme fez. Sobre o que fiz no carro. Contei tudo, apenas desabafei.

— O Guilherme ficou muito preocupado com você quando estava no hospital. Ele chegou a ir lá várias vezes. Ele é mesmo seu amigo. — Ele falou ignorando as primeiras coisas que eu tinha falado.

Ele não iria me querer. Fechei meus olhos.

— Eu tenho uma pergunta. Se ele não estivesse com o ex agora. O que você faria? Quem você escolheria? Ele ou eu? — Lucas me perguntou encarando-me.

— Você! — Eu respondi. E era verdade. Eu não precisava pensar sobre isso. Não tinha mais confusão em minha cabeça. Era ele.

— Eu! — Ele disse sério. Estava quieto. Inexpressivo. — Então tudo bem. E sabia Edu, que eu nunca o julgaria pelo que aconteceu. A culpa nunca é da vitima. Não foi culpa sua. Eles que devem pagar por isso e eles vão. — Ele disse e sentou do meu lado. Tocou meu rosto. — Não queria que tivesse escondido isso de mim por todos esses anos, nós sempre fomos amigos.

— Teríamos sido se eu tivesse contado de cara? — Perguntei e ele ficou calado, mas então balançou a cabeça em afirmativa. Eu deitei a cabeça em seu ombro. Eu estava pronto para uma nova vida. Eu o queria ao meu lado. — Lucas você quer namorar comigo? — Perguntei.

Ele ia falar alguma coisa quando seu celular tocou. Lucas levantou e atendeu. Parecia nervoso enquanto respondia sim, e não. E o que? E por quê? Como?

Ele desligou o celular e me encarou. Estava nervoso.

— Aconteceu alguma coisa? — Eu perguntei.

— Meu pai! Ele morreu! — Lucas respondeu e me encarou nos olhos.

Eu levantei e o abracei com força.

— Estou com você...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Abstrato" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.